FRANCISCA PAULA BORGES DA SILVA LUCENA[1]
(coautora)
Verônica Acioly de Vasconcelos[2]
(orientadora)
RESUMO: O fenômeno da violência contra a mulher tem caráter comum em diferentes classes sociais e culturais. Pode ser considerado como um elemento inserido dentro de todas as sociedades, onde se manifesta de diversas formas: psicológica, sexual, moral, patrimonial e física. O presente artigo possui como principal objetivo analisar os impactos da pandemia da covid-19 no fenômeno da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil. Para o alcance de tal objetivo como percurso metodológico, utilizou-se o método de abordagem de dedução, no tocante ao método de procedimento, optou-se pelo monográfico, trata-se de uma pesquisa do tipo bibliográfica (revisão narrativa), de natureza básica, referente aos objetivos a pesquisa é do tipo exploratória e descritiva
Palavras-chave: Violência Doméstica. Pandemia. COVID-19. Isolamento Social. Políticas Públicas.
Sumário: 1. Introdução. 2. Tipos de violência contra a mulher. 2.1. A desigualdade de gênero como um problema estrutural. 3. Violência doméstica e familiar contra mulheres no Brasil: Um retrato Pandêmico. 4. O isolamento social e o reflexo nos casos de violência doméstica contra a mulher. 5. Formas de enfrentamento do quadro de violência. 6. Considerações finais. Referências.
1 INTRODUÇÃO
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS), declarou situação pandêmica e estada de emergência de saúde pública de interesse internacional, a infecção originada pelo SARS-CoV-2, conhecida como COVID-19 ou novo Coronavírus (BRASIL, 2020).
A pandemia do novo Coronavírus provocou inúmeras outras crises além da sanitária, a começar pelo crescimento da violência contra a mulher. Desde os primeiros meses de isolamento social, importantes organizações internacionais, como a ONU Mulheres, relatavam, com base no aumento em pedidos de ajuda em linhas telefônicas de canais de atendimento, que havia um incremento de casos de violência doméstica em todo o mundo.
A violência doméstica, trata-se de um tema atual considerado, por suas proporções, como um problema de saúde pública e uma das formas mais generalizadas de violação dos direitos humanos. É definida como qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial (COUTINHO, 2018).
Sendo uma situação bastante comum, não sendo produto, portanto, da pandemia, há que se pensar a violência contra a mulher como uma problemática que ultrapassa os limites de um conflito pontual, chegando às proporções de algo estrutural, marcando a sociedade como um todo por traços culturais preocupantes. Há uma estrutura cultural baseada na ideia de que o homem possui papel dominante no meio, o que estimula a formação de relações de poder desiguais, influenciando na forma como mulheres são vistas, educadas e tratadas (MALTA et al., 2021).
A observação do fenômeno ocorrido nos últimos anos, com a pandemia da covid-19, é necessária à constatação do problema a ser trabalhado na presente pesquisa, uma vez que os índices registrados podem revelar informações que não apenas são importantes para a compreensão do momento atual, como também para a análise de casos passados e a busca pela diminuição dos índices futuros.
A busca por explicações para o fenômeno se deve à necessidade de se diminuir esses índices, preocupantes quando se objetiva construir uma sociedade igualitária e justa. As mudanças ocorridas na cultura em geral apontam para uma maior participação das mulheres no mercado de trabalho, além de uma melhor formação profissional, mas é necessário que a população feminina se sinta segura ao ocupar cargos, constituir família ou realizar as mais diversas atividades.
O primeiro tópico evidenciou o que é a violência doméstica, os principais tipos de violência cometidos contra a mulher, alem de evidenciar a desigualdade de gênero como um problema estrutural. O segundo tópico buscou analisar o contexto da pandemia da covid-19 e a realidade de violência doméstica contra a mulher no Brasil, temática importante para que a análise de dados temporais não seja interpretada de maneira isolada e simplista. No terceiro, procurou-se identificar dados sobre o aumento no número de casos de violência doméstica durante a pandemia, para a compreensão do cenário atual e formulação de conclusões plausíveis.
E, por fim, o quarto tópico procurou levantar as medidas e instrumentos jurídicos utilizados no combate à violência contra mulher no contexto de pandemia, considerando a estrutura protetiva já estruturada na Lei Maria da Penha. É interessante observar a estrutura existente para denúncia de casos e proteção à mulher, uma vez que a forma como o indivíduo se sente em relação a uma pessoa ou a um órgão pode definir seu grau de abertura e confiança.
Assim, o presente artigo busca definir qual é a relação existente entre gênero, violência doméstica e familiar contra as mulheres no Brasil e as manifestações da pandemia da covid-19, mais especificamente sobre a relação da violência e a medida de isolamento social.
Para a confecção do presente artigo, segundo os procedimentos técnicos, configura-se como uma pesquisa bibliográfica e documental. Referente aos objetivos, a presente pesquisa é do tipo exploratória e descritiva, visto que a pesquisa exploratória tem a finalidade de conhecer de forma específica um determinado tema e a descritiva busca um aprofundamento dessa temática.
Do ponto de vista da sua natureza a pesquisa é do tipo básica. Em relação à forma de abordagem do problema, consiste em uma pesquisa qualitativa, visto que a compreensão e interpretação dos impactos da pandemia da covid-19 no fenômeno da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil será analisada a fundo. Para o presente estudo, fora utilizado o método de abordagem dedutivo, sendo responsável pela análise do geral para o particular de modo a se obter uma conclusão.
2 TIPOS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER
A violência doméstica está definida como “qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial.” segundo a Lei 11.340 (2006), popularmente conhecida como Lei Maria da Penha.
Dentro da sociedade brasileira, conforme Chagas e Chagas (2017), a Constituição de 1824 e o Código Civil de 1916, colocavam a mulher como ser inferior de tal forma que necessitava da aprovação masculina para realizar qualquer coisa. Mesmo com a mudança posterior das questões de direitos civis das mulheres dentro da sociedade brasileira, não houve mudanças significativas sobre o papel da mulher dentro das esferas sociais da época e tais valores de submissão e passividade feminina acabaram por perdurar.
É nesse contexto de desigualdade hierárquica entre os papéis de gênero que se desenvolve a violência doméstica contra a mulher. A violência contra a mulher se dá através de ações e atitudes do homem, e pode assumir formas diferentes: psicológica, física, sexual, patrimonial e moral (BRASIL, 2012).
A violência psicológica faz parte de uma dinâmica relacional, onde o homem possui a necessidade de controlar a mulher, abrindo portas para que outras agressões surjam no relacionamento, já que, comumente, a violência começa de forma mais sutil, com xingamentos, ameaças, até se agravar culminando em agressões físicas. Logo, é possível concluir que a violência psicológica possibilita que as outras violências se instaurem no relacionamento, é um tipo de violência sutil e, por isto, muitas demoram a perceber que se encontram dentro de uma relação violenta (PIMENTEL, 2011).
A violência física é entendida como qualquer ato de outrem que possua a intenção de prejudicar fisicamente a vítima. Nos casos em que a violência é cometida contra a mulher, este tipo de agressão tende a ocorrer quando o homem se sente contrariado, ou seja, quando percebe que não está conseguindo manter o controle da relação, e como consequência, controle da mulher, como forma de mostrar que detém o poder da relação ele utiliza-se da agressão física (BRASIL, 2012).
Existe ainda, a violência sexual, neste tipo de violência, a mulher é forçada a manter relações sexuais, através do uso da força, sugestão e ameaças. Existem várias formas de cometer este tipo de violência, como por exemplo, não admitir o uso de contraceptivos, obrigar a mulher a engravidar, ou exigir que a mesma tenha relação sexual com outras pessoas, esse tipo de violência tem consequências psicológicas, na medida em que a vítima é dominada, rebaixada e humilhada (DUTRA ET al., 2013).
A violência patrimonial é entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. Já a violência moral compreendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. Neste contexto, deve-se destacar, ainda, que esse tipo de violência está intimamente ligado à violência psicológica (LABRONICI, 2012).
2.1 A desigualdade de gênero como um problema estrutural
Compreender a violência doméstica contra a mulher implica necessariamente acessar esse fenômeno na perspectiva de discriminação histórica que a mulher sofre ao longo do tempo. Sendo negado à mulher a condição de sujeito de direitos, a respeito de sua própria vida, liberdade, e a disposição do seu corpo, naturalizando assim a violência contra a mulher no âmbito privado e social, ou seja, o homem é colocado como um ser superior e detentor de todo poder dentro do lar e fora dele.
Cabendo à mulher apenas a esfera privada, limitada a cuidar de assuntos domésticos, a exemplo: esposas obedecerem a seus maridos, serem boas donas de casa e mães cuidadosas, satisfazerem seus maridos sexualmente, educar os filhos homens de forma que perpetuassem essa relação desigual de poder e dominação, em que ao homem cabia o poder de decisão, a responsabilidade de sair para trabalhar e prover o lar, não podendo ser contrariado pela mulher e filhos.
A forma de tratamento dada às mulheres no capitalismo contemporâneo, também contribuiu com a forma pela qual é vista pela sociedade, gerando uma remodelação da dominação do homem em relação a mulher na sociedade. Conforme Netto (2017) foi através do surgimento da produção excedente, que houve a repartição do trabalho e a divisão de papéis, colocando a mulher em posição de subordinação, cabendo a ela o âmbito privado e trabalhos considerados menos importantes para a sociedade.
A desigualdade provocada pelo desenvolvimento do capitalismo faz com que o fato de as mulheres estarem inseridas em uma ordem patriarcal de gênero, a instauração da propriedade privada e a subordinação das mulheres aos homens, sejam fatos que ocorrem ao mesmo tempo, e seja marco da luta de classes, como afirma Saffioti (2015 p. 65-66):
O aparecimento do capitalismo se dá, pois, em condições extremamente adversas à mulher. No processo de individualização inaugurado pelo modo de produção capitalista, ela contaria com uma desvantagem social de dupla dimensão: no plano superestrutural, era tradicional uma subvalorizarão das capacidades femininas traduzidas em termos de mitos justificadores da supremacia masculina e, portanto, da ordem social que a gerava; no plano estrutural, à medida que se desenvolviam as forças produtivas, a mulher vinha sendo progressivamente marginalizada da função produtiva, ou seja perifericamente situada no sistema de produção.
Segundo Lopes (2016), a violência contra a mulher deve ser analisada de forma a ser considerada a sua relação com o modo de produção capitalista, com a intenção de combater esse sistema que oprime e estigmatiza as mulheres. Sendo o melhor caminho para que essa desigualdade seja amenizada, uma sociedade sem classes, sendo o patriarcado um de seus problemas maiores.
Saffioti (2013) diz que, as mulheres são vítimas deste estado-de-coisas, que se refere à legitimação necessária por parte da sociedade brasileira e de todas as outras para que a violência contra a mulher ocorra. Fazendo com que o homem tenha “autorização” mesmo hoje para cometer atos violentos contra a mulher, diante da legitimidade concedida pela coletividade para que se perpetue o projeto de dominação-exploração entre homem e mulher.
Mesmo já tendo sido identificado essa necessidade, o Estado se ausenta, e essa expressão da questão social é tratada como problema individual. O Estado é capitalista burguês e funciona de acordo com os interesses do capitalismo, e este funciona mediante as desigualdades que provoca.
3 VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA MULHERES NO BRASIL: UM RETRATO PANDÊMICO
A pandemia causada pelo novo Coronavírus vem, desde o início de 2020, impactando as relações sociais brasileiras, devido ao elevado índice de óbitos e casos graves, A OMS recomenda então, pautada na ciência, a necessidade de isolamento social e os efeitos resultantes dessa prática que a sociedade teve de adotar para que não houvesse um aumento ainda maior do número de casos da doença. Há, inevitavelmente, consequências para a sociedade como um todo, que segue tendo de seguir certos protocolos para evitar a propagação do vírus (FBSP, 2020).
A introdução de novos hábitos gera, invariavelmente, a necessidade de novos processos de adaptação, logo, é comum que índices como os de violência, educação, saúde, entre outros, sejam afetados pelas consequências dessa recomendação. Uma consequência relevante foi o provável engrandecimento do fenômeno da violência doméstica contra a mulher, este tipo de violência é resultado de antecedentes históricos relacionados ao gênero, sendo, portanto, uma questão de extrema relevância abordar esse aspecto, já que estão intimamente interligados.
É inegável alçar presumíveis causas que recrudesceu a violência doméstica e familiar contra a mulher neste período de pandemia, a convivência entre a vítima e seu agressor foi fomentada, além do mais, a economia foi extremamente impactada negativamente. Neste período, algumas mulheres, trabalhadoras formais ou informais, tiveram sua independência afetada ou perderam a que tinha, devido a perda ou redução dos trabalhos formais, renda insuficiente e também pela impossibilidade de retornar ao trabalho devido ao isolamento social imposto, os filhos tiveram que permanecer em casa e algumas vezes o trabalho não dava a opção de ser remoto.
Por outro lado, os homens por ser considerada a égide da família, configuração ainda advinda do patriarcado alimentado pela sociedade atual, diante do primeiro cenário, a debilidade econômica muitas vezes é o principal motivo desencorajador para que seja feita a denúncia ou a quebra dessa relação abusiva e no segundo cenário, a ausência de uma estrutura financeira estável gerou insegurança e hostilidade (IPEA, 2020; ONU, 2020).
A violência doméstica e familiar contra a mulher é difícil de tratar, pois ela não parte de um desconhecido e sim de alguém que está inserido dentro do âmbito familiar da vítima, a violência por parte de um estranho dificilmente ocorre outras vezes, mas quando ocorrem por pessoas que estão dentro do seio doméstico que são por pessoas que fazem parte da vida da vítima tendem a se repetir por várias vezes, podendo causar danos maiores cada vez que se repete (RITT; RITT, 2020).
Logo, percebe-se que toda ação que possa causar danos, tantos físicos ou psicológicos dentro do espaço doméstico sendo familiar ou não, mas que resida na mesma casa e faça parte do seu cotidiano é violência doméstica contra a mulher. Caracteriza-se violência física contra a mulher como a tentativa de violência, ou o ato da violência concretizado.
Essa forma de violência na pandemia de acordo com Barbosa et al., (2021), ocorre muitas vezes quando o homem não aceita a separação ou por ciúmes, para atingir a mesma tenta ofender sua moral, inventando mentiras, atacando em formas de ofensas para terceiros, buscando prejudicar a integridade moral da mulher. Contudo, a violência doméstica contra a mulher é algo que está relacionada à relação de poder como o problema central.
Diante das intempéries em relação à violência contra mulher no ambiente doméstico ou familiar, um fator que permanece em evidência é o fato do Estado continuar relativamente inerte, é o Estado o responsável por fomentar políticas públicas, medidas preventivas e enriquecer aquilo que já existe, como as delegacias da mulher, centros integrados, entre outros meios que foram gradativamente conquistados, na tentativa de solucionar esta anomalia social (RITT; RITT, 2020).
4 O ISOLAMENTO SOCIAL E O REFLEXO NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER
A violência contra a mulher, que já era considerada como um grande problema que a sociedade enfrentava, teve seus índices agravados durante a pandemia de covid-19, e vários são os fatores que comprovam essa tese. Constatou-se que, em países como China, Reino Unido e Estados Unidos da América, houve incremento de casos de violência doméstica contra as mulheres, desde o início da pandemia de covid-19 (FORNARI et al., 2021).
No Brasil, os índices também são alarmantes: houve um crescimento no número de denúncias ao Ligue 180 (número de telefone para o qual são feitas denúncias de violência contra a mulher) e um grande aumento no número de feminicídios no ano de 2020, no que concerne a 2019.
Segundo os dados disponibilizados pelo Ministério da Saúde, 4,3 milhões de mulheres (6,3%) foram agredidas fisicamente com tapas, socos ou chutes, isso significa dizer que a cada minuto, 8 mulheres apanharam no Brasil durante a pandemia do novo coronavírus. O tipo de violência mais frequentemente relatado foi a ofensa verbal, como insultos e xingamentos, cerca de 13 milhões de brasileiras (18,6%) experimentaram este tipo de violência.
5,9 milhões de mulheres (8,5%) relataram ter sofrido ameaças de violência física como tapas, empurrões ou chutes, cerca de 3,7 milhões de brasileiras (5,4%) sofreram ofensas sexuais ou tentativas forçadas de manter relações sexuais, 2,1 milhões de mulheres (3,1%) sofreram ameaças com faca (arma branca) ou arma de fogo e 1,6 milhão de mulheres foram espancadas ou sofreram tentativa de estrangulamento (2,4%).
Em relação ao perfil, verifica-se que quanto mais jovem, maior a prevalência de violência, sendo que 35,2% das mulheres de 16 a 24 anos relataram ter vivenciado algum tipo de violência, 28,6% das mulheres de 35 a 34 anos, 24,4% das mulheres de 35 a 44 anos, 19,8% das mulheres de 45 a 59 anos e 14,1% das mulheres com 60 anos ou mais, mulheres pretas experimentaram níveis mais elevados de violência (28,3%) do que as pardas (24,6%) e as brancas (23,5%).
Mulheres separadas e divorciadas apresentaram níveis mais elevados de vitimização (35%) do que em comparação com casadas (16,8%), viúvas (17,1%) e solteiras (30,7%), o que se acentua com o aumento da gravidade/intensidade da violência física.
Há que considerar também o fenômeno da subnotificação de casos, o que evidencia que há ainda muito mais mulheres que sofrem violência e permanecem caladas, sem registrarem denúncias por motivos diversos. O cenário da pandemia contribui ainda mais para os índices de subnotificação, os quais já eram altos antes do isolamento social, e que aumentam com a restrição do acesso a tecnologias e conexão à internet (BARBOSA et al., 2021).
O estado de confinamento que a pandemia levou à sociedade a experienciar foi de fundamental relevância para a alteração dos índices de violência doméstica, pois, se o convívio entre duas ou mais pessoas aumenta, é natural que os conflitos entre os envolvidos aumentem também. Em famílias que já têm uma tendência a comportamentos agressivos e abusivos, casos que envolvem pequenos desentendimentos podem, futuramente, desencadear grandes brigas que, eventualmente, evoluem para casos de violência.
Outro fator importante a ser considerado é a questão econômica: com as restrições no funcionamento do comércio e prestação de serviços, as oportunidades de emprego e ganho de renda diminuíram, o que pode levar a situações, dentro de residências, nas quais as mulheres dependem dos homens financeiramente. Quadros de dependência financeira podem desencadear ideias como a de que o homem é superior por seu status econômico, e essa sensação de superioridade tende a se transformar, em alguns casos, em quadros de violência doméstica, seja ela física, psicológica, patrimonial, ou de outro tipo.
O cenário nacional e internacional mostra a magnitude dos eventos e sua influência sobre os índices de violência, e as razões econômicas têm notável influência sobre a situação. É uma situação visivelmente preocupante, pois mostra o peso de questões culturais no tratamento às pessoas na atualidade.
O confinamento levou ao aumento exponencial do convívio, ampliando as possibilidades de tensionar relações interpessoais e intensificar os desgastes familiares, inclusive da mulher com o agressor. Situações, como a instabilidade econômica e o desemprego, também reforçaram a dependência econômica das mulheres, passando a ameaçar mais o status do homem culturalmente construído como provedor, podendo ter como consequência a violência intrafamiliar como mecanismo de reafirmação do poder masculino (FORNARI et al., 2021. p. 2).
A necessidade de reafirmação que o indivíduo muitas vezes desenvolve, por questões psicológicas pessoais, pode também ser um fator a ser considerado e analisado, visto que muitos dos padrões encontrados na sociedade para convívio entre pessoas podem ser explicados e analisados sob a ótica da satisfação de desejos pessoais reprimidos. Todo o padrão mental reforçado pela sociedade, o qual não isenta, obviamente, o agressor da culpa, acaba por endossar um comportamento agressivo e desequilibrado.
As formas de a mulher denunciar a violência sofrida também foram prejudicadas, e esse é um grande sinal de que é necessário preocupar-se com a difusão da informação sobre o problema e com a acessibilidade dos meios de se denunciar casos de crimes diversos. As pesquisas mostram que no decurso da pandemia, “[...] o acesso aos serviços de apoio às mulheres em situação de violência, especializados e não especializados, também ficou prejudicado.” (FORNARI et al., 2021. p. 2)
Para que o problema seja combatido de maneira verdadeiramente eficiente, é de fundamental importância que se compreenda as causas dessa situação preocupante. Um enfrentamento que tenha resultados positivos deve sempre partir de um conhecimento real do tema, principalmente quando se trata da vida, a qual deve ser preservada e cuidada.
5 FORMAS DE ENFRENTAMENTO DO QUADRO DE VIOLÊNCIA
Diante do complexo fenômeno da violência, que ocorre mundialmente, encontra-se a violência contra a mulher, que sofrem constantemente vários tipos de agressões e abusos. As maiores dificuldades das vítimas que sofrem alguma forma de violência é falar a respeito da situação e não ter conhecimento sobre os atos que se configuram violência doméstica. Neste caso a procura por ajuda pode tornar-se tardia, dificultando o impedimento dos episódios de violência e o grande propulsor da mudança acaba sendo o agravamento das agressões (PASINATO, 2015).
A criação da Lei Nº 11.340 de 7 de agosto de 2006, conhecida como Maria da Penha, tornou-se um dos marcos mais importante para o enfrentamento da violência contra a mulher ao estabelecer medidas para a proteção e assistência à vítima. As medidas de proteção às vítimas, constituídas pela Lei, preveem o afastamento do homem do ambiente familiar, permite o rigor nas punições contra as agressões sofridas pelas mulheres e que o agressor seja preso quando ameaçar sua integridade física.
Para Pasinato (2015), as Delegacias da Mulher constituem a principal política pública de enfrentamento à violência doméstica contra mulheres. Desse modo, a implantação das Delegacias Especializadas no Atendimento à Mulher é um marco importante, pois evidencia que o Estado reconhece que a violência contra a mulher deve ser discutida amplamente e não apenas na esfera privada ou nas relações interpessoais.
A procura por um serviço de apoio, para Silva et al (2015), é o segundo passo dado pelas vítimas para romper com o ciclo da violência, uma vez que muitas mulheres não conhecem seus direitos e nem os serviços de apoio. Segundo a autora as vítimas enfrentam a violência adotando algumas atitudes como: conversar com alguém; frequentar instituições religiosas; participar de organizações sociais (grupos de mulheres e associações comunitárias); procurar por serviços de atendimento em redes de apoio como centros de saúde; e em casos extremos de violência - quando exige atendimento imediato para tratamento das lesões físicas ou ameaça de morte - acessam diretamente hospitais e delegacias.
Existe o acolhimento no Centro de Referência, um local de prestação de serviços para o atendimento das mulheres que sofrem de violência, estabelecendo medidas de proteção às mulheres em situação de risco com a inserção de políticas públicas para que possam romper esse ciclo de violência. Tem como objetivo principal a contribuição para prevenir, para punir e para erradicar a violência contra a mulher.
Nessa instituição são oferecidos programas de atividades para a prevenção e enfrentamento à violência contra as mulheres objetivando a ruptura da situação de violência e a construção da cidadania por meio de ações globais e de atendimento interdisciplinar com profissionais como: psicólogo, assistente social e jurídico, de orientação e informação das mulheres vítimas de violências que sofreram pelos agressores onde buscam interromper o ciclo da violência e de proteger estas mulheres.
A busca pelos serviços de saúde, segundo Guedes et al. (2013), gera expectativas em relação ao enfrentamento da violência. A escuta e as relações estabelecidas com os profissionais e com outros usuários dos serviços tornam possível o fortalecimento da vítima retirando-a do isolamento. A prevenção e o enfrentamento exercem a função de cuidado e se tornam inerentes ao setor, uma vez que este é fundamental para as usuárias e tem intrínseca relação com seu processo saúde-doença-foco de todo agir em saúde.
Pesquisas reconhecem o trabalho interdisciplinar de vários profissionais da saúde como médicos, enfermeiros e psicólogos ao que compete o empoderamento da vítima em benefício do enfrentamento contra os episódios de violência sofridos. O reconhecimento da violência ganha espaço nos serviços de saúde quando frequentados pelas mulheres na busca de atendimento, atenção e cuidado.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se, pois, que a violência contra a mulher é resultante de uma construção histórica, sendo passível de desconstrução, esta relação estreita com as categorias de gênero, classe e raça/etnia e suas relações de poder pode ser considerada como toda e qualquer conduta baseada no gênero, que cause ou passível de causar morte, dano ou sofrimento nos âmbitos: físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada.
Diante do exposto, foi possível observar que o isolamento social é uma medida de importância relevante na contenção da contaminação pela covid-19 e fator importante na queda de transmissão. Porém, verificou-se que nesse período houve um aumento considerável nos casos de violência contra a mulher.
A literatura que foi se formando sobre a temática aponta como principais causas para o aumento dos casos de violência doméstica as restrições às redes institucionais e familiares de apoio à mulher, a redução da renda familiar, ampliação da manipulação do agressor sobre a vítima em razão do maior tempo de convivência, aumento dos níveis de estresse.
Evidenciou-se ainda que as formas de denunciar a violência sofrida também foram prejudicadas, e esse é um grande sinal de que é necessário preocupar-se com a difusão da informação sobre o problema e a acessibilidade dos meios de se denunciar casos de crimes diversos. Neste período, o acesso aos serviços de apoio às mulheres em situação de violência, especializados ou não, também ficou prejudicado.
Portanto, é de extrema necessidade suscitar a criação de providencias para resguardar essas mulheres suscetíveis à violência doméstica, visto que, essa ampliação da violência foi verificada em âmbito mundial em diferentes países e nos estados brasileiros não foram diferentes.
Esta pesquisa é relevante por contribuir com informações que ajudarão na reflexão sobre cuidados a mulheres em situação de violência, apontando para a necessidade de um trabalho em rede que fortaleça a defesa, a responsabilização e o apoio às pessoas em situação de violência, apoio este, conjunto entre o Estado, órgãos não governamentais e a sociedade geral.
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[1] Graduanda em Bacharelado em Direito no Centro Universitário Santo Agostinho. E-mail: [email protected]
[2] Doutora em Direito e Políticas Públicas pela UNICEUB (2020). E-mail [email protected]
Graduanda em Bacharelado em Direito no Centro Universitário Santo Agostinho.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, FRANCILEIDE SILVA. Considerações sobre os impactos da pandemia da covid-19 no fenômeno da violência doméstica e familiar contra a mulher no Brasil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2022, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58607/consideraes-sobre-os-impactos-da-pandemia-da-covid-19-no-fenmeno-da-violncia-domstica-e-familiar-contra-a-mulher-no-brasil. Acesso em: 23 dez 2024.
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