Resumo: O presente artigo busca analisar as verbas típicas do contrato do atleta profissional - luvas, bichos, direito de imagem e direito de arena – quanto ao seu conceito e natureza jurídica. Em razão de suas peculiaridades e distinção quanto as demais verbas recebidas por outros trabalhadores, há discussão doutrinária e jurisprudencial sobre a integração de cada verba no contrato de trabalho. Busca-se também analisar a posição do Tribunal Superior do Trabalho sobre o tema.
Palavras-Chaves: “Luvas”. “Bichos”. Direito de arena. Direito de imagem. Integração. Contrato de trabalho.
Abstract: This article seeks to analyze the typical amounts of the professional athlete's contract - gloves, “animals”, image rights and arena rights - in terms of their concept and legal nature. Due to its peculiarities and distinction from other funds received by other workers, there is a doctrinel and jurisprudential discussion about the integration of each amount in the employment contract. It also seeks to analyze the position of the Superior Labor Court on the subject.
Key words: “Gloves”. “Animals”. Arena right. Image rights. Integration. Employment contract.
Sumário: Introdução. 1. Salário 2. Luvas. 3. Bichos. 4. Direito de imagem. 5. Direito de Arena. Considerações finais. Referências bibliográficas.
Introdução
De acordo com o artigo 217 da Constituição Federal de 1988[1], é dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não formais como direito de cada um. Para melhor aplicação desse dispositivo constitucional, foi elaborada a Lei 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, a qual teve como objetivo principal garantir melhores condições aos atletas profissionais e acabar com a “Lei do passe”.
O passe era, nos termos do artigo 11 da Lei 6.354/76[2], a importância devida por um empregador a outro pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois do seu término. Em virtude de largas críticas acerca do pagamento ser efetuado mesmo após o término do contrato (caracterizando uma espécie de escravidão moderna), o antigo passe foi substituído pela cláusula penal a ser estipulada entre clubes e atletas, por meio de contrato, só podendo ser exigida durante a fluência do contrato – diferentemente do passe, o qual perdurava mesmo com a cessação do contrato de trabalho do atleta. Com o término do contrato, o atleta estaria livre para vincular-se a outro clube, sem que o antigo empregador possa cobrar algum valor.
Nesse sentido, verifica-se que o contrato do atleta profissional apresenta diversas peculiaridades não presentes nos contratados de trabalho regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (“CLT”). Essas demais verbas causam divergência doutrinária e jurisprudencial quanto a natureza jurídica e integração nas verbas do contrato de trabalho, eis que a depender do enquadramento jurídico podem se sujeitar à incidência de encargos fiscais e previdenciários.
São as denominadas luvas, bichos, direito de imagem e direito de arena que apresentam características e especificidades próprias, na medida em que o pagamento do salário do atleta profissional não se resumir a uma parcela fixa.
Nesse sentido, o presente artigo pretende apresentar o conceito, natureza jurídica e entendimento dos tribunais acerca de cada parcela.
1. Salário
A maior controvérsia que insurge quanto as verbas peculiares do contrato do atleta profissional é quanto a natureza jurídica e consequente integração dos valores recebidos ao salário. Isto porque, a depender de seu enquadramento, as parcelas terão reflexos nas demais verbas recebidas ao longo do contrato incidindo encargos fiscais e previdenciários, se tornando mais onerosa a quem paga.
O salário, na visão do doutrinador Maurício Godinho Delgado, consiste no conjunto de parcelas contraprestativas pagas pelo empregador ao empregado em função do contrato de trabalho, sendo um complexo de parcelas e não de uma única verba. Todas têm caráter contraprestativo, não necessariamente em função da precisa prestação de serviços, mas em função do contrato[3].
Nos termos do art. 457 § 1º da CLT, integram o salário a importância fixa estipulada, as gratificações legais e as comissões pagas pelo empregador. Referido dispositivo legal é plenamente aplicável aos atletas profissionais, ainda que regidos por Lei própria, eis que a Lei específica não esgota todos os temas.
Se não bastasse tal dispositivo acerca do salário, o art.31 § 1° da Lei 9.615/98, conhecida como Lei Pelé, dispõe que são entendidos como salários, para efeitos de mora salarial, capaz de autorizar a rescisão indireta do contrato, o abono de férias, o salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho.
Nesse sentido, como a própria Lei do atleta insere algumas verbas no conceito de salário, acaba por tornar ainda mais controversa o enquadramento das luvas, bichos, direito de imagem e direito de arena, conforme se verá nos próximos tópicos.
2. Luvas
Entende-se por luvas as parcelas relacionadas a retribuição material paga pela entidade empregadora ao atleta profissional em vista da celebração de seu contrato de trabalho, seja originariamente, seja por renovação[4]. As luvas podem ser pagas em parcela única ou de forma diluída no contrato, em dinheiro ou em utilidades.
A doutrina e a jurisprudência entendem que as luvas possuem natureza salarial, pois referido pagamento é realizado em razão do contrato de trabalho, sendo incontestável sua natureza contraprestativa. Assim, essa parcela não corresponderia a uma indenização, pois não visa o ressarcimento, a compensação ou a reparação de nenhuma espécie, mas caracteriza resultado do patrimônio que o trabalhador incorporou à sua vida profissional.
Desta forma, se forem pagas de maneira diluída no contrato de trabalho, poderão ser assemelhadas as gratificações habituais, incidindo assim reflexos em 13º salário, férias com 1/3 e FGTS durante o período em que forem pagas. De outro lado, sendo pago em parcela única, tal valor não repercute em verbas anuais (como férias e 13º salário, por exemplo) ou mensais. Limitam-se seus reflexos ao depósito do FGTS referente ao mês de pagamento, assim como à respectiva multa de 40%.
Nesse sentido é o entendimento do TST, ao entender que o pagamento à título de luvas não teve como escopo compensar ou ressarcir o atleta, decorrendo simplesmente em razão do contrato de trabalho, como nítida natureza contraprestativa. Vejamos:
“(...) 3. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. "LUVAS" E “BICHOS”. NATUREZA JURÍDICA SALARIAL. LEIS N. 9.615/98 E 12.395/2011. 3.1A parcela "luvas", nos moldes em que foi legislativamente prevista, consiste na retribuição material paga pela entidade empregadora ao atleta profissional, em vista da celebração de seu contrato de trabalho, seja originalmente, seja por renovação. Tem sua natureza salarial reconhecida pelo Direito Brasileiro, tanto no art. 12 da antiga Lei 6.354/76 (revogada pela Lei nº 12.395/2011), como no art. 31, § 1º, da Lei 9.615/98. Assim, considerando que o pagamento se deu "em razão do contrato de trabalho", é inconteste a natureza salarial de que se reveste. Releva ponderar que a parcela, no caso em exame, não teve por escopo compensar ou ressarcir o Reclamante, na medida em que foi paga em parcelas a partir de sua admissão. Logo, por todos os ângulos que se analise a controvérsia, resulta afastado o caráter indenizatório e evidenciada a natureza contraprestativa, salarial. Julgados. (...)” (TST – Processo ARR-10149-08.2014.5.01.0068. Relator: Mauricio Godinho Delgado. Data do julgamento: 02/10/2019. Órgão julgador: 3ª Turma. Data da publicação: 04/10/2019). (não grifado no original)
"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA . 1. INCOMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO. 2. LUVAS. Conforme destacado na decisão agravada, a jurisprudência desta Corte Superior é a de que a controvérsia envolvendo contrato de licenciamento de uso do nome, voz, imagem de personalidade e direito autoral de atleta jogador de futebol diz respeito a questão afeta ao contrato de trabalho, de modo a atrair a competência desta Justiça especializada. Por sua vez, esta Corte também entende que a parcela paga ao atleta profissional a título de "luvas" detém natureza salarial. Nesse diapasão, não foi constatada contrariedade à jurisprudência desta Corte Superior ou do Supremo Tribunal Federal, nem ofensa à garantia social assegurada no texto constitucional, tampouco questão inédita acerca da legislação trabalhista. Ademais, não se vislumbrou expressiva repercussão econômica que ultrapasse os contornos meramente subjetivos da lide. Irrepreensível, portanto, a conclusão adotada quanto à inadmissibilidade da revista, tendo em vista a ausência de transcendência da causa com relação aos reflexos gerais de natureza econômica, política, social ou jurídica, na forma do artigo 896-A da CLT. Agravo conhecido e não provido" (Ag-AIRR-10103-18.2020.5.18.0009, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 17/09/2021). (não grifado no original)
Importante mencionar, à título de complementação, que o TST entende que a parcela denominada “Hiring bônus” é equiparado às luvas do atleta profissional, uma vez que constitui reconhecimento pelo desempenho e resultado alcançado pelo profissional. Logo, referida parcela também possui natureza salarial.
BANCÁRIO. HIRING BÔNUS. LUVAS. NATUREZA JURÍDICA. Este Tribunal Superior entende que a parcela em debate possui caráter salarial, porque constitui reconhecimento pelo desempenho e resultados alcançados pelo profissional em sua carreira, equiparando-se às luvas do atleta profissional. É irrelevante o fato de seu pagamento ocorrer uma única vez. As luvas não correspondem a uma indenização, pois não visam o ressarcimento, a compensação ou a reparação de nenhuma espécie, mas sim caracterizam resultado do patrimônio que o trabalhador incorporou à sua vida profissional. Entretanto, não obstante a natureza salarial, por se tratar de parcela paga uma única vez, os reflexos devem ser limitados ao FGTS relativo ao mês de pagamento, bem como à respectiva multa de 40% (quarenta por cento). Recurso de revista conhecido e parcialmente provido " (RRAg-1259-28.2015.5.02.0065, 8ª Turma, Relatora Ministra Dora Maria da Costa, DEJT 21/05/2021).
3. Bichos
No que se refere à parcela denominada “bichos”, esta trata-se de parcela econômica variável e condicional, usualmente paga ao atleta pela entidade empregadora em vista dos resultados positivos alcançados pela equipe desportiva como títulos alcançados, vitórias e, até mesmo, empates obtidos, se for o caso[5].
Da mesma maneira que ocorre com as “luvas”, há nítida natureza salarial no pagamento dos “bichos”. Isto porque, o pagamento é resultado de um incentivo ou reconhecimento em razão da eficiência no trabalho.
Para muitos autores, como é o caso do Ministro Maurício Godinho Delgado, referido pagamento assemelha-se com as características do prêmio trabalhista, embora pagos repetidas vezes ao longo do ano contratual. Logo, haveria incidência de reflexos em 13º salário, férias com 1/3 e FGTS.
Nesse sentido é o posicionamento do TST. Vejamos:
“(...) 3. ATLETA PROFISSIONAL DE FUTEBOL. "LUVAS" E “BICHOS”. NATUREZA JURÍDICA SALARIAL. LEIS N. 9.615/98 E 12.395/2011.3.2 A mesma conclusão se aplica à parcela “bichos”, que se trata de parcela econômica variável e condicional, usualmente paga ao atleta pela entidade empregadora em vista dos resultados positivos alcançados pela equipe desportiva (títulos alcançados, vitórias e, até mesmo, empates obtidos, se for o caso). A verba possui nítida natureza contraprestativa, sendo entregue como incentivo ao atleta ou em reconhecimento por sua boa prestação de serviços (ou boa prestação pelo conjunto da equipe desportiva). Observa-se, assim, que possui nítida característica de prêmio trabalhista e, por isso, é indubitável salário, em sentido amplo (art. 31, § 1º, da Lei Pelé; art. 457, caput e § 1º, da CLT). (...)” (TST – Processo ARR-10149-08.2014.5.01.0068. Relator: Mauricio Godinho Delgado. Data do julgamento: 02/10/2019. Órgão julgador: 3ª Turma. Data da publicação: 04/10/2019). (não grifado no original)
Além do mais, o legislador ao prever, no artigo 31, § 1º da Lei Pelé[6], que se considera como verba salarial “as demais verbas inclusas no contrato de trabalho”, incluiu também as luvas e bichos. Sendo, portanto, incontestável sua natureza salarial, devendo ser pagos os reflexos nas demais verbas recebidas.
4. Direito de imagem
Com relação ao direito de imagem, o cenário é um pouco diferente. Isto porque, o direito de imagem consiste na cessão do uso do direito de imagem com caráter econômico de natureza civil.
A Lei do atleta profissional prevê que o direito de imagem se caracteriza como o ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo (art. 87-A “caput”). Assim, a partir da disposição mencionada, há a possibilidade de que seja afastado o enquadramento salarial da referida verba.
O legislador, com vistas a evitar a fraude no pagamento, prevê que o valor correspondente ao uso da imagem não poderá ultrapassar 40% da remuneração total paga ao atleta, composta pela soma do salário e dos valores pagos pelo direito ao uso da imagem (art. 87-A, parágrafo único). Eventual ato praticado com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar irá descaracterizar a natureza civil da parcela, transmutando-se à natureza salarial com as demais consequências jurídicas desse enquadramento (art. 9º da CLT).
Nesse sentido, a Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST julgou improcedente o pedido de integração ao salário dos valores recebidos a título de direito de imagem, sob o argumento que a Lei tornou explícito o caráter autônomo do “direito de imagem”, não se confundindo com contraprestação pecuniária devida ao atleta profissional na condição de emprego. Vejamos:
“CONTRATO DE CESSÃO DE DIREITO. EXPLORAÇÃO DA IMAGEM. ATLETA PROFISSIONAL. CONTRAPRESTAÇÃO. NATUREZA JURÍDICA.1.Em tese, o contrato de cessão do direito de exploração da imagem de atleta profissional ostenta natureza civil e não se confunde com o contrato especial de trabalho firmado com a entidade de prática desportiva. Nessa circunstância, os valores percebidos a tal título, em princípio, não se confundem com a contraprestação pecuniária devida ao atleta profissional, na condição de empregado, à luz do artigo 457 da CLT, e, portanto, não constituemsalário.2.A Lei nº 12.395/2011, ao introduzir oart.87-A à Lei nº 9.615/98 (“Lei Pelé”), tornou explícito o caráter autônomo da cessão ou exploração do denominado “direito de imagem” do atleta profissional –desvinculado do contrato de trabalho –,cuja essência civilista deita raízes nas disposições dos arts.5º, inciso XXVIII, alínea “a”, da Constituição Federal e 20 do Código Civil de 2002.3.Diante da submissão do Direito do Trabalho ao princípio da primazia da realidade e em respeito às disposições do artigo 9º da CLT, excepcionalmente é concebível, em tese, atribuir natureza salarial aos valores auferidos a pretexto de retribuição pecuniária em razão da cessão do direito de exploração da imagem, desde que haja sido repassados ao atleta pela entidade desportiva empregadora com o verdadeiro intuito de “mascarar” o pagamento de salário.4. A contrário sensu, inviabiliza o reconhecimento da natureza salarial da importância paga sob a rubrica “direito de imagem” a ausência de registro expresso, no acórdão regional, quanto à caracterização de fraude em si ou, ainda, de elementos que permitam ao Tribunal Superior do Trabalho, no âmbito restrito de recursos de natureza extraordinária, aferir o desvirtuamento na execução do contrato de cessão do direito de exploração da imagem do atleta. A mera referência, no acórdão regional, a repasses habituais ao atleta, com periodicidade mensal, a título de “direito de imagem”, não é o suficiente para atribuir-lhes natureza salarial, nem tampouco autoriza a sua repercussão econômica nas parcelas do contrato de trabalho. Prevalência do princípio da boa-fé objetiva, que decorre do art.113 do Código Civil.(...)” (TST – Processo E-RR-406-17.2012.5.09.0651. Relator: João Oreste Dalazen. Data do julgamento: 09/11/2017. Órgão julgador: Subseção I Especializada em Dissídios Individuais. Data da publicação: 24/11/2017).
No entanto, vale ressaltar que a presunção de que a verba possui natureza civil não é absoluta, devendo ser analisado o caso concreto. Conforme bem observado pela SDI-1 do TST, se pode admitir excepcionalmente a natureza salarial da parcela quando ficar demonstrado o verdadeiro intuito de “mascarar” ou fraudar o pagamento de salário (artigo 9º da CLT[7]), devendo incidir reflexos em demais parcelas, vigorando assim o princípio da primazia da realidade – princípio este fundamental no direito do trabalho.
5. Direito de arena
O direito de arena é um direito constitucionalmente assegurado por meio do qual haverá a proteção às participações individuais em obras coletivas e à reprodução da imagem e voz humanas, inclusive nas atividades desportivas, nos termos da Lei (art. 5º, XXVIII, “a” da CF). Por ser uma norma de eficácia limitada, houve a regulamentação infraconstitucional por meio da Lei 9.615/98.
Nesse sentido, o direito de arena consiste na prerrogativa exclusiva de negociar, de autorizar ou de proibir a captação, a fixação, a emissão, a transmissão, a retransmissão ou a reprodução de imagens do espetáculo desportivo, por qualquer meio ou processo (art. 42 e 42-A § 2º). A Lei 14.205/21 inseriu o art. 42-A “caput” e §s na Lei Pelé promovendo alterações significativas nas regras relativas ao direito de arena sobre o espetáculo desportivo.
Nesse sentido, o direito de arena agora pertencerá à entidade de prática desportiva de futebol mandante sobre o espetáculo desportivo (art. 42-A “caput”). Na hipótese de realização de evento sem definição do mando de jogo, o direito de arena dependerá da anuência das entidades de prática desportivas de futebol participantes (§6º).
Os valores arrecadados à esse título serão distribuídos aos atletas profissionais, em partes iguais, no percentual de 5% da receita proveniente da exploração de direitos desportivos audiovisuais do espetáculo desportivo (§2º). A distribuição dos valores será realizada por intermédio do sindicato das respetivas categorias, que serão responsáveis pelo recebimento e pela logística de repasse aos participantes do espetáculo, no prazo de até 72 horas, contado do recebimento das verbas pelo sindicato (§4º). O direito de arena, que já possuía natureza civil, agora poderá ser atribuída natureza salarial por meio de disposição em Convenção Coletiva de Trabalho (§3º).
Há discussões na doutrina e jurisprudência no sentido de permitir ou não o recebimento do repasse da receita do direito de arena por outros profissionais como técnicos, massagistas, médicos das entidades desportivas. A Lei do atleta profissional só traz essa possibilidade aos jogadores participantes do evento desportivo. Nesse sentido, o TST já negou, por exemplo, tal pagamento a médicos de clube de futebol que pleitearam a parcela, por falta de previsão legal.
Quanto ao pagamento da parcela de direito de arena aos árbitros de futebol, há projeto de Lei aprovado pela Câmara de Deputados prevendo o pagamento de 0,5% pela entidade desportiva a esses profissionais. Há quem defenda que os árbitros devem receber a parcela, pois estão em campo durante toda a partida de futebol, aparecendo em quase todos os lances, principalmente quando penaliza jogadores ou separa atritos.
Por outro lado, há quem sustente que tal pagamento comprometeria a independência e a imparcialidade dos árbitros (art. 31, caput, Lei 10.671/03), pois poderia vincular o árbitro à entidade de futebol. Ressalta-se que a remuneração dos árbitros é paga pela da entidade de administração do desporto ou da liga organizadora do evento esportivo (art. 30, parágrafo único, Lei 10.671/03), devendo os árbitros ser vinculados a elas e não ao clube de futebol.
Por fim, as novas alterações promovidas pela Lei 14.205/2021 não se aplicam a contratos que tenham por objeto direitos de transmissão celebrados previamente à vigência da alteração promovida pelo art. 42-A, os quais permanecem regidos pela legislação em vigor na data de sua celebração (§ 7º).
Considerações finais
Conforme exposto, os atletas profissionais recebem verbas peculiares do contrato de trabalho em razão da atividade exercida, chamados de luvas, bichos, direito de arena e direito de imagem. Em razão das suas diversidades, há controvérsia doutrinária e jurisprudencial sobre a natureza jurídica e o enquadramento.
O entendimento majoritário do TST no que tange às luvas e bichos é pelo enquadramento das verbas como natureza salarial, devendo integrar nas demais verbas do contrato. Segundo a Corte, referido pagamento é realizado em razão do contrato de trabalho, sendo incontestável sua natureza contraprestativa.
De outro lado, com relação ao direito de imagem, a posição é no sentido de enquadra-lo como contrato de natureza civil, não havendo de se falar em reflexos. No entanto, vale ressaltar que a presunção de que as verbas possuem natureza civil não é absoluta, devendo ser analisado o caso concreto. Conforme bem observado pela SDI-1 do TST, se pode admitir excepcionalmente a natureza salarial da parcela quando ficar demonstrado o verdadeiro intuito de “mascarar” ou fraudar o pagamento de salário (art. 9º da CLT).
Por fim, com as alterações promovidas pela Lei 14.205/21, que inseriu o art. 42-A “caput” e §s na Lei Pelé, no que tange ao direito de arena, que possuía natureza civil, agora poderá ser atribuída natureza salarial por meio de disposição em Convenção Coletiva de Trabalho.
Referências bibliográficas
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BRASIL. Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998. Institui normas gerais sobre desporto e dá outras providências.
BRASIL. Lei nº 14.205, 7 de setembro de 2021. Altera a Lei nº 9.615, de 24 de março de 1998, para modificar as regras relativas ao direito de arena sobre o espetáculo desportivo.
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HIRATA, Carolina. Análise do novo artigo 41-A da Lei Pelé, sobre o direito de arena. Disponível em: https://blog.grancursosonline.com.br/analise-do-novo-artigo-41-a-da-Lei-pele-sobre-o-direito-de-arena/ Acesso em: 24/11/2021
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SOUZA, Rafael dos Santos e. O jogador de futebol profissional e a sua vinculação desportiva ao clube frente a Lei Pelé. Disponível em: http://siaibib01.univali.br/pdf/Rafael%20dos%20Santos%20e%20Souza.pdf. Acesso em 17/11/2021.
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[1] “Artigo. 217. É dever do Estado fomentar práticas desportivas formais e não-formais, como direito de cada um, observados: I - a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; II - a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; III - o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional; IV - a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional.”
[2] “Art. 11 Entende-se por passe a importância devida por um empregador a outro, pela cessão do atleta durante a vigência do contrato ou depois de seu término, observadas as normas desportivas pertinentes.”
[3] GODINHO, Maurício Delgado - Curso de direito do trabalho. 18. ed.— São Paulo : LTr, 2019. p. 842
[4] GODINHO, Maurício Delgado - Curso de direito do trabalho. 18. ed.— São Paulo : LTr, 2019. p. 925
[5] GODINHO, Maurício Delgado - Curso de direito do trabalho. 18. ed.— São Paulo : LTr, 2019. p. 926
[6] “Art. 31. § 1º São entendidos como salário, para efeitos do previsto no caput, o abono de férias, o décimo terceiro salário, as gratificações, os prêmios e demais verbas inclusas no contrato de trabalho.”
[7] “Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”
Advogada. Formada pelo Instituto Damásio de Direito.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TERZINI, Beatriz Victória de Diego. Verbas peculiares do atleta profissional e sua integração no contrato de trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 fev 2022, 04:43. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58049/verbas-peculiares-do-atleta-profissional-e-sua-integrao-no-contrato-de-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
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