RESUMO: O objetivo do presente artigo é falar sobre a Guarda Municipal, tendo como principal assunto analisar a possibilidade do porte de armas de fogo pelos Guardas Municipais, sendo observado o interesse público e a segurança da sociedade. Além disso, o artigo tende examinar as doutrinas e o ordenamento jurídico, o estudo contribui para que seja identificado as atividades da Guarda Municipal e sua relevância na manutenção dos direitos fundamentais, sendo uma delas a segurança pública. Sendo assim, o estudo apresenta os principais aspectos do Estatuto das Guardas Municipais (Lei 13.022 de 2014), bem como o Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826 de 2003), com o intuito de abordar os requisitos para o porte de arma de fogo, as prerrogativas e função da Guarda Municipal. Logo, do estudo conclui-se que é possível que os Guardas Municipais usem de armas de fogo, pois recentemente (01 de março de 2021), o Supremo Tribunal Federal, por maioria dos votos, garantiu o porte de arma de fogo para todos os Guardas Municipais, independentemente do número de habitantes, os Ministros derrubaram a vedação do Estatuto do Desarmamento que proibia o porte de arma de fogo por integrantes de Guardas Municipais em municípios com menos de 50 mil habitantes.
PALAVRAS-CHAVE: Guardas Municipais. Porte de arma. Estatuto do Desarmamento. Segurança Pública.
ABSTRACT: The purpose of this article is to talk about the Municipal Guard, having as its main subject to analyze the possibility of carrying firearms by the Municipal Guards, observing the public interest and the safety of society. In addition, the article tends to examine the doctrines and the legal system, the study contributes to identify the activities of the Municipal Guard and its relevance in the maintenance of fundamental rights, one of them being public security. Thus, the study presents the main aspects of the Statute of Municipal Guards (Law 13,022 of 2014), as well as the Disarmament Statute (Law 10,826 of 2003), in order to address the requirements for the possession of firearms, the prerogatives and function of the Municipal Guard. Therefore, the study concludes that it is possible that the Municipal Guards use firearms, as recently (March 1, 2021), the Federal Supreme Court, by majority vote, guaranteed the possession of firearms for all Municipal Guards, regardless of the number of inhabitants, the Ministers overturned the prohibition of the Disarmament Statute that prohibited the possession of firearms by members of Municipal Guards in municipalities with less than 50,000 inhabitants.
KEYWORDS: Municipal Guards. Weapon carry. Disarmament Statute. Public security.
SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO - 2.GUARDAS MUNICIPAIS E SUAS ATRIBUIÇÕES - 3.LEI 13.022/2014 ESTATUTO GERAL DAS GUARDAS MUNICIPAIS E O SEU ARMAMENTO - 4. HISTÓRICO DO PORTE DE ARMA NO BRASIL. - 5. PORTE DE ARMA PARA TODAS AS GUARDAS MUNICIPAIS E DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF) - 6.CONCLUSÃO- 7.REFERÊNCIAS.
O presente artigo tem por objetivo analisar a restrição ao porte de arma de fogo para Guardas Municipais de municípios de menos 50 mil habitantes, presente na Lei Federal nº 10.826/2003 do Estatuto do Desarmamento. O assunto tem sido tratado com certa frequência nos tribunais superiores e a legislação infraconstitucional evoluiu bastante em matéria de Guarda Municipal.
Foram promulgadas nos últimos anos as Leis Federais números 13.022/2014 e 13.675/2018, que criaram respectivamente o Estatuto Geral das Guardas Municipais e o Sistema Único de Segurança Pública, que trouxeram inovações no campo da segurança pública e afetaram consideravelmente as Guardas Municipais.
No campo jurisprudencial, merece destaque a liminar proferida em sede da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADI 5948 MC / DF, de relatoria do Ministro do Alexandre de Moraes, foi suspensa a eficácia das expressões “das capitais dos Estados e com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitante”, no inciso III, bem como o inciso IV, ambos do art. 6º da Lei Federal nº 10.826/2003”. A decisão estava pendente de julgamento pelo Plenário do STF, até o mês de março de 2021, no qual, por maioria dos votos, o Supremo Tribunal Federal, garante o porte de arma de fogo para todos os guardas municipais. Os Ministros derrubaram a vedação do Estatuto do Desarmamento que proibia o porte de armas de fogo por integrantes de guardas municipais em municípios com menos de 50 mil habitantes. O que torna o assunto atual e com grandes reflexos na segurança pública (ADI 5948 MC / DF).
O artigo foi produzido a partir de pesquisa bibliográfica, voltado para uma abordagem exploratória em que se analisou, qualitativamente, o conteúdo de acórdãos, leis, livros e pesquisa, em busca do levantamento do máximo de informações que pudessem validar a conclusão obtida acerca da possibilidade do porte de arma de fogo para Guardas Municipais.
Para o desenvolvimento, inicialmente será apresentado uma visão geral sobre Guardas Municipais pelo Brasil e sua previsão constitucional no capítulo da segurança pública previsto no art. 144, §8º, da Constituição Federal de 1988. Após será trazida a regulamentação do porte de arma de fogo pelo Estatuto do Desarmamento, com ênfase na restrição pelo critério populacional. Seguidamente, será tratado o Estatuto Geral das Guardas Municipais, no que diz respeito ao assunto. Finalmente, serão apresentados os acórdãos dos tribunais superiores, para então chegar à conclusão do artigo.
A Constituição Federal de 1988 (CF/ 88), apresenta a segurança como garantia individual com base no art. 5 °, caput, bem como o direito social, previsto no art. 6º, caput. Nesse sentido, aproximando a ideia de segurança pública, tratada como dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, sendo exercida para a “preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, por meio dos órgãos previstos nos art. 144, da CF/88, no qual, no mesmo capitulo é tratado timidamente sobre a possibilidade de criação das Guardas Municipais para a proteção dos bens, serviços e instalações municipais, art. 144, § 8º, CF/88.
Destarte, Lenza (2021, p.560) conclui que a lei indicada no art. 144, § 8º, deve ser entendida como Lei Federal a estabelecer as diretrizes, as disposições e normas gerais. Isso porque, a instituição, em si, das Guardas Municipais dar-se-á por lei específica de cada Município, conforme, inclusive, deixa claro o art. 6.º do Estatuto da Guarda Municipal.
Além do mais, Lenza (2021, p.560) também mencionou: “às competências (geral e específicas) previstas no art. 5.º do estatuto, a sua interpretação deverá sempre levar em conta os parâmetros constitucionais de proteção dos bens, serviços e instalações do Município. Por isso, parece ter razão o parecer da Procuradoria Geral da República (PGR) que sustenta a inconstitucionalidade dos incisos VI, XIII e XVII do art. 5.º da Lei n. 13.022/2014 (atribuem às guardas municipais, em caráter primário, exercício de competências municipais de trânsito; atendimento de ocorrências emergenciais ou de pronto atendimento; auxílio na segurança de grandes eventos e proteção de autoridades e dignitários)”.
Segundo Silva (2014, p.653 apud Lenza, 2021, p. 1596)
Os constituintes recusaram várias propostas no sentido de instituir alguma forma de polícia municipal. Com isso, os Municípios não ficaram com qualquer responsabilidade específica pela segurança pública. Ficaram com a responsabilidade por ela na medida em que, sendo entidades estatais, não podem eximir-se de ajudar os Estados no cumprimento dessa função. Contudo, não se lhes autorizou a instituição de órgão policial de segurança, e menos ainda de polícia judiciária. A Constituição apenas lhes reconheceu a faculdade de constituir Guardas Municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Aí, certamente, está uma área que é de segurança pública: assegurar a incolumidade do patrimônio municipal, que envolve bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens patrimoniais, mas não é de polícia ostensiva, que é função da Polícia Militar. Por certo que não lhe cabe qualquer atividade de polícia judiciária e de apuração de infrações penais, que a Constituição atribui com exclusividade à Polícia Civil (art. 144, § 4.º), sem possibilidade de delegação às Guardas Municipais”.
Assim, o autor Lenza (2021, p. 561) ainda dispõe que: “Na medida em que a Constituição não impede que a Guarda Municipal exerça funções adicionais à proteção dos bens, serviços e instalações do Município”, a corte afirmou a seguinte tese: “ é constitucional a atribuição às guardas municipais do exercício do poder de polícia de trânsito, inclusive para imposição de sanções administrativas legalmente previstas. (RE 658.570, Rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Roberto Barroso, j. 06.08.2015, DJe de 30.09.2015).
Conforme Alexandre de Moraes (2015, p. 846) “A multiplicidade dos órgãos de defesa da segurança pública, pela nova Constituição, teve dupla finalidade: o atendimento aos reclamos sociais e a redução da possibilidade de intervenção das Forças Armadas na segurança Interna”.
Os órgãos de segurança pública realizam, conforme ensina Lenza (2014, p. 1032), a atividade policial que se divide em administrativa e judiciária, em que a primeira atua preventivamente às infrações penais e a segunda atua repressivamente ao ilícito penal já ocorrido. Considerando as definições de polícia de segurança apresentadas, Boulos (2000, p.1028) enquadra a atividade das Guardas Municipais como policiamento administrativo da cidade, prevenindo a prática de crimes de dano ao do patrimônio público. No mesmo sentido, o art. 2º, do Estatuto Geral das Guardas Municipais dispõe que às Guardas Municipais incumbe a função de “proteção municipal preventiva, ressalvadas as competências da União, dos Estados e do Distrito Federal”. (Brasil, 2021, on-line)
Nesse mesmo sentido, o autor Renato Marcão (2012, p.87) dispõe que a autorização para o porte de arma de fogo das guardas municipais estão condicionada à formação funcional de seus integrantes em estabelecimentos de ensino de atividade policial, à existência de mecanismos de fiscalização e de controle interno, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei, observada a supervisão do Ministério da Justiça (§ 3º do art. 6°).
Por fim, é importante trazer à baila uma pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, que revelou que “o percentual de municípios onde a Guarda Municipal utilizava apenas armas de fogo ou fazia uso de armas de fogo e não letais passou de 15,6%, em 2014, para 22,4%, em 2019. Já em 34,8% dos municípios que tinham Guarda Municipal, o efetivo não portava nenhum tipo de arma”.
“Em 2019, 21,3% dos municípios informaram a existência de guarda municipal. Isso representava 1.188 municípios brasileiros. Em 2014 esse número era 1081”, diz a gerente da pesquisa, Vânia Pacheco, ressaltando que os municípios do Nordeste e os com maior densidade populacional foram os que apresentaram os maiores percentuais de existência da Guarda Municipal. Os dados são da Pesquisa de Informações Básicas Municipais (Munic.), realizado no mês de dezembro de 2020, pelo IBGE.
De acordo com a Lei 13.022 de 2014 foi ratificado o poder de polícia para as Guardas Municipais, porém, não trouxe inovações no que tange as atividades dessas instituições, tendo em vista que, as Guardas Municipais já realizavam essas atividades antes mesmo da publicação do Estatuto, conforme o que dispuser a lei de cada município.
Dessa maneira, cabe ressaltar a importância da utilização do armamento letal, como parte do uso progressivo da força, pelos guardas municipais. Além disso, dispositivo legal dispõe em seu artigo 16 que as guardas municipais poderão ser armadas, conforme previsto em Lei. Neste caso, a Lei 10826 de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento) determina que:
Art. 6º É proibido o porte de arma de fogo em todo o território nacional, salvo para os casos previstos em legislação própria e para:
III – Os integrantes das guardas municipais das capitais dos Estados e dos Municípios com mais de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, nas condições estabelecidas no regulamento desta Lei;
IV - Os integrantes das guardas municipais dos Municípios com mais de 50.000 (cinquenta mil) e menos de 500.000 (quinhentos mil) habitantes, quando em serviço;
Todavia, não há uma justificativa sobre essa supressão dos municípios com menos de 50 mil habitantes, tendo em vista que a violência é crescente no meio populacional, independentemente do número populacional de cada município.
O artigo 6° em questão entra em conflito com o princípio da isonomia, pois de acordo com o artigo 5º caput da Constituição Federal de 1988, o número populacional em um Município não é critério justo para se conceder ou não porte de arma de fogo ao guardas municipais. Tendo em vista que, o ato criminoso está em todo o país, e vem aumentando aceleradamente no meio populacional, tornando imprescindível o auxílio das guardas municipais nos municípios.
Nesse sentido, a instituição exerce muito mais que a proteção de bens e instalações públicas, pois as guardas municipais zelam não só pelo patrimônio público, mas também pela vida da população municipal. Além disto, o contato e a proteção que a população tem das guardas municipais são muitas das vezes maiores que a própria convivência com a polícia militar, pois as guardas fazem rondas periódicas e acabam tendo um contato maior com a população
Dessa forma, podemos afirmar que incontáveis foram as vezes que guardas desarmados se depararam com ocorrências em que o criminoso estava armado e prestes a efetuar o disparo contra o servidor público em questão. Deste modo afirma o artigo 5 º, inciso XIII da Lei 13.022/14:
Art. 5º São competências específicas das guardas municipais, respeitadas as competências dos órgãos federais e estaduais:
XIII - garantir o atendimento de ocorrências emergenciais, ou prestá-lo direta e imediatamente quando deparar-se com elas;
Bem como, é princípio mínimo de atuação das guardas municipais a preservação da vida, diminuição de perdas e redução do sofrimento (art. 3º, inciso II, da Lei 13.022/14.
Cabe ressaltar um fato ocorrido recentemente em Manaus-AM, 06 de junho de 2021, no qual ocorreu uma onda de ataques em represália à morte de um traficante, os criminosos colocaram terror na população, ameaçando e destruindo bens públicos e particulares, colocando fogo em carros e ônibus.
Recentemente, havia sido reinaugurada o monumento Bola das Letras, a rotatória fica localizada na avenida Theomário Pinto da Costa, bairro Dom Pedro, Zona Oeste de Manaus, que também foi alvo da ação dos bandidos, no qual colocaram fogo. A polícia militar juntamente com os guardas municipais trabalharam juntos em combate a ato ilícito praticado por esses meliantes.
Porém, um ponto que aqui deve destacar é que no momento que estava ocorrendo o ato criminoso no Monumento da Bola das Letras, os guardas e municipais estavam desproporcionalmente equipados para combater os criminosos. Cabe aqui ressaltar, em uma entrevista, o Prefeito de Manaus, David Almeida, afirmou que “armar a Guarda Municipal é necessário porque a cidade precisa de mais segurança pública”.
O prefeito tomou a decisão de armas a Guarda Municipal de Manaus, após os diversos ataques ocorridos na capital, quando ônibus e caixas eletrônicos de agências bancárias foram incendiados e delegacias de polícia sofreram atentados.
Além disso, o prefeito ainda alegou “Eu tinha três guardas municipais lá na Bola das Letras quando chegaram três marginais, bandidos, vagabundos. Eles (os guardas) ficaram assistindo aos caras tacarem fogo. Se eles tivessem armas, eles teriam autorização de derrubar aqueles três vagabundos para servirem de exemplos para todos os outros”.
Dessa maneira, a medida foi aprovada pela Assembleia Legislativa do Amazonas na quarta-feira (16). Sendo assim, as armas que serão usadas pelos guardas municipais são as já utilizadas pelos policiais civis e militares e serão requisitadas à SSP-AM (Secretaria de Segurança Pública). De acordo com o prefeito, já existe uma negociação com o secretário de Segurança, Louismar Bonates. Tendo em vista, que essas pistolas, de início, servirão para o treinamento dos guardas. ( Amazonas Atual, 2021)
Com isso, o que está em risco é a vida humana, independentemente da farda que usa e do número de habitantes da cidade em que trabalha. O mandamento disposto no artigo 6º da Lei 10826/2003 é antagônico ao mandamento constitucional que diz:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
Destarte, a violência é algo impregnado em nossa sociedade, seja nos grandes centros urbano ou em pequenas cidades. E o armamento dos guardas municipais é imprescindível, independentemente do número populacional, para a efetiva prestação do serviço público, sem pôr em risco a própria vida, uma vez que, a vida dos guardas municipais das grandes metrópoles tem o mesmo valor constitucional do que a vida desses servidores das cidades com menos de cinquenta mil habitantes
Assim, podemos asseverar que o uso da força para a resolução de conflitos é completamente legítimo, desde que, exauridas todas as possibilidades de negociação, persuasão e mediação. Portanto, os agentes de segurança pública não devem disparar armas de fogo contra as pessoas, exceto, quando tratar-se de legítima defesa própria ou de terceiro contra perigo iminente de morte ou lesão grave.
O agente de segurança pública estará imbuído de legalidade quando sua ação for proporcional à gravidade da ocorrência, para tanto, deverá observar os princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência. O artigo 23 do Código Penal Brasileiro legitima tal ação respaldando o agente através das excludentes de ilicitude:
Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato:
I - em estado de necessidade;
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. Excesso punível
Parágrafo único - O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.
Nessa mesma linha de pensamento, o autor Ventris expõe:
Não é por acaso que a Guarda Municipal está inserida no Título V da Constituição Federal, no qual é tratado da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas. Eis a missão!
Falhando os órgãos que devem zelar pela Soberania do Estado, o próprio Estado é colocado em xeque!
[...]
A missão fundamental das Guardas Municipais é garantir ao cidadão o acesso ao serviço público municipal com segurança, e possibilitar o exercício dos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal e nos termos do art. 5, §2º da CF nos tratados internacionais subscritos pelo Brasil. (VENTRIS, 2010, p.42).
Portanto, conforme dispõe esse artigo, é legitima tal ação respaldando o agente através das excludentes de ilicitude, observado a necessidade, legitima defesa e o estrito cumprimento do dever legal. Dessa maneira, os servidores da segurança pública estarão respaldados da legalidade quando sua ação for proporcional ao ato.
Ainda assim, é importante frisar que a utilização do armamento letal requer um treinamento específico, assim como, uma avaliação da saúde mental do agente. Desta forma, não será um impeditivo para a concessão do uso deste equipamento de trabalho, pois da mesma maneira que ocorre um treinamento para o uso de armas não letais (como as armas de choque), o uso de algemas e tonfas, os agentes poderão fazer treinamentos para o manuseio de armas letais.
Nesse ponto de vista, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo entende:
EMENTA. RECURSO DE “HABEAS CORPUS” “EX-OFFICIO”. PORTE DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO POR GUARDAS MUNICIPAIS. POSSIBILIDADE. TRATAMENTO DESIGUAL, PELA LEGISLAÇÃO, DESARRAZOADO. LESÃO AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INCONSTITUCIONALIDADE DA VEDAÇÃO LEGAL RECONHECIDA POR DECISÃO UNÂNIME DO E. ÓRGÃO ESPECIAL. CARÁTER VINCULANTE E IMPERIOSA OBEDIÊNCIA AO JULGADO. REEXAME NECESSÁRIO IMPROVIDO.
INCIDENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE. Artigo 6º, inciso IV, da Lei 10.826, de 22.12.2003, alterada pela MP 157, de 23.12.2003. Proibição de Porte de Arma a Guardas Municipais de municípios com menos de 50 mil habitantes. Afronta ao princípio da isonomia. Ausência de razão justificadora do tratamento desigual Incidente cuja procedência se proclama. A Lei 10.826/03 vedou o uso de arma de fogo e excepcionou a Guarda Municipal dos municípios com mais de 250 mil habitantes e menos de 500 mil habitantes, quando em serviço. A Medida Provisória 157/03 alterou o inciso IV do artigo 6º da Lei 10.826/03 para ampliar a exceção, agora a contemplar a Guarda Municipal dos municípios com mais de 50 mil habitantes. Nenhum critério racional justifica a exclusão dos municípios com menos de 50 mil habitantes, igualmente sujeitos à nefasta e crescente violência e submetidos a delinquência de idêntica intensidade à de qualquer outro aglomerado urbano. Nítida violação do princípio da isonomia, a fulminar a norma e a determinar sua exclusão do ordenamento, nas vias próprias cometidas ao Supremo Tribunal Federal. (Ação Direta de Inconstitucionalidade n.139.191-0/0-00. São Paulo. Órgão Especial, Rel.: Des. Renato Nalini, v.u., 29.11.2006). (TJ-SP - REEX: 00084704520128260278 SP 0008470-45.2012.8.26.0278, Relator: Luís Soares de Mello, Data de Julgamento: 05/03/2013, 4ª Câmara de Direito Criminal, Data de Publicação: 07/03/2013).
O histórico da iniciativa do desarmamento no Brasil, teve início nos anos 90, quando a pauta de discussões de autoridades, estudiosos e agentes da segurança pública era sobre o controle de armas de fogo no Brasil.
Logo adiante, uma comissão mista formada por deputados federais e senadores analisou todos os projetos que falavam sobre o tema nas duas casas e reescreveram uma lei conjunta: o Estatuto do Desarmamento (Lei nº 10.826/2003), sancionado em dezembro de 2003, pelo então presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva.
Em vista disto, o objetivo do Estatuto foi regulamentar o registro, a posse, o porte e a comercialização de armas de fogo e munição no Brasil. Adotando critérios mais rigorosos para o controle das armas, dificultando o acesso do cidadão comum ao porte. Além disso, aconteceram campanhas de desarmamento, com o objetivo de mobilizar a sociedade brasileira para a retirada de circulação do maior número possível de armas de fogo, com o objetivo da redução da violência no país.
Dessa maneira, cabe ressaltar, em outubro de 2005, foi realizado, no país, um referendo sobre a proibição da comercialização de armas de fogo e munições. Na ocasião, o eleitorado brasileiro respondeu, por meio da urna eletrônica, se o comércio de armas e munições deveria continuar existindo no território nacional ou, ao contrário, se esse comércio acabaria por aqui.
Dessa maneira, a Lei nº 10.826 de 22 de dezembro de 2003, dispõe sobre registro, posse e comercialização de armas de fogo e munição, sobre o Sistema Nacional de Armas - Sinarm, define crimes e dá outras providências:
Art. 35. É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei.
§ 1º Este dispositivo, para entrar em vigor, dependerá de aprovação mediante referendo popular, a ser realizado em outubro de 2005.
§ 2º Em caso de aprovação do referendo popular, o disposto neste artigo entrará em vigor na data de publicação de seu resultado pelo Tribunal Superior Eleitoral.
Assim, o Estatuto do Desarmamento estabeleceu regras e requisitos que devem ser cumpridos se uma pessoa quiser possuir uma arma, dessa forma, tais requisitos, em sua maioria, estão previstos no artigo 4º do Estatuto, vejamos:
Art. 4o Para adquirir arma de fogo de uso permitido o interessado deverá, além de declarar a efetiva necessidade, atender aos seguintes requisitos:
I - comprovação de idoneidade, com a apresentação de certidões negativas de antecedentes criminais fornecidas pela Justiça Federal, Estadual, Militar e Eleitoral e de não estar respondendo a inquérito policial ou a processo criminal, que poderão ser fornecidas por meios eletrônicos; (Redação dada pela Lei nº 11.706, de 2008)
II – Apresentação de documento comprobatório de ocupação lícita e de residência certa;
III – Comprovação de capacidade técnica e de aptidão psicológica para o manuseio de arma de fogo, atestadas na forma disposta no regulamento desta Lei.
Além do mais, houve algumas mudanças no Brasil no que tange ao assunto, o atual Presidente, Jair Bolsonaro, assinou um decreto nos primeiros dias de seu mandato em 2019, no qual o posse de armas foi flexibilizado porque a “comprovada necessidade” para uso de armas de fogo, antes não especificada no Estatuto do Desarmamento, foi descrita e abarcou um percentual importante da população.
Sendo assim, ficou permitida a posse de armas para moradores de áreas urbanas de estados, além de áreas rurais, o que abarca todo o território nacional, em que os índices anuais de homicídio superam a taxa de 10 a cada 100 mil habitantes. Além do mais, a posse também foi liberada para servidores públicos que exercem funções com poder de polícia e proprietários de estabelecimentos comerciais ou industriais. O decreto também aumentou a validade de registro de armas passou de 5 para 10 anos.
Dessa forma, a medida, foi a primeira a flexibilizar e facilitar a posse de armas no Brasil nas últimas décadas. Segundo o promotor, Fábio Bechara professor do Mackenzie e especialista em segurança pública, quanto mais regulada for a posse de armas, melhor o controle do governo, tendo em vista que a medida não foi tão transformadora, pois o promotor acredita que o decreto apenas trouxe uma objetividade maior ao que já era determinado no Estatuto de 2003.
O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), concedeu medida cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5948 para autorizar suspender os efeitos de trecho da Lei 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) que proíbe o porte de arma para integrantes das guardas municipais de munícipios com menos de 50 mil habitantes e permite o porte nos municípios que têm entre 50 mil e 500 mil habitantes apenas quando em serviço.
Com base nos princípios da isonomia e da razoabilidade, o relator disse que é preciso conceder idêntica possibilidade de porte de arma a todos os integrantes das guardas civis, em face da efetiva participação na segurança pública e na existência de similitude nos índices de mortes violentas nos diversos municípios.
A ação foi ajuizada pelo partido Democratas, que sustenta que a norma dispensou tratamento desigual e discriminatório entre os diversos municípios da Federação, em evidente afronta aos princípios constitucionais da igualdade e da autonomia municipal.
A medida cautelar determina a suspensão da eficácia da expressão “das capitais dos Estados e com mais de 500 mil habitantes”, constante no inciso III; e do inciso IV, que autoriza o porte por integrantes das guardas municipais dos municípios com mais de 50 mil e menos de 500 mil habitantes, quando em serviço, ambos do artigo 6º da Lei 10.826/2003.
Nesse mesmo seguimento, o Supremo Tribunal Federal (STF), decidiu: “Por maioria de votos, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou que todos os integrantes de guardas municipais do país tenham direito ao porte de armas de fogo, independentemente do tamanho da população do município. Na sessão virtual concluída em 26/2, a Corte declarou inconstitucionais dispositivos do Estatuto de Desarmamento (Lei 10.826/2003) que proibiam ou restringiam o uso de armas de fogo de acordo com o número de habitantes das cidades”.
Sendo assim, a atividade da Guarda Municipal visa à manutenção da ordem pública. Quando não houver meios de impedir a prática do ilícito penal, deve reprimi-lo, vez que, a atuação dos agentes deve estar voltada, também, para a defesa dos direitos dos munícipes, mas isso não impede o legítimo uso da força que deve estar distante da arbitrariedade e do abuso. Dessa forma, os municípios que constituem Guardas Municipais estão mais preparados para a proteção dos cidadãos e contenção da criminalidade. De maneira que a efetiva atuação da Guarda Civil Municipal perante a sociedade é de suma importância para os municípios.
Diante do exposto, é fundamental que as Guardas Municipais sejam todas armadas, tendo em vista que para o seu funcionamento e combate ao crime é essencial. Além disso, é um órgão do Estado e para os criminosos, não faz diferença se é guarda ou polícia, para os meliantes não há distinção de uniformes, o intuito do criminoso é tão somente concluir o seu delito pretendido.
Dessa maneira, é possível observar nos noticiários que a onda de violência que assola o país é devastadora, não importa se é em grandes capitais ou em pequenos Municípios. A violência que assola as comunidades brasileiras demanda uma maior participação dos Municípios no que se refere ao modelo de segurança pública implantado nesse âmbito. Visto que, o modelo de segurança imposto aos Estados membros e a União encontra-se defasado.
Sendo assim, a atuação dos Municípios efetiva-se através da criação e manutenção das Guardas Municipais, o que não caracteriza usurpação de função, devido ao aparato legislativo demonstrado neste artigo. Aquelas instituições de caráter civil tem a função da proteção municipal, seja de bens, serviços e instalações públicos, como da própria vida dos munícipes.
A utilização das Guardas nos mais diversos tipos de policiamento justifica o título de um ente de segurança pública comunitário, pois sempre está mais próximo dos acontecimentos da comunidade, por conviver nas cidades. A função das Guardas não se restringe ao caráter patrimonial, bem como preceitua a lei 13.022/2014. Esta que delegou competências inerentes àquelas instituições corroborando, assim, o Poder de Polícia que lhes cabe. Insta salientar, que a inovação atribuída por esta lei trouxe maior estabilidade à instituição Guarda Municipal, pois, anteriormente a publicação desta não havia uma padronização, fazendo com que cada Município dispusesse da maneira que lhe coubesse.
Apesar da lei em tese trazer grande novidade para o ordenamento jurídico, há que se ressaltar que ela foi omissa em algumas disposições, por exemplo, no que se refere ao armamento das Guardas Municipais deixando que outra lei, Lei 10.826 de 2003, dispusesse a respeito. Insta salientar, que a hodierna lei 13.022/14 deveria rever as necessidades atuais dessas instituições no combate à criminalidade e proteção da sociedade. Outro ponto omisso, concerne ao termo ostensividade, uma vez que, o dispositivo legal se refere apenas ao termo “preventivo”, mas, não há possibilidade de as Guardas Municipais exercerem as atribuições que lhe são conferidas sem que seja feito um trabalho ostensivo.
Assim, podemos salientar que a tendência municipalista de segurança pública ganhou mais espaço com a publicação do Estatuto das Guardas Municipais, ressaltando a necessidade de sua criação para o combate à violência atual, para a proteção de bens, serviços e instalações e, principalmente, para a proteção de vidas.
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Artigo publicado em 11/11/2021 e republicado em 16/04/2024
Bacharel em Direito pelo Centro Universitário Fametro.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GRATEX, Izabela Duarte Gomes. Aspectos jurídicos da diferenciação ao direito do porte de arma de fogo para as guardas municipais com base no critério adotado pelo Estatuto do Desarmamento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 abr 2024, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57420/aspectos-jurdicos-da-diferenciao-ao-direito-do-porte-de-arma-de-fogo-para-as-guardas-municipais-com-base-no-critrio-adotado-pelo-estatuto-do-desarmamento. Acesso em: 23 dez 2024.
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