RESUMO: O presente trabalho tem como propósito analisar a constitucionalidade da atuação da Defensoria Pública nos processos civis em que os réus são citados por edital ou hora certa. Tal mister é considerado uma função atípica da Defensoria Pública, uma vez que, nesses casos, ela atua sem que haja a necessidade de comprovação de vulnerabilidade econômica dos réus, o que, aparentemente, entra em conflito com a norma constitucional. Para a consecução do objetivo, foi utilizado, como metodologia, a revisão bibliográfica, com materiais disponibilizados em livros físicos, e, também, em conteúdo de cunho digital, para alcançar os objetivos deste material produzido.
Palavras-chave: Citação por edital e hora certa. Constitucionalidade. Defensoria Pública
ABSTRACT: This paper aims to analyze the constitutionality of the Public Defender role in civil proceedings in which the defendants are court summons by public notice or at the right time. This role is considered an atypical function of the Public Defender, since, in these cases, it acts without the need to prove the economic vulnerability of the defendants, which apparently conflicts with the constitutional rule. A bibliographic review was used as a methodology, with materials available in physical books, and also in digital content, to achieve the objectives of this material produced.
Key words: Court summons by public notice and at the right time. Constitutionality. Public Defense.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Do réu citado por edital e hora certa e da constitucionalidade da atuação em seu favor. 3 Da atuação da defensoria em favor de pessoa não hipossuficiente. 5 Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
A Defensoria Pública foi colocada em nossa Constituição Federal em seu capítulo IV, que trata das Funções essenciais à Justiça, mais precisamente em seu artigo 134, in verbis:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LV LXIV do art. 5º desta Constituição Federal.
A topografia da Defensoria Pública na Constituição, revela grande sensibilidade do legislador, ao entender que, sem a Defensoria Pública, o Poder Judiciário não pode existir de modo efetivo, uma vez que seria inacessível a grande parte da população brasileira.
Estudo recente realizado pelo IBGE, demonstrou que 13,5 milhões de brasileiros vivem em situação de extrema pobreza[1] e que a renda média mensal de 60% dos trabalhadores brasileiros da população economicamente ativa, foi inferior a 01(um) salário-mínimo no ano de 2018[2].
Sem a existência de uma Instituição permanente que pudesse abrir as portas da justiça para os necessitados, que são grande parte da população, não teríamos uma verdadeira democracia, pois grande parte da população estaria impedida de buscar seus direitos em um dos poderes constituídos, assim, vemos que a Constituição Federal colocou como função típica da Defensoria Pública, a defesa dos necessitados.
2. DO RÉU CITADO POR EDITAL E POR HORA CERTA E DA CONSTITUCIONALIDADE DA ATUAÇÃO EM SEU FAVOR
A lei Complementar 80/94 que trata da organização da Defensoria Pública, em seu art. 4º e o Código de Processo Civil, em seu art. 72, conferem à Defensoria uma função atípica, no caso, a curadoria especial, vejamos:
Art. 4º São funções institucionais da Defensoria Pública, dentre outras:
(…)
XVI – exercer a curadoria especial nos casos previstos em lei
Art. 72. O juiz nomeará curador especial ao:
(...)
II - réu preso revel, bem como ao réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado.
A dúvida quanto à constitucionalidade desses dispositivos surge quando constatamos que neles, a Defensoria é instada atuar em favor de quem não é hipossuficiente, ou que, pelo menos, não há provas desse fato.
Diferentemente do processo penal onde o bem em discussão é indisponível, no processo civil, em regra ele é disponível, assim faz necessário questionar se a Defensoria Pública deveria atua em favor de alguém que, não se sabe se é pobre e ainda na tutela de um direito disponível.
Quanto à atuação em relação ao citado por edital e hora certa, a legislação infraconstitucional, diferentemente do que pode parecer à primeira vista, encontra respaldo na Constituição, pois, embora não se tenha provas de que a pessoa seja pobre, sua defesa se constituiu na garantia de outro princípio constitucional, no caso, o do contraditório e da ampla defesa previsto no art. 5, LV.
Na citação por edital, a possibilidade de o réu ter tomando ciência de que há uma ação contra si é praticamente nula, uma vez que esta ocorre quando desconhecido ou incerto o citando ou quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar onde este se encontra (art. 256, I e II do CPC), nesse caso, a intimação da Defensoria Pública para designar um defensor para atuar em favor do citando, é medida que se impõe como necessária para assegurar a efetividade do direito constitucional alegado no inciso anterior.
Já quanto ao réu citado por hora certa, a situação aparenta-se diversa, porque nela, a presunção é de que o réu tomou conhecimento de que havia uma demanda em seu favor e que se ocultou para não receber a intimação.
Frise-se que, para que essa modalidade de intimação se aperfeiçoe, o oficial de justiça deverá deixar a contrafé com qualquer pessoa da família ou vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome, e a secretaria ainda deverá enviar ao citando, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandado aos autos, carta, telegrama ou correspondência eletrônica, dando-lhe de tudo ciência, conforme preconiza os artigos 253 e 254 do CPC, in literis:
Art. 253. No dia e na hora designados, o oficial de justiça, independentemente de novo despacho, comparecerá ao domicílio ou à residência do citando a fim de realizar a diligência.
(...)
§ 3º Da certidão da ocorrência, o oficial de justiça deixará contrafé com qualquer pessoa da família ou vizinho, conforme o caso, declarando-lhe o nome.
(...)
Art. 254. Feita a citação com hora certa, o escrivão ou chefe de secretaria enviará ao réu, executado ou interessado, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandado aos autos, carta, telegrama ou correspondência eletrônica, dando-lhe de tudo ciência.
Referidas precauções, tornam evidente de que o réu teve conhecimento do teor da demanda que havia contra si ou que, deixou de teve conhecimento da tentativa de citação mas que optou por não tomar conhecimento dela.
Ora, diferentemente do direito penal, a defesa do réu é um ônus facultativo deste, pode ele optar por não se defender dos fatos que lhe são imputados e arcar com os efeitos da revelia previstos no artigo 344 do CPC.
Assim, entendo que, nessa hipótese, a atuação da Defensoria Pública não deveria atuar em favor do réu, sobretudo, quando a ação versar sobre bens ou direitos disponíveis.
Entretanto, urge salientar, que a jurisprudência pátria não faz tal distinção, de modo que é pacífico o entendimento de que a Defensoria Pública deve atuar na defesa dos réus citados por edital ou hora certa.
3. DA ATUAÇÃO DA DEFENSORIA EM FAVOR DE PESSOA NÃO HIPOSSUFICIENTE
Ao impor à Defensoria Pública o dever de realizar a defesa dos réus citados por edital e hora certa, a lei não vinculou tal atuação à condição de hipossuficiência, uma vez que, tal vinculação, impossibilitaria a atuação da Instituição, posto que o defensor, por óbvio, não possui contato pessoal com a parte patrocinada.
Diferentemente do que ocorre nos casos de citação por hora certa, a grande maioria dos casos que evolvem réus citados por edital, referem-se a ações de cobrança, em que, a situação de hipossuficiência econômica dos réus é presumida, não obstante, há exceções.
Como exemplo, podemos citar as ações de busca e apreensão de veículos de luxo que tem como requeridos pessoas que exercem profissões bem remuneradas pelo mercado.
Nossos Tribunais já vem consolidando o entendimento de que a atuação da Defensoria Pública nos casos aqui analisados se dá em virtude da necessidade de se garantir o respeito ao contraditório e a ampla defesa e que não há, nesses casos, presunção de hipossuficiência[3]
Não obstante, nessas hipóteses, os réus, caso sejam condenados, arcarão com as custas e honorários sucumbenciais sem que lhes seja garantido o direito de suspensão prevista no art. 98, §§ 2° e 3°, do Código de Processo Civil.
No Processo Penal, existe a previsão expressa de que, se o réu não for pobre e não constituir advogado, deverá ser condenado a pagar os honorários do defensor dativo nomeado pelo juiz, in verbis:
Art. 263. Se o acusado não o tiver, ser-lhe-á nomeado defensor pelo juiz, ressalvado o seu direito de, a todo tempo, nomear outro de sua confiança, ou a si mesmo defender-se, caso tenha habilitação.
Parágrafo único. O acusado, que não for pobre, será obrigado a pagar os honorários do defensor dativo, arbitrados pelo juiz.
Atualmente, onde há Defensoria Pública instalada, o ônus da defesa nesses casos caberá à Defensoria Pública e os honorários devidos serão destinados ao Fundo de Aparelhamento da Defensoria Pública, instituído por meio do art. 3º, inciso XXI da Lei Complementar 80/94.
Por analogia, entendo que, no processo civil, não havendo fortes indícios de que o réu citado por hora certa não seja hipossuficiente, deveria ser condenado ao pagamento de honorários à Defensoria Pública, sendo que, nesse caso, o juiz deve utilizar os parâmetros estabelecidos na legislação processual civil.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de atípicas, concluímos que a atuação da Defensoria na qualidade de curador de ausentes é fundamental para a garantia do princípio do contraditório e da ampla defesa prevista da Constituição Federal.
Entretanto, por não ter contato com os assistidos, os membros da Instituição, por óbvio, ficam impossibilitados de adentrar no mérito da demanda, limitando-se apenas a questões formais, como validade da citação editalícia e prescrição do direito alegado pelo autor.
Aqueles que, por algum meio tiveram conhecimento de que tramita uma demanda contra si e que estão sendo defendidos pela Defensoria Pública dentro de suas funções atípicas, curadoria de ausentes, não é recomendado que permaneçam inertes, mas sim que constituam um advogado ou, sendo hipossuficientes na forma da lei, que procurem o defensor responsável pelo caso para que este possa realizar uma defesa de mérito, arrolando testemunhas, juntando documentos, solicitando a realização de perícias, etc.
Desse modo, a curadoria de ausentes deve ser vista como uma forma excepcional de se garantir o direito constitucional ao contraditório e ampla defesa e nunca como um subterfúgio antiético para tentar retardar o andamento de um processo, devendo a parte, sempre que tomar conhecimento da demanda, apresentar-se pessoalmente em juízo para realizar sua defesa.
BIBLIOGRAFIA:
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_____. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1994. Disponível em <http://http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp80.htm>. Acesso em 10 ago. 2021.
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NERY JR., Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015.
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OLIVEIRA, Carlos Alberto Álvaro de. Do formalismo no processo civil. São Paulo: Saraiva, 1997.
THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flávio Quinaud. Novo CPC: fundamentos e sistematização. Rio de janeiro: Forense, 2015.
[1]https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25882-extrema-pobreza-atinge-13-5-milhoes-de-pessoas-e-chega-ao-maior-nivel-em-7-anos
[2]https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2019/10/renda-media-de-mais-da-metade-dos-brasileiros-e-inferior-um-salario-minimo.html
[3]APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. CITAÇÃO POR EDITAL. RÉU REVEL. CURADOR ESPECIAL NÃO NOMEADO. NULIDADE. I- E imperiosa a nomeação de Curador Especial a ré revel, citada por edital. Inteligência do inciso II, do art. 72, do Código de Processo Civil. II- Assim sendo, realizada a citação por edital e permanecendo revel, deve ser nomeado curador especial à parte requerida, tratando-se esta de questão de ordem pública, estando atrelada ao resguardo de direitos fundamentais (devido processo legal, contraditório e ampla defesa ? artigo 5º, LIV e LV, CF/88). III- Na ausência deste procedimento, a sentença é nula de pleno direito, bem como dos atos posteriores à citação. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E PROVIDA. SENTENÇA CASSADA.(TJ-GO - Apelação (CPC): 04153295520148090006, Relator: AMARAL WILSON DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 22/04/2019, 2ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ de 22/04/2019).
Defensor Público do Estado do Maranhão Graduado em Direito na Universidade Federal do Maranhão e Pós Graduado em Direito do Idoso pela Instituto Brasileiro de Formação - UNIBF
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Fábio Magalhães. Da constitucionalidade da atuação da Defensoria Pública nos casos de réus citados por edital ou hora certa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 dez 2021, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57885/da-constitucionalidade-da-atuao-da-defensoria-pblica-nos-casos-de-rus-citados-por-edital-ou-hora-certa. Acesso em: 23 dez 2024.
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