RESUMO: A Constituição Federal da República estabeleceu, entre os direitos fundamentais elencados em seu artigo 5º, o princípio da inafastabilidade do judiciário, segundo o qual, nenhuma lesão ou ameaça a direito seria excluída de apreciação por parte do poder judiciário. Entretanto, dada as condições socioeconômicas de grande parte de nossa população, fez-se necessário a criação da Defensoria Pública para que torná-lo efetivo, sendo essa Instituição a responsável por abri as poeta do Poder Judiciário às pessoas necessitadas. A princípio, entendia-se como tal apenas aqueles que não dispunham de dinheiro para pagar um advogado, entretanto, com a evolução da doutrina e jurisprudência, inclui-se nesse conceito todos aqueles que, por algum motivo, mesmo que transitório, estivessem em situação de vulnerabilidade. Nesse trabalho, é analisado como a Defensoria Pública do Estado do Maranhão regulamentou a matéria e a forma pela qual o referido conceito de vulnerabilidade contribui para o efetivo acesso à justiça.
Palavras-chave: Acesso à Justiça. Defensoria Pública. Hipossuficiência. Vulnerabilidade.
ABSTRACT: The Federal Constitution of the Republic, among the fundamental rights listed in its article 5º, the principle of the inescapability of the judiciary, according to which, no damage or threat to rights would be excluded from consideration by the judiciary. However, given the socioeconomic conditions of a large part of our population, it was necessary to create the Public Defender in order to make it effective, and this Institution is responsible for opening the doors of the Judiciary to needy people. At first, it was understood as such only those who did not have the money to pay a lawyer, however, with the evolution of doctrine and jurisprudence, this concept includes all those who, for some reason, even if transitory, were in a situation of vulnerability. In this work, it is analyzed how the Public Defender of the State of Maranhão regulated the matter and how the qualifier of the concept of vulnerability contributes to the effective access to justice.
Keywords: Access to justice. Public Defense. Poverty. Vulnerability.
SUMÁRIO: 1 Introdução. 2 Dos requisitos formais para ter acesso aos serviços da defensoria pública no Estado do Maranhão. 3 Da flexibilização dos requisitos de renda para ter assistência jurídica gratuita. 4 Dos casos de dispensa de averiguação da renda. 5 Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
Entre os diversos direitos e garantias fundamentais previstos em nossa Constituição Federal, em seu artigo 5º XXXV foi assegurado que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”.
Referido princípio é conhecido como princípio da inafastabilidade da jurisdição, o que significa que os cidadãos possuem o direito de recorrer ao Poder Judiciário para tentar preservar algum direito que entendem ter sido violado ou que esteja na iminência de sofrer alguma lesão.
A expressão “acesso à justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob o auspícios do Estado. (CAPELLETTI; GARTH, 1994, p. 8)
Os casos mais comuns em que as pessoas buscam a Justiça são nos casos em que a lesão já ocorreu, entre as ações mais comuns estão as cobranças de dívidas, pensões alimentícias, reintegrações de posse ações decorrentes das relações de consumo ou de vizinhança.
Entretanto, como dito acima, a Constituição também assegura, de igual forma, o direito de não terem lesados seus direitos, podendo recorrer ao Judiciário de forma preventiva, não sendo necessário esperar que a lesão e/ou prejuízo ocorra.
Como exemplo, podemos mencionar as ações com o objetivo de impugnar determinadas cláusulas nos concursos públicos que são prejudiciais aos candidatos inscritos ou a parcela deles, a ação de interdito proibitório, em que a posse da pessoa se encontra ameaçada, as ações que visam tutelar o direito à saúde, etc.
Ocorre que, salvo algumas exceções previstas em lei, para ingressar com alguma medida judicial, faz-se necessário recorrer a um profissional devidamente habilitado para tanto, no caso, um advogado.
Preocupada com o fato de que grande parte da população brasileira não pode arcar com a contratação de um advogado, o Constituinte elencou, também entre os direitos fundamentais, o direito à prestação da “assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos” art. 5º, LXXIV.
Nesse contexto, a Constituição, em seu art. 134, estabeleceu que prestação jurídica às pessoas hipossuficientes seria prestada pela Defensoria Pública:
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.
Conforme podemos extrair da leitura do dispositivo legal acima transcrito, esse direito é assegurado apenas aos que comprovarem a insuficiência de recursos, assim, esse artigo se propõe a analisar quais os requisitos necessários para que os cidadãos possam pleitear que a Defensoria Pública atue em seu favor.
2 DOS REQUISITOS FORMAIS PARA TER ACESSO AOS SERVIÇOS DA DEFENSORIA PÚBLICA NO ESTADO DO MARANHÃO
Diferentemente do Sistema Único de Saúde, que é universal, ou seja, qualquer pessoa, ter acesso aos seus serviços, a Defensoria Pública é destinada apenas àqueles que não possam arcar com as despesas dos honorários contratuais de um advogado.
Ocorre que a Constituição Federal, ao estabelecer que apenas as pessoas necessitadas podem ser atendidas pela Defensoria Pública, não estabeleceu quais critérios deveriam ser observados na averiguação da situação socioeconômica das pessoas, deixando tal função a cargo das legislações infraconstitucionais.
A Lei Complementar Federal 80/94, que prescreve normas gerais para a organização das Defensoria Públicas Estaduais, trata a matéria apenas de modo genérico, vejamos:
Art. 106. A Defensoria Pública do Estado prestará assistência jurídica aos necessitados, em todos os graus de jurisdição e instâncias administrativas do Estado.
Parágrafo único. À Defensoria Pública do Estado caberá interpor recursos aos Tribunais Superiores, quando cabíveis.
A disciplina da matéria, no Estado do Maranhão, ficou sob a responsabilidade da Lei Complementar Estadual nº 19 de 11 de janeiro de 1994.
Art. 1º – A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo–lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º da Constituição Federal. (Redação dada pela Lei Complementar nº. 169/2014)
§ 1º Considera-se necessitado, para os fins deste artigo, o brasileiro ou estrangeiro, residente ou em trânsito, no Estado, cuja ineficiência de recursos, comprovadamente, não lhe permita pagar as custas processuais e os honorários advocatícios sem prejuízo do sustento pessoal e de sua família.
§ 2º Valerá como comprovação, para os efeitos do parágrafo anterior, a prova de uma das seguintes condições:
a) ter renda pessoal inferior a três salários mínimos mensais, ou;
b) pertencer a entidade familiar, cuja média da renda per capita, mensal, não ultrapasse a metade do valor referido na alínea anterior.
§ 3º - As provas, a que se refere o parágrafo anterior, podem ser instituídas por declaração do interessado, subscrita por duas pessoas idôneas.
O primeiro requisito apontado pela lei é que a pessoa interessada não pode ter uma renda superior a 03 (três) salários-mínimos, nesse caso, leva-se em conta apenas a renda individual.
No caso de pessoas que possuem família, leva-se em consideração a renda per capta, ou seja, a soma da renda de todos os integrantes da entidade familiar dividida pelo número de membros dessa, nessa hipótese, o valor não pode exceder a importância de um salário-mínimo e meio.
Caso a pessoa esteja desempregada, seja autônoma ou que trabalhe sem carteira assinada, basta que assine uma declaração, fornecida pela própria Defensoria Pública, de que não possui condições financeiras de constituir um advogado sem prejuízo do sustento próprio ou de sua família.
Importante frisar que os interessados devem observar que tal declaração, necessariamente, tem que ser verdadeira, pois, caso seja constatado que o declarante faltou com a verdade, o Defensor responsável pelo caso pode, após prévia outiva do assistido, informar nos autos que a Instituição não mais atuará em seu favor.
Além do mais, a pessoa que prestou declaração falta e com isso se utilizou indevidamente dos serviços da Defensoria Pública, ficam sujeiras à sanções de natureza cíveis e criminais, conforme expressamente previsto no art. 55 da lei sob análise:
Art. 55 – A utilização da assistência Jurídica da Defensoria Pública por quem não seja efetivamente necessitado implicará em sua condenação ao pagamento do décuplo das custas processuais e multa de até 50 ( cinquenta ) salários-mínimos, além das sanções penais cabíveis
3 DA FLEXIBILIZAÇÃO DOS REQUISITOS DE RENDA PARA TER ASSISTÊNCIA JURÍDICA GRATUITA
O primeiro ponto que merece ser destacado é que o critério da renda pode ser flexibilizado em determinadas situações, pois a vida cotidiana nos mostra que, mesmo possuindo uma renda suficiente par não ser considerada hipossuficiente, nem sempre ela pode pagar um advogado.
Assim, em 25 de julho de 2014, o Conselho Superior da Defensoria Pública do Estado do Maranhão editou a Resolução nº 06 que, entre outros temas, trata da flexibilização ora sob análise.
Art. 1" Considera-se necessitado, para os fins deste artigo. o brasileiro ou estrangeiro, residente ou em trânsito, no Estado, cuja ineficiência de recursos. comprovadamente, não lhe permita pagar as despesas do serviço de assistência jurídica, as custas processuais e os honorários advocatícios sem prejuízo do sustento pessoal e de sua família
(...)
§ 3‘ Deduzem-se da renda familiar mensal:
I - os rendimentos decorrentes de programas oficiais de transferência de renda;
Il - os rendimentos decorrentes de benefícios assistenciais e previdenciários mínimos pagos a idoso ou deficiente;
III - os gastos com valores pagos a título de alimentos;
IV - gastos extraordinários com saúde decorrentes de moléstias graves ou crônicas.
V - outros gastos extraordinários e essenciais.
Pela leitura do dispositivo podemos constatar que são excluídos dos cálculos da renda dos usuários do serviço da Defensoria Pública os rendimentos advindos de programas sociais, como o bolsa família e outros programas assistenciais, os decorrentes dos benefícios de prestação continuada (LOAS), os valores pagos a título de pensão alimentícia e os gastos com saúde que ultrapassam a normalidade.
4 DOS CASOS DE DISPENSA DE AVERIGUAÇÃO DA RENDA
Por fim, e não menos importante, estão os casos em que, apesar de a pessoa interessada ou que teve algum direito lesado, possuir uma renda acima do previsto em lei, a Defensoria Pública pode atuar em seu favor.
A moderna a doutrina e jurisprudência, no intuito de melhor garantir o acesso à justiça, entendeu acertadamente, que o termo “necessitados” previsto na Constituição Federal não deve ser interpretado de forma restritiva, baseando-se apenas na renda, mas que deve incluir aqueles que, mesmo que de modo transitório, estejam em situação de vulnerabilidade.
Como exemplo, mas sem a intenção de elencar todos os casos possíveis, temos as situações de violência doméstica, contra menores, abusos e violência contra idosos e demais casos em que envolvam algum conflito familiar.
Nesses casos, constatamos que, embora a vítima da violência não seja pobre, ela se encontra numa situação de fragilidade e que, normalmente, não consegue ter a disponibilidade do valor financeiro necessário para contratar um advogado.
No caso dos menores e demais incapazes, essa impossibilidade é ainda mais evidente, haja vista que, via de regra, não podem movimentar contas bancárias.
Também há os casos em que a urgência impede a contratação de um advogado, como nos casos de negativa de tratamento pelo plano de saúde, solicitação de tratamentos de urgência perante o Sistema Único de Saúde, etc.
As situações são bastante numerosas e merecem uma análise em concreto de casa caso.
Não obstante, a fim de lançar um pouco mais de luz sobre o tema, a Defensoria Pública do Estado do Maranhão regulamentou a matéria da seguinte forma:
Art. 4º. Deverá ser prestada assistência jurídica em favor da pessoa natural quando for constatado que, independentemente da condição econômica, há hipossuficiência jurídica, isto é, quando não for possível o acesso à justiça sem a prestação da assistência jurídica gratuita caso em que a atuação se restringirá a providências, administrativas e judiciais, relativas essa condição especial.
§ 1º São presumidos necessitados juridicamente, entre outros:
I — Mulheres em situação de violência doméstica;
Il — Crianças e adolescentes em situação de risco;
III — Usuários de drogas;
IV - Idoso em situação de violência doméstica;
V _ Vítimas de tortura e de racismo;
§ 2º O disposto neste artigo não dispensa a avaliação posterior da condição de necessitado.
Importante frisar que, nesses casos, a atuação de Defensoria Pública ocorrerá apenas enquanto durar a situação de vulnerabilidade, que, caso cessada, o usuário do serviço público deverá constituir um advogado.
5 CONCLUSÃO
A Constituição garantiu, como direito fundamental, o acesso à justiça, entretanto, como, via de regra o exercício desse direito depende do dispêndio de um valor financeiro do qual boa parcela da população não dispõe, estabeleceu que, aos necessitados, esse serviço seria prestado pela Defensoria Pública.
Como a Carta Magna não fixou os critérios para que uma pessoa fosse considerada necessitada, esse conceito coube às legislações ordinárias, Lei Federal, no caso da Defensoria Pública da União, e Leis Estaduais, no caso das Defensorias Públicas Estaduais, sendo que, nesses casos, o limite de renda pode variar conforme o Estado da Federação.
Felizmente, a doutrina e jurisprudência evoluíram no sentido de dar uma interpretação mais ampla para o termo “necessitados”, considerando não apenas aqueles hipossuficientes, ou seja, pobres na forma da lei mas todos aqueles que, por algum motivo, encontram-se em situação de vulnerabilidade, independente de sua situação socioeconômica.
Assim, vê-se que tal interpretação ampliativa vai ao encontro do princípio buscado pela Constituição Federal, que é o efetivo acesso à justiça de todos aqueles que dela necessitam.
BIBLIOGRAFIA:
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_____. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Organiza a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, 1994. Disponível em <http://http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp80.htm>. Acesso em 10 ago. 2021.
Defensor Público do Estado do Maranhão Graduado em Direito na Universidade Federal do Maranhão e Pós Graduado em Direito do Idoso pela Instituto Brasileiro de Formação - UNIBF
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINTO, Fábio Magalhães. O papel da Defensoria Pública na efetivação do direito ao acesso à justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jan 2022, 04:22. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/57973/o-papel-da-defensoria-pblica-na-efetivao-do-direito-ao-acesso-justia. Acesso em: 23 dez 2024.
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