RESUMO: O poder de requisição consiste em prerrogativa atribuída aos Defensores Públicos de requisitar de autoridade pública e deus seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências que entender necessárias ao exercício de suas atribuições. Nesse contexto, o presente trabalho visa a analisar os fundamentos elencados pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADI’s nº 6852/DF, 6862/PR, 6865/PB, 6867/ES, 6870/DF, 6871/CE, 6872/AP, 6873/AM e 6875/RN, que questionaram a constitucionalidade do poder instrumental conferido à Defensoria Pública, analisando-se detidamente os fundamentos suscitados.
Palavras-chave: poder de requisição, Defensoria Pública, Supremo Tribunal Federal, acesso à justiça.
ABSTRACT: The power of requisition consists of the prerogative attributed to Public Defenders to request examinations, certificates, expertise, inspections, diligences, processes, documents, nformation, clarifications and measures that they deem necessary for the exercise of their attributions from public authorities and their agents. In this context, the present work aims to analyze the grounds listed by the Federal Supreme Court in the judgment of ADI's nº 6852/DF, 6862/PR, 6865/PB, 6867/ES, 6870/DF, 6871/CE, 6872/AP, 6873 /AM and 6875/RN, which questioned the constitutionality of the instrumental power conferred on the Public Defender's Office, analyzing in detail the reasons raised.
Keywords: power of requisition, Public Defender's Office, Federal Supreme Court, access to justice.
1. Introdução
O presente trabalho tem por objetivo explicitar em que consiste o poder de requisição atribuído às Defensorias Públicas, abordando, especificamente, o julgamento das ADI’s que questionaram a sua constitucionalidade.
Será feita uma análise dos fundamentos trazidos pela Procuradoria-Geral da República na propositura das ADI’s, bem como dos argumentos trazidos pelo Supremo Tribunal Federal em seu julgamento, especialmente considerando as reformas constitucionais que revolucionaram o desenho institucional da Defensoria Pública.
2. O poder de requisição das Defensorias Públicas
A Lei Complementar nº 80/1994 organiza a Defensoria Pública da União e a Defensoria Pública do Distrito Federal, além de trazer normas gerais acerca das Defensorias Públicas dos Estados.
Esta divisão organizacional está em consonância com o disposto no art. 24, XIII, ambos da CF/1988, pois este dispositivo afirma ser de competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal legislar sobre assistência jurídica e Defensoria Pública.
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(...)
XIII - assistência jurídica e Defensoria pública;
Assim, considerando a competência legislativa atribuída pela Carta Política, cada estado-membro editou a sua própria lei complementar regulamentando a sua respectiva defensoria pública, em harmonia com as disposições gerais contidas na Lei Complementar nº 80/1994.
A leis complementares estaduais, assim como a lei complementar federal, prevê uma série de garantias e prerrogativas à Defensoria Pública e aos Defensores Públicos. Dentre elas está o poder de requisição, consagrado na Lei Complementar nº 80/1994 em diversos dispositivos:
Art. 8º São atribuições do Defensor Público-Geral, dentre outras:
(...)
XVI - requisitar de qualquer autoridade pública e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias à atuação da Defensoria Pública;
Art. 44. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública da União:
(...)
X - requisitar de autoridade pública e de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições;
Art. 56. São atribuições do Defensor Público-Geral:
(...)
XVI - requisitar de qualquer autoridade pública e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias à atuação da Defensoria Pública;
Art. 89. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Distrito Federal e dos Territórios:
(...)
X - requisitar de autoridade pública ou de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições;
Art. 128. São prerrogativas dos membros da Defensoria Pública do Estado, dentre outras que a lei local estabelecer:
(...)
X - requisitar de autoridade pública ou de seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências necessárias ao exercício de suas atribuições;
Trata-se, o poder de requisição, de prerrogativa atribuída aos membros da Defensoria Pública de requisitar de autoridade pública e deus seus agentes exames, certidões, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e providências que entender necessárias ao exercício de suas atribuições.
Entendendo ser inconstitucional tal prerrogativa, o Procurador-Geral da República ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) questionando os arts. 8º, XVI, 44, X, 56, XVI, 89, X e 128, X, da Lei Complementar nº 80/94, assim como propôs ADI contra as leis complementares de diversos estados, que também conferem às Defensorias Públicas Estaduais o poder de requisição.
De acordo com o entendimento do Procurador-Geral da República, a prerrogativa ora tratada viola o princípio da inafastabilidade da jurisdição e o preceito da paridade de armas na relação processual, inclusive no que diz respeito à produção probatória, pois dotado dos atributos de autoexecutoriedade, imperatividade e presunção de legitimidade.
3. O posicionamento do Supremo Tribunal Federal acerca do poder de requisição das Defensorias Públicas
O Supremo Tribunal Federal, por maioria, ao analisar conjuntamente as Ações Diretas de Inconstitucionalidade, julgou improcedente os pedidos, afirmando a constitucionalidade do poder de requisição das Defensorias Públicas.
O voto vencedor, proferido pelo Ministro Edson Fachin, afirma que o art. 134 da Constituição da República, com redação dada pela Emenda Constitucional (EC) nº 80/2014, configura concretização do direito constitucional ao acesso à justiça, previsto no art. 5º, LXXIV, da CF/1988.
Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.
§ 1º Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.
§ 2º Às Defensorias Públicas Estaduais são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária dentro dos limites estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias e subordinação ao disposto no art. 99, § 2º.
§ 3º Aplica-se o disposto no § 2º às Defensorias Públicas da União e do Distrito Federal.
§ 4º São princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, aplicando-se também, no que couber, o disposto no art. 93 e no inciso II do art. 96 desta Constituição Federal.
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LXXIV - o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;
Sendo assim, como expressão e instrumento do regime democrático, incumbe à Defensoria Pública a promoção e a defesa dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita.
Nesse contexto, é importante destacar que as reformas constitucionais promovidas pelas Emendas Constitucionais nº 45/2004, 73/2013 e 80/2014 explicitaram a Defensoria Pública como órgão autônomo da administração da justiça, sendo dotada de independência e autonomia administrativa, financeira e orçamentária.
Não se confunde, a Defensoria Pública, com a Advocacia, pública ou privada. De acordo com o voto vencedor, o desenho institucional da Defensoria Pública está muito mais próximo ao desenho atribuído ao Ministério Público.
Desse modo, tem-se que não se trata somente de uma questão topográfica que distingue a Defensoria Pública da Advocacia, mas as próprias funções desempenhadas. A atuação do Defensor Público deve observar o disposto no art. 134 da Constituição da República, não se orientando pelo interesse pessoal da parte.
Ademais, a missão institucional na Defensoria Pública é substancialmente distinta dos objetivos da advocacia, pois aquele órgão tem por objetivos a promoção do amplo acesso à justiça e a redução das desigualdades.
De mais a mais, considerando o exposto alhures, no sentido de que o desenho institucional da Defensoria Pública se aproxima do desenho institucional do Ministério Público, é elementar destacar que a Lei nº 8.625/1993 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) confere a este órgão poder idêntico ao atribuído aos membros da defensoria.
Art. 26. No exercício de suas funções, o Ministério Público poderá:
I - instaurar inquéritos civis e outras medidas e procedimentos administrativos pertinentes e, para instruí-los:
(...)
b) requisitar informações, exames periciais e documentos de autoridades federais, estaduais e municipais, bem como dos órgãos e entidades da administração direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
Ressalte-se, ademais, que o Supremo Tribunal Federal já ressaltou o paralelismo traçado pelo poder constituinte entre a Defensoria Pública e o Ministério Público.
(...)
Observo, ainda, que o art. 127, § 2º, da Constituição Federal assegura ao Ministério Público autonomia funcional e administrativa, e no § 1º, aponta como princípios institucionais da instituição a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional, que a Emenda Constitucional nº 80, de 04.6.2014, ao incluir o § 4º no art. 134, também veio a consagrar como princípios institucionais da Defensoria Pública a unidade, a indivisibilidade e a independência funcional.
Densificado, assim, deontológica e axiologicamente, pelo Poder Constituinte derivado o paralelismo entre as instituições essenciais à função jurisdicional do Estado que atuam na defesa da sociedade, sem desbordar do espírito do Constituinte de 1988.
(...)
(grifo nosso)
Outro fundamento considerado pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento acerca da constitucionalidade do poder de requisição foi a Teoria dos Poderes Implícitos. De acordo com a Corte Constitucional, aos órgãos devem ser reconhecidos os poderes instrumentais para a execução das funções constitucionalmente atribuídas. Dessa maneira, para que a Defensoria Pública possa exercer o seu mister, qual seja, promover a defesa dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicialmente, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, como bem preceitua o art. 134 da Constituição Federal de 1988, é indispensável que lhe seja conferido o poder de requisição.
Não se desconhece, como bem lembrado pelo Supremo Tribunal Federal, o julgamento da ADI nº 230, que questionou dispositivo da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que conferiu a prerrogativa de requisição à Defensoria Pública fluminense, e que foi julgada procedente. Contudo, deve-se destacar que o parâmetro do controle de constitucionalidade realizado outrora é diverso do atual, pois as Emendas Constitucionais nº 45/2004, 73/2013 e 80/2014 promoveram substanciais mudanças no cenário da Defensoria Pública, de modo a justificar o atual posicionamento da Corte Constitucional no sentido de que o poder de requisição atribuído às Defensorias Públicas pela Lei Complementar nº 80/1994, bem como pelas Leis Estatuais é constitucional.
Importante destacar, neste átimo, a ementa do julgamento proferido pelo Supremo Tribunal Federal:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. DIREITO CONSTITUCIONAL E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO CONSTITUCIONAL E OUTRAS MATÉRIAS DE DIREITO PÚBLICO. DEFENSORIA PÚBLICA. LEI COMPLEMENTAR 80/1994. PODER DE REQUISIÇÃO. GARANTIA PARA O CUMPRIMENTO DAS FUNÇÕES INSTITUCIONAIS. GARANTIA CONSTITUCIONAL DE ASSISTÊNCIA JURÍDICA INTEGRAL E EFETIVA. ADI 230/RJ. ALTERAÇÃO DO PARÂMETRO DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. ADVENTO DA EC 80/2014. AUTONOMIA FUNCIONAL E ADMINISTRATIVA DAS DEFENSORIAS. IMPROCEDÊNCIA.
1. O poder atribuído às Defensoria Públicas de requisitar de qualquer autoridade pública e de seus agentes, certidões, exames, perícias, vistorias, diligências, processos, documentos, informações, esclarecimentos e demais providências necessárias ao exercício de suas atribuições, propicia condições materiais para o exercício de seu mister, não havendo falar em violação ao texto constitucional.
2. A concessão de tal prerrogativa à Defensoria Pública constitui verdadeira expressão do princípio da isonomia e instrumento de acesso à justiça, a viabilizar a prestação de assistência jurídica integral e efetiva.
3. Não subsiste o parâmetro de controle de constitucionalidade invocado na ADI 230/RJ, que tratou do tema, após o advento da EC 80/2014, fixada, conforme precedentes da Corte, a autonomia funcional e administrativa da Defensoria Pública.
4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente.
(Grifos nossos)
Verifica-se, assim, a constitucionalidade do poder de requisição da defensoria pública, tendo acertado o Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADI’s nº 6852/DF, 6862/PR, 6865/PB, 6867/ES, 6870/DF, 6871/CE, 6872/AP, 6873/AM e 6875/RN
CONCLUSÃO
Da análise dos fundamentos apresentados, nota-se que a decisão do Supremo Tribunal Federal está em harmonia com os preceitos constitucionais vigentes, e visa a tutelar, de maneira integral, o princípio do amplo acesso à justiça.
Decidir de maneira diversa seria criar obstáculo desnecessário e indevido a tal princípio, prejudicando, sobretudo, àqueles que necessitam de uma atuação firme da Defensoria Pública, notadamente os hipossuficientes financeiros, mas também os vulneráveis organizacionais.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em 08 de junho 2022.
BRASIL. Lei Complementar nº 80, de 12 de janeiro de 1994. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp80.htm. Acesso em 09 de junho 2022.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. ADI 6852/DF e ADI 6862/PR, Rel. Min. Edson Fachin, DJe 29/03/2022. Disponível em: https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search?classeNumeroIncidente=%22ADI%206852%22&base=acordaos&sinonimo=true&plural=true&page=1&pageSize=10&sort=_score&sortBy=desc&isAdvanced=true. Acesso em 09 de junho de 2022.
Pós-Graduado em Direito Público e em Direito Processual pelo Instituto Elpídio Donizetti.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MOTA, Diego Souza Carvalho. O poder de requisição das Defensorias Públicas: análise das ADI’S 6852/DF, 6862/PR, 6865/PB, 6867/ES, 6870/DF, 6871/CE, 6872/AP, 6873/AM e 6875/RN Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58722/o-poder-de-requisio-das-defensorias-pblicas-anlise-das-adi-s-6852-df-6862-pr-6865-pb-6867-es-6870-df-6871-ce-6872-ap-6873-am-e-6875-rn. Acesso em: 24 dez 2024.
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