RESUMO: O presente trabalho tem por escopo demonstrar a viabilidade da utilização do mandado de segurança em face dos acórdãos das Turma Recursais dos Juizados Especiais da Fazenda Pública quando estiverem em desacordo com a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-chave: Mandado de segurança, Juizados Especiais da Fazenda Pública, Jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça.
1 INTRODUÇÃO
Este trabalho objetiva estudar, a luz da legislação vigente e do entendimento jurisprudencial dos tribunais superiores, a possibilidade de impetração de mandado de segurança para impugnar os acórdãos proferidos pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais da Fazenda que divirjam da jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça.
A temática apresenta-se importante diante da ausência de previsão legal de recurso ou outro meio de impugnação apto a conformar o julgamento das Turmas Recursais ao entendimento jurisprudencial adotado pela Corte Especial.
Em um primeiro momento será feita uma breve digressão sobre o Sistema de Juizados Especiais brasileiro sem, contudo, pretender exaurir o assunto.
Após, serão abordados os meios de impugnação previstos em cada um dos subsistemas de juizados especiais (Juizados Especiais Estaduais, Juizados Especiais Federais e Juizados Especiais da Fazenda Pública) com a finalidade de reformar as decisões proferidas pelas Turmas Recursais.
Posteriormente, será examinada a possibilidade de utilização de mandado de segurança contra as decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais da Fazenda Pública que estiverem em desacordo com a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, assim como a competência do Tribunal de Justiça para o julgamento dessa ação.
Em sede conclusiva, serão expostas as impressões alcançadas diante do estudo realizado ao longo deste trabalho.
2 O SISTEMA DE JUIZADOS ESPECIAIS NO BRASIL
Ainda na vigência da Constituição de 1969, que não possuía previsão específica sobre a temática, o Sistema de Juizados Especiais foi inaugurado no Brasil pela lei nº 7.244 de 1984, destinado-se ao julgamento das causas de reduzido valor econômico, assim entendidas aquelas não excedentes a vinte salários-mínimos (artigos 1º e 3º). Até então, a competência dos Juizados Especiais limitava-se às ações cíveis, não compreendo, portanto, as de natureza penal.
Atentando-se à necessidade de consolidação desse sistema no Brasil, a Constituição da República de 1988, além de recepcionar a Lei nº 7.244 de 1984, determinou a criação dos Juizados, que passou a compreender também a ações penais relativas aos crimes de menor potencial ofensivo, conforme se denota do seu texto:
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(…)
X - criação, funcionamento e processo do juizado de pequenas causas;
Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão:
I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau;
(...)
§ 1º Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbito da Justiça Federal. (incluído pela emenda constitucional nº 22 e renumerado pela emenda constitucional nº 45 de 2004).
No ano de 1995, a Lei nº 9.099 revogou expressamente a Lei nº 7.244 de 1984 (art. 97), disciplinando inteiramente a matéria. Essa norma rege o Sistema de Juizados Especias somente no âmbito estadual, com competência para as ações cíveis de menor complexidade e as ações penais de crimes com menor potencial ofensivo, assim definidos na própria norma:
Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:
I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;
II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil;
III - a ação de despejo para uso próprio;
IV - as ações possessórias sobre bens imóveis de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo.
§ 1º Compete ao Juizado Especial promover a execução:
I - dos seus julgados;
II - dos títulos executivos extrajudiciais, no valor de até quarenta vezes o salário mínimo, observado o disposto no § 1º do art. 8º desta Lei.
§ 2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza alimentar, falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas, ainda que de cunho patrimonial.
§ 3º A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.
(...)
Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.
(...)
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa. (Redação dada pela Lei nº 11.313, de 2006)
Posteriormente, em julho de 2001, foi editada a Lei nº 10.259, que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal.
Assim como na Lei nº 9.099 de 1995, estão regulamentadas na mencionada norma, além das ações cíveis compreendidas em sua competência, as ações penais dos crimes de menor potencial ofensivo
No âmbito das ações cíveis a competência dos Juizados Especiais Federais compreende as causas de até sessenta salários-mínimos que sejam da competência da Justiça Federal (art. 3º da Lei nº 10.259).
Duas distinções relevantes se apresentam desse dispositivo em relação a norma dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais.
Primeiramente, a competência dos Juizados Especias Federais compreende as causa cíveis com valor da causa mais elevado (até 60 salários-mínimos).
Em segundo lugar, ao estabelecer que somente serão processados nos Juizados Especiais Federais as causas de competência da Justiça Federal, a norma restringe a respectiva competência apenas para as ações que a União, autarquias, fundações e empresas públicas sejam parte (art. 109 da Constituição da República combinado com o art. 3º da Lei nº 10.259 de 2001), mais especificamente na qualidade de rés (art. 6º).
Desse modo, unicamente os entes federais passaram a possuir juizados especiais com competência para o julgamento das causas fazendárias. As ações em que os Estados e Municípios eram réus, por sua vez, continuavam sendo processadas pelo rito estabelecido no Código de Processo Civil, via de regra, pelas Varas da Fazenda Pública, nos locais em que estas estavam constituídas.
Em dezembro de 2009 foi editada a Lei nº 12.153 criando os Juizados Especiais da Fazenda Pública com competência para (…) processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários mínimos (art. 2º).
Do mesmo modo que nos Juizados Especiais Federais, os entes públicos somente podem ser partes na qualidade de réus, conforme se extrai do art. 5 º, II, da norma:
Art. 5º Podem ser partes no Juizado Especial da Fazenda Pública:
I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006;
II – como réus, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas.
É interessante observar que a Lei nº 12.153 de 2009 não trouxe em seu texto qualquer referência às ações penais. Tal circunstância se deve ao fato de que as ações penais de menor potencial ofensivo já se encontravam reguladas pela Lei nº 9.099 de 1995 e que o escopo da norma era somente criar, no âmbito estadual, juizados especiais com competência para processar e julgar causas em que os entes públicos estaduais, distritais, municipais e os territórios fossem parte.
Constata-se, afinal, que o Sistema de Juizados Especiais brasileiro é composto, em sua essência, de três normas federais: a) Lei nº 9.099 de 1995, que rege os Juizados Especiais Cíveis e Criminais Estaduais; b) Lei nº 10.259 de 2001, que normatiza os Juizados Especiais Cíveis e Criminais Federais e; c) Lei nº 12.153 de 2009, que cria os Juizados Especiais da Fazenda Pública no âmbito dos Estados, Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios.
3 MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS
Antes de adentrar especificamente na temática importa fazer o registro de que os meios de impugnação não abrangem somente os recursos, mas também os sucedâneos recursais.
O conceito de recurso, na visão de Daniel Amorim Assumpção, é obtido pelas suas características essenciais, quais sejam: a) voluntariedade; b) expressa previsão em lei federal; c) desenvolvimento no próprio processo o qual a decisão impugnada foi proferida; d) manejável pelas partes, terceiros prejudicados e Ministério Público; e) com objetivo de reformar, anular, integrar e esclarecer decisão judicial (2019, p. 1539 e 1540).
Os sucedâneos recursais, por sua vez, possuem um conceito residual, podendo ser definidos como qualquer meio de impugnação de decisão judicial que não possam ser considerados recursos. Assim, podem ser considerados sucedâneos recursais o reexame necessário, a correição parcial, o pedido de reconsideração e as denominadas ações autônomas de impugnação: ação rescisória, ação anulatória, reclamação, mandado de segurança contra decisão judicial e embargos de terceiros (NEVES, 2019, p. 1.539 a 1.552).
Desse modo, serão abordados nesse tópico os meios de impugnação das decisões judicias das Turmas Recursais: recursos e sucedâneos recursais.
3.1 MEIOS DE IMPUGNAÇÃO DAS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS NOS JUIZADOS ESPECIAIS ESTADUAIS
Contra as decisões das turmas recursais a Lei nº 9.099 de 1995 somente traz a previsão do recurso de Embargos de Declaração (art. 48 a 50), sendo cabíveis nos mesmos casos previstos no art. 1.022 do CPC, quais sejam: obscuridade, contradição, omissão e erro material.
Nesse ponto interessa observar que a Lei nº 9.099 de 1995, em sua redação original, previa o cabimento de Embargos de Declaração quando ocorresse dúvida, o que estava em harmonia com a redação original do art. 535 do Código de Processo Civil de 1973. Não obstante, essa possibilidade foi suprimida no CPC de 1973 pela Lei nº 8.950 de1994, o que não ocorreu no projeto de lei dos juizados, ainda em tramitação no Congresso Nacional. Assim, ao ser editada a Lei nº 9.099 de 1995 criou-se uma discrepância normativa em relação ao CPC. Essa atecnia somente foi solucionada com a edição do CPC de 2015 que alterou o art. 48 da Lei nº 9.099 de 1995.
Em que pese não haver previsão na Lei dos Juizados Especiais, admite-se a interposição de Recurso Extraordinário contra as decisões proferidas pelas Turmas Recursais pela aplicação subsidiária do Código de Processo Civil. Esse entendimento encontra-se sedimentado na súmula de jurisprudência nº 640 do Supremo Tribunal Federal, in verbis: “É cabível recurso extraordinário contra decisão proferida por juiz de primeiro grau nas causas de alçada, ou por turma recursal de juizado especial cível e criminal”.
Contudo, não se admite a interposição de Recurso Especial em face das decisões proferidas pelas Turmas Recursais. Essa compreensão emerge do disposto no art. 105, III, da Constituição da República, que estabelece que será cabível Recurso Especial contra decisão proferida em última ou única instância pelos Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais e pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios. Ao limitar o cabimento do recurso somente contra decisões dos tribunais, o dispositivo constitucional excluiu as decisões proferidas pelas Turmas Recursais. Esse entendimento está consolidado na súmula de jurisprudência nº 203 do Superior Tribunal de Justiça, confira-se: “Não cabe recurso especial contra decisão proferida por órgão de segundo grau dos Juizados Especiais”.
Diante dessa impossibilidade de acessar o Superior Tribunal Justiça, surgiu a necessidade de se criar mecanismos que possibilitassem fazer prevalecer o entendimento daquela Corte também nas decisões proferidas nos Juizados Especiais.
Foi justamente para suprir essa demanda que o Superior Tribunal de Justiça Editou a Resolução nº 12, de 14 de dezembro de 2009, possibilitando a utilização de reclamação para dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, suas súmulas ou orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais como instância de controle da aplicação da legislação federal.
Pelo disposto na citada Resolução a petição deveria ser direcionada ao Presidente do Superior Tribunal de Justiça e distribuída ao relator da seção competente. Ou seja, caberia ao próprio Superior Tribunal de Justiça, por meio de seus órgãos, apreciar e julgar a reclamação proveniente dos julgamentos das Turmas Recursais.
Com o passar dos anos houve um incremento exponencial de demandas nos Juizados Especiais e, consequentemente, um aumento do ajuizamento de reclamações no Superior Tribunal de Justiça. Em razão disso, foi editada a Resolução nº 03 de 2016, que delegou aos órgãos dos Tribunais de Justiça a apreciação e julgamento das reclamações provenientes das Turmas Recursais nos seguintes termos:
Art. 1º Caberá às Câmaras Reunidas ou à Seção Especializada dos Tribunais de Justiça a competência para processar e julgar as Reclamações destinadas a dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do STJ, bem como para garantir a observância de precedentes
Conforme se extrai do dispositivo acima, as hipóteses de cabimento também foram alteradas. Isso se deve a atribuição pelo Código de Processo Civil de efeito vinculante a institutos já existentes, como as súmulas de jurisprudência e a criação de novos mecanismo processuais com esse efeito, a exemplo do incidente de assunção de competência e do incidente de resolução de demandas repetitivas.
Em suma, para impugnar a decisões das Turmas Recursais, a parte possui três mecanismos: a) embargos de declaração; b) Recurso Extraordinário e; c) a reclamação prevista na Resolução nº 03/2016.
3.2 MEIOS DE IMPUGNAÇÃO NOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS
Do mesmo modo do que nos Juizados Especiais Estaduais, nos Juizados Especiais Federais a parte pode se utilizar dos Embargos de Declaração e do Recurso Extraordinário por força do art. 1º da Lei nº 10.259 de 2001, que prevê a aplicação subsidiária da Lei nº 9.099/1995 naquilo no que não conflitar com suas disposições.
Também não é cabível a interposição de Recurso Especial contra as decisões das Turmas Recursais nos Juizados Especiais Federais pelos motivos já explicados no tópico anterior.
Contudo, diferentemente da Lei nº 9.099 de 1995, a Lei nº 10.259 de 2001, com o intuito de suprir a impossibilidade de interposição de Recurso Especial, criou o Pedido de Uniformização (art. 14), destinado a uniformizar divergência na aplicação das leis federais sobre questões de direito material.
O Pedido de Uniformização de Jurisprudência será julgado por órgãos distintos a depender se as Turmas Recursais cuja jurisprudência em conflito pertencem ou não a mesma região ou se o conflito ocorrer com súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça. Se pertencerem à mesma região o julgamento será realizado pela reunião conjunta das Turmas em conflito sob presidência de um Juiz Coordenador. De outro modo, se as Turmas Recursais em conflito se vincularem a regiões distintas ou o conflito ocorrer com súmula ou jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça, o julgamento será realizado pela Turma de Uniformização sob a presidência do Coordenador da Justiça Federal (§§ 1º e 2º do art. 14 da Lei nº 10.259).
Se o entendimento da Turma de Uniformização se mostrar conflituoso com a jurisprudência dominante ou Súmula do Superior Tribunal de Justiça a parte poderá ainda provocar a manifestação deste para que aprecie a divergência (§ 4º do art. 14 da Lei nº 10.259).
Observa-se, portanto, que Lei nº 10.259 de 2001, trouxe um avanço em relação à Lei nº 9.099 de 1995 porque criou mecanismo que possibilita à parte fazer prevalecer o entendimento adotado pela Corte Especial
Essa espécie de mecanismo apresenta extrema relevância pois permite a prevalência da autoridade das decisões do Superior Tribunal de Justiça. De outra maneira, caso o controle jurisdicional da aplicação da legislação federal pelas Turmas Recursais fosse impossível à aquela Corte, abrir-se-ia a possibilidade da existência de dois sistemas jurisdicionais distintos com precedentes próprios e, até mesmo, divergentes.
3.3 MEIOS DE IMPUGNAÇÃO NOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA
Seguindo a mesma linha dos Juizados Especiais Estaduais e dos Juizados Especiais Federais, nos Juizados Especiais da Fazenda Pública também é cabível o emprego de Recurso Extraordinário e de Embargos de Declaração por força da aplicação do art. 27 da Lei nº 12.153 de 2009, que prevê a aplicação subsidiária do CPC e da Lei nº 9.099 de 1995.
Consagrando a evolução legislativa no que toca a recorribilidade das decisões das Turmas Recursais levada a efeito pela lei nº 10. 259 de 2001, a Lei nº 12.153 de 2009 também previu o Pedido de Uniformização em seu art. 18, cabível quando a questão versar sobre direito material e houver divergência entre Turmas do mesmo Estado ou de Estados distintos e, ainda, quando o acórdão contrariar súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (art. 18, §§ 1º e 2º da Lei nº 12.153 de 2001).
Quando a divergência ocorrer entre Turmas do mesmo Estado, a competência para o julgamento será da reunião conjunta da Turmas em conflito sob a presidência de um desembargador indicado pelo Tribunal de Justiça.
Nas demais hipóteses, quando as Turmas divergentes forem de Estados distintos ou quando a decisão foi contrária a súmula de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, o Pedido de Uniformização será por este julgado.
Em que pese a previsão do Pedido de Uniformização, a Lei nº 12. 153 de 2009 regrediu em relação às hipóteses de cabimento. Com efeito, a Lei nº 10.259 de 2001, além de contemplar casos similares aos mencionados acima, prevê também a possibilidade de utilização do Pedido de Uniformização quando a decisão contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça.
Com isso, além de estar em descompasso com o Microssistema dos Juizados Especiais Federais também se desalinhou do Microssistema dos Juizados Especiais Estaduais.
De fato, a Lei nº 9.099 de 1995 não trouxe a previsão de Pedido de Uniformização, mas essa lacuna normativa foi solucionada com a Edição da Resolução nº 12 de 2012 do Superior Tribunal de Justiça, posteriormente substituída pela Resolução nº 03 de 2016, a qual permite ao ajuizamento de Reclamação no Tribunal de Justiça nos casos divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e do Distrito Federal e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, consolidada em incidente de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, em julgamento de recurso especial repetitivo e em enunciados das Súmulas do Superior Tribunal de Justiça.
Não sendo cabível o Pedido de Uniformização, poder-se-ia cogitar o cabimento de Reclamação para o Tribunal de Justiça com fundamento na Resolução nº 03. Contudo, a Corte Especial ao apreciar a matéria afastou tal possibilidade ao argumento de que a Lei nº 12.153 de 2012 possui procedimento específico, que não estariam preenchidos os requisitos para o ajuizamento de Reclamação e que esta não pode ser utilizada como sucedâneo recursal, confira-se:
PROCESSUAL CIVIL. RECLAMAÇÃO. ACÓRDÃO RECORRIDO PROFERIDO POR TURMA RECURSAL DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA. REGIME PRÓPRIO DE SOLUÇÃO DE DIVERGÊNCIA (ARTS. 18 E 19 DA LEI N. 12.153/2009). NÃO CABIMENTO DE PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. CASO CONCRETO QUE NÃO SE AMOLDA A NENHUMA DAS HIPÓTESES AUTORIZATIVAS DA VIA ELEITA. NÃO CABIMENTO DA RECLAMAÇÃO PREVISTA NA RESOLUÇÃO N. 12/2009 DO STJ. RECLAMAÇÃO LIMINARMENTE INDEFERIDA.
1. O sistema para processo e julgamento de causas em juizados especiais é composto por três microssistemas: a) Juizados Especiais Estaduais Comuns - instituídos pela Lei n. 9.099/1995; b) Juizados Especiais Federais - instituídos pela Lei n. 10.259/2001 e; c) Juizados Especiais da Fazenda Pública Estadual e Municipal - instituídos pela Lei n. 12.153/2009. Cada um deles é submetido a regras específicas de procedimento, inclusive com relação ao mecanismo de uniformização de jurisprudência e de submissão das decisões das Turmas Recursais ao crivo do Superior Tribunal de Justiça.
2. Tal mecanismo, no âmbito do microssistema dos Juizados Especiais Estaduais Comuns instituídos pela Lei n. 9.099/1995 é a reclamação, nas hipóteses do art. 1º da Resolução n. 12/2009 do STJ, ou seja, quando contrariar: a) jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça; b) súmula do Superior Tribunal de Justiça ou; c) orientações decorrentes do julgamento de recursos especiais processados na forma do art. 543-C.
3. Já no que se refere aos Juizados Especiais Federais instituídos pela Lei n. 10.259/2001 é o pedido de uniformi 10.259/2001, ou seja, quando contrariar: a) jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça ou; b) súmula do Superior Tribunal de Justiça.
4. Finalmente, quanto ao microssistema dos Juizados Especiais da Fazenda Pública instituídos pela Lei n. 12.153/2009 é cabível o pedido de uniformização de jurisprudência, nas hipóteses dos arts. 18 e 19 da Lei n. 12.153/2009, ou seja, quando: a) as Turmas de diferentes Estados derem a lei federal interpretações divergentes ou; b) a decisão proferida estiver em contrariedade com súmula do Superior Tribunal de Justiça.
5. O caso dos autos trata de ação ajuizada perante Juizado Especial da Fazenda Pública, submetida ao rito específico da Lei n. 12.153/2009. Como causa de pedir, a parte reclamante indicou precedentes do STJ que teriam sido contrariados pelo Colégio Recursal a quo. A lei referida, conforme visto logo acima, previu o cabimento de Pedido de Uniformização de Jurisprudência ao STJ apenas nos casos de divergência: a) entre Turmas Recursais de Estados diversos ou; b) entre a decisão que fundamenta o incidente e enunciado da súmula do STJ. O cabimento da reclamação, por sua vez, exigiria os seguintes requisitos, verificáveis em processo jurisdicional concreto, no qual estivessem ocorrendo quaisquer das hipóteses constitucionalmente previstas: a) a usurpação de competência do STJ ou; b) a necessidade de garantir a autoridade das decisões do STJ. Não se amoldam ao caso em análise nem o pedido de uniformização de jurisprudência, nem tampouco a reclamação, por não incidirem em nenhuma das hipóteses de cabimento.
6. Petição inicial da reclamação liminarmente indeferida.
(Rcl 22.033/SC, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/04/2015, DJe 16/04/2015) (grifo nosso)
Apesar de ter sido proferido sob a égide da Resolução nº 12 esse julgado ainda se mostra aplicável mesmo após a edição da Resolução nº 03 de 2016, tendo em vista que os fundamentos apresentados não possuem relação direta com as hipóteses de cabimento nelas previstas.
Portanto, é forçoso concluir que ao deixar de prever a hipótese de Pedido de Uniformização quando a decisão da Turma recursal contrariar jurisprudência dominante da Corte Especial, o legislador infraconstitucional dificultou sobremaneira a prevalência da autoridade das decisões deste Tribunal.
A título de registro, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5.741 de 2013, de autoria do Superior Tribunal de Justiça, que altera os artigos 18, 19 e 20 e acresce o art. 20-A a Lei nº 12.153 de 2012, para permitir a utilização do Pedido de Uniformização também nos casos em que a decisão da Turma Recursal contrariar jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça. Apesar ter obtido parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça, o projeto foi retirado da pauta do plenário em fevereiro de 2015, não tendo retornado até a presente data.
4 DO MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA AS DECISÕES DAS TURMAS RECURSAIS NOS JUIZADOS ESPECIAIS DA FAZENDA PÚBLICA QUE CONTRARIAREM JURISPRUDÊNCIA DOMINANTE DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
Ante o não cabimento de Pedido de Uniformização, a impossibilidade de utilização de Reclamação para impugnar as decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais da Fazenda Pública e a necessidade de suprir essa lacuna, o mandado de segurança apresenta-se como instrumento juridicamente viável para tal finalidade, como será demonstrado nesse tópico.
4.1 DO CABIMENTO
A utilização do mandado de segurança como medida excepcional para combater ato judicial está pacificada na doutrina e na jurisprudência, sendo cabível nas seguintes hipóteses: a) decisão judicial manifestamente ilegal ou teratológica; b) decisão judicial contra a qual não caiba recurso; c) para imprimir efeito suspensivo a recurso desprovido de tal atributo; e d) quando impetrado por terceiro prejudicado por decisão judicial. Nessa linha de entendimento, o seguinte aresto do Superior Tribunal de Justiça:
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. PROCESSUAL CIVIL. DECISÃO QUE CONVERTE AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RETIDO. ATO JUDICIAL CONTRA O QUAL NÃO CABE RECURSO. CABIMENTO DO WRIT. CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO QUE INVIABILIZAM FUTURA APELAÇÃO E, POR CONSEQUÊNCIA, A RATIFICAÇÃO DO AGRAVO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. A doutrina e a jurisprudência majoritárias admitem o manejo do mandado de segurança contra ato judicial nas seguintes hipóteses excepcionais: a) decisão judicial manifestamente ilegal ou teratológica; b) decisão judicial contra a qual não caiba recurso; c) para imprimir efeito suspensivo a recurso desprovido de tal atributo; e d) quando impetrado por terceiro prejudicado por decisão judicial. 2. A situação desenhada no presente writ ilustra um caso típico de manifesta ilegalidade, infelizmente chancelada por sucessivas decisões judiciais que culminaram por construir em torno da pretensão dos impetrantes um cenário obscuro, com intransponíveis obstáculos pelas vias recursais regulares. 3. Assim, deve ser abrandado o rigor técnico no exame do cabimento desta impetração, uma vez que a situação inusitada com a qual se defrontam os impetrantes é de tal anomalia e atecnia que realmente dificulta a correta manifestação da parte prejudicada. Não pode o Judiciário esquivar-se de corrigir seus erros, exigindo esmero técnico do jurisdicionado prejudicado justamente por situação de manifesta ilegalidade, violadora do devido processo legal (CF, art. 5º, LIV), criada por decisão judicial. 4. É remansosa a jurisprudência desta eg. Corte quanto ao cabimento de writ contra a decisão que converte o agravo de instrumento em retido, uma vez que se trata de decisão judicial contra a qual não cabe recurso. Precedentes. 5. No presente mandamus, é forçoso reconhecer a ilegalidade da decisão que converteu o agravo de instrumento em retido e das que se lhe sucederam, em sede de pedido de reconsideração e de correição parcial, na medida em que inviabilizam a possível apelação a ser interposta contra parte da sentença objeto dos embargos de declaração. Por consequência, os recorrentes jamais poderão ratificar o agravo retido, consoante dispõe o art. 523, caput, do CPC. 6. Recurso ordinário parcialmente provido, concedendo-se a segurança para afastar o ato judicial que converteu o agravo de instrumento em retido e os que se lhe sucederam, em sede de pedido de reconsideração e de correição parcial.
(STJ, 4ª Turma, ROMS (RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA) 201101565149, Rel. Min. RAUL ARAÚJO, Data dadecisaoo 04/02/2014, Publicação DJE: 17/02/2014) (grifo nosso)
Por certo, conforme se extrai do entendimento acima transcrito, quando não couber mais recurso para discutir a decisão judicial o mandado de segurança poderá ser utilizado com tal desiderato.
Restou demonstrado no tópico 3.4 do presente trabalho que das decisões das Turmas Recursais dos Juizados Especiais da Fazenda Pública que contrariarem jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça não cabe Pedido de Uniformização ou mesmo Reclamação. Desse modo, não havendo outro meio de impugnação apto a fazer prevalecer o entendimento adotado pela Corte Especial o manejo do mandado de segurança apresenta-se como a única saída juridicamente viável a disposição da parte.
4.2 DA COMPETÊNCIA PARA JULGAMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA
Outra questão que se apresenta tormentosa no presente trabalho é a competência para o julgamento do mandado de segurança nesses casos.
Nos termos do entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça, a competência para o julgamento do mandado de segurança impetrado contra decisão proferida nos Juizados Especiais seria da Turma Recursal, confira-se: Compete a turma recursal processar e julgar o mandado de segurança contra ato de juizado especial (súmula nº 376).
Contudo, no presente caso, não teria razão a impetração de mandado de segurança contra decisão da Turma Recursal para que ela mesma decidisse sobre a aplicação de entendimento jurisprudencial dominante da Corte Especial em sentido diverso do que já fora decidido, considerando que são integradas por apenas três membros, não havendo alternância com outros juízes.
Nessa perspectiva, não se pode perder de vista que a competência para o julgamento de mandado de segurança é estabelecida por um critério funcional, ou seja, depende da hierarquia da autoridade (CUNHA, 2019, p. 596 a 598).
Com efeito, o art. 101, §§2º e 3º, da Lei Complementar nº 35 de 1979, Lei Orgânica da Magistratura Nacional, dispõe:
Art. 101 - Os Tribunais compor-se-ão de Câmaras ou Turmas, especializadas ou agrupadas em Seções especializadas. A composição e competência das Câmaras ou Turmas serão fixadas na lei e no Regimento Interno.
(...)
§ 2º - As Seções especializadas serão integradas, conforme disposto no Regimento Interno, pelas Turmas ou Câmaras da respectiva área de especialização.
§ 3º - A cada uma das Seções caberá processar e julgar:
(...)
d) os mandados de segurança contra ato de Juiz de Direito;
Relembre-se que os integrantes das Turmas Recursais dos Juizados Especiais da Fazenda Pública são juízes de direito em exercício no primeiro grau de jurisdição, (art. 17 da Lei nº 12.153 de 2009) o que atrairia a competência das seções do Tribunal de Justiça para o julgamento de mandados de segurança contra eles dirigidos se não fosse o disposto na súmula de jurisprudência nº 376 do Superior Tribunal de Justiça.
Ademais, insta salientar que esse entendimento da Corte Especial já encontra exceção em sua própria jurisprudência, como ocorreu no julgamento do Recurso Especial nº 1.537.731/MA, de relatoria do Ministro Marco Aurélio Bellizze, realizado pela Terceira Turma, à unanimidade, no dia 22 de agosto de 2017, ocorrido já na vigência do Código de Processo Civil de 2015 e da Resolução nº 03 de 2016. Dada a relevância, transcreve-se o seguinte trecho do voto condutor do acórdão:
(...)
Assim repisados os fatos processuais subjacentes, o deslinde da controvérsia, perpassa: i) pela análise de quais são, no momento atual, os mecanismos de controle de uma decisão proferida por Juizado Especial que se revele, a um só tempo, manifestamente teratológica, a ensejar indiscutível enriquecimento sem causa a uma das partes, e contrária à jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça; e ii) pela correta delimitação do critério utilizado pela Lei de regência para a definição da competência dos Juizados Especiais e da atuação do Tribunal de Justiça no exercício desse controle;
De plano, releva anotar que o sistema dos Juizados Especiais, de indiscutível singularidade, encerra uma estrutura própria, que não se confunde com a dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, concebida para dar consecução aos princípios da oralidade, simplicidade, informalidade, economia e celeridade (art. 2º da Lei n. 9.099/1995).
Por outro lado, não se pode deixar de reconhecer que esta peculiar estrutura de jurisdição guarda em si a potencialidade de ofertar uma prestação jurisdicional deficiente, absolutamente desconectada da interpretação da legislação federal conferida pelos Tribunais de Justiça e pelo Superior Tribunal de Justiça (seu guardião constitucional), a comprometer a segurança jurídica que dela se espera, em razão justamente da ausência de um órgão unificador, em âmbito estadual e nacional, para este propósito.
Esta incongruência do sistema dos Juizados Especiais foi identificada pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento dos EDcl no Rext n. 571.572/BA (Pleno, Relatora Ministra Ellen Gracie, julgado em 26/08/2009. DJe 26/11/2009), oportunidade em que se reconheceu "o cabimento, em caráter excepcional, da reclamação prevista no art. 105., I, f, da Constituição Federal, para fazer prevalecer, até a criação da Turma de Uniformização dos Juizados Especiais Estaduais, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça na interpretação da legislação infraconstitucional".
Diante dessa exortação, o Superior Tribunal de Justiça, com o propósito de preservar a higidez do sistema dos Juizados Especiais e, principalmente, da uniformidade de sua interpretação da lei federal, passou a admitir o cabimento de Reclamação (que, em verdade, não se confunde com a Reclamação Constitucional), em caráter excepcional e temporário (até a efetiva criação da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal, objeto do Projeto de Lei n. 5.741/2013, de iniciativa do STJ), por meio da expedição da Resolução n. 12/2009.
A Segunda Seção desta Corte Superior, por ocasião do julgamento da Rcl n. 6.721/MT, estabeleceu critérios norteadores ao conhecimento das reclamações ajuizadas com fulcro na Resolução n. 12/2009, especificamente, "demonstração de contrariedade à jurisprudência consolidada desta Corte quanto à matéria, assim compreendida como precedentes exarados no julgamento de Recursos Especiais em Controvérsias Repetitivas ou enunciados de Súmula da jurisprudência desta Corte; divergência quanto a regras de direito material; e hipóteses de teratologia, a serem apreciadas em cada caso concreto" (Segunda Seção, Rel. o Ministro Massami Uyeda, Relatora p/ Acórdão a Ministra Nancy Andrighi, DJe de 9/11/2012).
Com o advento do Código de Processo Civil, que promoveu verdadeira vinculação dos juízes e membros dos Tribunais Estaduais à jurisprudência dos Tribunais Superiores — e diante da inércia legislativa —, a Corte Especial do STJ reconheceu que a aludida competência para dirimir divergência entre acórdão prolatado por Turma Recursal Estadual e a jurisprudência do STJ, suas súmulas ou orientações decorrentes de julgamentos de recursos repetitivos deve ser exercida pelo Órgão Especial dos Tribunais de Justiça ou, na ausência deste, pelo órgão correspondente, provisoriamente, até a criação das Turmas de Uniformização (AgRg na Rcl 18.506/SP, Rel. Ministro Raul Araújo, Corte Especial, julgado em 06/04/2016, DJe 27/05/2016).
Veja-se, portanto, que, atualmente, compete aos Tribunais de Justiça exercerem o controle de uniformização da interpretação da lei federal conferida pelo Superior Tribunal de Justiça, em caráter provisório, enquanto não houver a implementação da Turma Nacional de Uniformização de Jurisprudência dos Juizados Especiais dos Estados e do Distrito Federal, objeto do Projeto de Lei n. 5.741/2013, de iniciativa do STJ.
Sem descurar que esta novel e temporária competência dos Tribunais de Justiça foi instaurada a partir da entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, não se aplicando à hipótese dos autos, a situação aqui retratada, de manifesta teratologia, bem evidencia a necessidade de os Juizados Especiais submeterem-se ao controle de um órgão unificador, que zele pela observância da interpretação da legislação federal conferida por este Superior Tribunal de Justiça, a fim de preservar a higidez do sistema dos Juizados Especiais, garantindo-se a segurança jurídica de seus provimentos.
Pois bem. Ainda que não seja dado ao Tribunal de Justiça efetuar o controle de mérito das decisões proferidas pelos Juizados Especiais — o que, na atual conjuntura, como visto, comporta exceção para efeito de controle de uniformização da interpretação da lei federal pelo STJ — cabe-lhe, na falta de regramento específico, exercer o controle sobre a competência dos Juizados Especiais a ele vinculados em sua organização funcional e administrativa.
(…)
Desse modo, justamente por se tratar de critério definidor da competência dos Juizados Especiais, afigura-se possível às partes interessadas, na falta de regramento específico, instar o Tribunal de Justiça por meio de mandado de segurança a exercer o controle de competência do Juizado Especial, invocando, para tanto, a inobservância do valor de alçada dos Juizados Especiais. (grifo nosso)
Apesar do julgamento referir-se a caso ocorrido nos Juizados Especiais Estaduais, e não nos Juizados Especiais da Fazenda Pública, os argumentos deduzidos pelo relator se prestam a justificar a competência do Tribunal de Justiça para julgar mandado de segurança em que se busca conferir efetividade a jurisprudência dominante do Superior Tribunal Justiça.
Essa compreensão adquire mais força com a edição da Resolução nº 03/2016 que atribui aos Tribunais de Justiça a competência para atuar como órgão de uniformização da jurisprudência federal ante as decisões proferidas pelas Turmas Recursais dos Juizados Especiais Estaduais. Com as devidas adequações a hipótese tratada no presente trabalho enquadra-se nesse rol de atribuições, não havendo, portanto, razão para ser excepcionada.
5 CONCLUSÃO
Ao longo do presente trabalho demonstrou-se a ocorrência de lacuna legislativa no que toca a existência de meio de impugnação dos acórdãos das Turmas Recursais dos Juizados Especiais da Fazenda Pública quando divergentes do entendimento jurisprudencial dominante no Superior Tribunal de Justiça.
Verificou-se, ainda, que o Superior Tribunal de Justiça não admite a utilização de reclamação com a mencionada finalidade tendo em vista a existência de um rito específico previsto no art. 18 da Lei nº 12. 153 de 2009, assim como não estarem preenchidos os requisitos para a utilização desse instituto jurídico.
Diante disso, com fundamento em entendimento jurisprudencial, constatou-se a possibilidade de utilização de mandado de segurança, de forma excepcional, com a finalidade de uniformizar a interpretação das leis federais.
Por derradeiro, analisou-se a competência para o julgamento do mandamus, excepcionando-se o entendimento adotado no enunciado de súmula de jurisprudência nº 376 do Superior Tribunal de Justiça, com fundamento em recente jurisprudência desse próprio tribunal e na Lei Complementar nº 35/1979.
Desse modo, propõe-se a utilização do mandado de segurança com o objetivo de fazer prevalecer a jurisprudência dominante do Superior Tribunal de Justiça direcionado-o ao Tribunal de Justiça a que se vincula a Turma Recursal que praticou o ato a ser impugnado.
REFERÊNCIAS
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Procurador do Estado na Procuradoria Geral do Estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SALES, EDUARDO SANTOS. Do cabimento de mandado de segurança contra decisão da turma recursal nos Juizados Especiais da Fazenda Pública quando a decisão contrariar jurisprudência dominante do superior tribunal de justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 jan 2022, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58042/do-cabimento-de-mandado-de-segurana-contra-deciso-da-turma-recursal-nos-juizados-especiais-da-fazenda-pblica-quando-a-deciso-contrariar-jurisprudncia-dominante-do-superior-tribunal-de-justia. Acesso em: 25 dez 2024.
Por: ELISA CARDOSO BATISTA
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: MARCOS ANTÔNIO DA SILVA OLIVEIRA
Por: mariana oliveira do espirito santo tavares
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