RESUMO: Os aspectos da imunidade parlamentar, com ênfase em sua importância e divergências no processo penal é o objetivo principal deste trabalho. Trouxe à baila, em objetivos específicos, os aspectos subjetivos e objetivos tendo como foco a prisão preventiva. Insta salientar as diretrizes constitucionais destrinchadas nas imunidades formal e material do parlamentar. Em capítulos seguintes, descreve-se a divergência existente nas decisões do Supremo Tribunal Federal, as quais abarcam as prisões de parlamentares em conflito com as prerrogativas de função. O método utilizado para a elaboração do presente foi a documentação indireta, observando-se sistematicamente a pesquisa bibliográfica de fontes primárias e secundárias (doutrinas em geral, artigos científicos, dissertações de mestrado, teses de doutorado, etc.), além de documentação oficial (projetos de lei, mensagens, leis, decretos, súmulas, acórdãos, decisões, etc.). Buscou-se um senso crítico necessário para uma reflexão político criminal equilibrada e aprofundada, assim como a sua legitimidade no Estado Democrático de Direito, contribuindo como fonte de conhecimento a pesquisadores e transeuntes.
PALAVRAS-CHAVE: Imunidade. Parlamentar. Lei Penal. Julgados.
ABSTRACT: Aspects of parliamentary immunity, with emphasis on its importance and divergences in criminal proceedings, is the main objective of this work. It brought up, in specific objectives, the subjective and objective aspects, focusing on preventive detention. It urges to highlight the constitutional guidelines delineated in the formal and material immunities of the parliamentarian. In the following chapters, the divergence existing in the decisions of the Federal Supreme Court is described, which include the arrests of parliamentarians in conflict with the prerogatives of function. The method used to prepare the present was indirect documentation, systematically observing the bibliographic research of primary and secondary sources (doctrines in general, scientific articles, master's dissertations, doctoral theses, etc.), in addition to official documentation ( bills, messages, laws, decrees, summaries, judgments, decisions, etc.). We sought a critical sense necessary for a balanced and in-depth criminal political reflection, as well as its legitimacy in the Democratic Rule of Law, contributing as a source of knowledge to researchers and passersby.
KEYWORDS: Immunity. Parliamentary. Criminal Law. Judged.
INTRODUÇÃO
A imunidade parlamentar tem como conjectura a proteção das instituições, bem como o fortalecimento do Poder Legislativo diante os Poderes do Executivo e Judiciário.
A priori, à baila tem-se que as imunidades parlamentares são garantias institucionais do Poder Legislativo, cujo objetivo é assegurar o exercício das funções parlamentares de seus membros, que representam os interesses do povo que os elegeram. A Carta vigente, Constituição Federal de 1988, manteve as imunidades material e formal, como fundamentais e garantidoras da liberdade de função dos congressistas, dessa forma reforçando a proteção formal aos legisladores.
Como imunidade formal, tem-se o caráter institucional do próprio Poder Legislativo, destinada à sua proteção. Ressalvados os casos de imunidade parlamentar, os deputados e senadores estão sujeitos às mesmas leis que o cidadão comum, em respeito ao princípio da isonomia. A imunidade material, absoluta ou real, segundo os estudiosos da matéria, tem como objetivo assegurar a liberdade de expressão dos congressistas, a qual é assimilada como a privação da responsabilidade penal, civil, disciplinar ou política do parlamentar por suas opiniões, palavras ou votos.
Alguns autores consideram que o que está em jogo em relação às imunidades parlamentares é o interesse público e não o particular, ou seja, do parlamentar individualmente considerado.
Não obstante a legitimidade dos mencionados tipos de prisões provisórias no nosso sistema, a Constituição Federal, em relação aos parlamentares, só permite a incidência da prisão em flagrante delito de crime inafiançável, como, aliás, já decidiu o Supremo Tribunal Federal. Contudo, mesmo havendo o tipo de prisão supracitado, a respectiva casa poderá deliberar, por votação, pela reforma ou não da prisão, pouco importando a natureza do crime cometido.
Atualmente, após a introdução da Lei nº 12.403/2011 (que alterou o Código de Processo Penal), o óbice se agravou bastante, pois praticamente se gerou uma imunidade absoluta para os parlamentares em relação aos crimes de corrupção.
Se invocarmos a literalidade da regra constitucional a respeito da imunidade prisional dos parlamentares é fácil concluir ser impossível a conversão da prisão em flagrante em preventiva, pois tal tipo de prisão foi vedado pela Constituição Federal. No entanto, não restará outro ensejo ao juiz que não seja relaxar a prisão ou conceder a liberdade provisória.
É inteligível que a imunidade prisional possa gerar a sensação de impunidade, pois ainda que a prisão provisória se faça necessária para conservação do processo, não haverá como ser decretada a prevalecer a restrição constitucional, transformando o que deveria ser uma garantia para o parlamento em um verdadeiro privilégio, um escudo para práticas ilícitas, o que é incompatível com a Democracia, com a República e com o Estado Democrático de Direito.
A metodologia utilizada para esta pesquisa foi a documentação indireta, observando-se sistematicamente a pesquisa bibliográfica de fontes primárias e secundárias (doutrinas em geral, artigos científicos, dissertações de mestrado, teses de doutorado, etc.), além de documentação oficial (projetos de lei, mensagens, leis, decretos, súmulas, acórdãos, decisões, etc.).
O objetivo desta pesquisa é explanar todos os aspectos da imunidade parlamentar, com ênfase em sua importância e divergências no processo penal.
2 IMUNIDADE PARLAMENTAR
Holanda (MACHADO, 2016, p. 13, apud. HOLANDA, 2013, p. 468), afirma que o vocábulo imunidade tem origem latina e deriva de immunitate. Enquanto substantivo feminino traduz a condição de não se estar sujeito a algum ônus ou encargo, significando isenção.
Já conforme Falcão (1986, p. 134, apud KURANAKA, 2002, p. 90), imunidade parlamentar é “uma garantia funcional em geral bipartida em expediente material e formal, admitida nas Constituições para o livre desempenho do ofício dos membros do Poder Legislativo e evitar desfalques na integração do respectivo quórum”.
De acordo com Santos (2009, p.19):
Os sujeitos ativos formais das imunidades parlamentares são a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, ou seja, o próprio Estado Federativo, representado pela União; Estados-membros, representados pelas suas Assembleias Legislativas; e os Municípios, por suas Câmaras de Vereadores. Já os sujeitos passivos, são as pessoas físicas ou jurídicas, que se dizem lesadas ou ofendidas, ou seja, aqueles que suportam as ofensas parlamentares.
Moraes (2005, p. 394) pontua em sua doutrina o conceito de imunidade parlamentar da seguinte forma:
Convém reafirmar que a imunidade parlamentar é uma das mais importantes conquistas da democracia representativa e uma expressão vigorosa do Estado Democrático de Direito para tornar factíveis os princípios fundamentais da República Federativa: a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político.
Destarte, complementando o pensamento supracitado, Tasca (2015, p. 01) considera que a imunidade parlamentar nada mais é, do que uma prerrogativa constitucional vinculada à função de legislar, para que o legislador, por sua vez, possa exercer tal função com independência e liberdade fazendo jus ao bom desempenho de suas funções.
1.1 Diretrizes Constitucionais
As imunidades estão previstas no artigo 53 da Constituição Federal, o qual foi modificado pela Emenda Constitucional nº35 de 2001, com a finalidade de coibir situações indesejáveis de parlamentares perante a opinião pública.
O comando do artigo 53, na sua redação primitiva, estabelecia que os deputados e senadores eram invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões palavras e votos, sendo que, desde a diplomação, não podiam ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável; neste caso, os autos deveriam ser remetidos, em vinte e quatro horas à respectiva Casa, para que ela pudesse deliberar, por maioria de votos, sobre a prisão ou não do parlamentar. Estabelecia, ainda, que os deputados e senadores respondiam por crimes comuns perante o Supremo Tribunal Federal (SANTOS, 2009, p. 29).
Diante do exposto, pode-se afirmar que a imunidade não é pois um privilégio de certas pessoas, não diz respeito à figura do congressista, mas uma prerrogativa consagrada no direito constitucional brasileiro concedida a toda categoria parlamentar em virtude da função exercida pelos seus membros, tanto em nível federal, como em estadual e municipal, objetivando assegurar o livre e desimpedido exercício desta atividade enquanto durar o mandato, resguardando-a e garantindo maior independência de atuação perante o Executivo e o Judiciário.
2.2 Imunidade Formal
A imunidade formal, trata-se de garantia de cunho processual, refere-se à prática pelo parlamentar de crimes comuns inafiançáveis. O parlamentar, durante o mandato não pode ser preso, salvo em flagrante por crime inafiançável. Caso em que o auto de flagrante deverá ser remetido à Casa a qual o parlamentar pertença no prazo de 24 horas, para que esta, por iniciativa de um partido político nela representado, por maioria absoluta poderá promover a sustação da ação penal.
Houve, pois, um redimensionamento da imunidade, que não mais é automática, por assim dizer. Agora, para que o processo seja suspenso, há que obter a manifestação expressa da Casa respectiva do parlamentar processado perante o Supremo Tribunal Federal. A respectiva Casa deliberará, então, não mais acerca do pedido de licença (que é automático), mas sim, agora, acerca da paralisação do processo já em trâmite normal. Trata-se de um julgamento pelos pares do parlamentar, que analisarão, nessa ocasião, a conveniência política de ver processado, naquele momento, determinado congressista (BICALHO, 2011, p. 03).
Oliveira (2016, p.145) ratifica que a imunidade formal é prerrogativa de ordem pública e, portanto irrenunciável, há vista que é dotada de caráter institucional próprio do Poder Legislativo, destinada à sua proteção. Ressalvados os casos de imunidade parlamentar, os deputados e senadores estão sujeitos às mesmas leis que qualquer cidadão, em respeito ao princípio da igualdade. Todavia, em defesa do interesse maior, de continuidade das atividades legislativas e preservação da independência do poder de Estado, convém o não afastamento do congressista em razão de processo judicial.
Denominado como imunidade processual ou formal, esta regalia garante ao congressista a impossibilidade de ser processado ou permanecer preso; ampara, desta forma, a liberdade pessoal do parlamentar, nos casos de prisão ou processo criminal. Pois busca a proteção dos parlamentares contra processos ou prisões arbitrárias.
2.3 Imunidade Material
Amplamente conhecida como absoluta ou substantiva, a Imunidade Material visa garantir e proteger o interesse público, de modo que os parlamentares representam o povo frente ao Poder Legislativo (TAVARES, 2018, p.1238).
Jesus (1988, p.399), conceitua o instituto da imunidade, sob o prisma da Constituição de 1967, destacando que a imunidade material é causa funcional de isenção de pena. Explica que os parlamentares, desde que cometam o fato no exercício da função, não respondem pelos denominados delitos de opinião de palavra; porém, deve haver nexo entre o exercício do mandato e o fato cometido. Conclui o autor dizendo que, nos casos citados e diante da imunidade penal, “os deputados federais e senadores ficavam livres do inquérito policial e do processo criminal”.
Acrescenta Michel Temer (2007, p. 132):
Opiniões e palavras que, ditas por qualquer outra pessoa, podem caracterizar atitude delituosa, mas que assim não se configuram quando pronunciadas por parlamentar. Sempre, porém, quando tal pronunciamento se der no exercício do mandato.
Atualmente, a redação do art. 53 da Constituição Federal/1988 inserida com a Emenda Constitucional nº 35, de 2001, se apresenta da seguinte forma, in verbis:
Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001).
§ 1º. Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 2º. Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001).
§ 3º. Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus membros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação. (BRASIL, CF/88).
Resta Cristalino que o art. 53, caput da CF/88, inseriu duas expressões, quais sejam, civil e penalmente, para evidenciar que os parlamentares são invioláveis por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos, não interessando se proferiu ofensas, ameaças, injúria ou calunias, desde que as tenham proferido em razão de suas funções parlamentares e, relacionados ao mandato em exercício, não se restringindo, ao âmbito do Congresso Nacional. Explanando que, mesmo que o parlamentar esteja em qualquer lugar do território nacional, a CF/88 resguarda a sua atividade, mesmo que proferira palavras ou conceder entrevistas não pratica qualquer crime (BRITO, 2007, p. 242).
De outro modo, no Brasil já existem procedimentos instaurados, com o intuito de averiguar possíveis excessos cometidos pelos parlamentares, no gozo desta prerrogativa (TAVARES, 2018, p.1238).
2.4 Penalidades
2.4.1 O caminho da cassação
A história evidencia que o primeiro politico cassado por quebra de decoro parlamentar, após o século XX, foi o deputado Edmundo Barreto Pinto (PTB-DF), que perdeu o seu mandato em 27 de maio de 1949. Ele se deixou fotografar de smoking e cuecas por uma revista da época (TAVARES, 2018, p.1239).
O caso mais recente e já afastado da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ) teve seu mandato politico cassado por 450 votos a favor de sua cassação, sendo dez contra e nove abstenções, no processo de cassação mais longo da Câmara, que durou 336 dias desde a representação por quebra de decoro. O peemedebista foi o segundo parlamentar a sofrer condenação política na esteira do momento de instabilidade política que assola a nação (TAVARES, 2018, p.1239).
Em 2016, Jean Wyllys (PSOL-RJ) sofreu processo disciplinar e foi punido com advertência. Também alvo de pedido de processo por quebra de decoro, por, em sessão de impeachment da então Presidente Dilma Rousseff, cuspir no então parlamentar Jair Messias Bolsonaro, a quem travava recíprocas críticas e debates calorosos (TAVARES, 2018, p.1239).
As medidas disciplináveis são inseridas proporcionalmente a gravidade da quebra de decoro parlamentar, sendo estas compostas por censura, advertência, suspensão ou perda de mandato para as violações de maior complexidade e gravidade (TAVARES, 2018, p.1239).
Dessa forma como qualquer objeto de participação e, sobretudo, pela sua sujeição a certas características da Administração Pública, destacando-se dessa forma a moralidade, não é o mandato parlamentar algo absoluto, estando, portanto, sujeito à revogação. A revogação do mandato parlamentar recebe o nome técnico de “perda”, sendo um gênero subdivisível em duas espécies - a cassação e a extinção do mandato (BALBANI e FONSECA, 2018, p. 793).
A previsão constitucional para a perda de mandato parlamentar encontra-se fulcrada no art. 55 da Constituição Federal de 1988, se desdobrando em diversas situações distintas – que indicam um rol em tese taxativo, mas que se mostra exemplificativo ante a adoção de uma sétima situação pela Jurisprudência. Indica o texto constitucional, in verbis (BALBANI e FONSECA, 2018, p. 793):
Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.
§ 1º É incompatível com o decoro parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de vantagens indevidas.
§ 2º Nos casos dos incisos I, II e VI, a perda do mandato será decidida pela Câmara dos Deputados ou pelo Senado Federal, por maioria absoluta, mediante provocação da respectiva Mesa ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 3º Nos casos previstos nos incisos III a V, a perda será declarada pela Mesa da Casa respectiva, de ofício ou mediante provocação de qualquer de seus membros ou de partido político representado no Congresso Nacional, assegurada ampla defesa.
§ 4º A renúncia de parlamentar submetido a processo que vise ou possa levar à perda do mandato, nos termos deste artigo, terá seus efeitos suspensos até as deliberações finais de que tratam os §§ 2º e 3º. (BRASIL, 1988).
Partindo da dicotomia entre “cassação” e “extinção” indicada pelo texto constitucional, Lisowski (2017) leva em conta a natureza da responsabilização imputada ao parlamentar e da qual decorre a perda de mandato para classificar o instituto, propondo assim a subdivisão da perda de mandato em casos decorrentes da responsabilização jurídica e casos decorrentes da responsabilização política.
A responsabilização jurídica, nesse cenário, adota como parâmetro a norma jurídica positiva em si, sendo caracterizada pela aplicação pura e simples aplicação do texto normativo no caso concreto. É o caso dos incisos III, IV e V do art. 55 da Constituição Federal, todos apontados pela doutrina e pelo próprio texto legal como situações de “extinção de mandato parlamentar” ou perda em sentido estrito (BALBANI e FONSECA, 2018, p. 794).
Já a responsabilização política tem como parâmetro de aplicação questões éticas e morais que ultrapassam os ditames da norma jurídica, cabendo um critério discricionário de aplicação. O juízo, aqui, não é mais jurídico, mas eminentemente político. Aqui se encaixam as disposições remanescentes do rol do art. 55, isto é, os incisos I, II e VI, identificados pela doutrina e pela própria Constituição Federal como hipóteses de “cassação de mandato parlamentar” (BALBANI e FONSECA, 2018, p. 794).
Bandeira e Melgaré (2017, p. 67) afirmam, a fim de diferenciar a extinção (ou perda em sentido estrito) e a cassação de mandato parlamentar, que as situações de extinção de mandato são meramente declaratórias, não cabendo contestação alguma da Casa Legislativa a respeito do tema – a função única da Mesa Diretora do órgão é a aplicação da penalidade constitucionalmente fixada. Por sua vez, a cassação decorre de uma conduta inadequada praticada pelo parlamentar e que, contudo, depende de um referendo prévio da Casa Legislativa para resultar na sanção máxima possível, isto é, a cassação do mandato.
Fonseca (2016, p. 50), assevera que a regra geral do art. 15, III, da Constituição Federal é excepcionada pelo art. 55, § 2°, ao tratar do procedimento adotado quando da cassação do mandato parlamentar – em especial, nos casos de suspensão dos direitos políticos e condenação criminal transitada em julgado.
A partir das especificações de cada uma das hipóteses constitucionais de perda de mandado, é possível depreender algumas características comuns a cada classificação da perda. Se por um lado a extinção, por meio dos incisos III, IV e V, apresenta, em geral, parâmetros objetivos, caráter essencialmente jurídico e a defesa de interesses coletivos, tal qual a publicidade do processo legislativo e a lisura do processo eleitoral, por outro, a cassação, pelos incisos I, II e VI, traz, na maior parte dos casos, parâmetros subjetivos, essência política e defesa de um modelo de conduta parlamentar (BALBANI e FONSECA, 2018, p. 794).
3 O AGIR DOS TRIBUNAIS SUPERIORES
Ao menos em tese, o Supremo Tribunal Federal tem uma atuação bastante restrita no que tange ao Processo Legislativo. A regra geral é a da não intervenção do Judiciário em atos interna corporis do Poder Legislativo, uma vez que a observância do Princípio da Separação de Poderes é regra fundante do Estado Democrático de Direito (BALBANI e FONSECA, 2018, p. 794).
3.1 Jurisprudências do STF acerca da imunidade parlamentar
RE 632115 RG
Repercussão Geral – Admissibilidade
Órgão julgador: Tribunal Pleno
Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO
Julgamento: 22/06/2017
Publicação: 29/06/2017
Ementa
Ementa: Direito Constitucional. Recurso Extraordinário. Responsabilidade Civil do Estado por atos protegidos por imunidade parlamentar. Presença de Repercussão Geral. 1. A decisão recorrida reconheceu a responsabilidade civil objetiva do Estado e condenou o ente público ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes de atos protegidos por imunidade parlamentar. 2. Constitui questão constitucional relevante definir se a inviolabilidade civil e penal assegurada aos parlamentares, por suas opiniões, palavras e votos, afasta a responsabilidade civil objetiva do Estado, prevista no art. 37, § 6º, da Constituição. 3. Repercussão Geral reconhecida.
Tema
950 - Responsabilidade civil objetiva do Estado por atos protegidos por imunidade parlamentar.
Observação
- Acórdão(s) citado(s): (IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL, RESPONSABILIDADE CIVIL) RE 210917 (2ªT). - Decisão monocrática citada: (IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL, RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO) RE 232057. Número de páginas: 13. Análise: 22/08/2018, TLR.
Imperioso destacar nos julgados do STF a citação máxima da Constituição Federal/1988, onde se encontram, inclusive, como tratado no tópico penalidades e imunidades, arts. 53 e 55 que regem quanto às condutas dos parlamentares.
Pet 6268
Órgão julgador: Primeira Turma
Relator(a): Min. ROSA WEBER
Julgamento: 06/03/2018
Publicação: 17/04/2018
Ementa
EMENTA Queixa. Crime Contra a Honra. Imunidade Parlamentar. Art. 53, caput, Constituição Federal. Antagonismo Político entre os Envolvidos. Pertinência das ofensas imputadas com a Atividade Parlamentar. Rejeição. 1. A imunidade material parlamentar quanto a palavras e opiniões emitidas fora do espaço do Congresso Nacional pressupõe a presença de nexo causal entre a suposta ofensa e a atividade parlamentar. 2. Antagonismo político entre querelante e querelado, com pesadas críticas inseridas no debate político, de que se infere a pertinência das ofensas irrogadas com a atividade de Senador da República. 3. Queixa-crime rejeitada.
Observação
HC 34467 (TP). (CRIME CONTRA A HONRA, DIREITO DE CRÍTICA) HC 98237 (2ªT), Inq 503 QO (TP). (IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL, ESTADO DE SÍTIO) HC 3536. (IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL, MANIFESTAÇÃO, INTERIOR, CASA LEGISLATIVA) RE 600063 (TP), RE 443953 ED (1ªT), RE 299109 AgR (1ªT), RE 576074 AgR (1ªT)
Imunidade parlamentar quanto a ofensas, palavras ditas, ofendendo assim a honra de outro parlamentar ou de qualquer outra pessoa pelo simples fato de querer fazê-lo e sem nenhuma relação com suas funções, isto é, sem nenhum benefício para a democracia, é conduta que não pode ser tolerada pelo direito.
Insta salientar que responder apenas perante a Casa respectiva não protege adequadamente os bens jurídicos intimidade, imagem e honra, mormente porque sabemos que se trata de julgamento político e, a depender de quem seja o parlamentar e partido a que pertença, nem sempre haverá a aplicação de punição necessária e adequada.
Pet 7434 AgR
Órgão julgador: Primeira Turma
Relator(a): Min. ROSA WEBER
Julgamento: 01/03/2019
Publicação: 18/03/2019
Ementa
EMENTA AGRAVO REGIMENTAL. QUEIXA-CRIME. NEGATIVA DE SEGUIMENTO. DEPUTADO FEDERAL. CRIME CONTRA A HONRA. NEXO DE IMPLICAÇÃO ENTRE AS DECLARAÇÕES E O EXERCÍCIO DO MANDATO. EXISTÊNCIA. IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL. ALCANCE. ARTIGO 53, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A inviolabilidade material, no que diz com o agir do parlamentar fora da Casa Legislativa, exige a existência de nexo de implicação entre as declarações delineadoras dos crimes contra a honra a ele imputados e o exercício do mandato. Estabelecido esse nexo, a imunidade protege o parlamentar por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos (artigo 53, caput, da CF), e não se restringe às declarações dirigidas apenas a outros Congressistas ou militantes políticos ostensivos, mas a quaisquer pessoas. 2. Imunidade parlamentar material reconhecida na espécie, proferida as manifestações em entrevista do Deputado Federal a rádio no âmbito de atuação marcadamente parlamentar, em tema de fiscalização do processo eleitoral em município do seu Estado, situação conducente à atipicidade de conduta. 3. Agravo regimental conhecido e não provido.
Observação
- Acórdão(s) citado(s): (IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL, PERTINÊNCIA, EXERCÍCIO DE MANDATO ELETIVO) RE 600063 RG, Pet 5243 (1ªT), AO 2002 (2ªT). (QUEBRA DE DECORO PARLAMENTAR) Pet 5647 (1ªT), Pet 6156 (2ªT). - Decisão monocrática citada: (IMUNIDADE PARLAMENTAR MATERIAL, PERTINÊNCIA, EXERCÍCIO DE MANDATO
Desde a expedição do diploma, deputados federais e senadores, serão processados criminalmente perante o Supremo Tribunal Federal (artigo 53, §1º, da CF). A prerrogativa abrange os crimes comuns, estendendo-se aos crimes eleitorais, e às contravenções penais (artigo 102, I, "b", da CF). Findo o mandato, a prerrogativa de foro é cessada e o processo deverá prosseguir de acordo com a regra geral de competência.
4 CASO DE PRISÃO DO DEPUTADO DANIEL SILVEIRA
A Constituição Federal (BRASIL, 1988) prevê em seu artigo 53 a inviolabilidade dos Senadores e Deputados por suas opiniões, palavras e votos, não havendo a cobertura desse direito no caso de flagrante de crime inafiançável, sendo os autos levados à Casa respectiva no prazo de vinte e quatro horas para seus membros decidirem a prisão do parlamentar por voto da maioria.
Diante disso, o Plenário do Supremo Tribunal Federal decidiu manter a prisão em flagrante do deputado Daniel Silveira no Inquérito 4.781, após o parlamentar publicar um vídeo nas redes sociais dirigindo ataques contra os membros do órgão e defendendo o AI-5, isto é, argumentando ser a favor de atos contra a democracia e proferindo ameaças contra a vida dos ministros, o que constitui crime inafiançável (CIRNE, SILVA e COLNAGO, 2021, p. 137).
A prisão em flagrante foi realizada por ordem do Ministro Alexandre de Moraes, o qual afirmou que a conduta do deputado representou grave ameaça para o regime democrático, como afirma no seguinte trecho (CIRNE, SILVA e COLNAGO, 2021, p. 137):
A Constituição Federal não permite a propagação de ideias contrárias a ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, artigos 5º, XLIV; 34, III e IV), nem tampouco a realização de manifestações nas redes sociais visando o rompimento do Estado de Direito, com a extinção das cláusulas pétreas constitucionais – Separação de Poderes (CF, artigo 60, §4º), com a consequente, instalação do arbítrio.
Nessa toada, o ministro relator se valeu de dispositivos constitucionais e infraconstitucionais para embasar sua decisão. Em primeiro, levou em consideração a vedação existente na Constituição, da propagação de ideias que vão contra a ordem constitucional vigente e o Estado Democrático de Direito, usando como embasamento o artigo 5º, inciso XLIV, da Magna Carta, e os incisos III e IV do artigo 34 da Lei Maior (FERREIRA, 2021, p. 08).
Ademais, o ministro entendeu que a Carta Política não permite manifestações que objetivam extinguir a separação dos poderes, por força da cláusula pétrea existente no artigo 60, § 4º, inciso III desta (FERREIRA, 2021, p. 09).
Ainda, aduziu o relator, no sentido de que as condutas realizadas pelo Deputado tipificam crimes contra a honra do poder judiciário e dos ministros do Supremo, restando enquadradas em dispositivos da Lei nº 7.170/83 (Lei de Segurança Nacional), como por exemplo seus incisos I e IV do artigo 22 e o artigo 26 (FERREIRA, 2021, p. 09).
A advogada de Daniel Silveira, Thainara Prado alegou que a prisão do deputado desrespeita a sua imunidade material, uma vez que ele é inviolável quanto a seus votos, palavras e opiniões, além de ter o direito de expressar suas ideias. Divulgou essa nota (CIRNE, SILVA e COLNAGO, 2021, p.138):
A prisão do deputado representa não apenas um violento ataque à sua imunidade material, mas também ao próprio exercício do direito à liberdade de expressão e aos princípios basilares que regem o processo penal brasileiro.
O Ministro Alexandre de Moraes afirmou que as condutas empreendidas por parte do deputado estão previstas na Lei de Segurança Nacional (Lei 7.170/1973), exclusivamente nos artigos seguintes (CIRNE, SILVA e COLNAGO, 2021, p. 139):
Art. 17 - Tentar mudar, com emprego de violência ou grave ameaça, a ordem, o regime vigente ou o Estado de Direito.
Art. 18 - Tentar impedir, com emprego de violência ou grave ameaça, o livre exercício de qualquer dos Poderes da União ou dos Estados.
Art. 22 - Fazer, em público, propaganda:
I - de processos violentos ou ilegais para alteração da ordem política ou social; IV - de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Art. 23 - Incitar:
- à subversão da ordem política ou social;
- à animosidade entre as Forças Armadas ou entre estas e as classes sociais ou as instituições civis;
IV - à prática de qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Art. 26 - Caluniar ou difamar o Presidente da República, o do Senado Federal, o da Câmara dos Deputados ou o do Supremo Tribunal Federal, imputando- lhes fato definido como crime ou fato ofensivo à reputação.
O caso do deputado Daniel Silveira causou grande repercussão e debate quanto aos limites do exercício da liberdade de expressão pelos parlamentares, dado que a decisão do Supremo Tribunal Federal consolidou ainda mais a visão de que a manifestação de nenhum direito é ilimitada (CIRNE, SILVA e COLNAGO, 2021, p. 139).
CONCLUSÃO
Na esteira posta em desfile, percebeu-se a relevância das imunidades parlamentares para a construção do Estado Democrático e o funcionamento dos três poderes, vez que garantem a proteção, autonomia e independência da atividade legislativa dos parlamentares, logo, não sendo possível configurá-las como privilégios.
A imunidade material declara que determinados votos, opiniões e palavras enunciados pelos congressistas são invioláveis, salvo em caso de flagrante de crime inafiançável, em que o parlamentar pode ser preso, tendo sua imunidade formal não assegurada.
Vale rememorar que os limites desse direito encontram-se nos casos em que provoca o discurso de ódio, o qual é proferido a fim de discriminar um grupo de pessoas, assim como fomentar hostilidade na sociedade, logo, não se configura como um preceito constitucional irrestrito, que está acima de outros princípios independente das circunstâncias.
Muito embora seja possível a responsabilização ulterior para proteger bens juridicamente relevantes para a Constituição Federal brasileira, bem como para a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, deve-se levar em consideração que as decisões do Supremo Tribunal Federal, uma vez que impactam de forma direta toda a sociedade brasileira, está sujeita a um maior escrutínio da população, o que verifica-se não ter sido observado pelo ministro relator do Inquérito 4.781, esmiuçado no presente trabalho.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOURA, Daniel Jonathas de Araújo. Imunidade parlamentar: os efeitos da aplicação da lei penal no âmbito da imunidade parlamentar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 mar 2024, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57664/imunidade-parlamentar-os-efeitos-da-aplicao-da-lei-penal-no-mbito-da-imunidade-parlamentar. Acesso em: 26 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
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