CLERISTON SILVA
(orientador)
RESUMO: Este artigo pretende analisar a vaquejada no cenário atual, com base em sua origem, e sob o enfoque da Constituição de 1988, objetivando nos autos ADI 4.983 e a emenda 96/2017, bem como a doutrina e jurisprudência acerca do tema, examinar os principais argumentos acerca da sua inconstitucionalidade como prática de maus-tratos animal, e os que defendem sua constitucionalidade, entendendo como prática cultural. Portanto, este artigo tem por escopo trazer as duas interpretações jurídicas aplicadas no tocante à vaquejada e às práticas a esta relacionadas, como também a acepção jurídica do termo cultura, em relação ao contexto atual do Direito, e garantias na preservação do equilíbrio entre os homens e os animais na natureza, posto o cenário jurídico atual.
Palavras-chave: Constitucionalidade. Maus-tratos. Vaquejada.
O presente artigo pretende analisar historicamente a prática da vaquejada, nesse aspecto, buscou explorar a atividade enquanto instrumento associado às atividades necessárias da produção agropecuária (ANDRADE, 2005.)
Bem como a necessidade de reexame da vaquejada e suas práticas, considerando a realidade e o contexto social atual, tendo por base as transformações culturais expressamente experimentadas pela nação nordestina no contexto desta prática.
Conforme se pode extrair do julgamento da ADI 4.983, o conflito se estrutura basicamente em dois posicionamentos, os que consideram como realidade incompatível com a Constituição Federal de 1988, configurando sua existência maus tratos em detrimento dos animais, e os que justificam tal prática como atividade de caráter desportivo e de grande poderio econômico, máquina geradora de milhões de reais para grandes grupos empresariais. ()
Tendo em vista os dois posicionamentos, é possível concluir pela existência de duas figuras substancialmente antagônicas, os que entendem a vaquejada como atividade de expressão cultural da região nordestina com fundamento inclusive no texto extraído da lei 13.364/2016[1] sancionada no dia 29 de novembro de 2016, e que trouxe profundas reflexões recentemente no cenário jurídico, por considerar a vaquejada expressão de manifestação cultural nacional e patrimônio cultural imaterial.
Em contraposição, os que enxergam como uma prática que implica tratamento cruel desmesurável aos animais, combatendo frontalmente a vedação contida no artigo 225, § 1º, VI da Constituição Federal, haja vista, a submissão do animal a tratamentos perversos e cruéis nos cenários dos inúmeros parques de vaquejada.
Considerando o âmbito deste tema, o Estado do Ceará promulgou em 08 de janeiro de 2013 a Lei nº 15.299/2013, concedendo à vaquejada conceitos inerentes de desporto e cultura, descortinando, deste modo, diversas implicações acerca da temática exposta e fundamentando diversos debates na seara jurídica, destacando-se sobre sua natureza de interesse constitucional.
A objeção declarada anteriormente condicionou a Procuradoria Geral da República, representada pelo seu procurador Roberto Monteiro Gurgel Santos, a interpor a referida ação direta de inconstitucionalidade (ADI) 4.983 no Supremo Tribunal Federal, com fundamento na declaração da inconstitucionalidade desta lei estadual no intuito de impedir a regulamentação, o que se apresenta de relevante interesse na condução deste artigo.
Tais situações estarão sendo abordadas neste artigo, começando pelas origens da vaquejada, seguindo ainda no que diz respeito à legislação e jurisprudência aplicada à espécie, além do enfoque do que foi objeto da ação e o julgamento desta ADI no STF, se propõe também a responder se a vaquejada constitui maus-tratos ou manifestação cultural, sob a perspectiva jurídica.
Dessa feita, tem se por escopo racionalizar o debate sobre o direito dos animais, a tutela animal, e a mudança de paradigma na relação homem e animais não-humanos, além de sopesar os limites jurídicos da cultura no que concerne à imposição da crueldade animal.
1 Contextualização da vaquejada.
Nas considerações do pernambucano (ANDRADE, 2005), a vaquejada surgiu como instrumento de trabalho, mão de obra empregada na criação do gado que ocorria na pastagem livre, não necessitando do emprego de muitos trabalhadores, solicitando apenas o olhar vigilante do vaqueiro, na fiscalização da fazenda.
“Fiscalizava o gado no campo, ferrava, assinalava, benzia em caso de doença e amansava bois e burros. Nas grandes fazendas, havia uma verdadeira equipe de vaqueiros”. (ANDRADE, 2005, p. 146)
Discorre ainda o autor que, com a chegada do inverno, inaugurava o melhor momento para o comércio dos animais gordos na agropecuária livre e extensiva, destituída de quaisquer obstáculos físicos, como cercas e arames farpados, trazia a necessidade da reunião de vaqueiros de diversas sesmarias.
O intuito era o de realizar as “juntas” também conhecida por apartação[2] para separação dos gados de cada fazenda, constituindo verdadeiras festas no sertão agropecuário, principalmente quando noticiavam a existência de animal arisco, ou bravio semi-selvagem barbatão[3] atraindo bastante atenção da pequena colônia rural. (ANDRADE, 2005.)
Tais expressões culturais eram uma possibilidade de treinamento e espetáculo em que se demonstrava o vigor do vaqueiro, além de dar fama aos vaqueiros da região. Ademais, estaria diretamente vinculada à condição de instrumento de trabalho através da apartação do gado, já que o gado fora criado solto nos campos sertanejos, leciona (FILHO, LEITE e LIMA, 2015), quando comenta os trechos de Cascudo.
Orientando o autor que a apresentação em público, ou nos pátios das fazendas, objetivava então ensinar a técnica utilizada nas várzeas para recolher os animais ariscos que escapavam da manada e disparavam pela caatinga.
Destarte, insurgindo primeiramente como atividade acessória e indispensável ao labor no campo, sem a qual se tornaria inviável a tradição agropecuária, e posteriormente sendo emoldurada como manifesto de expressão cultural em consequência das festas de apartação (ANDRADE, 2005).
Os rodeios, por sua vez, com expressões genuinamente americanas, tiveram suas origens nas fazendas do Oeste Americano conduzida pelos “Cowboys” nome dado ao guardador de bois[4], enraizando-se no Brasil em meados dos anos 80 (DIAS, 2000).
No Brasil, orienta o autor, o rodeio modificou-se na modalidade de cutiano, nesse esporte o intuito é o peão durar ao menos 8 segundos em cima do touro, na medida em que efetua esporeadas no animal. Atualmente é utilizada a espora giratória, bem como o sedém, que consiste em uma corda amarrada na região da virilha do animal.
É imperioso destacar, que no Rodeio oriundo do USA é comum a utilização de instrumentos ostensivos de flagelação para açoitar os animais, neste sentido pontualmente destaca (DINIZ, 2018, p. 107): “são praticadas diversas provas de habilidade e força dos peões, que submetem os animais (cavalos e bois) a agressões causadas com sovela elétrica, sedém, sinos, esporas, pontapés, peiteiras”.
Atualmente a vaquejada existe sob a perspectiva de grandes parques de vaquejada[5], como por exemplo o complexo parque Franskim Pedro que está localizado em Maranguape, no Estado do Ceará. O parque, que é considerado de alto padrão, é um do mais recentes e tem capacidade para mais de 50 mil pessoas, só perdendo para Alagoas, Rio Grande do Norte e Pernambuco, onde acontecem shows de forró durante toda a realização do evento.
Gize-se que existem atualmente diversas modalidades da prática do esporte, cujas adaptações possibilitam inclusive encontrar a existência da prática da vaquejada mirim onde a montaria é feita em cabras, por garotos de 11 a 15 anos, a autora (DIAS, 2000) afirma que a cabra é açoitada pelos chamados “abelhas”, nome dado ao iniciante no esporte.
2 A vaquejada do ponto de vista econômico
Algumas associações, como Associação Brasileira de Vaquejada (Abvaq), sustentam que a vaquejada tem um papel econômico bastante influente, e neste sentido buscaram apresentar tal informação no relatório da PEC 50/2016, que discutia a mudança da constituição para elevar a vaquejada a título de patrimônio cultural. Argumentando que a atividade da vaquejada movimentaria R$ 600 milhões por ano, além de gerar cerca de 720 mil empregos diretos e indiretos.
Assim, os que defendem a vaquejada afirmam que a proibição relativa à prática desta teria o condão de prejudicar a economia em diversas regiões, principalmente em grandes centros de vaquejada como em Alagoas, onde cada município teria em média cinco pistas ou parques de vaquejada no total.
Neste panorama, a vaquejada para os que entendem como potencial econômico, se fundamenta na possibilidade de geração de emprego e renda, ainda que se tratem de serviços de caráter temporário.
Entretanto, para Janot (2013), esses dados não podem convalidar a crueldade intrínseca que a vaquejada apoiaria, considerando assim o dever constitucional dos entes federativos de proteção ao meio ambiente.
Neste sentido explicita o PGR (JANOT, 2013, p. 5) “o fato de a atividade resultar em algum ganho para a economia regional tampouco basta a convalidá-la, em face da necessidade de respeito ao ambiente que permeia toda a atividade econômica[6]”.
Igualmente leciona (PAULO e ALEXANDRINO, 2017) que, invariavelmente, não basta somente idealizar a construção de riquezas, quando a natureza desta riqueza for incompatível com a proteção dada ao meio ambiente.
Neste aspecto, os autores nos conduzem a seguinte indagação, se por ora a atividade econômica enquanto geradora de lucro logra êxito em sua finalidade social de distribuição de renda, ao confrontar-se com a defesa do meio ambiente, restaria prejudicada, uma vez que a economia deve estar pautada nos princípios econômicos consagrados pela Carta Constitucional.
3 Dos danos ambientais da prática da vaquejada
O Conselho Federal de Medicina Veterinária, tendo se reunido em audiência na Câmara dos Deputados, onde discutiu os aspectos da vaquejada, manteve seu posicionamento contra a atividade, fazendo menção de que a prática da vaquejada estaria a infligir, inclusive, a Instrução Normativa 03/2000[7] do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, que dispõe sobre a insensibilização de animais em açougue. ()
Assim, o procedimento de abate, pelo menos em tese, estaria a sofrer limitações em detrimento do bem-estar do animal por esta Instrução Normativa, enquanto a prática da vaquejada poderia dispor livremente dos animais para atingir a finalidade do entretenimento.
Entretanto, vale frisar que a discussão sobre o fato de a crueldade resultar em sofrimento ou não em desfavor do animal, não se coaduna com o debate amplamente regrado pela ética, para se evitar discussões menos prósperas.
Assim, melhor leciona o filósofo Naconecy Carlos, quando in verbis nos esclarece que “solicitar provas de que uma foca sofre mesmo quando recebe pauladas do caçador é tão insensato quanto argumentar que não podemos saber se um bebê sofre quando é esbofeteado”. (NACONECY, 2006, p. 115)
4 Vaquejada e o direito a cultura
A cultura na história, sempre se apresentou de diversas maneiras e bombardeada por inúmeras significações, sem falar do profundo interesse das ciências em conceituá-la.
Narra (LLOSA, 2013) que esta trajetória teria sido iniciada na Grécia sob as bases da filosofia, na Roma teria sido floreada pela perspicácia do direito, enquanto o Renascentismo teria sido marcado principalmente pela literatura e pelas artes.
Obtendo no iluminismo, pela revolução idealizada no conhecimento científico, um mínimo de estabilização para compreensão da cultura na sua acepção científica, que para o autor estaria longe de um consenso social, considerando a imensidão das variantes em torno da análise desta.
Sobre as bases dinâmicas do desenvolvimento humano e da sociedade, a cultura é berço de contribuição direta na construção do ser perante a realidade no qual está inserida, fundamentada pela dignidade da pessoa humana, da sociedade livre, solidária e justa (CUNHA, 2013).
Este cenário narrado pelo autor evidência que a cultura além de atuar como vetor no contexto de representação de uma coletividade, influi também na forma que o indivíduo constrói sua personalidade perante o berço social.
Esses valores são inteiramente razoáveis por não estarem dissociados da compreensão do direito à cultura, aliada ao exercício pleno da cultura nacional, assim como tem abrigo na CF (1988) consoante, art. 215.
A diversidade e a complexidade de expressões nesta seara farão sempre crer na existência de culturas. A convivência entre elas, com as suas peculiaridades e até permeabilidades possíveis, deverá sempre contar com a proteção e as garantias diversas oriundas da lei, e do direito criado pelo Estado.
A existência e o reenquadramento de novas práticas culturais, conforme defendem alguns autores, compreendem uma constante atualização, haja vista que os processos culturais não são estáticos, conforme preceitua o argumento trazido por (LARAIA, 2000), de que o tempo estaria como um elemento em destaque, isto é, quando se concebe sob objeto de análise.
Além disso o antropólogo explicita que as mudanças são muito mais comuns do que se imagina, porém, tais mudanças não são pacíficas, pois cada mudança, por menor que seja, representa o desenlace de numerosos conflitos. Isto porque em cada momento as sociedades humanas são palco do embate entre as tendências conservadoras e as inovadoras.
Tais mudanças inseridas no plano cultural de uma sociedade, como explica (LARAIA, 2000), trarão reflexões positivas ou negativas, haja vista tendências conservadoras e inovadoras. A positividade e dinamicidade de fatores históricos traz à tona cogitações novas, percepções de mundo ainda não compreendidas pela sociedade.
Assim a vaquejada afastou-se da sua forma tradicional ganhando aspectos culturais novos, pelo fato de que tal prática deixou o contexto de mão de obra, razão de ser da vaquejada no passado, tornando-se atualmente espetáculo e diversão, nos famosos parques de vaquejada.
Fazendo nascer a discussão antropológica do que se pode conceber como cultura, tomando por base sua finalidade precípua, em torno dos aspectos que nos permite compreender a vaquejada como continuação da cultura nordestina ou metamorfose da origem histórica depreendida anteriormente.
Nesse sentido é imperioso destacar como esclarece (CUNHA, 2013), que não basta ser antigo para ser considerado cultura, sendo necessário desenhar um cenário onde seja possível considerar os impactos provocados no futuro, evitando, como o autor afirma, um encargo de tradição.
Para sedimentar melhor a ideia, vale a pena considerar dos autores (FILHO, LEITE e LIMA, 2015) as implicações consequentes do binômio cultura e natureza, que, conforme os autores, estariam num patamar de superação, quando é real a necessidade de construção de manifestações culturais harmônicas entre si, motivada pela atualização do que compreendemos por histórico-cultural.
Ademais, a distinção pontual melhor leciona (MIRANDA, 2016), ao fazer referências sobre o que é claramente a diferença antropológica de cultura, em relação a sua conceituação jurídica, haja vista estarem os dois conceitos em patamares diferentes no plano da realidade.
Na sua conceituação jurídica, a cultura seria mais restritiva, haja vista que para uma manifestação cultural se adequar à constituição vigente ela teria que passar por uma análise minuciosamente rigorosa entre o seu fundamento e o fundamento contido na Carta Magna, onde posteriormente esta cultura se enquadraria no status de conformidade com a constituição.
Não bastando assim apenas o aspecto meramente cultural, deve se então analisar os efeitos decorrentes da inserção de uma prática como cultural, guardando harmonia com os preceitos normativos em vigência, para se verificar se o conceito cultural resiste aos filtros existentes na edição da norma.
Pondera (SARLET e FENSTERSEIFER, 2017) que a base do equilíbrio ecológico está fundada sob o princípio da solidariedade intergeracional, uma vez que, as gerações futuras estariam em um patamar de vulnerabilidade, necessitando de amparo da geração presente para preservar a qualidade ambiental dos que nos sucedem.
Helena Diniz, nos explica além disso, o papel fundamental, que é desenvolvido pela Fauna nativa, conforme acentuou ipsis litteris: “(...) há uma teia infinita de relações, por existir uma interdependência entre os fatores antrópicos, bióticos e abióticos”. (DINIZ, 2017)
Vale salientar que o dever de proteção disposto pelo artigo supracitado tem por característica trazer que estaria o Poder Público incumbido de proteger a fauna e a flora, vedando, na forma da lei, quaisquer práticas que coloquem em risco a função ecológica, provocando a extinção de espécies ou submetendo os animais à crueldade. Isto posto, dentro de uma amplitude que não fez restrição somente a tutela à fauna silvestre, ao revés, previu de maneira expressa que estaria fazendo menção a todos os animais.
Neste sentido, harmonizando-se com o ordenamento jurídico penal, tendo em conta a previsão expressa de cominação de pena na referida lei de Crimes Ambientais, Lei nº. 9.605/98, que dispõe em seus artigos: ()
Art. 32. Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
§ 1º Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§ 2º A pena é aumentada de um sexto a um terço, se ocorre morte do animal.
Dessa maneira, segundo (DINIZ, 2018), o art. 32 da Lei n. 9605/98 traz em suas elementares, quatro hipóteses em que o crime será praticado, quais sejam, o ato de submete-lo a abusos ou exageros, maltrata-lo, feri-lo e ocasionar-lhe a morte com intencionalidade.
Desta forma, para autora supracitada, o ato de submissão do animal a cargas exageradas como acontecem com os cavalos utilizados para desempenho de trabalho fora das condições naturais, animais submetidos a espetáculos ou qualquer ato que viesse a lesionar a integridade dos animais com intencionalidade, já estão aptos a configurar o ilícito criminal do artigo em comento.
Conforme diversos diplomas legais, é possível perceber que existe uma dimensão ampla de dispositivos em que a tutela animal se faz presente, seja reconhecendo sua vulnerabilidade censurando atos cruéis, como ao dispor objetivamente reprovando condutas que imponham suplício aos animais, compreendendo a existência da vulnerabilidade animal.
E quando tratamos da vaquejada a discussão se torna ainda mais estreita considerado os aspectos técnicos em que o esporte se apresenta. Por exemplo, quando chamou atenção o ocorrido em Serrinha na Bahia, quando durante um dia de atração do grande parque de vaquejada de Alto Sereno, no ano de 2015[8], um boi, que segundo o noticiário, teria passado o dia inteiro tentando fazer a mesma coisa, sofreu o que se chamaria de desenluvamento[9] que é, nada mais, nada menos, que o nome técnico dado ao arrancamento do rabo.
5 Ação Direito de inconstitucionalidade 4.983.
Tais alegações, conforme já se esperava, fizeram com que, no dia 17 de março de 2013, a Procuradoria Geral da República, órgão superior do ministério público, por meio do Procurador Geral Roberto Monteiro Gurgel Santos, desse início à ação direta de inconstitucionalidade contra a referida lei, sob o prisma já explicitado no STF, com número de autuação de ADI 4.983, e tendo como relator o Ministro Marco Aurélio.
A apreciação deste caso na corte teve fundamentalmente que enfrentar a consideração do seu aspecto como cultura, conforme aqui já foi apontado, como também a natureza e os reflexos da sua atividade propriamente dita.
Basicamente, norteando-se nos seguintes termos do que se extrai da inicial, o enfrentamento encara as seguintes perspectivas: o conflito entre a preservação do meio ambiente como também a proteção conferida ao comportamento cultural como expressão da pluralidade. A efetiva prática da vaquejada, ou seja, sua análise empírica na perspectiva atual do meio ambiente; e quais os limites jurídicos da cultura.
Toda fundamentação contida na ADI, procura delinear os aspectos históricos da vaquejada levando em consideração que se trata de prática cultural que adveio na necessidade nordestina de separar o gado dos fazendeiros, algumas vezes para o comércio, hoje consistindo na técnica em que, dois vaqueiros tentam, à cavalo, derrubar o boi numa área já demarcada.
Entretanto, de acordo com a manifestação do PGR Rodrigo Janot, a prática estaria em desacordo com o art. 225, § 1.º, VII, da Constituição da República, nos fundamentos de que a vaquejada, inserida hodiernamente como prática desportiva e cultural, desestabiliza a proteção constitucional ao meio ambiente, argumentando-se a existência de danos consideráveis aos bovinos e tratamento evidentemente cruel e de caráter abusivo aos seres vivos ali submetidos.
Na tentativa de harmonizar o conflito, o relator procura dar ênfase ao que concerne a compreensão do papel cultural em exercício, sopesando o nível de sacrifício até então suportado pela sociedade contemporânea na efetivação dos direitos dos animais.
Ainda nos termos do relator Min. MARCO AURÉLIO, ainda que presente o elemento cultural, a ideia de um comportamento sobriamente ecológico, pautado em uma conduta de equilíbrio do meio ambiente paralelamente ao homem, estaria em sobreposição à manifestação cultural lesiva ao meio ambiente.
Na tentativa de se melhor compreender a atividade, restringiu-se o ministro relator a analisar o ato praticado pelo vaqueiro, asseverando que:
Consoante asseverado na inicial, o objetivo é a derrubada do boi pelos vaqueiros, o que fazem em arrancada, puxando-o pelo rabo. Inicialmente, o animal é enclausurado, açoitado e instigado a sair em disparada quando da abertura do portão do brete. Conduzido pela dupla de vaqueiros competidores vem a ser agarrado pela cauda, a qual é torcida até que caia com as quatro patas para cima e, assim, fique finalmente dominado.
Além disso, o Ministro Marco Aurélio procurou asseverar a existência de laudos técnicos juntados pelo PGR, constantes dos autos da ADI, no intuito de esclarecer que o ato de tração forçado do rabo do boi, seguido pela queda, é ato extremamente lesivo, que vai de lesão nas patas até a possibilidade de lesões em nervos espinhais, causando além de imenso sofrimento físico, imensurável sofrimento mental ao animal, registrando a presença não rara de choques elétricos no intuito de que o animal saia em disparada. ()
Inaugurando a primeira divergência o Ministro Edson Fachin[10] relata que a vaquejada representa parte de um processo civilizatório, quando explicita, que “a noção de cultura é uma noção construída, não é um a priori, como aliás está na obra de Tânia Maria dos Santos” (STF, 2016, p. 14), que para este, a prática significa a noção de algo mais amplo de meio ambiente.
Para o ministro, a simples transformação cultural faz parte de um processo de transformação do povo, considerando os aspectos culturais da sociedade brasileira, além de destacar a característica pluralista e aberta, na qual estaria ligado o brasileiro, assim tendo explicitado que.
Neste sentido para no entendimento do Ministro há de se favorecer-se a uma ampliação do sistema cultural[11], merecendo amparo constitucional contido no § 1º do art. 215 da Constituição Federal, além de considerar que a prática da vaquejada para este não estaria em pé de igualdade a farra do boi à rinha de galos, não havendo assim necessidade de maior amparo.
Findo os votos, por 6 votos a 5, os ministros julgaram procedente a Ação Direta de Inconstitucionalidade de nº 4.983, impedindo a possibilidade de regulamentação da vaquejada no Estado do Ceará, considerando que sua regulamentação estaria ferindo princípios constitucionais de preservação do meio ambiente.
Longe de enterrar a discussão promovida às margens de uma tentativa de regulamentar o tema no Estado de maneira pacífica, o tema endereça debates profundos acerca dos direitos animais.
6 Mudança de paradigma na relação homem e animal.
Nos termos do que propõe (SILVA, 2013), assistimos a uma verdadeira mudança no paradigma de superação do homem, fruto do movimento pós-humanista, neste seguimento o homem nega a complexidade das relações do mundo em que está inserido, alimentando, por sua vez, uma verdadeira crise perante a globalidade.
As reações humanas, no contexto do que discorre o autor, acabam por chacoalhar as relações coletivas, pois o modelo proposto pela pós-modernidade já não comportaria a vontade humana em seu panorama de superação, não sendo diferente com a relação do homem com o animal não-humano.
Enquanto (DIAS, 2000) afirma que a crise apresentada é o resultado de uma cosmovisão, uma preocupação que se emerge da necessidade de uma visão holística sobre o mundo. Explica também, que é graças a esse novo paradigma de compreensão da realidade que surgiram teorias como a da Relatividade de Albert Einstein, Teoria da Eletrônica, de Faraday Maxwell, Teoria dos Quanta, de Max Plank entre outras.
Assim como o autor (NUNES JÚNIOR, 2017) também pontua precisamente, que a mudança de paradigma não ocorreu somente em relação aos animais, assim, em tempos não muito distantes, o homem teve que mudar a forma de relacionar-se inclusive em relação ao seu semelhante, considerando que a abolição da escravatura, somente teve seu declínio no final do século XIX.
Conforme, trata (DINIZ, 2018) ao citar Tápia[12], a forma em que o homem se relacionava com os animais mudou tanto que atualmente a agressão voltada aos animais, representa para alguns estudos da Medicina um alerta de sinal vermelho, simbolizando as famílias e autoridades a necessidade de intervir no intuito de que o ofensor seja identificado e educado antes que se desenvolva atitudes mais violentas.
O contexto evidenciado por ele propõe uma análise de mudanças que expressa demasiada sutilidade, sobrepondo ainda mais as lacunas que a teoria possa confrontar, além de esclarecer a delicadeza em que a consciência humana se encontra.
Neste espectro, o Estado de São Paulo avançou prodigiosamente contra a violência animal, e isso tem se dado em detrimento da lei n. 16.303/2016. Esta lei Paulista se destacou pela criação de um portal eletrônico, para atendimento de ocorrências envolvendo animais, que distribuirá as delegacias locais a apuração dos crimes. ()
Para (MIRANDA, 2016) uma vez reconhecida a existência de direitos fundamentais em conflito aparente, e neste aspecto, embora diante da presente manifestação cultural, a discussão do ponto de vista jurídico é profundamente séria, haja vista que a situação sopesada irá implicar em crueldade contra animais.
Ademais, na mesma linha o autor supramencionado explica que deveria prevalecer no âmbito das duas proteções, as legislações e princípios que entonassem de maneira mais agradável a proteção do meio ambiente, considerando que, do ponto de vista do meio ambiente, este irá favorecer a manutenção das condições ecológicas em função de que as gerações futuras possam desfrutar do meio ambiente equilibrado.
7 Emenda constitucional nº 96/17 e seus reflexos
Não obstante o fato de uma lei ordinária deslocar a matéria considerada inconstitucional para o campo da constitucionalidade, a fragilidade em que se encontrava a Lei 13.364/2016 obrigava respaldo legal mais sólido para o exercício da vaquejada.
Para que tal regulamentação não viesse a ser objeto de nova ADI, questionando novamente a legalidade da regulamentação da vaquejada, bastando apenas submissão ao STF, surge a emenda constitucional nº 96 de 2017.
Assim a EC 96/17 alterou a Constituição fazendo inserir mais um parágrafo, passando a dispor da seguinte maneira:
Art. 225. (...)
§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos.
Vale lembrar, que o fato de a matéria, até então decidida em sede de ação direta de inconstitucionalidade, vincular todos os órgãos do Poder judiciário, além de toda a administração pública, não impõe ao legislativo a impossibilidade de legislar sobre o tema novamente, evitando com isso o que a doutrina chama de “Fossilização” da atividade legiferante (NUNES JÚNIOR, 2017).
Destarte, tal esforço de superação legislativa se apresenta de maneira cristalina, tendo por objetivo recuar o atual entendimento do STF, dando abertura a um profundo debate sobre a relação poder judiciário e legislativo, e o ativismo judicial.
Para o Min. do STF, Alexandre Moraes, é importante que haja um equilíbrio entre as esferas de poder, assim harmonizando o pragmatismo jurídico e a passividade judicial, com vistas a se obter, da Corte Constitucional, uma atuação sem dimensões, amplas de subjetivismo, afastando-se cada vez mais de questões eminentemente políticas, consoante menciona in verbis “interferindo excepcionalmente de forma ativista, mediante a gravidade de casos concretos colocados e em defesa da supremacia dos Direitos Fundamentais.” (MORAES, 2017 , p. 549)
O ativismo judicial embora tenha por base a concretização de direitos fundamentais, é visto por uma parcela da doutrina como exercício antidemocrático, haja vista que somente uma parcela da população tem acesso a esses direitos. Nesse sentido Dworkin afirma, “ativismo é uma forma virulenta de pragmatismo jurídico. (DWORKIN, 1999, p. 451)
Dworkin (1999) acredita que embora o ativismo seja, aparentemente, uma teoria atraente quanto ao fortalecimento da atividade jurisdicional em sobreposição ao pensamento político majoritário, trar-se-ia consequências negativas, quando viabilizara-se por exemplo, a possibilidade de o juiz ativista ignorar a Constituição para impor ao Estado poderes outros, cuja Carta Magna não lhe guarde semelhança.
Para (NUNES JÚNIOR, 2018, p. 87) “não se deve confundir “ativismo judicial” com maior protagonismo do Poder Judiciário”. Tendo em vista que a crescente atuação do Judiciário é decorrência intrínseca do Neoconstitucionalismo.
Nesta esteira, prossegue o autor buscando explicar que é relevante ter por destaque que o movimento Neoconstitucionalista liderado por Konrad Hesse[13], citado pelo autor em “A Força Normativa da Constituição”, acentua o papel do Judiciário que tem por dever resguardar que a Constituição permaneça dotada de Normatividade.
Deste modo, o autor destaca o protagonismo sobressalente da Corte Constitucional, como um processo natural e positivo, vez que é possível extrair-se um “avanço na implementação dos direitos fundamentais e na consecução de sua função contra majoritária assegurando os direitos fundamentais de uma minoria” (NUNES JÚNIOR, 2018, p. 87).
Assim, diferentemente acontece no crescente protagonismo judicial. O ativismo tem como consequência o efeito “Backlash”, que por sua vez nos ensina (LIMA, 2015, p. 2) “é uma reação adversa não desejada à atuação judicial. Para ser mais preciso, é, literalmente, um contra-ataque político ao resultado de uma deliberação judicial”
Entretanto, é necessário incrementar, que o processo político, de acordo com (BUNCHAFT, 2014), quando em seu exercício legislativo, se dispersa da atuação democrática sem buscar o conhecimento real dos interessados, inexoravelmente teremos a provocação do Judiciário, com vistas a estabelecer interpretações constitucionais em amplitude com movimentos sociais, inclusive decidindo quando necessário de maneira minimalista.
Nessa lógica, o autor explica que as intervenções judiciais recorrentes na tutela dos direitos fundamentais surgem em contrapartida ao desinteresse legislativo, em racionalizar o debate sopesando os interesses de uma democracia.
Nesta senda, o constitucionalista (NUNES JÚNIOR, 2018) apregoa pontualmente que a emenda 96/2017, ao acrescentar mais um parágrafo ao art. 225 da CF (1988), exprime claramente o efeito backlash, que para este representa enorme retrocesso ao direito dos animais, em detrimento da diversão humana.
O autor também explica que esta emenda não se reveste da proteção constitucional, vez que se apresenta, formalmente e materialmente, inconstitucional. Visto que sob a ótica do processo de emenda à constituição, não obstante, o fato da Carta Magna (1988) não estabelecer um intervalo mínimo para votação de emendas pelas respectivas casas, teria o Senado Federal infringido o Regimento Interno da referenciada casa parlamentar.
Prossegue o autor, acentuando que o objetivo da supradita casa, nos exatos termos, seria:
(...) evitar que o Congresso Nacional, modifique, de inopino, de forma irrefletida, a Constituição Federal. Ora, quando uma Casa parlamentar viola o Regimento Interno nessa intensidade, não viola apenas a Constituição Federal, mas indiretamente ou reflexamente a própria Constituição Federal. (NUNES JÚNIOR, 2017, p. 814).
Por outro lado, estaria a emenda 96/2017 materialmente eivada por inconstitucionalidade, devido aos seguintes argumentos explanados pelo mesmo autor, os autos da ADI 4.983 retratam a colisão de direitos fundamentais entre cultura e o meio ambiente ecologicamente equilibrado, nesta perspectiva, a Emenda supracitada ao retroceder em matéria de direitos e garantias individuais, feriu frontalmente ao que se denomina de cláusula pétrea[14].
Importa lembrar que o Estado ao dispor sobre a tutela ambiental não possui discricionariedade, devendo sempre que possível entonar a proteção ambiental, desse modo: “Os deveres de proteção ambiental conferidos ao Estado vinculam os poderes estatais ao ponto de limitar a sua liberdade de conformação na adoção de medidas atinentes à tutela do ambiente”. (SARLET e FENSTERSEIFER, 2012)
Neste sentido, o autor pondera que dentre os limites estabelecidos ao poder Constituite Reformador, destaca-se o que diz respeito a proteção ambiental, assim nos esclarece in verbis:
Nesse sentido, vale ressaltar a inserção da proteção ambiental no rol dos conteúdos permanentes da nossa ordem constitucional, o que se deu com a sua consagração como direito fundamental, conferindo-lhe, inclusive, o status de “cláusula pétrea”. (SARLET e FENSTERSEIFER, 2012, p. 145)
Deste modo, a proibição do retrocesso de acordo com o autor, atua sobremaneira como obstáculo imposto ao legislador, diante da atuação em desconformidade como panorama ambiental disposto na Constituição vigente.
Vale destacar também, a existência duas novas ADI’s tratando sob a emenda 96/2017, do mesmo ano da promulgação desta emenda de nº 5.728, ajuizada em julho de 2017 pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa animal, e a 5.772, de setembro de 2017, movida pela PGR, que além de impugnar matéria infraconstitucional que disponha sobre a vaquejada, impugna sobretudo a EC 96/2017.
Na ação direta de inconstitucionalidade proposta de nº 5.772 proposta pela Procuradoria Geral da República, tem se por fundamentação a limitação material ao poder constituinte de reforma assim sendo o disposto no §§ 1º a 4º do art. 60 da Constituição da República de 1988.
Igualmente, defendeu o PGR Rodrigo Janot nesta ADI, que a emenda assim como fundamentou nos autos da ação direta de inconstitucionalidade 4.983 ao impor que não se considerassem cruéis práticas desportivas de contexto cultural como a acontece com a vaquejada, estabeleceu conceito vago, para melhor analise analisemos ad litteran:
A Emenda Constitucional 96, de 6 de junho de 2017, ao não considerar cruéis práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam “manifestações culturais” (e este é conceito extremamente vago, no qual múltiplas práticas podem ser inseridas), colide na raiz com as normas constitucionais de proteção ao ambiente e, em particular, com as do art. 225, § 1º, VI, que impõe ao poder público a proteção da fauna e da flora e veda práticas que submetam animais a crueldade (inciso VII). A norma promulgada pelo constituinte derivado contraria recente decisão do Supremo Tribunal Federal que as- sentou a inconstitucionalidade das vaquejadas e definiu que “a obrigação de o Estado garantir todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade”.
Assim, o PGR além de destacar que a norma em objeção afronta matéria em que o STF já haveria pacificado denota grave erro, ao passo que a inserção de múltiplas práticas poderem ser consideradas como culturaisd, aventaria por exemplo a possibilidade de se discutir novamente a farra do boi e as rinhas de galo, que por sua vez também tinha por fundamento defensivo o contexto cultural de suas respectivas regiões
Portanto, sendo premente a necessidade que se aguardar qual será o posicionamento do Supremo Tribunal Federal no que atine a consagração destas duas novas ADI’s, porquanto anteriormente a discussão da ADI 4.983 longe de estancar a chama até então inflamada, trouxe à tona o novo panorama ambiental.
Considerações finais
Notadamente, o presente artigo buscou traçar os principais pontos acerca da constitucionalidade da prática da vaquejada e dos limites jurídicos da cultura.
Importa destacar, que o tema em analise além de recente, inaugura um novo paradigma de proteção ambiental. E neste ponto a atualidade do tema enriqueceu de maneira profunda a discussão posta neste artigo.
Ressalta-se que frente ao cenário do pós-humanismo, a relação homem e animais não-humanos consequentemente ganhou novos contornos, exigindo que além da sociedade, o legislativo cumpra o papel democrático que lhe assiste, concebendo regulamentação fidedigna ao direito dos animais não-humanos.
Haja vista, que a concepção de animal como máquina, que teria por finalidade ser explorada pelo homem, não se configura com o panorama até então evidenciado pela sociedade no momento atual.
E no que concerne às questões culturais em torno da pratica da vaquejada é relevante destacar a mudança evidenciada, como salienta (FILHO, LEITE e LIMA, 2015), as vaquejadas em uma determinada época gozavam da participação de uma parcela significativa do povo ligado ao contexto cultural em que se aflorava.
Assim é notável a necessidade de que o Estado, em seu múnus deve encontrar o melhor caminho que corresponda à cultura e à proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado, uma que vez que não poderá se manter o discurso contraditório das agressões infligidas aos animais, para que se alcance a finalidade da cultura e da economia.
A guisa de exemplificação, a ADI 4.983 intentada com o objetivo de judicialmente dar às discussões soluções jurídicas sob o tema da vaquejada, no intuito de diminuir os impactos na sociedade resolvendo erga ommnes, tanto no que diz respeito ao âmbito do grau de lesividade da vaquejada, como sobremaneira nos campos de incidência necessária ao que concerne o direito ambiental, não pacificou o tema.
E passou longe disso uma vez que que como fora anteriormente explicitado, a referida discussão no que concerne a ADI 4.983, reaparece nos autos das ADI’s nº 5.728, ajuizada em julho de 2017 pelo Fórum Nacional de Proteção e Defesa animal, e a 5.772, de setembro de 2017, movida pela PGR, impugnando a EC 96/2017. ()
E neste ponto, o protagonismo sobressalente da Corte Constitucional, representa positivamente esta mudança de paradigma, uma vez que não se trata de reação adversa e sim como afirmamos anteriormente um “avanço na implementação dos direitos fundamentais e na consecução de sua função contra majoritária assegurando os direitos fundamentais de uma minoria” (NUNES JÚNIOR, 2018, p. 87).
Entretanto, a alteração legislativa da emenda 96/2017 inegavelmente teve por consequência uma enorme resistência no campo social para pacificação da vaquejada, conforme já explicitado, suas implicações são muitas, mais vastos ainda são os seus efeitos, quando existe inclusive tipos penais incriminadores versando sobre a tipicidade do ato.
E neste espectro, não se pode olvidar, conforme acentua (DINIZ, 2018), a disposição de um animal a situações de maus-tratos, sacrifício fora da finalidade alimentícia e a submissão a situações excessivas de estresse, com exceção das situações sinantrópicas, inegavelmente constitui crime. E por isso estamos diante de uma preocupação ético-juridica.
Por conseguinte, acentua a autora brilhantemente:
Se se constatar crueldade em rodeio configurado restara, o crime previsto no art. 32, da Lei n. 9.605/1995. As pessoas físicas ou jurídicas que causarem danos aos animais deverão responder penal (art. 32 Lei n. 9.605/98) e administrativamente (art. 7º, I a III da Lei n. 10.519/2002), independentemente da responsabilidade civil, que é objetiva. (...) O trabalho animal só poderá ser utilizado desde que não haja dano à sua saúde ou bem estar. (DINIZ, 2018, p. 108 e 110)
Neste ponto, conforme explicou anteriormente (SILVA, 2013), a ponderação dos interesses dos animais não pode ficar encarregada apenas pelo campo da moral, dado que o artigo 225, §1º, VII, ao prescrever vedação à crueldade, permitiu interpretação no sentido da existência da individualidade dos animais, eclodindo num processo de modificação do status jurídicos dos animais.
Ademais, embora tenha o Ministro Edson Fachin relatado nos autos da ADI 4.983, que a vaquejada representa um processo civilizatório, quando explicitou, que “a noção de cultura é uma noção construída, não é um a priori, como aliás está na obra de Tânia Maria dos Santos”. (STF, 2016, p. 14).
Deve este processo civilizatório respaldar-se em um contexto normativo, e não meramente cultural recreativo, assim sacrificando algumas de suas práticas quando evidentemente contrastar com a proteção disposta no texto Constitucional.
Dessa forma, uma vez que o meio ambiente ecologicamente equilibrado, se apresente como imprescindível, cabe a todas as esferas de centralização do poder respeitar e conservar garantido o acesso pleno das gerações presentes e futuras.
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[1] Eleva o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial.
[2] Disponível em https://www.dicio.com.br/apartacao/. Acesso em 04 janeiro 2017.
[3] Disponível em <https://www.priberam.pt/dlpo/barbatão>. Acesso em 04 janeiro 2017. ()
[4] Disponível em < https://www.priberam.pt/dlpo/cowboy>. Acesso em 21 de Fevereiro de 2018.
[5]Parques e haras se modernizam para novos tempos de vaquejadas, 2017 Disponível em: http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/regional/parques-e-haras-se-modernizam-para-novos-tempos-de-vaquejadas-1.1832821>. Acesso em: 31 de abril 2018. ()
[6] Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: VI defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003) [...]”. (BRASIL, 1988)
[7] Dispõe sobre os requisitos mínimos para a proteção dos animais de açougue e aves domésticas.
[8]O boi teve o rabo arrancado: proibição da vaquejada abre polêmica Disponível em:< http://www.bbc.com/portuguese/brasil-37830658> Acesso em: 09 janeiros 2018. ()
[9] Disponível em https://www.linguee.com.br/portugues-ingles/traducao/desenluvamento.html. Acesso em 09 janeiro 2017. ()
[10]Manifestação Min. Edson Fachin, no julgamento da ADI 4.983. Disponível em <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/ADI_4983.pdf> () Acesso em: 09 janeiro 2018. ()
[11] Art. 227, CF (1988). É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”.
[12] TÁPIA, Fernando. Children who are cruel to animals. RANDALL, LOCKOOD e ASCIONE (coord.). Cruelty to animals and interpersonal violence: reading in research and application. Indiana: Purdue University Press, 1997. ()
[13] Konrad Hesse. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991. ()
[14]Art. 60. § 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: I - a forma federativa de Estado; II - o voto direto, secreto, universal e periódico; III - a separação dos Poderes; IV - os direitos e garantias individuais.
graduanda do curso de Direito pela Faculdade Pio Décimo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, RAYNAN PAULO APARECIDO SILVA DE. A inconstitucionalidade da prática da vaquejada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2022, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58752/a-inconstitucionalidade-da-prtica-da-vaquejada. Acesso em: 25 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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