RESUMO: Os direitos da personalidade, sua conceituação legal, doutrinária e jurisprudencial com a prática diária do ofício na Defensoria Pública. Análise dos que estão legalmente previstos no Código Civil do art. 11 ao 21. Situações de conflitos entre os direitos, métodos de resolução das antinomias na prática e jurisprudência acerca sobre o assunto.
Palavras chaves: Direitos da Personalidade. Direitos fundamentais. Dignidade da pessoa humana. Conflitos aparente de normas. Acesso à justiça. Defensoria Pública do Estado.
ABSTRACT: Personality rights, their legal, doctrinal and jurisprudential conceptualization with the daily practice of the office in the Public Defender's Office. Analysis of those legally provided for in the Civil Code of art. 11 to 21. Situations of conflict between rights, methods of resolving antinomies in practice and jurisprudence on the subject.
Keywords: Personality Rights. Fundamental rights. Dignity of a human person. Apparent conflicts of norms. Access to justice. State Public Defender's Office.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO 2. CONCEITUAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE 3. ANÁLISE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E ATUAÇÃO PRÁTICA NA DEFENSORIA PÚBLICA 4. CONCLUSÃO 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 INTRODUÇÃO
Os direitos da personalidade estão previstos no art. 11 ao 21 do Código Civil. Tais direitos não são somente o que estão descritos na legislação ordinária, a Constituição Federal de 1988 aborda tais direitos, e estes são classificados como direitos fundamentais. Assim, a abordagem dos direitos da personalidade sempre será sobre uma interpretação civil constitucional.
A base essencial para a proteção dos direitos da personalidade é cláusula geral de tutela e promoção da pessoa em decorrência do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Os direitos da personalidade, que estão previstos no Código Civil, porém não se esgotam. O que está posto na codificação são apenas a exemplificação do que o legislador pátrio entendeu como os principais direitos da personalidade. Existem, portanto, outros direitos da personalidade tutelados no ordenamento jurídico brasileiro.
Neste trabalho, será analisada a conceituação legal, doutrinária, jurisprudencial acerca dos direitos da personalidade previstos no Código Civil. Também, será abordado a proteção através da promoção das ações judiciais na defesa desses direitos na prática forense da Defensoria Pública.
2 CONCEITUAÇÃO E CLASSIFICAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE
A conceituação doutrinária acerca dos direitos da personalidade é essencial como ponto inicial do estudo dos mesmos. Assim, cabe destacar a conceituação desses direitos realizada por Maria Helena Diniz (2007, p. 142): “São direitos subjetivos da pessoa defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física; a sua integridade intelectual, a sua integridade moral, profissional e doméstica, imagem, identidade pessoal, familiar e social.”
É também bem esclarecedora a definição realizada por Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, (2006, p. 101-102) acerca dos direitos da personalidade;
“Consideram-se, assim, direitos da personalidade aqueles direitos subjetivos reconhecidos à pessoa, tomada em si mesma e em suas necessárias projeções sociais. Enfim, são direitos essenciais ao desenvolvimento da pessoa humana, em que se convertem as projeções físicas, psíquicas e intelectuais do seu titular, individualizando-o de modo a lhe emprestar segura e avançada tutela jurídica.”
Portanto, os direitos da personalidade são aqueles inerentes à pessoa e à sua dignidade, são decorrência lógica do art. 1°, III da Constituição Federal de 1988. Não deve ser esquecido que a pessoa jurídica também possui direitos da personalidade por equiparação conforme consta no art. 52 do Código Civil brasileiro. Portanto, quando se fala de pessoa há proteção tanto da pessoa física como da pessoa jurídica.
O estudo aqui será feito através de uma abordagem teórica e prática dos principais direitos da personalidade, entre eles a vida e a intimidade físico-psíquica, o nome da pessoa natural ou jurídica, a imagem, subclassificada em imagem retrato reprodução corpórea da imagem, e a imagem atributo que é a soma de qualificações de alguém ou a repercussão social da imagem. Bem como a honra, subdivida em honra subjetiva, autoestima, e a honra objetiva, repercussão social da honra. E por fim, a intimidade, sendo certo que esse direito da personalidade é assegurado a todas as pessoas, sendo em regra, inviolável.
Portanto, para uma hermenêutica atual acerca dos direitos da personalidade deve o operador do direito, sempre que tratar acerca de tais direitos, ter como base de sustentação os fundamentos do Estado Democrático de Direito, que estão amparados pelo princípio da proteção da dignidade da pessoa humana, princípio da solidariedade social e o princípio da igualdade ou isonomia. Todos são iguais perante à lei, sem distinção de qualquer natureza.
Os direitos da personalidade são tidos como intransmissíveis, irrenunciáveis, extrapatrimoniais e vitalícios, eis que comuns à própria existência da pessoa. Como se tratam de direitos subjetivos, inerentes à pessoa, são tidos como indisponíveis, absolutos, impenhoráveis e imprescritíveis. É a previsão do art. 11 do Código Civil, que dispõe: “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.
Como regra, os direitos da personalidade são tidos como de caráter ilimitado e absoluto. Logicamente, como exceções, tais direitos podem sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral. Essas limitações não podem ser exercidas com abuso de direito de seu titular, e nem contrariamente à boa-fé objetiva e aos bons costumes.
Existe, portanto, uma parcela dos direitos da personalidade que é disponível, aquela relacionada com direitos subjetivos patrimoniais. Exceção à regra da intransmissibilidade e indisponibilidade, que confirmam a tendência de relativização de princípios, direitos e deveres.
Quanto à tutela geral da personalidade o art. 12, caput, do Código Civil, prevê: “pode-se exigir que cesse a ameaça, ou lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas em lei.”
Assim, a doutrina civilista entende que dois são os princípios decorrentes desta norma. Princípio da prevenção, para tanto aplica-se às técnicas de tutela específica, como exemplo o art. 461 do Código de Processo Civil, que prevê multas diárias ou astreintes em ação, cujo objeto é uma obrigação de fazer e não fazer, em favor dos direitos da personalidade.
Já o outro princípio decorrente do art. 12 do Código Civil é o da reparação integral dos danos. Aplicabilidade de diversas súmulas do Superior Tribunal de Justiça, tais como: a súmula n° 37, 387, 403. [1]
O art. 12 do Código Civil, em seu parágrafo único, reconhece direitos da personalidade ao morto, cabendo legitimidade para ingressar com a respectiva ação os lesados indiretos: cônjuge ou companheiro (por decorrência analógica), descendentes, ascendentes e colaterais até o quarto grau. É o que a doutrina civilista chama de dano em ricochete, uma vez que o dano atinge o morto e indiretamente repercute em seus familiares.
3 ANÁLISE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E ATUAÇÃO PRÁTICA NA DEFENSORIA PÚBLICA
Será abordado cada um dos direitos da personalidade previstos no art. 13 ao 21 do Código Civil. Inicialmente, o art. 13 e 14 do Código Civil estabelecem regras acerca da disposição do próprio corpo.
Art. 13. Salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes.
Parágrafo único. O ato previsto neste artigo será admitido para fins de transplante, na forma estabelecida em lei especial.
Art. 14. É válida, com objetivo científico, ou altruístico, a disposição gratuita do próprio corpo, no todo ou em parte, para depois da morte. Parágrafo único. O ato de disposição pode ser livremente revogado a qualquer tempo.
Quando não contraria os bons costumes, a cessão gratuita de direitos de uso de material biológico para fins de pesquisa científica é autorizada. Tal situação pode ser a qualquer tempo revogada, e deve decorrer de livre e espontânea vontade.
A retirada, após a morte dos órgãos, deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica e depende de autorização de parente maior. Adotou-se o princípio do consenso afirmativo, já que é necessária autorização dos familiares do possuidor.
A exceção da disposição do próprio corpo está quando a jurisprudência autoriza as cirurgias de transgenitalização, em conformidade com os procedimentos estabelecidos pelo Conselho Federal de Medicina. A eventual adequação de sexo do indivíduo é garantia maior da proteção da dignidade da pessoa humana. A pessoa não é satisfeita com parte do seu corpo que, assim, é autorizado para proceder tal modificação. Tal procedimento não é preciso mais passar ao crivo do judiciário, sendo que haverá estudo psicossocial. Então, o médico pode realizar tal procedimento para que a pessoa tenha sua dignidade restabelecida.
Já o art. 15 do Código Civil prevê que os direitos do paciente valorizam o princípio da beneficência e da não maleficência. Assim, dispõe o “Art. 15 que ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica.” Deve sempre interpretar que tal previsão legal não pode permitir uma conclusão que sacrifique a vida, valor fundamental inerente à pessoa humana. Assim, tal artigo não exclui a proteção da vida. Havendo a dúvida se o médico deve ou não intervir, este tem o dever legal de atuar, até sob pena de ser responsabilizado penal, civil e administrativamente.
Já houve caso enfrentado por mim, como Defensor Público, quando na tutela de ação cominatória de internação de leito de UTI por assistido. Este veio a necessitar de transfusão de sangue, e os familiares, na urgência da demanda, me procuraram mesmo com objetivo de não continuar o tratamento alegando questões religiosas. Em tal situação, orientei que não poderia intervir na esfera da escolha dos mesmos e informar nos autos a inviabilidade da transfusão de sangue. Deixei, portanto, ao encargo da equipe médica proceder da maneira mais adequada para a recuperação do paciente. Existiu, nesta situação, o conflito de princípios do direito à vida e do direito de liberdade ou opção de religião. À jurisprudência majoritária, quase unânime, deve prevalecer o direito à vida frente à liberdade de opção religiosa.
O conflito entre as normas constitucionais fundamentais que asseguram o direito à vida e à liberdade religiosa deve ser solucionado mediante juízo de ponderação de valores no qual prevalece aquele, mormente porque assegura o exercício pleno de todas demais garantias constantes da Carta Magna. Na origem, a autora ingressou em Juízo com a finalidade de compelir uma associação hospitalar a realizar cirurgia com cláusula de vedação expressa de transfusão sanguínea, mesmo em caso de risco de óbito, sob o argumento de convicção religiosa. O pedido foi julgado parcialmente procedente para a realização do procedimento independentemente da assinatura do termo de consentimento informado, assegurada a transfusão, como última alternativa para salvar a vida da paciente. Inconformada, a autora interpôs apelação na qual sustentou afronta à Constituição Federal e a tratados internacionais, além de violação aos direitos de autonomia, liberdade religiosa e dignidade. Ao examinarem o recurso, os desembargadores registraram que a controvérsia reside na possibilidade, ou não, de conferir o direito à autora sem a assinatura do documento. Verificaram que, in casu, a colisão entre os direitos fundamentais à vida e à liberdade religiosa, ambos de hierarquia constitucional, deve ser resolvida por meio da técnica de ponderação de valores, com aplicação concreta do princípio da proporcionalidade. Da avaliação, concluíram pela prevalência daquele, haja vista que sem a vida não se viabiliza o exercício de nenhum outro direito assegurado pela Carta Maior. Os Magistrados explicaram que, quando necessário e observadas as técnicas e medidas de segurança adequadas, o recebimento de sangue de terceiros não configura tortura ou tratamento desumano ou degradante, pois visa evitar o falecimento do paciente. Nesse contexto, ressaltaram que a transfusão de sangue foi considerada, inclusive, como um dos meios menos danosos para evitar a morte da autora. Por outro lado, aduziram que eventual óbito seria capaz de ensejar a responsabilização civil e criminal dos médicos envolvidos, os quais prestaram juramento de salvar vidas. Alertaram ainda que um resultado negativo ou não esperado atribuído aos profissionais envolvidos no procedimento cirúrgico pode gerar direitos subjetivos indenizatórios aos sucessores do paciente, que não necessariamente compartilham do mesmo credo religioso. Com tais considerações, o Colegiado negou provimento ao recurso. Acórdão 1251296, 07126198220198070001, Relatora Desª. VERA ANDRIGHI, 6ª Turma Cível, data de julgamento: 27/5/2020, publicado no DJe: 3/6/2020.
Portanto, a autonomia privada do paciente deve ser ponderada com outros direitos, valores e princípios, caso do direito à vida, é prevalecente de qualquer direito ou princípio.
Os arts. 16 a 19 do Código Civil tutelam direito ao nome, sinal ou pseudônimo que representa uma pessoa natural, perante à sociedade contra atentado de terceiros.
Art. 16. Toda pessoa tem direito ao nome, nele compreendidos o prenome e o sobrenome.
Art. 17. O nome da pessoa não pode ser empregado por outrem em publicações ou representações que a exponham ao desprezo público, ainda quando não haja intenção difamatória.
Art. 18. Sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial.
Art. 19. O pseudônimo adotado para atividades lícitas goza da proteção que se dá ao nome.
As ações de Registro Civil são comumente ajuizadas pela Defensoria Pública. Nesses casos dos arts. 16 ao 19, do Código Civil, tem-se a ação para a retificação de registro por constrangimento do prenome ou sobrenome, por questão de identidade de gênero, por erro formal do cartório no momento da expressão da vontade dos pais, erro de interpretação entre outros. Inicialmente, será definido a conceituação teórica, acerca de tais direitos da personalidade, para posteriormente, exemplificarmos, com situações concretas, que aconteceram no labor defensorial.
A alteração dos componentes do nome dar-se-á mediante ação específica, cuja sentença deve ser registrada no cartório de registro das pessoas naturais. Tais situações podem ocorrer nos casos em que há exposição da pessoa ao ridículo ou a embaraços, e em alteração no caso de erro de grafia crasso, perceptível.
O art. 56 da Lei de Registros Públicos prevê prazo decadencial de apenas um ano, a contar quando interessado atingir a maioridade civil para ajuizar a respectiva ação de registro. Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça já tem jurisprudência consolidada, na qual pode o judiciário estadual julgar as ações de registro, que se peça a alteração do prenome e sobrenome, mesmo após esse prazo. Deve haver um motivo plausível, tais como: nos casos de exposição do nome ao ridículo e lesão, e à dignidade da pessoa humana.
Os motivos da mudança do prenome ou até sobrenome, conforme já vistos na prática defensorial, são geralmente de ordem subjetiva do requerente da ação. Pede-se, ao judiciário, a mudança do registro por se verificar que há um constrangimento no trabalho, vida profissional da pessoa, iniciado muitas vezes ainda na escola, no bairro etc. Como exemplo, tem-se o caso de uma assistida que se chamava Maria de Jesus da Cruz, que pediu para ser chamada de Marina, já que os sobrenomes pertencentes aos seus pais pressupõem uma imutabilidade, e, pela vontade da autora, deveriam permanecer.
Outro caso, foi o da requerente com o prenome de Bilionária e o sobrenome preservado aqui. Foi pedido na ação de modificação de registro civil a mudança do prenome para ser trocado pelo o qual ela já era conhecida por seus amigos, e até a sua família assim a chamava. Assim, nesta situação, o próprio art. 58 da Lei de Registros Públicos determina que "o prenome é definitivo, admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos e notórios”. Não vi constrangimento acerca do prenome da pessoa, e sim a situação particular que seu apelido era público e notório como conhecida por Bia, mas a autora considera que, para além da notoriedade do seu apelido, já havia sofrido constrangimento, principalmente no ambiente de trabalho.
Nessas ações de mudança de prenome, o que deve prevalecer é a intimidade da pessoa, e o não se sentir confortável, com o prenome que seus pais assim decidiram lhe chamar. O judiciário deve apenas verificar os requisitos necessários para não lesar terceiros, como credores, ou até órgãos de proteção ao crédito. Daí sempre devem ser juntadas as certidões do SPC e SERASA. Não significa que quem está com o nome sujo na praça não tenha direito à modificação do prenome, o CPF da pessoa continuará sendo o mesmo, e tais órgãos serão notificados da decisão judicial. Da mesma forma, são exigidas certidões criminais, cíveis e eleitorais. Tal exigência é para que se evite que a pessoa continue a responder, só que agora de forma com prenome ou sobrenome modificados.
Importante também são as ações de alteração do prenome sem a necessidade de realização da cirurgia de adequação do sexo, é mais uma garantia ao direito da personalidade. Frequentemente, pessoas procuraram a Defensoria Pública no intuito de demandar em juízo acerca dessa situação. As ações de retificação ou alteração de nome e gênero decorrentes de situações de pessoas transgênero, eram procedentes quase na sua totalidade pelo Judiciário maranhense. Tais ações exatamente discutem a garantia fundamental da pessoa ter seu prenome conforme a seu íntimo, e tal modificação é o primeiro passo para que o Estado garanta essa dignidade existencial.
Atualmente, após Provimento n° 73 de 28 de Junho de 2018, do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, tais demandas não precisam mais passar pelo crivo do poder judiciário. Regulamentou a possibilidade da alteração, em cartório, de prenome e gênero nos registros de casamento e nascimento de pessoas transgênero.
Tal provimento prevê a alteração das certidões, sem a obrigatoriedade da comprovação da cirurgia de mudança de sexo, e nem de decisão judicial. Toda pessoa maior de 18 (dezoito) anos, estando habilitada à prática dos atos da vida civil, poderá requerer a averbação do prenome e do gênero, a fim de adequá-los à identidade autopercebida.
A pessoa deve apresentar, obrigatoriamente, documentos pessoais: comprovante de endereço, certidões negativas criminais e certidões cíveis estaduais e federais do local de residência dos últimos cinco anos. Deve apresentar, ainda, certidão de tabelionatos de protestos do local de residência dos últimos cinco anos e certidões da justiça eleitoral, da justiça do trabalho e da justiça militar (se for o caso).
É facultado, a quem requerer, a junta do laudo médico que ateste transexualidade ou travestilidade; ou parecer psicológico que ateste a transexualidade ou travestilidade, e laudo médico que ateste a realização de cirurgia de redesignação de sexo. Ações em andamento ou débitos pendentes não impedem a averbação da alteração pretendida, que deverá ser comunicada aos órgãos competentes pelo ofício do Registro Civil das Pessoas Naturais, onde o requerimento foi formalizado.
Tal ato normativo do CNJ foi o alinhamento à decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4275-DF, que reconheceu a possibilidade de transgêneros alterarem o registro civil sem mudança de sexo ou mesmo de autorização judicial.
A averbação de modificação de gênero ou prenome devem constar apenas no livro de registros, não devendo constar, nas certidões do registro público competente, nenhuma referência de que a aludida alteração fora oriunda de decisão judicial, anteriormente ao Provimento n° 73/2018 do CNJ, ou de requerimento ao Tabelionato, evitando a exposição da pessoa a situações constrangedoras e discriminatórias.
A legislação internacional de direitos humanos, em especial o Pacto de San José da Costa Rica, impõe o respeito ao direito ao nome, ao reconhecimento da personalidade jurídica, à liberdade pessoal e à honra e à dignidade e à Lei de Registros Públicos. Portanto, o Código Civil agora está mais alinhado à realidade da proteção integral à dignidade da pessoa humana.
Fez muito bem o CNJ, em regulamentar tal provimento. Nada mais é que a garantia do direito da personalidade ao nome com o princípio da dignidade da pessoa humana. A partir da construção da identidade de gênero, a pessoa poderá desenvolver-se de forma plena, sem sofrer qualquer ingerência do Estado ou da sociedade, afinal, terá sua identidade conforme se sente, e não conforme se convencionou. Adequar o registro civil, modificando o sexo (gênero), e seu prenome à sua condição, é de fundamental importância para se garantir seu pleno direito da personalidade e a sua dignidade humana.
Já o art. 20 do Código Civil tutela o direito à imagem e honra e os direitos conexos.
Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.
Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.
A imagem conforme a doutrina civilista pode ser classificada como imagem retrato, a fisionomia da pessoa no que ela se sente, e imagem atributo a soma de adjetivos do ser humano, o que o representa para a sociedade. Já a honra pode ser classificada em honra subjetiva à autoestima, e a honra objetiva em repercussão social da honra.
Na proteção do direito à imagem e à honra, deve haver a interpretação de tal norma civil de maneira que exclua, quando houver um conflito com outra norma de mesma hierarquia ou de superior. Nestes casos, deverá haver um juízo de ponderação acerca do caso concreto qual norma deve prevalecer.
Assim, o Supremo Tribunal Federal julgou procedente ADI n° 4.815/ 2015, para tanto o artigo 20 e 21 do Código Civil, serem interpretados conforme à Constituição,
“para, em consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de sua expressão, de criação artística, produção científica, declarar inexigível o consentimento de pessoa biografada relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais, sendo por igual desnecessária autorização de pessoas retratadas como coadjuvantes, ou seus familiares, em caso de pessoas falecidas.”
Existem também o conflito entre o direito à imagem e a honra e o direito ao esquecimento, este não está escrito em qualquer norma jurídica. É muito debatido na atualidade por doutrina e jurisprudência tal antinomia. O direito ao esquecimento é a proteção decorrente dos danos causados pelas novas tecnologias de informação que vêm-se acumulando nos dias atuais. Tem origem histórica nas condenações criminais, decorrente do direito do ex-detento à ressocialização. Não se atribui a ninguém o direito de apagar fatos ou reescrever a própria história, mas apenas assegura a possibilidade de discutir o uso que é dado aos fatos do passado, qual o modo e a finalidade com que são lembrados.
Na atuação processual, pela Defensoria Pública, já houve casos em que a defesa desse direito da personalidade, a imagem e a honra e a moderna teoria do direito ao esquecimento foram fundamento contrário ao direito da liberdade de expressão e à imprensa. O caso constata que a família de um ex-detento requereu judicialmente para que fossem retiradas as notícias da morte do falecido preso em diversos sites jornalísticos. Além de ter sido trágica a morte da pessoa, por ter sido em uma rebelião no complexo penitenciário, fora traumática para toda a família, esposa e seus parentes mais próximos. A forma como fora morto, em uma rebelião no cárcere, o qual foi decapitado, necessitava dessa tutela de proteção ao direito da personalidade da imagem e honra do falecido. Tal demanda muito sensível ao direito de imagem e honra da pessoa falecida e de seus parentes, possui como fundamento principal, causa de pedir, a moderna teoria do direito ao esquecimento e o direito de imagem e honra ao morto, tal ação fora julgada procedente pelo judiciário.
O Superior Tribunal de Justiça decidiu, em julgado, o caso, conhecido relativo ao livro: “Estrela solitária: um brasileiro chamado Garrincha” de autoria de Ruy Castro, em que se tutelar os direitos das filhas do jogador, reparando-as por danos morais sofridos em decorrência de afirmações feitas na publicação. “Não se pode subtrair dos filhos o direito de defender a imagem e a honra de seu falecido pai, pois eles, em linha de normalidade, são os que mais se desvanecem com a exaltação feitas à sua memória, como são os que mais se abatem e se deprimem por qualquer agressão que lhe possa trazer mácula.”[2]
Outro caso semelhante que teve como causa principal o direito ao esquecimento, também relacionado à imagem e a honra do falecido, decorreu de um assalto dentro de um ônibus em que um dos assaltantes foi morto no próprio assalto. A família do, de cujus, requereu judicialmente, através da Defensoria Pública, que todas as reportagens e notícias acerca de tal fato fossem retiradas dos sites jornalísticos. Tal demanda ainda não tinha sido julgada. Esse caso é exatamente outro exemplo de uma antinomia, entre o direito à informação e à liberdade de imprensa, versus o direito ao esquecimento para proteção do direito à imagem e à honra. Nesta situação, deverá o judiciário maranhense se pronunciar acerca de qual dos direitos deverá prevalecer.
O direito à intimidade é tutelado no Código Civil como direito da personalidade. Dispõe no “Art. 21. A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma.” A norma também é protegida constitucionalmente 5°, X, da CF/88. Tal direito não é absoluto, devendo ser ponderado com outros valores, sobretudo constitucionais.
O conceito de intimidade não se confunde com o de vida privada, sendo este um conceito maior de gênero. A intimidade envolve questões polêmicas, para se saber até que ponto vai a privacidade da pessoa e quais seriam suas limitações. Novamente, há de ser aplicado técnicas de ponderação entre direitos fundamentais.
Em situação que viola diversos direitos da personalidade são os casos de violência obstétrica que violam diversos direitos fundamentais das parturientes, como a integridade física, a saúde, a liberdade sexual, a intimidade, a vida privada, a honra e o direito à informação. A Defensoria Pública do Estado atuando na defesa da parturiente nesse tipo de ação judicial constitucionaliza não somente o acesso à justiça, mas também promove a defesa de diversos direitos fundamentais e direitos da personalidade que são violados pela conduta médica.
Tal demanda não é a única ou a mais complexa, que se possa exemplificar neste estudo acerca dos direitos da personalidade e sua proteção pela Defensoria Pública. Diariamente se têm diversas violações a direitos fundamentais e direitos da personalidade. A proteção jurídica de cada um desses direitos passa por um estudo não só técnico-jurídico, mas também sociológico. O Defensor Público deve buscar uma interpretação sociológica, englobando, assim, as diversas ciências sociais.
4 CONCLUSÃO
Foi abordado uma análise teórica, qual seja, através da legislação, doutrina cível e constitucionalista e a jurisprudência acerca dos principais direitos da personalidade, particularmente os elencados nos art. 13 ao 21 do Código Civil Brasileiro.
Tais direitos viram-se que não estão somente nas disposições do Código Civil aqui estudada. Como nascem de pressupostos constitucionais, são muitas vezes protegidos pela norma maior. Normalmente, existem conflitos ou antinomias entre os direitos da personalidade, entre eles ou com outros previstos constitucionalmente.
Ao intérprete, nós operadores do direito devemos buscar as soluções para esses conflitos utilizando métodos de ponderação e sempre verificando qual a solução mais justa ou plausível conforme a proteção que o ordenamento jurídico nos oferece. Não devemos, também, esquecer que, para qualquer método de interpretação muito da nossa concepção individual, ética e a vivência prática, acabam nos influenciando na conclusão. Não devemos se ater também aos aspectos históricos, sociológicos e até morais para no momento da elaboração de uma ação ou de uma tese defensiva.
A atuação da Defensoria Pública, no campo da defesa dos direitos da personalidade, é vasta. Longe de me esgotar neste trabalho. Tal atuação foi apenas um olhar à esfera civil e adentra na esfera constitucional, sociológica, quando se promove o acesso à justiça.
Dado que todo e qualquer sujeito é detentor de direitos e deveres, daí a previsão dos seus direitos não é em si garantia de que será sua demanda julgada procedente, já que também haverá outro sujeito que também é possuidor de direitos e deveres no outro lado da demanda. Ao judiciário caberá promover a justiça, que estará balizada na melhor ponderação que se poderá ter acerca da interpretação de um direito da personalidade, particularmente quando este se conflita com outro direito de mesma importância.
5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 11 Janeiro. 2022.
BRASIL. Código Civil (2002). Lei n° 10.406 de 10 de Janeiro de 2002. Brasília, DF: Presidência da República, 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada.htm>. Acesso em: 13 de Janeiro. 2022.
STJ. SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Súmulas do STJ. Brasilía, DF: Superior Tribunal de Justiça. Disponível em <https://www.stj.jus.br/publicacaoinstitucional/index.php/sumstj/article/view/5223/5348>. Acesso em: 13 de Janeiro. 2022.
TJDF. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO DISTRITO FEDERAL. Jurisprudências e Informativos. Brasília, DF. Disponível em: <https://www.tjdft.jus.br/consultas/jurisprudencia/informativos/2020/informativo-de-jurisprudencia-n-416/recusa-a-transfusao-de-sangue-heterologa-2013-testemunha-de-jeova-2013-termo-de-consentimento-informado-2013-prevalencia-do-direito-a-vida>. Acesso em: 14 de Janeiro. 2022.
DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Teoria geral do Direito Civil. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2007.
FARIAS, Cristiano Chaves. ROSENVALD, Nelson. Direito Civil. Teoria Geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006.
TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. Temas de direito civil. Rio de Janeiro: Renovar, 2004.
[1] Súmula n° 37 do STJ: "São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato.”
Súmula n° 387 do STJ: "É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral.”
Súmula n° 403 do STJ: "Independe de prova do prejuízo a indenização pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais.”
[2] (STJ, Resp 521.697/RJ, 4ª Turma, Rel. Min. Cesar Asfor Rocha, j. 16.02.2006, DJ 20.03.2006,p. 276).
Defensor Público do Estado do Maranhão desde 2011, titular no 4° Ofício Núcleo Forense Cível e Fazenda Pública.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHEIRO, RODRIGO GOMES DE FREITAS. Os direitos da personalidade conceituação e sua atuação na prática forense defensorial Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 mar 2024, 04:58. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58131/os-direitos-da-personalidade-conceituao-e-sua-atuao-na-prtica-forense-defensorial. Acesso em: 26 dez 2024.
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