DARIO AMAURI LOPES DE. ALMEIDA[1]
(orientador)
RESUMO: O contexto eleitoral do Brasil na atualidade tem se apresentado como um objeto de estudo e vários aspectos, com destaque para o desenvolvimento de pesquisas no direito. Dentre os diversos fatores relacionados ao sistema legal brasileiro que se encontram no cerne da discussão atual é a obrigatoriedade do exercício do voto. Este trabalho teve como objetivo principal analisar a obrigatoriedade do voto em consideração ao que versa o ordenamento jurídico brasileiro. Através de pesquisa bibliográfica e documental sobre a temática, com o cruzamento e análise dos dados, foi identificado que a legislação brasileira é categórica em relação ao voto compulsório, uma vez que todas as leis determinam que os cidadãos brasileiros são obrigados a exercer o sufrágio, sendo determinadas sanções para os indivíduos que não o fizerem. Como alternativas é apresentada a possibilidade de justificar a ausência, sendo predeterminadas as condições da apresentação desta justificativa. Foram identificados estudos e julgados sobre a temática, com a apresentação de opiniões tanto a favor quanto contra a obrigatoriedade do voto no Brasil, sendo que tal condição ainda necessita de bastante discussão para aprimoramento do sistema eleitoral do país.
Palavras-chave: Eleições. Direito Eleitoral. Obrigatoriedade do voto.
ABSTRACT: The electoral context in Brazil today has been presented as an object of study and several aspects, with emphasis on the development of research in law. Among the various factors related to the Brazilian legal system that are at the heart of the current discussion is the mandatory exercise of voting rights. The main objective of this work was to analyze the obligation to vote in consideration of the Brazilian legal system. Through bibliographical and documentary research on the subject, with the crossing and analysis of data, it was identified that the Brazilian legislation is categorical in relation to compulsory voting, since all laws determine that Brazilian citizens are obliged to exercise the suffrage, with sanctions being determined for individuals who do not. As alternatives, the possibility of justifying the absence is presented, the conditions for presenting this justification being predetermined. Studies were identified and judged on the subject, with the presentation of opinions both in favor and against the mandatory vote in Brazil, and this condition still needs a lot of discussion to improve the country's electoral system.
Keywords: Elections. Electoral Law. Mandatory vote.
SUMÁRIO: Introdução. 1. O voto no Brasil: aspectos conceituais e históricos. 2. As bases legais da obrigatoriedade do voto no Brasil. 3. O voto e a democracia no Brasil: análises sobre o voto compulsório. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Um dos preceitos mais relevantes da democracia é a possibilidade de eleição dos representantes de um determinado povo, sendo ainda mais específico ainda quando se trata do respeito à opinião dos cidadãos, se apresentando como um dos regimes políticos de maior destaque mundial.
No Brasil, o processo democrático no que tange a eleição de líderes é realizado através de eleições diretas, com a obrigatoriedade legal do exercício do voto à cidadãos entre 18 e 70 anos, sendo facultativo a brasileiros abaixo ou acima desta faixa etária, sendo esta determinação um dos cernes da discussão sobre as eleições no país (CÂNDIDO, 2000).
Estas características do processo eleitoral no Brasil apontam para as determinações destinadas aos eleitores, apresentando principalmente a faixa etária que é obrigada a exercer o voto, assim como deixando como opção o voto de brasileiros que estejam fora desta faixa de idade.
O voto compulsório é conceituado pela exigência do comparecimento dos cidadãos às eleições para o exercício do sufrágio, e no caso de não exercício do mesmo, são apresentadas sanções legais como a aplicação de multas, serviços comunitários, impossibilidade de acesso a alguns direitos como assumir cargo público, e em alguns casos até encarceramento(SOARES; SILVA, 2016).
A conceituação do voto compulsório aponta ainda para as possíveis sanções caso esta condição não seja cumprida, o que torna ainda mais controversa a discussão sobre o tema, uma vez que o cidadão não é somente obrigado a votar, mas também se mostra ainda mais exigente ao impor punições caso o indivíduo não cumpra essa obrigação.
No mundo alguns países adotam este sistema de exigências em relação ao voto. Na América do Sul, países como Argentina, Bolívia, Equador, Uruguai, México seguem o mesmo modelo brasileiro, o que também acontece em países como Austrália, Bélgica, Egito, Fiji, Grécia, Suíça e Tailândia. Países como Estados Unidos, Canadá, Áustria, Chile e a grande maioria dos localizados na Europa, Ásia e África não seguem a obrigatoriedade do voto, adotando eleições em que o sufrágio é facultativo (SALGADO, 2010).
A observação sobre os países que também obrigam os cidadãos a votar em geral aponta para a sua localização, uma vez que compõem a América do Sul, em geral países subdesenvolvidos, ao passo que os países reconhecidos como mais desenvolvidos como Europa e América do Norte.
Nas eleições do ano de 2020, em que foram escolhidos prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, o eleitorado brasileiro era composto por 147.918.483 eleitores aptos a votar, apresentando evolução de 2,66% do eleitorado em relação às últimas eleições municipais, ocorridas no ano de 2016 (TSE, 2021).
Outros dados sobre os eleitores brasileiros são apresentados pelo TSE, como o gênero identificado dos mesmos, sendo que 52,49% são do gênero feminino, 47,48% masculino e 0,03% não identificado. No que tange ao grau de instrução, verifica-se que: 37.681.635 tem Ensino Médio Completo, perfazendo 25,47%; 22.900.434 (15,48%) possuem Ensino Médio Incompleto; 35.771.791 eleitores (24,18%) apresentam o Ensino Fundamental Incompleto; e 15.800.520 (10,68%) concluíram o Ensino Superior (TSE, 2021).
Os dados do eleitorado brasileiro demonstram o tamanho e a responsabilidade do processo de escolha dos representantes, assim como subsidiam a discussão sobre a obrigatoriedade do sufrágio, uma vez que aponta para a necessidade de compreender tal direito como um atentado ao estado democrático de direito.
As eleições no Brasil têm ganhado destaque sob diversos aspectos, sendo possível destacar a discussão acerca da obrigatoriedade do voto como um dos temas mais controversos, principalmente quando se analisa o desrespeito ao estado democrático de direito ao compreender o voto obrigatório como um ataque à liberdade individual dos cidadãos brasileiros.
No Brasil, o ordenamento jurídico atual compreende o ato de votar como um dever cívico do brasileiro, como uma ferramenta de exercício da democracia, com o qual o indivíduo expressa sua livre vontade de ser representado, e em respeito ao artigo décimo quarto da Constituição é um direito universal, e, portanto deve ser exercido por todos, de forma direta e com o sigilo devidamente resguardado (BRASIL, 1988).
Seguido à compreensão do direito ao voto é importante salientar ainda que, por ser um país democrático, a utilização da expressão de vontade do indivíduo através de uma votação se apresenta como uma forma de assegurar a expressão particular e garantir o exercício da democracia (SANTOS, 2014). Porém, é justamente essa análise da conjuntura democrática que embasa discussões acerca da obrigatoriedade do voto, uma vez que tal ação compulsória impõe que o indivíduo exerça este direito de forma efetiva, sob penas legais em casos de abstenção (SILVA, 2017).
Este trabalho tem como objetivo principal analisar a obrigatoriedade do voto em consideração ao que versa o ordenamento jurídico brasileiro. Para tanto, foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: a) contextualizar historicamente o voto no Brasil; b) identificar o embasamento legal do direito eleitoral e a obrigatoriedade do voto; e c) analisar à luz do direito a obrigação de voto e suas implicações na democracia brasileira.
Diante do exposto, o estudo sobre a obrigatoriedade do voto no Brasil é relevante em sobretudo pela necessidade de pesquisas mais aprofundadas na área, que possam contribuir para a discussão e as alterações necessárias, assim como para a formação de acadêmicos e profissionais do direito. Da mesma forma, este trabalho se mostra pertinente frente à atual conjuntura do país no que tange aos processos eleitorais, considerando em primeira instância as necessidades do povo brasileiro.
O presente estudo tem como bases teóricas e metodológicas em pesquisa dedutiva, ou seja, com análise de dados gerais para o particular, com um raciocínio lógico construído em cadeias para alcance de uma conclusão, segundo Provanov e Freitas (2013). O procedimento adotado foi a pesquisa bibliográfica e documental, com aprofundamento em todas as questões pertinentes à temática, tendo como fontes publicações diversas tais como livros, revistas, legislações, monografias, dissertações e teses (LAKATOS; MARCONI, 2017).
Por ser uma pesquisa de bibliográfica de caráter não experimental, não há qualquer tipo de intervenção do pesquisador, o qual se posiciona de forma imparcial, sem contato direto, se restringindo a observar, registrar e analisar os dados, sem a manipulação dos mesmos (MARTINS, 2002). Neste sentido a pesquisa foi realizada de forma a descrever os achados, apresentando os resultados e relacionando o que for possível entre si, padronizando a coleta de dados e realizando sua análise.
Para a realização da pesquisa bibliográfica foram selecionados os achados pertinentes à pesquisa de palavras-chave: “Estado Democrático de Direito”, “eleição”, “obrigatoriedade do voto”.
1 O VOTO NO BRASIL: ASPECTOS CONCEITUAIS E HISTÓRICOS
Partindo da premissa do Estado Democrático de Direitos, entendendo que o sufrágio se apresenta como uma consequência do mesmo, e compreendendo o pressuposto que se configura como uma característica deste sistema, Filho (2016) afirma que o voto pode ser apontado como uma expressão da cidadania, ocasião em que o indivíduo passa a ser mais ativo nas ações do Estado.
Neste sentido, é possível observar o voto como um direito adquirido de exercer a cidadania de um indivíduo, sendo uma forma de livre manifestação de sua vontade, além de ser considerado um instrumento de protagonismo no processo político em que sua nação esteja inserida, pois é uma maneira de se fazer presente e ouvido.
Ainda sobre a característica de exercício da cidadania determinada ao voto, Júnior (2009) afirma que o sufrágio deve ser encarado como a garantia de que o cidadão possa participar da escolha de seus representantes, ocasião em que essa expressão de vontade demonstra a participação mais ativa do indivíduo.
A autonomia do cidadão proveniente do ato de votar é um dos questionamentos apresentados quando discute o princípio de escolha comum a democracia, uma vez que ao mesmo tempo em que o voto imprime a liberdade de opção do cidadão, o Estado brasileiro determina que este exercício seja obrigatório aos seus patriotas.
Sobre isto Barroso (2017), esclarece que este entendimento acerca do Estado Democrático de Direitos é confrontado com a necessidade de controle que o Estado impõe ao obrigar os cidadãos à exercer o voto no processo eleitoral, sendo possível verificar que mesmo sendo uma garantia de liberdade também se apresenta como uma imposição sem subsídios.
É observado nesta colocação que enquanto manifestação de cidadania e instrumento de participação política, o voto ao ser determinado como obrigatório passa a ser questionado enquanto dispositivo democrático, uma vez que tal imposição fere diretamente a livre escolha.
Diante do observado com a relação do voto ao Estado Democrático de Direito, faz-se mister um levantamento acerca das definições possíveis de voto. De acordo com Ribeiro e Scalabrin (2009), o voto pode ser caracterizado como um ato político que coloca em prática o direito de escolher, comum à uma democracia.
É notado nesta definição que a generalidade do sufrágio e a autonomia ao cidadão são citadas como princípios básicos na sua conceituação, ou seja, o voto se apresenta como um ato de natureza política e que é um fruto da democracia, sendo importante o respeito aos princípios desta.
A definição também foi apresenta por Gomes (2008):
O voto é um dos mais importantes instrumentos democráticos, pois enseja o exercício da soberania popular e do sufrágio. Cuida-se do ato pelo qual os cidadãos escolhem os ocupantes dos cargos político-eletivos. Por ele, concretiza-se o processo de manifestação da vontade popular (p.38).
Nota-se que, no que tange ao Estado Democrático de Direito, o voto de apresenta como um instrumento de atuação cidadã, uma vez que através deste dispositivo o indivíduo tem o poder de escolher as opções que representem sua vontade, expressando efetivamente os princípios da democracia.
De acordo com Silva (2003), o voto pode ser compreendido, em síntese, como a oficialização e manifestação de um desejo do votante em determinado candidato no processo eleitoral vigente.
Observa-se que esta definição se apresenta de caráter mais simples, sem a discussão acerca da obrigatoriedade do exercício do voto, o que também e revela como um ponto importante da discussão por procurar compreender de forma mais simples as implicações pertinentes ao voto.
Segundo Tavares e Moreira (2011), o voto enquanto instrumento de manifestação democrática deve ser compreendido como um instrumento poderoso de mudança dos contextos políticos e sociais de uma país, principalmente quando o sufrágio se apresenta como uma resultante de um direito adquirido após diversos atos de resistência, como o ocorrido no Brasil.
Neste sentido, é observado que o voto também pode ser encarado não somente como o poder de escolha dos seus representantes, mas como também como um direito adquirido após muitos anos de opressão e supressão deste direito, sendo esta a realidade do país.
Para Castro (2018), o voto, no âmbito eleitoral, deve ser compreendido como o exercício da democracia em que o cidadão pode escolher seus representantes, sendo inclusive responsabilizado por esta escolha. Este princípio deve ser resguardo principalmente por se tratar do respeito à individualidade, autonomia e soberania do indivíduo dentro do processo de cidadania.
Nota-se que a definição de voto também implica a responsabilidade que o cidadão tem sobre suas escolhas, uma vez que ao escolher seus representantes através do sufrágio, os cidadãos estão sendo cruciais na determinação do futuro da nação. Também é observado que as eleições como estão construídas dão ao voto a garantia de sigilo comum a este processo, ou seja, para salvaguardar a identidade e a escolha exercida pelo sufrágio, é de suma importância que o sigilo e a individualidade do voto sejam respeitados.
Sobre isto, Mendes e Branco (2013), elucida a importância do sigilo do voto. De acordo com o autor, o resguardo do exercício do direito ao voto é devidamente instituído por lei com o intuído de garantir que o cidadão seja soberano em sua escolha, bem como livre de qualquer fiscalização ou sanção, garantindo sua liberdade de escolha. A violação do sigilo do voto é esclarecida e são determinadas suas sanções no artigo 312 do Código Eleitoral Brasileiro (BRASIL, 1965), o qual determina que caso essa infração seja comprovada o criminoso seja punido com detenção de até dois anos.
Observa-se, portanto, a relevância do voto enquanto exercício da cidadania quando é apresentada a importância da sua execução em sigilo, uma vez que esta prática assegura que o cidadão possa manifestar sua vontade de forma livre e sob amparo legal.
Para Saes (2001), o voto enquanto instrumento de manifestação da vontade e como exercício da cidadania dos indivíduos se apresenta, portanto, como cerne da discussão do mesmo como direito ou obrigação, uma vez que ainda que seu potencial cidadão seja reconhecido, a imposição do exercício do mesmo necessita ser debatido em várias instâncias.
Neste sentido, quando se trata das eleições, o voto adquire um status ainda mais importante por ser a ferramenta em que a vontade da maioria dos eleitores será soberana na escolha de seus representantes. Ainda assim, por ser uma ação pessoal de cada cidadão é salutar o respeito à princípios que assegurem a individualidade e autonomia do sujeito que exerce esse voto, questões estas cruciais no debate acerca da obrigatoriedade do voto no Brasil.
No contexto brasileiro, as definições de voto nem sempre foram respeitadas, sendo crucial a identificação do contexto histórico em que se observa a construção deste direito. Sobre isto, Filho (2016) afirma que é importante compreender o processo de constituição política do país, uma vez que o direito ao voto no Brasil se molda ao momento e ao regime político vigente à época, assim, para fins de compreensão acerca da obrigatoriedade do voto no Brasil é de suma importância o levantamento histórico que possibilite o entendimento histórico em que este direito se construiu no país, uma vez que são estas bases que possibilitam a identificação da atual conjuntura nacional no que tange a esta temática.
Silva (2017), ao levantar a historicidade do voto na sociedade, salienta que o primeiro código eleitoral de que se tem conhecimento que fora aplicado no país foram as Ordenações do Reino, sendo este elaborado em Portugal e que foi importado para o Brasil ainda no período da colonização e permaneceu como base para pleitos de qualquer natureza.
A primeira votação que se tem conhecimento em território nacional se deu por volta de 1532, ocasião em que foi eleito o Conselho Municipal da Vila de São Vicente, atualmente a cidade de São Paulo, quando os moradores da região puderam escolher seus representantes. De acordo com Nicolau (2002), no Brasil Colônia as votações existiam somente no âmbito municipal, sendo exercida de forma desorganizada, por homens livres inclusive os camponeses analfabetos, e marcada por uma série de fraudes, uma vez que não havia qualquer fiscalização do processo em si.
É observado que de início o sistema eleitoral no Brasil, assim como muitos outros quesitos e em consideração ao período colonial, era diretamente ligado ao que fosse determinado pela realeza de Portugal, não havendo qualquer alteração que respeitasse o contexto brasileiro e suas necessidades particulares. Neste período já podia ser notada a primeira votação efetivamente voltada para a eleição de representantes, o que se configura como um marco no processo eleitoral, ainda que tenha ocorrido nos moldes do sistema português.
Outra observação importante a ser constatada neste período condiz com a falta de controle e o amadorismo comum a eleição realizada no período colonial, uma vez que as chances de ocorrências de fraudes principalmente em virtude da dificuldade ou inexistência de fiscalização.
No Brasil Império, o voto era um direito de poucos, restrito às pessoas que estivem dentro de um perfil bastante seleto, com uma renda considerável, em geral identificada através da posse de mandioca. Com a Proclamação da República, a necessidade de instaurar um sistema político próprio, impulsionou a consolidação do processo eleitoral no país,
Proclamada a Independência, o problema da unidade nacional impõe- se como o primeiro ponto a ser resolvido pelos organizadores das novas instituições. A consecução desse objetivo dependia da estruturação de um poder centralizador e uma organização nacional que freassem e até demolissem os poderes regionais e locais, que efetivamente dominavam no país, sem deixar de adotar alguns dos princípios básicos da teoria política em moda na época (SILVA, 2017, p. 69).
Inicialmente é observado que durante o período imperial o direito ao voto no país estava diretamente ligado ao status social e ao poder aquisitivo dos indivíduos, o que durante a independência passou a ser questionado e já era observado um início de preocupação com o poder e organização nacional.
Outro achado relacionado ao processo de votos no Brasil Império, é o fato de que as eleições neste período eram destinadas para deputados e senadores, com elevado número de fraudes da mesma forma que o período anterior, sendo destacada ainda as ocorrências de voto via procuração ou títulos de eleitor falso, bem como somente uma parcela da população, em especial aos que eram detentores de poder econômico (NICOLAU, 2012).
É notado assim que no período imperial o sistema de votos no país se aprimorou para a eleição de deputados e senadores, porém ainda é visualizado que os problemas ainda se apresentavam da mesma forma, com situação ainda piores, como fraudes ligadas inclusive a falsificação de documentos.
Em 1824 a primeira legislatura eleitoral foi instaurada no país, elegendo uma Assembleia Constituinte, incumbida de construir a Constituição da República, seguido da primeira aparição do voto para presidência e vice em 1891, e em 1932 o voto permitido para as mulheres. Com o início da Ditadura no país é observado um dos maiores retrocessos no processo democrático que o país vislumbrou, com cerceamento de direitos, principalmente em relação ao voto (VELLOSO; AGRA, 2017).
A observância destes dois períodos distintos do Brasil permite a compreensão da ideia de que o voto é manipulável de acordo com o contexto político, uma vez que, enquanto no decorrer da construção de uma constituição que representasse os cidadãos, o voto foi considerado crucial nas eleições de representantes nacionais e foi concedido enquanto direito às mulheres, no período da ditadura o voto perde força enquanto direito.
Ao final desse período há um resgate dos princípios democráticos em cumprimento a Constituição Federal de 1988, instaurando a ordem política, jurídica e eleitoral, refletindo os anseios da sociedade da época, garantindo a todos, na verdade, obrigando, o exercício do voto (BRASIL, 1988). Nota-se assim que, a Carta Magna do país, estabeleceu uma organização legal do país, bem como determinou o voto compulsório no Brasil.
Até o ano de 1997 o processo eleitoral brasileiro se deu de forma manual, com o preenchimento de cédulas com os nomes dos candidatos, com o resultado sendo apurado durante os dias subsequentes. A partir da eleição do ano citado o voto no país passou a ser executado através da votação eletrônica, com um sistema informatizado em um equipamento conhecido como urna eletrônica, sendo a apuração realizada em horas após o fim do pleito (ANDRADE, 2015).
É notado, portanto, que a evolução do processo eleitoral atual do Brasil demonstra uma modernização tantos dos meios de expressão do voto quanto de apuração dos resultados, o que demonstra a relevância e seriedade desde processo no país.
Em relação à atual conjuntura do país, bem como a discussão sobre a obrigatoriedade do voto é salutar a apresentação de aspectos diversos que estão ligados ao processo eleitoral brasileiro, como a biometria e os dados do eleitorado brasileiro nas últimas eleições.
Uma modernização observada nas eleições brasileiras é a biometria como forma de reconhecimento dos eleitores. De acordo com Gomes (2011), esse processo se dá pelo cadastro individual dos eleitores com o reconhecimento das impressões digitais dos mesmos, as quais serão utilizadas como forma irrevogável de identificação dos eleitores, assim como se apresenta ainda como uma metodologia de combate a possíveis fraudes no processo eleitoral.
2 AS BASES LEGAIS DA OBRIGATORIEDADE DO VOTO NO BRASIL
Considerando assim a compreensão sobre o conceito e o contexto histórico que o acesso ao voto se construiu no Brasil, é de suma relevância que seja debatido o embasamento legal do sufrágio no país, com a identificação inclusive das interpretações dadas pelos profissionais do direito no país.
O embasamento legal do direito eleitoral é apresentado por Moisés (2010) como uma premissa do governo democrático, sendo subsidiado principalmente por quatro pilares:
1) direito dos cidadãos escolherem governos por meio de eleições com a participação de todos os membros adultos da comunidade política; 2) eleições regulares, livres, competitivas e abertas; 3) garantia de direitos de expressão, reunião e organização, em especial, de partidos políticos para competir pelo poder; e 4) acesso a fontes alternativas de informação sobre a ação de governos e o processo político (p. 5).
É notado que o voto se configura um direito em um sistema democrático principalmente por se apresentar como mecanismo que atesta a livre escolha dos representantes políticos, assegurando a expressão de suas vontades, bem como manifesta a necessidade de prestação de contas dos eleitos para seus eleitores.
A análise de cada um dos quatro pilares é importante para a compreensão dos fundamentos legais do voto no Brasil, iniciando pelo direito de escolha através da participação dos membros aptos para tal. Sobre isto, Almeida (2017) afirma que o voto se apresenta como direito de participação, o que serve como um dos princípios de grande valia, considerando principalmente que o sufrágio no Brasil passou a ser conquistado depois de períodos de ditadura.
Nota-se que o direito de participação no processo de eleição de representantes de uma sociedade é um dos princípios básicos do voto, uma vez que através do mesmo o cidadão pode exercer tal escolha e assim estar em igualdade com o restante dos indivíduos que compõem o mesmo círculo social.
O segundo pilar apresentado é referente às formas que as eleições devem ocorrer, sendo caracterizadas como livres e abertas, assim como em caráter regular e com concorrência justa. Para Motta (2010), o processo eleitoral comum às democracias deve ser construído sobre bases que assegurem a maior liberdade possível, da mesma forma que o senso de justiça deve ocorrer de forma correta, em uma regularidade constante e principalmente abertas para que todos tenham acesso ao voto e ao processo de apuração.
Observar-se assim, que as características comuns às eleições são bastante pertinentes ao processo democrático, uma vez que asseguram eleições justas e claras, assim como determina que a mesmas sejam realizadas dentro de uma constante, e com a promoção de justiça entre os concorrentes, o que é determinante para a lisura do ato.
Sobre o terceiro pilar, Neto (2017) afirma que ao legalizar o processo eleitoral em um sistema político democrático é importante assegurar o direito a expressão da opinião política, assim como a garantia legal de reunião e organização de indivíduos que compartilhem da mesma opinião, assim como a construção de partidos políticos, os quais serão os concorrentes citados no segundo pilar.
É notado assim, que quando se trata da expressão do pensamento político, assim como a possibilidade de organização de grupos políticos esse princípio estabelecido pela legalidade do ato político aponta para a relevância do mesmo, uma vez que assegura aos indivíduos o direito à livre expressão de pensamento assim como permite que as organizações com pensamentos afins estejam devidamente habilitadas.
E por fim, o quinto pilar é defendido Castro (2012) como um dos de grande destaque, porém não é devidamente considerado, uma vez que se trata da facilidade de acesso as informações acerca dos governos, partidos e o fluxo dos processos políticos.
Este pilar que é direito do eleitor que informações gerais sobre os envolvidos no processo eleitoral estejam devidamente disponíveis para consulta, abrangendo desde os candidatos eletivos até o processo de político em si, perpassando por informações pertinentes aos partidos políticos.
No que tange à legislação que versa acerca do voto, a Constituição Federal é clara e explícita sobre a obrigatoriedade do voto, sendo que no artigo 14, parágrafo 1º, versa que
§ 1º O alistamento eleitoral e o voto são:
I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II - facultativos para:
a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos (BRASIL, 1988).
A análise deste artigo, em especial deste parágrafo, destaca a determinação da obrigatoriedade imposta ao cidadão de exercer o voto, com as exceções devidamente listadas, o que serve de ponto de discussão sobre sua incongruência com os princípios básicos da democracia e da liberdade. É possível observar também que a obrigatoriedade do voto se mostra ainda mais ampliada ao determinar não somente o exercício de votar, mas também impor o alistamento eleitoral, tornando-se apto para o voto.
Sobre a obrigatoriedade do alistamento e exercício do voto, Ribeiro (2013) elucida que determinar legalmente que o indivíduo vote é uma das formas de assegurar que todas as classes sociais tenham acesso ao processo democrático. Sobre isto, o autor esclarece que
[...] em nações como a nossa, com curta experiência democrática, baixos níveis de interesse por política e persistente desigualdade social, a obrigação do comparecimento continua desempenhando papel fundamental na redução das assimetrias na representação (p. 46).
É observado neste ponto de vista que a obrigatoriedade do voto pode ser contemplada como uma forma de equiparar o acesso a democracia, ou seja, o sufrágio se apresenta como um instrumento de igualdade social no que tange ao exercício da cidadania por todos os indivíduos, independente da classe social e nível econômico.
Também é possível apontar como destaque nesta concepção do voto compulsório como uma estratégia de possibilitar aos cidadãos menos favorecidos um maior poder de decisão, assim como uma ferramenta de resistência e busca por direitos, como por exemplo a construção de políticas públicas necessárias ao atendimento de demandas deste público em específico.
Ainda sobre tal determinação, Almeida e Bradbury (2014) afirmam que a obrigatoriedade do alistamento eleitoral se caracteriza pela imposição da apresentação do indivíduo ao completar dezoito anos, o que é disposto no Código Eleitoral Brasileiro, no artigo 4°, 5° e 6°, que versam sobre a obrigatoriedade e as exceções de alistar-se
Art. 4º São eleitores os brasileiros maiores de 18 anos que se alistarem na forma da lei.
Art. 5º Não podem alistar-se eleitores:
II - os que não saibam exprimir-se na língua nacional;
III - os que estejam privados, temporária ou definitivamente dos direitos políticos.
Art. 6º O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de um e outro sexo, salvo:
b) os maiores de setenta anos;
c) os que se encontrem fora do país (BRASIL, 1965).
Observa-se na escrita destes artigos que ao atingir a maioridade, os brasileiros são obrigados a se alistarem enquanto eleitores, ou seja, se apresentarem para inscrição eleitoral, com exceções previamente determinadas, como ao atingir idade maior que setenta anos, a invalidez, o domicílio exterior, o analfabetismo e a não fluência no português, sendo que estes requisitos salvaguardam somente uma classe mínima de cidadãos.
Sobre os que não podem se alistar como eleitores, o caso dos analfabetos se mostra como uma questão pertinente de discussão. De acordo com Braga e Mazzeu (2017), essa questão que exclui uma parcela significativa da população brasileira e pode ser encarada como uma ferramenta de exclusão social, o que é atualmente desconsiderado pela possibilidade do voto mesmo sem qualquer letramento.
Os princípios de obrigatoriedade do voto e o impedimento do mesmo devem ser constantemente discutidos quando se trata da impossibilidade de exercício do sufrágio por aqueles considerados analfabetos, uma vez que estes são cidadãos comuns como o restante da população.
Em relação à obrigatoriedade do voto, o mesmo Código Eleitoral esclarece que
Art. 6º O alistamento e o voto são obrigatórios para os brasileiros de um e outro sexo, salvo:
[...]
b) os que se encontrem fora do seu domicílio;
c) os funcionários civis e os militares, em serviço que os impossibilite de votar (BRASIL, 1965).
Percebe-se que a apresentação das exceções à obrigatoriedade do voto diverge infimamente em relação à obrigação de alistar-se, uma vez que respalda os doentes, fora do domicílio e funcionários civis e militares no trabalho para que não sejam obrigados a votar, o que novamente deixa de abarcar um número considerável de brasileiros.
As exceções da obrigatoriedade do voto são apresentadas por Viscardi (2015) como fontes de questionamentos principalmente no que tange aos cidadãos que estejam fora de seu domicílio, uma vez que estes são obrigados a justificar sua ausência, caso contrário, sofrerão consequências legais devidamente impostas e apresentadas pelo código eleitoral.
Verifica-se que mesmo nos casos em que há o respaldo do não exercício do voto, os cidadãos que se encontrem fora do domicílio eleitoral devem ainda justificar tal ocorrência, sendo possível a aplicação de sanções caso não seja justificada tal falta.
Neste contexto, é salutar a compreensão das sanções impostas àqueles que não exercerem o voto, como é disposto no Código Eleitoral:
Art. 7º O eleitor que deixar de votar e não se justificar perante o juiz eleitoral até 30 (trinta) dias após a realização da eleição, incorrerá na multa de 3 (três) a 10 (dez) por cento sobre o salário-mínimo da região, imposta pelo juiz eleitoral e cobrada na forma prevista no art. 367 (BRASIL, 1965).
Observa-se inicialmente que o Código Eleitoral determina um período de busca do eleitor que não votou no pleito vigente por um tribunal eleitoral para apresentar as justificativas do não exercício do voto, ou seja, a obrigatoriedade não é focada somente no voto em si, nem na necessidade de justificativa caso esteja fora do domicílio eleitoral, mas também é imposto que no caso de não comparecimento o eleitor necessita justificar sua ausência de voto em um período pré-determinado.
No que tange a sanção principal nos casos de não exercício do voto e não apresentação de justificativas para tal, Silva, (2016) afirma que a aplicação de multa se apresenta como uma forma de imputar uma forma mais firme de punição pelo não cumprimento da obrigação de votar. Sobre isto, Machado (2017) assevera que a aplicação de multa pelo não exercício do voto se apresenta como mais um instrumento de obrigatoriedade do sufrágio, uma vez que impõe uma condição financeira que deve ser cumprida.
Evidencia-se que a cobrança de multa, ainda que irrisória, nos casos de não exercício do voto se apresenta como uma forma de impor ao cidadão que este deve comparecer efetivamente à seção eleitoral, o que se apresenta como mais uma condição de obrigatoriedade e imposição para tal.
Porém as sanções ainda podem ser estendidas caso não haja a justificativa apresentada anteriormente
I - inscrever-se em concurso ou prova para cargo ou função pública, investir-se ou empossar-se neles;
II - receber vencimentos, remuneração, salário ou proventos de função ou emprego público, autárquico ou para estatal, bem como fundações governamentais, empresas, institutos e sociedades de qualquer natureza, mantidas ou subvencionadas pelo governo ou que exerçam serviço público delegado, correspondentes ao segundo mês subsequente ao da eleição;
III - participar de concorrência pública ou administrativa da União, dos Estados, dos Territórios, do Distrito Federal ou dos Municípios, ou das respectivas autarquias;
IV - obter empréstimos nas autarquias, sociedades de economia mista, caixas econômicas federais ou estaduais, nos institutos e caixas de previdência social, bem como em qualquer estabelecimento de crédito mantido pelo governo, ou de cuja administração este participe, e com essas entidades celebrar contratos;
[...] (BRASIL, 1965).
A análise do inciso primeiro é apontada por Santos (2019) como uma problemática muitas vezes ignorada por indivíduos que prestam certames no Brasil, sendo de suma importância que suas obrigações eleitorais estejam quites, uma vez que caso contrário há o impedimento legal de assumir a função para qual fora aprovado. Sobre o inciso segundo, Gomes (2019) afirma se tratar de uma sanção novamente ligada a esfera financeira que serve como forma de impor a ação do voto através da suspensão de proventos, sendo importante salientar que tal imposição só ocorre com funcionários públicos. Em relação ao terceiro inciso Santos (2016) afirma que a sanção de não poder participar de qualquer processo de concorrência para serviços públicos também se mostra como uma forma determinar uma condição financeira caso não seja efetivado o voto ou sua devida justificativa.
É observada na compreensão destes quatro incisos que as imposições legais são baseadas em perdas financeiras, o que é notado como uma das possibilidades de reconhecimento da necessidade de votar, uma vez que ao não ter acesso a qualquer ganho financeiro, seja de forma direta com a suspensão de salários ou indiretamente com a impossibilidade de participar de licitações, é possível afirmar que o cidadão passa a ter mais cautela no exercício do sufrágio.
Outras sanções são apresentadas nos incisos subsequentes
V - obter passaporte ou carteira de identidade;
VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;
VII - praticar qualquer ato para o qual se exija quitação do serviço militar ou imposto de renda (BRASIL, 1965).
Sobre o inciso quinto, Pinto (2008) elucida que em virtude do não cumprimento da obrigação eleitoral o cidadão brasileiro fica impossibilitado de solicitar a emissão do passaporte e registro de identificação, o que se mostra como uma imposição com sanções de caráter administrativo, uma vez que a emissão de documentos importantes fica interligada ao cumprimento do voto. O inciso sexto, é apresentado por Ramayana (2005) como outra medida administrativa que determina a quitação eleitoral para o acesso a estabelecimentos de ensino governamentais, o que se mostra controverso por se tratar de um direito universal e garantido pela CF. O sétimo inciso é discutido por Costa (2013) como outro complicador do processo administrativo de um indivíduo, uma vez que em caso de não quitação eleitoral processos relacionados ao imposto de renda e ao alistamento militar passam a ser comprometidos.
É notado, portanto, que os incisos quinto, sexto e sétimo não estão relacionados a questões financeiras, mas são potencialmente de caráter administrativo e documental, nos quais as sanções são observadas como forma de impedir avanços na vida do indivíduo, o obrigando a comparecer no cartório eleitoral para quitação de suas obrigações eletivas.
3 O VOTO E A DEMOCRACIA NO BRASIL: ANÁLISES SOBRE O VOTO COMPULSÓRIO
A obrigação de votar já se apresentou como cerne de discussão em diversos estudos acerca de suas implicações no processo democrático vigente no país, sendo pauta de proposituras e ementas à Constituição Federal, bem como de diversas literaturas na área do direito constitucional.
De acordo com Wanderley Júnior (2001) o primeiro ponto a ser analisado no que tange a obrigatoriedade do voto e a democracia no país é o receio que ao ser retirada tal imposição, os índices de comparecimento ao processo eleitoral tenham impacto na legitimidade da democracia, ou seja, que ao facultar o sufrágio, o cidadão não sendo obrigado a votar haja um movimento de abandono das eleições.
Nota-se que uma das preocupações relacionadas a possibilidade de voto facultativo no Brasil é a possível elevação do índice de abstenção, o que de fato é um risco eminente, pois sem a obrigatoriedade de comparecimento ao processo eleitoral as chances de os eleitores não exercerem o voto são grandes.
Ainda sobre isto, Ferreira (2017) elucida que a problemática da abstenção nos processos eleitorais serve de ponto de discussão tanto em favor quanto contra a obrigatoriedade do voto. Para o autor, no que tange a favor do voto compulsório é similar ao pensamento o autor anterior, ao passo que os pontos contra a obrigatoriedade do voto é o respeito a decisão de votar, uma vez que a abstenção já se apresenta como direito de escolha.
Observa-se novamente a precaução acerca do voto optativo gira em torno da possível abstenção dos eleitores ao processo eleitoral, uma vez que diante da liberdade e sem as sanções pré-determinadas os eleitores não comparecem às eleições, o que pode interferir na legitimidade das eleições.
Dallari (2013) afirma que o sentido do voto obrigatório no Brasil se dá pela importância do exercício este direito, assim como a garantia de que acesso a igualdade ao processo eleitoral, em que todos os cidadãos dão sua contribuição para a escolha de seus representantes.
Em contrapartida, é importante identificar os pontos relacionados a favor do voto facultativo, sendo possível apresentar inicialmente o direito de participar da escolha de seus representantes, com a certeza de acesso ao processo eleitoral, seguindo a premissa de igualdade de direitos a todos os cidadãos.
Czaplinski e Costa (2017) salientam que através do voto os cidadãos podem se aproximar das instituições públicas bem como são mais presentes e participativos no processo político do país, exercendo assim a cidadania que lhe é um direito adquirido.
Outro ponto apresentado em favor do voto compulsório é que, desta forma, os cidadãos estão mais próximo do processo democrático, uma vez que através do voto o indivíduo participa de forma mais direta do processo democrático vigente no país, além de exercer diretamente seu direito.
De acordo com Romão (2015), é possível iniciar a discussão sobre a importância do voto facultativo, partindo do pressuposto que
[...] o modelo do voto facultativo favorece as campanhas eleitorais, pois quanto menor o cenário eleitoral, maior a possibilidade de eleição, podendo haver mesmo um incentivo por parte dos políticos para a não participação do povo nas eleições, a fim de que os já eleitos permaneçam no poder (p. 104).
É observado neste ponto de vista que o processo eleitoral direcionado pelo voto facultativo será mais eficaz, principalmente em razão do aprimoramento do processo eleitoral, uma vez que o grupo de eleitores que comparecerem ao pleito estarão devidamente envolvidos no processo.
A reflexão acerca do voto compulsivo como uma imposição do Estado e um atentado à democracia, Mendonça (2004) afirma que
[...] o exercício dos direitos políticos deve partir de um ato de consciência de cidadania, de uma vontade espontânea de cada cidadão, e não ser decorrente de uma imposição de lei, pois, quando o cidadão vota por ser obrigado, a soberania popular apresenta-se suprimida pela força coercitiva do Estado e o povo não poderá ser considerado soberano, mas tão-somente instrumento que serve à nação para escolher o corpo de dirigentes do Estado.
É notório neste ponto de vista, que a obrigatoriedade do voto infringe diretamente a democracia enquanto atentado à liberdade proposta por este sistema político, uma vez que o indivíduo é coagido através de possíveis sanções a se fazer presente, exercer o voto ou ainda justificar sua ausência.
Queiroz (2017) afirma que diversas propostas já foram construídas e apresentadas como alternativas à obrigatoriedade do voto no Brasil, datando originalmente de 1996, com Propostas de Emendas à Constituição, o que perdura até os dias de hoje, versando sobre a obrigatoriedade do alistamento eleitoral, porém deixando facultativo o exercício do voto.
Nota-se nesta proposta que transformar o voto em facultativo no Brasil já se apresenta como uma demanda em discussão para a construção de emendas constitucionais com esta finalidade, sendo que até o momento não houve qualquer avanço neste sentido.
Neste contexto é importante apresentar premissas já detalhadas sobre o tema por juristas no estudo sobre a obrigatoriedade do voto, bem como o levantamento de possíveis resultados de processos envolvendo o tema.
Sobre isto, Lewandowski (2013) afirma que
Quanto ao voto facultativo, penso que ele já existe no Brasil, pois o eleitor pode justificar com facilidade a sua ausência do pleito ou pagar uma multa irrisória se não o fizer ou, até, deixar de pagá-la caso o faltoso comprove não ter recursos (p. 423).
Nota-se no relato do autor que a obrigatoriedade do voto na verdade já pode ser considerada facultativa, uma vez que as sanções legais reconhecidas como forma de punição só são aplicadas mediante não apresentação de justificativa, assim como o valor de multa não é reconhecido como de grande repreensão, sendo possível ainda o pedido de isenção me caso de não ter recursos de pagamento da multa.
Caggiano (2013) complementa:
Merece reparo a insistência em atribuir o baixo índice de abstenção à obrigatoriedade do voto entre nós, consoante previsto no § 1º, do art. 14, CF. A verdade é que a justificativa – quanto à ausência na votação – importa num procedimento extremamente simples e as multas são irrisórias – isto quando não há anistia quanto às sanções eleitorais – o que, na prática do cotidiano, conforma o nosso voto como facultativo (p. 32).
Nota-se novamente que as sanções impostas pela justiça eleitoral não são encaradas pela sociedade como requisitos efetivos em relação a obrigatoriedade do voto, sendo assim que o mesmo já pode ser considerado facultativo mediante a possibilidade de pagamento das multas.
Em relação aos julgados já realizados sobre a temática, é possível elencar um caso de 2012
JULGAMENTO EM BLOCO. RECURSOS ELEITORAIS. REGISTROS DE CANDIDATURA. ELEIÇÕES 2012. VOTO OBRIGATÓRIO. DEVER DE JUSTIFICAR SOB PENA DE MULTA. DESCONHECIMENTO DE LEI. IMPOSSIBILIDADE. MANDAMENTO CONSTITUCIONAL. ARTIGO 7º DO CÓDIGO ELEITORAL. AUSÊNCIA DE QUITAÇÃO ELEITORAL. PAGAMENTO DE MULTA APÓS O PEDIDO DE REGISTRO. COMPROVAÇAO NA FASE RECUSAR. IMPOSSIBILIDADE. IMPROVIMENTO. 1 - O voto é obrigação oriunda da Constituição, direito e dever de todos os cidadãos. Aquele que deixa de cumprir com a obrigação de votar e não justifica sofre sanção de multa, disposta no artigo 7º, § 3º do Código Eleitoral, incabível alegação de desconhecimento da norma. 2 - A quitação eleitoral deve ocorrer do registro de candidatura. O pagamento da multa posterior ao requerimento de registro não antes supre o vício. 3 - Recurso conhecido e improvido.
(TRE-PA - RE-RCAND: 31578 PA, Relator: MARCO ANTONIO LOBO CASTELO BRANCO, Data de Julgamento: 18/08/2012, Data de Publicação: PSESS - Publicado em Sessão, Volume 18h25, Data 18/8/2012).
Verifica-se nesta decisão que a obrigatoriedade do voto é inquestionável no que tange à sua seguridade pela Constituição Federal, sendo aplicável à todos os cidadãos brasileiros e em todas as situações, podendo ser observado que as sanções estipuladas na legislação própria são praticadas independente das circunstâncias.
CONCLUSÃO
A análise da conjuntura eleitoral do país, principalmente no que tange a obrigatoriedade do voto é permeada de diversas questões que necessitam de um aprofundamento nos estudos, uma vez que vários aspectos precisam ser considerados no centro desta discussão, considerando, por exemplo, a liberdade pregada pela democracia, assim como os elevados índices de abstenção.
Foi possível identificar que a legislação brasileira é clara e soberana no que tange ao voto compulsório, sendo inclusive listadas as sanções a serem empregadas em casos de não comparecimento para o devido cumprimento das questões legais, as quais se estendem desde o pagamento de multa até suspensão do recebimento de vencimentos, o que pressiona os cidadãos como forma de obrigá-los a votar.
A eficácia de tais punições se apresentou como um fator preponderante no que tange a obrigatoriedade do voto, uma vez que antes mesmo de ser punido o cidadão não votante pode ainda apresentar uma exposição de motivos que justifiquem sua ausência, o que sob penas menores o imputa de receber uma sanção mais elevada.
Outra questão apresentada que merece destaque se refere aos altos índices de abstenção nas eleições brasileiras, situação esta que se apresenta como uma preocupação, uma vez que pode ser ainda maior no caso do voto facultativo, premissa essa rebatida com a possibilidade de um aumento na qualidade dos resultados eleitorais, uma vez que somente cidadãos devidamente engajados estarão mais aptos a votar e escolher melhores representantes.
Os objetivos propostos por esta pesquisa foram alcançados frente a possibilidade de reflexão acerca das possibilidades de ajustes do sistema eleitoral brasileiro em relação a obrigatoriedade do voto, sendo de suma importância que tal discussão seja realizada de forma consciente e com a participação popular.
REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Roberto Moreira de. Curso de Direito Eleitoral. São Paulo: Del Rey, 2017. E-book.
ALMEIDA, Leonardo; BRADBURY, Leonardo Cacau Santos da. O voto obrigatório em contraposto à liberdade individual no estado democrático de direito. Revista Eletrônica do Curso de Direito, v. 9, p. 126–151, 2014.
ANDRADE, Paulo Gustavo Sampaio. A fraude da urna eletrônica. Jus Navigandi, v. 2, n. 1, p. 3–12, 2015.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo. São Paulo: Saraiva, 2017.
BRAGA, Ana Carolina; MAZZEU, Francisco José Carvalho. O analfabetismo no Brasil: lições da história. Revista on line de Política e Gestão Educacional, v. 21, n. 1, p. 24–46, 2017.
BRASIL. Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965, Institui o Código Eleitoral. Brasília: Casa Civil, 1965.
BRASIL, Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
CAGGIANO, Monica Herman. Sufrágio, alistamento eleitoral, força do voto. Disponível em: <http://cepes.org.br/site/wp-content//2015/04/sufragio-alistamento-eleitoral-a-forca-do-voto>. Acesso em: 05 jul. 2021.
CÂNDIDO, Joel José. Direito eleitoral. São Paulo: Atlas, 2000.
CASTRO, Augusto O. Gomes de. Dos votos válidos, dos nulos e dos em branco: definição e problemas que suscitam. Estudos Eleitorais, v. 13, n. 1, p. 171-183, 2018.
CASTRO, Edson de Resende. Curso de direito eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2012.
COSTA, Tailaine Cristina. Justiça Eleitoral e sua competência normativa. Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência política, v. 2, n. 1, 2013.
CZAPLINSKI, Stefan Bogumil; COSTA, Luiz Domingos. Confiança nas instituições e adesão ao voto obrigatório: uma relação necessária? Gestão Pública, v. 5, n. 3, 2017.
DALLARI, Bruno. O cidadão é responsável pelo Estado: o sentido do voto obrigatório. Em Debate: Periódico de Opinião Pública e Conjuntura Política. v. 5, n. 4, p. 21-28, 2013.
FERREIRA, João Lucas Silva. A constitucionalidade do fim do voto obrigatório no Brasil: informação histórica, social e jurídica. Revista Bibliomar, v. 16, n. 1, p. 6-23, 2017.
FILHO, Benedito Carlos Costa Santos. Estado democrático de direito e voto facultativo. Conteúdo Jurídico, v. 2, n. 1, p. 3–38, 2016.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral: conforme resolução nº. 22.610/2007 do TSE. Belo Horizonte: Del Rey, 2008.
GOMES, José Jairo. Biometria e controle jurídico-social de fraude eleitoral. Estudos Eleitorais, v. 6, n. 3, p. 19–25, 2011.
GOMES, José Jairo. Direito eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 2019.
JÚNIOR, Claudomiro Batista de Oliveira. Liberdade de expressão: amplitude, limites e proteção constitucional no deireito brasileiro. 2009. 152f. Dissertação (Mestrado em Direito) Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2009.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos da metodologia científica. 8. ed. São Paulo: Atlas, 2017.
LEWANDOWSKI, E. R. Breves considerações sobre a reforma política em discussão no Congresso Nacional. In: CAGGIANO, Monica Herman S. (Coord.); MESSA, Ana Flávia; ALMEIDA, Fernando Dias Menezes de (Orgs.). Direito eleitoral em debate: estudos em homenagem a Cláudio Lembo. São Paulo: Saraiva, 2013.
MACHADO, Eloisa Helena. O poder de polícia na Justiça Eleitoral. Paraná Eleitoral: revista brasileira de direito eleitoral e ciência política, , v. 6, n. 3, p. 327-343, 2017.
MARTINS, Gilberto Andrade. Manual para elaboração de monografias e dissertações. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva Educação SA, 2013.
MENDONÇA, Valda de Souza. Voto livre e espontâneo: exercício de cidadania política consciente. Florianópolis: OAB/SC Editora, 2004.
MOISÉS, José Álvaro. Desafios da maioridade das eleições democráticas. Revista Eletrônica do Curso de Direito, p. 1-26, 2010.
MOTTA, Sylvio. Direito Constitucional: Teoria e jurisprudência. Niterói: Editora Impetus/Campus, 2010.
NETO, Jaime Barreiros. Direito eleitoral. São Paulo: Editora JusPodivm, 2017.
NICOLAU, Jairo. História do voto no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 2002.
NICOLAU, Jairo. Eleições no Brasil: do Império aos dias atuais. São Paulo: Zahar Editores, 2012.
PINTO, Djalma. Direito eleitoral. São Paulo: Atlas, 2008.
PROVDANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do trabalho científico: métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2. ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.
QUEIROZ, Samuel Farias. O voto contemporâneo brasileiro: uma obrigação ou um direito? 2017. 25f. Monografia (Bacharelado em Direito), Centro Universitário Tabosa de Almeida, 2017.
RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. Impetus, 2005.
RIBEIRO, Darci Guimarães; SCALABRIN, Felipe André. O papel do processo na construção da democracia: para uma nova definição da democracia participativa. Revista do Direito, v. 3, n. 2, p. 113-127, 2009.
RIBEIRO, Ednaldo. Voto Compulsório: A desigualdade na participação política. Em Debate, p. 41-48, 2013.
ROMÃO, Luiz Fernando de França. Considerações sobre o voto obrigatório no contexto da reforma política de 2015. Estudos Eleitorais. v. 10, n. 3, p. 26-31, 2015.
SAES, Décio Azevedo Marques de. A questão da evolução da cidadania política no Brasil. Estudos avançados, v. 2, n. 4, p. 12–18, 2001.
SALGADO, Eneida Desiree. Princípios Constitucionais estruturantes do Direito Eleitoral. 2010. 356f. Tese (Doutorado em Direito) Universidade Federal do Paraná, 2010.
SANTOS, Andressa Pereira de Sousa. Justiça Eleitoral: mola propulsora da democracia. Revista Eleições & Cidadania, v. 6, n. 6, p. 187-204, 2016.
SANTOS, Fabiana Souza dos. Biometria digital como meio eficaz para o direito eleitoral. Intertem@s, v. 37, n. 37, 2019.
SANTOS, Leonardo Oliveira Silveira. A obrigatoriedade do voto em face do sistema democrático. Revista da Faculdade de Direito Cândido Mendes, v. 2, n. 1, p. 215-225, 2014.
SILVA, Reinaldo Ramos da. A percepção sobre o voto no Brasil: direito ou dever. Revista Vale, v. 9, p. 67-81, 2017.
SILVA, Matheus Passos. Do direito de votar ao dever de participar: uma proposta para a melhoria da qualidade da democracia brasileira. Revista Estudos Eleitorais, [S. l.], v. 11, n. 1, p. 93-115, 2016.
SILVA, Paulo Napoleão Nogueira. Curso de direito constitucional. Rio de Janeiro: Ed. Revista dos Tribunais, 2003.
SOARES, Elisianne Campos de Melo; SILVA, Luiz Victor Monteiro. Voto obrigatório vs. voto facultativo: Qual é o melhor modelo para o Brasil? Estudos Eleitorais, v. 11, n. 2, p. 71-93, 2016.
TAVARES, André Ramos; MOREIRA, Diogo Rais Rodrigues. O voto eletrônico no Brasil. Estudos Eleitorais, v. 6, n. 3, p. 2–12, 2011.
TSE, Tribunal Superior Eleitoral. Estatísticas do Eleitorado. Disponível em: <https://www.tse.jus.br/eleitor/estatisticas-de-eleitorado/quantitativo-do-eleitorado>. Acesso em: 10 ago. 2021.
VELLOSO, Carlos Mário da Silva; AGRA, Walber de Moura. Elementos de direito eleitoral. São Paulo: Saraiva, 2017.
VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. Voto, representação política e soberania popular na república brasileira. Estudos Ibero-Americanos, v. 31, n. 1, p. 14-39, 2015.
WANDERLEY JÚNIOR, Bruno. A obrigatoriedade do voto em face da liberdade do cidadão no estado democrático de direito. Revista da Faculdade de Direito da UFMG, n. 39, p. 47-67, 2001.
[1] Bacharel em Direto e Pós-graduado em Processo Civil pela Universidade Federal do Amazonas.
Artigo publicado em 24/08/2021 e republicado em 24/07/2024
Bacharel em Teologia e Administração de Empresas e Pós-graduado em Gestão de Pessoas e Qualidade de Vida pelo Centro Universitário Adventista de São Paulo - UNASP Engenheiro Coelho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOARES, Emanuel Neves. Obrigatoriedade do voto no Brasil: uma análise da Democracia pelo ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 jul 2024, 04:54. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57131/obrigatoriedade-do-voto-no-brasil-uma-anlise-da-democracia-pelo-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: SABRINA GONÇALVES RODRIGUES
Por: DANIELA ALAÍNE SILVA NOGUEIRA
Precisa estar logado para fazer comentários.