RESUMO: A teoria da perda de uma chance vem sendo cada vez mais aplicada nos tribunais brasileiros, principalmente nas Regiões Sul e Sudeste. O Superior Tribunal de Justiça já proferiu algumas decisões importantes que corroboraram para um melhor entendimento da aplicação da teoria. O famoso e emblemático caso do “Show do Milhão”. A elaboração desta pesquisa, feita por intermédio de método de revisão bibliográfica, partiu da premissa de analisar a possibilidade ou impossibilidade de se estabelecer critérios objetivos quando do cálculo do valor indenizatório, tendo em vista a aplicação desta teoria no Brasil como resultado da evolução da sociedade e da responsabilidade civil, viabilizando a reparação por danos antes não abarcados pelo ordenamento jurídico brasileiro. A pesquisa abordou a aplicação da teoria no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo observou que a responsabilidade civil pela perda de uma chance é um instituto recente na doutrina, havendo divergências quanto ao quantum indenizatório. No estudo se encontra a lição de Sérgio Savi, o qual ressalta que o critério mais adequado para quantum indenizatório consiste no cálculo da probabilidade. Observou-se que essa é a tendência mais acertada.
Palavras-Chave: Perda de uma Chance. Responsabilidade Civil. Quantum indenizatório.
O presente trabalho acadêmico, cuja linha de pesquisa é na área da responsabilidade civil, possui a seguinte temática: a (im)possibilidade de se estabelecer critérios objetivos para fixar o valor de indenização pela perda de uma chance.
Explica-se, de início, que a doutrina e a jurisprudência, mesmo diante da ausência de texto expresso no Código Civil, vêm admitindo a aplicação da Teoria da Perda de uma Chance. Entretanto, tem-se como ponto de divergência, tanto na doutrina como na jurisprudência, a questão que se refere ao momento da fixação do quantum indenizatório. Nesse sentido, o presente trabalho delimitar-se-á na investigação de qual ou quais critérios devem ser adotados ao calcular o valor da indenização.
A teoria da perda de uma chance (perte d’une chance) nasceu na França na década de 60 e é bastante aplicada na Itália e nos Estados Unidos. No Brasil, sua aplicabilidade é ainda recente sem previsão no Código Civil, tendo respaldo apenas na doutrina e jurisprudência.
A indenização é relacionada ao instituto da responsabilidade civil. Historicamente, com as constantes transformações da sociedade, surgiram concomitantemente diferentes maneiras de se ressarcir o indivíduo lesionado. Não obstante a longa modificação, o ilícito, desde os primórdios da Lei de Talião, onde a culpa era irrelevante, sempre foi objeto de litígio do Direito. Naquela época, pautavam-se as regras pelos costumes e a reparação do dano se dava de forma desproporcional e vingativa, originando-se a popular expressão “olho por olho, dente por dente”. Hoje, com a intervenção do poder público, aquele que lesionar direito de outrem, responderá com seu patrimônio os prejuízos que der causa, de forma razoável e proporcional, trata-se da chamada responsabilidade civil.
A Teoria da Perda de uma Chance foi introduzida no Brasil como uma nova modalidade de dano, no entanto, diante da falta de normatização no Código Civil Brasileiro, enfrenta grandes dificuldades quanto aos critérios utilizados ao se vislumbrar o “quantum debeatur”, gerando conflitos e polêmicas nos tribunais.
O tema apresentado possui grande relevância jurídica, pois estende a atuação do instituto da responsabilidade civil, uma vez que torna possível a indenização da vítima por um novo tipo de dano, fazendo-se imprescindível uma ampla e merecida discussão, já que a teoria da perda de uma chance tem sido cada vez mais aplicada e ainda não possui previsão legal.
Por fim, verifica-se que a teoria da perda de uma chance foi efetivamente aceita no ordenamento jurídico brasileiro, mas que vem enfrentando dificuldades devido à falta de regulamentação e de critérios para que se estabeleça o valor indenizatório.
2 RESPONSABILIDADE CIVIL PELA PERDA DE UMA CHANCE
2.1 DEFINIÇÕES DA PERDA DE UMA CHANCE
Hodiernamente através do processo evolutivo do instituto da responsabilidade civil, surge a teoria da perda de uma chance como evolução da própria responsabilidade civil, precipuamente aplicada pela doutrina francesa. A Teoria da Responsabilidade Civil pela Perda de uma Chance surgiu e se expandiu, inicialmente, na França, com aplicação em casos de responsabilização de erro médico.
A responsabilidade pela chance perdida visa à indenização de uma possibilidade de vantagem que foi perdida. Posteriormente, doutrina e jurisprudência de outros países europeus passaram a adotar a teoria, a Itália a exemplo, a princípio resistiu a aplicação desta nova teoria nos casos de responsabilidade civil. A reparação cível pela perda de uma chance visa proporcionar uma reparação indenizatória à vítima que se vê privada da oportunidade de obter um lucro ou de evitar uma perda, baseada em fundamentos reais e não meramente hipotéticos, haja vista que se deve tratar de uma chance séria, onde a probabilidade de se obter o êxito esperado seja superior a cinquenta por cento em lográ-lo (CAVALIERI, 2018, p. 78).
Neste trabalho se tratará do estudo da teoria clássica da perda de uma chance, e não da teoria da perda de uma chance de cura, todavia, a título de esclarecimento, a teoria da perda de uma chance de cura é aplicada a casos ligados a medicina, e a impossibilidade de cura ou sobrevivência em decorrência de erro médico. Na França a partir dos anos 60 essa teoria ganhou força, impondo ao médico que age com culpa e faz com que seu paciente perca a possibilidade de cura ou de sobrevivência, a obrigação de indenizar, todavia parcial com respeito ao prejuízo final constituído pela morte ou incapacidade. Essa teoria é denominada por perte de chance de guérison ou de survie (SANTOS, 2018).
Assim, a teoria analisada no presente trabalho é a que considera um tipo de dano autônomo, representado pelas chances perdidas, enquanto a teoria da perda de chance de cura normalmente é embasada na causalidade parcial que a conduta do réu representa em relação ao dano final (SILVA, 2018).
Segundo Sérgio Savi (2015, p. 43), o termo chance é relacionado à oportunidade. Os julgados franceses na França fomentaram questionamento acerca da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance em outros países da Europa, inclusive no Brasil.
Carlos Roberto Gonçalves também confirma que a teoria da perda de uma chance teve suas origens na França. A construção dessa hipótese – o dano derivado da “perda de uma chance”– deve-se à jurisprudência francesa desde o final do século XIX.
No Brasil as decisões dos Tribunais, quando se deparam com o caso concreto da perda da oportunidade, na sua maioria tem reconhecido o valor patrimonial da chance por si considerada como um dano diverso da perda da vantagem esperada, exatamente como preconizado pela teoria desenvolvida na França e utilizada na Itália. Portanto, o reconhecimento e aplicação da teoria da perda de uma chance busca estender o campo da responsabilidade e a proteção à vítima que, em determinadas situações, se vê privada da oportunidade de conseguir determinada vantagem ou evitar eventuais prejuízos.
Atualmente, à entendimento doutrinário sobre a teoria da perda de uma chance, tem sua origem na França, mais especificamente com julgados da Corte de Cassação Francesa, que chegaram na concepção da teoria clássica da perda de uma chance, mormente com a distinção entre resultado perdido e a possibilidade ceifada de conseguí-lo (SANTOS, 2018).
Miguel Kfouri Neto (2017) conclui a respeito da perda de uma chance ao mencionar Jorge Sinde Monteiro, que a teoria da perda de uma chance começou a ser aplicada na França no início dos anos 60, através de corrente jurisprudencial que foi consolidada à partir de 1965, que impôs a um médico que, agindo com culpa, fez com que o paciente perdesse uma possibilidade séria de cura ou de sobrevivência, impondo a obrigação parcial de indenização, considerando o prejuízo final constituído pela morte ou incapacidade. Atualmente, embora sua aceitação esteja consolidada pela jurisprudência francesa, a teoria da perda de uma chance ainda é tema de discussão na jurisprudência e pela doutrina. Vale salientar, mais uma vez, que os julgados franceses e a discussão doutrinária neste País fomentaram questionamento acerca da teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance em outros países da Europa. (SANTOS, 2018).
A teoria da responsabilidade civil por perda de uma chance foi objeto de estudo na Itália, vários juristas deste país discutiram a teoria, em 1940 o professor Giovanni Pacchioni, em sua clássica obra intitulada Diritto Civile italiano, citado por Sérgio Savi (2015).
2.2 REQUISITOS CARACTERIZADORES DA PERDA DE UMA CHANCE
Primeiramente cabe relembrar que o instituto da responsabilidade civil é composto por três requisitos básicos, sem os quais inexiste o dever de indenização, quais sejam: conduta, dano e nexo causal. Ainda, se tem a responsabilidade civil subjetiva e objetiva consoante ventilado no capítulo anterior, na primeira a necessidade da comprovação da culpa, e na segunda não é preciso se comprovar a culpa do agente, tendo em vista a adoção da teoria do risco pelo ordenamento jurídico.
Nesse sentido, aduz Silvio de Salvo Venosa (2018, p. 88):
Para que ocorra o dever de indenizar não bastam, portanto, um ato ou conduta ilícita e o nexo causal; é necessário que tenha havido decorrente repercussão patrimonial negativa material ou imaterial no acervo de bens, no patrimônio, de quem reclama. A culpa pode ser dispensada nos casos em que se admite a responsabilidade objetiva, como estudamos. A imputabilidade, isto é, ter alguém apto para responder pela indenização, é outro aspecto importante.
Nesse sentido o dano emergente é o dano positivo, que é facilmente apurado, por exemplo: danos decorrentes de um acidente de carro, ou seja, os prejuízos materiais causados. Lucro cessante é aquilo que efetivamente foi perdido, ou deixou de lucrar, conforme nos preceitua o artigo acima transcrito. Assim, para se caracterizar a responsabilidade civil é preciso a presença dos três elementos basilares anteriormente estudados: a conduta; o dano; e o nexo de causalidade (VENOSA, 2018).
Em apertada síntese acima se expôs os elementos necessários para configuração da responsabilidade civil, todavia na teoria da perda de uma chance se encontra determinada dificuldade da análise dos elementos necessários para indenização, mitigando o próprio dever de reparação. Na perda de uma chance se verifica um determinado prejuízo para vítima, porém, não se consegue vislumbrar o dano certo e determinado.
Silvio de Salvo Venosa (2018) nos traz um exemplo elucidativo em que se observa a perda de uma chance e a dificuldade de se verificar o dano certo, por outro lado, é certo que a vítima teve um prejuízo, a problemática é determinar a extensão do dano.
De acordo com o autor (2018, P. 30):
Veja como exemplo elucidativo de perda de chance, o fato ocorrido nas Olimpíadas de 2004, quando um atleta brasileiro que liderava a prova da maratona foi obstado por um tresloucado espectador, que o empurrou, o retirou do curso e suprimiu-lhe a concentração. Discutiu-se se o nosso compatriota deveria receber a medalha de ouro, pois conseguiu a de bronze, tendo chegado em terceiro lugar da importante competição. Embora tivesse ele elevada probabilidade de ser o primeiro, nada poderia assegurar que, sem o incidente, seria ele o vencedor. Caso típico de perda de chance, chance de obter o primeiro lugar, mas sem garantia de obtê-lo. Um prêmio ou uma indenização, nesse caso, nunca poderia ser o equivalente ao primeiro lugar na prova, mas sim em razão da perda dessa chance. Tanto assim é que os organizadores da competição lhe acenaram com um prêmio alternativo.
A oportunidade do atleta que se encontrava em primeiro lugar na corrida que lhe foi ceifada pelo espectador que lhe empurrou, é o fundamento para o surgimento da responsabilidade civil pela perda de uma chance, justificando a existência de um dano independente do resultado final. Dessa forma, para que exista a possibilidade de indenização pela responsabilidade civil pela perda de uma chance, é necessário que se enquadrem juridicamente a perda como se danos fossem.
Carlos Roberto Gonçalves (2018, p. 43) ao citar o exemplo de um médico que interrompe ou retarda o tratamento e provoca um dano ao paciente. Observando que essa interrupção consiste por determinado fato antijurídico, não se poderá saber se no futuro o paciente lograria êxito no tratamento, pois a oportunidade foi destruída. Sobre essa óptica argumenta: “Frustra-se a chance de obter uma vantagem futura”. Essa perda de chance, em si mesma, caracteriza um dano, que será reparável quando estiverem reunidos os demais pressupostos da responsabilidade civil”. Salienta-se que, conforme o citado autor, na responsabilidade civil pela perda de uma chance não se busca o ressarcimento pela vantagem perdida, ‘‘mas sim pela perda da oportunidade de conquistar aquela vantagem ou evitar um prejuízo’’, pois não há como se prever com certeza o resultado final. Nessa linha de pensamento, discorre Savi (2015, p. 78), referindo-se à indenização da perda da chance:
O óbice à indenização nestes casos se dava pela indevida qualificação desta espécie de dano. Normalmente, a própria vítima do dano formulava inadequadamente a sua pretensão. Ao invés de buscar a indenização da perda da oportunidade de obter uma vantagem, requeria indenização em razão da perda da própria vantagem.
Ao citar Giovanna Visintini, Miguel Kfouri Neto (2019), afirma que a perda de uma chance é um tipo de dano que deve ser imaginado no futuro. Essa noção serviria para posicionar, no lugar do dano patrimonial ressarcível um prejuízo frequentemente incerto, ou seja, vinculado não de maneira clara, mas sim muito provável, ao evento danoso. Nessas condições, exige que se recorra ao juízo de equidade – e por isso se distancia da reparação integral, que caracteriza o ressarcimento do dano patrimonial.
Portanto para que se tenha reconhecida a responsabilidade civil pela perda de uma chance é imperioso admissão de fatores para sua configuração, é necessário o nexo causal, bem como existência de uma chance séria e real. Na lição de Rafael Peteffi Silva (2015, s.p.), para que se configure a perda de uma chance
Além das condições gerais da responsabilidade civil, condições específicas para sistematizar a utilização da noção de perda de uma chance também são observadas. Deste modo, necessária a demonstração da seriedade das chances perdidas, a adequação da quantificação à álea inerente à perda da chance e a perda definitiva da vantagem esperada pela vítima.
Nesse contexto, para que se caracterize perda de uma chance, faz-se necessária a conduta de um terceiro que, por ação ou omissão, suprima da vítima a oportunidade de auferir algum benefício ou evitar que algum prejuízo ocorra, sendo imprescindível a demonstração de uma chance séria e real. Como já foi visto, a relação de casualidade é pressuposto necessário para configuração da responsabilidade civil, é o liame primordial entre o dano e conduta do agente. Vale citar a esse respeito a definição e a relevância do nexo de causalidade para a responsabilidade civil, aduz sobre o tema com muita clareza Maria Helena Diniz (2018, p. 54):
O vínculo entre o prejuízo e a ação designa-se ‘nexo causal’, de modo que o fato lesivo deverá ser oriundo da ação, diretamente ou como sua consequência previsível. Tal nexo representa, portanto, uma relação necessária entre o evento danoso e a ação que o produziu, de tal sorte que esta é considerada como sua causa. Todavia, não será necessário que o dano resulte apenas imediatamente do fato que o produziu. Bastará que se verifique que o dano não ocorreria se o fato não tivesse acontecido. Este poderá não ser a causa imediata, mas, se for condição para a produção do dano, o agente responderá pela consequência.
Sérgio Novais Dias (2017, p. 65) ao citar Pontes de Miranda, sobre seu insuperável Tratado de Direito Privado, traz lições importantíssimas sobre a responsabilidade civil e o nexo causal “para se pensar em extensão do dano tem-se de partir do nexo causal. A indenizabilidade do dano é na medida em que ele se acha em relação à causa, ou às concausas, ou às causas de aumento”.
Esgarçando-se o nexo causal, no caso de o médico comprometer as chances de cura de uma paciente, por essa conduta mitigando o dever de reparação, nesse diapasão Miguel Kfouri Neto citando o Professor François Chabas (2017, p. 24) exemplifica:
Uma mulher apresenta hemorragia uterina. O médico consultado não diagnostica câncer, malgrado os sintomas clínicos bastante claros. Quando a paciente enfim consulta um especialista, é demasiado tarde: o câncer de útero atingiu estágio terminal. A mulher morre. Não se pode dizer que o primeiro médico matou a paciente. Ela poderia ter sido tratada a tempo e morrer assim mesmo. Não se pode afirmar que a culpa do médico tenha sido a condição sine qua non daquela morte. Mas, sem dúvida, a culpa médica fez com que a enferma perdesse ao menos uma probabilidade de sobreviver.
Da análise do exemplo acima, se observa que é impossível saber se a paciente teria o resultado morte ou não, ou por quanto tempo sobreviveria à doença tão letal, todavia o primeiro médico errou o diagnóstico e, portanto, a paciente não recebeu o tratamento adequado. Pergunta-se, e se houvesse acertado o diagnóstico a paciente sobreviveria? Nunca se saberá, pois o que foi perdido foi a chance de um tratamento imediato e eficiente, neste caso deve observar a perda da oportunidade.
Aí se encontra a dificuldade da relação de causalidade na responsabilidade da perda de uma chance, pois o resultado morte, poderia ter acontecido ou não com o diagnóstico correto. “De se concluir que a teoria da perda de uma chance originou-se exatamente da dificuldade de configuração do nexo causal entre a conduta do agente e o dano sofrido pela vítima, em determinados casos”. (SANTOS, 2018, p. 43)
Na teoria da perda de uma chance é necessário, por evidente, provar o nexo causal. O art. 403 do Código Civil é expresso ao afirmar que: “Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual”.
A teoria da perda de uma chance admite a relativização da relação de causalidade, pois permitindo a existência da responsabilidade civil mesmo quando não existente o nexo causal da forma prevista no Código Civil Brasileiro (SAVI, 2015).
Cabe ressaltar, conforme já explicitado supra, que a perda de uma chance é considerada uma subespécie do dano emergente. Isso significa que trata de um efeito danoso, direto e imediato, de um ato ilícito, e, portanto, é uma consequência primária de tal ato, ensejando reparação, nos termos do artigo 186 do Novo Diploma Civil.
Depois de provado o nexo causal, ou este relativizado, se busca à prova do próprio dano, que consiste na perda da oportunidade que o lesado tinha antes do fato antijurídico. Perda essa que não se confunde com benefício que era esperado, o que se busca é reparação pela vantagem perdida (AMARAL, 2015).
Por não estar regulamentada no ordenamento jurídico brasileiro, os tribunais vem enfrentando dificuldades ao se aplicar a presente teoria, sendo qualificada por vezes, como dano moral e, outrora, como dano de natureza patrimonial, neste caso como lucro cessante. (SAVI, 2015). Outro grande obstáculo tanto dos doutrinadores quanto dos Tribunais é no que tange aos critérios adotados para quantificar o valor da indenização. Conforme os ensinamentos de Amaral (2015, p .140)
O único critério aceitável para determinar a existência do dano pela perda da chance é o nexo de causalidade entre o comportamento faltoso e a chance perdida, e, para afixação do quantum o percentual que satisfaça o valor do prejuízo pela perda da chance em si. Portanto, se o ressarcimento deve corresponder ao valor do prejuízo, o percentual que incidirá para efeitos de quantum independe de traduzir-se em 1% ou 99% (porque, se 100%, haverá indenização como lucro cessante), não justificando impor um estreito limite de no mínimo 50% de probabilidade para aceitar a existência do dano pela perda da chance. Tal limite aprisiona o julgador e apequena a atividade jurisdicional, infligindo ao mesmo fechar os olhos para a injustiça que ocorreria na presença de um percentual, por exemplo, de 49%, estivesse obrigado a decidir pela inexistência do dano pela perda da chance. [...]. Estimar e vincular o dano pela perda da chance à obediência de um determinado percentual mínimo padece de razoabilidade, posto significar aceitação de que danos restem sem o devido ressarcimento, constituindo mordaça para que o juiz possa encontrar o percentual a ser multiplicado pelo resultado final. (grifo do autor)
A teoria da perda de uma chance vem sendo cada vez mais aplicada nos tribunais brasileiros, principalmente nas Regiões Sul e Sudeste. O Superior Tribunal de Justiça já proferiu algumas decisões importantes que corroboraram para um melhor entendimento da aplicação da teoria. O emblemático caso do “Show do Milhão” é considerado leading case no que tange a responsabilidade civil pela perda de uma chance. Neste caso a participante do programa chegou à última pergunta valendo R$1.000.000,00 (um milhão de reais), mas se recusou a respondê-la por entender não estar correta nenhuma das quatro alternativas apresentadas.
Apesar de recente e tímida, a aplicação da teoria da perda de uma chance vem sendo cada vez mais admitida na seara trabalhista, representando mais uma ferramenta de proteção dos direitos dos trabalhadores na busca de melhores condições sociais.
3 CRITÉRIOS DE FIXAÇÃO DO QUANTUM DEBEATUR
3.1 ANÁLISE DO QUANTUM DEBEATUR FRENTE AO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Nesse sentido, é importante observar que o que se pretende reparar não é a perda da vantagem futura, a qual é não é certa, mas sim, a perda da chance de alcançar esta vantagem, ou seja, a efetivação do dano não está na perda do benefício futuro e sim, na perda da chance de obter o benefício ansiado (SANTOS, 2018).
Em vista de tais fatores, tem-se outro grande paradigma aos julgadores, quando a reparação deve ser quantificada, ou seja, a quantificação do dano decorrente da chance perdida; haja vista que, deve-se realizar um cálculo das probabilidades de ocorrência da vantagem caso a chance de consegui-la não tivesse sido fulminada (SAVI, 2015).
Para tanto, a quantificação de indenização não deve ser a mesma da vantagem perdida e sim, de acordo com uma análise detalhada, o valor referente à oportunidade que o indivíduo tinha de conseguir a vantagem esperada. Por isso, para a compreensão correta da teoria da perda de uma chance, se faz necessário o estudo da sua origem e evolução. Assim, é preciso conhecer as condições básicas necessárias à aplicação da teoria da responsabilidade civil pela perda de uma chance.
De acordo com Silva (2018, p. 21), “é de extrema importância a fixação de alguns critérios gerais para a concessão da indenização, mormente em um país que está em pleno processo de descobrimento da teoria da perda de uma chance. ”
No direito moderno, as hipóteses de danos ressarcíveis foram ampliadas protegendo aquele que sofreu um dano injusto. O instituto da responsabilidade civil, por sua vez, atendendo os anseios da sociedade atual, fez reformulações no que se refere aos seus requisitos ou elementos indispensáveis. Neste contexto, surge no sistema jurídico atual, a responsabilidade civil pela perda de uma chance, que apesar da ausência de previsão legal específica, é plenamente possível sua aplicação, notadamente porque o direito civil se funda na proteção integral da vítima e na solução justa da demanda à luz do princípio da dignidade da pessoa humana.
Para o reconhecimento da teoria da perda de uma chance, deve se entender que a chance perdida consiste na privação de uma oportunidade, não hipotética, de obtenção de vantagem ou de evitar um prejuízo, frustrada pela conduta de outrem, resultando em um evidente prejuízo à vítima.
Ressalta-se que para que ocorra o dever de indenizar, as chances perdidas deverão ser sérias e reais, sendo que danos meramente hipotéticos ou eventuais, não terão respaldo jurídico e, consequentemente, não serão ressarcidos.
Com relação à classificação do dano da chance perdida, há divergência nos tribunais, sobretudo porque alguns o consideram como espécie de dano moral, outros como espécie de lucro cessante e, outros ainda, como uma nova espécie de dano. Em que pese tal controvérsia entre doutrinadores e a jurisprudência acerca da natureza jurídica do dano decorrente da perda de uma chance, havendo comprovação da causalidade entre a conduta e o dano decorrente da chance perdida, ficará caracterizada o dever de reparar.
A quantificação dos danos deve ser proporcional à gravidade do prejuízo causado pela perda de uma chance, cabendo ao magistrado avaliar no caso concreto as reais possibilidades que a vítima tinha de atingir a vantagem esperada não podendo acarretar enriquecimento ilícito ou sem causa.
Ainda, Sergio Dias Novais citando Serpa Lopez (2018, p. 57) afirma que esse autor “deixa transparecer que considera com direito a indenização o cliente que mostrar que a
probabilidade suficiente corresponde a uma situação clara e definida de reforma. Mais uma vez, Fernando Noronha citando Rafael Peteffi da Silva, sobre o cálculo do dano da chance perdida, aduz a esse respeito: “se um advogado deixa de interpor um recurso em ação que, se tivesse sido julgada favoravelmente, traria uma vantagem econômica de dez mil reais, e se havia 30% de chances de reverter a sentença, a indenização final pela perda da chance deveria ser de três mil reais” A indenização, por sua vez, deve ser pela perda da oportunidade de obter uma vantagem e não pela perda da própria vantagem. Há que se fazer a distinção entre o resultado perdido e a possibilidade de consegui-lo (SAVI, 2015). Portanto a chance deve ser vista como um bem integrante do patrimônio da vítima. Observe-se o que diz Sérgio Savi (2015, p. 45):
[...]a chance ou oportunidade poderá ser considerada um bem integrante do patrimônio da vítima, uma entidade econômica e juridicamente valorável, cuja perda produz um dano, na maioria das vezes atual, o qual deverá ser indenizado sempre que a sua existência seja provada, ainda que segundo um cálculo de probabilidade ou por presunção.
A chance de vitória terá sempre valor menor que a vitória futura, o que refletirá no montante da indenização. A determinação do quantitativo a ser atribuído ao lesado vai depender da probabilidade, maior ou menor, que havia de que o resultado se concretizasse.
Sobre o valor da indenização pela perda de uma chance e como se deve calcular o valor da reparação em que se deve considerar a probabilidade, considerando a natureza aleatória, a esse respeito disserta Fernando Noronha (2018, p. 31):
Como se vê, nos casos em que se fala em perda de chances parte-se de uma situação real, em que havia a possibilidade de fazer algo para obter uma vantagem, ou para evitar um prejuízo, isto é, parte-se de uma situação em que exista uma chance real, que foi frustrada. Já a situação vantajosa que o lesado podia almejar, se tivesse aproveitado a chance, é sempre de natureza mais ou menos aleatória. Todavia, apesar de ser aleatória a possibilidade de obter o benefício em expectativa, neste caso existe um caso real, que é constituído pela própria chance perdida, isto é, pela
oportunidade, que se dissipou, de obter no futuro a vantagem, ou de evitar
o prejuízo que veio a acontecer. A diferença em relação aos demais danos
está em que esse dano será reparável quando for possível calcular o grau de probabilidade, que havia de ser alcançada a vantagem que era esperada, ou inversamente, o grau de probabilidade de o prejuízo ser evitado. O grau de probabilidade é que determina o valor da reparação.
Considerando que é necessário comprovar a efetiva perda da oportunidade, é neste patamar que se fixa o valor indenizatório, é preciso ter certeza da chance. Em
relação à questão. O grau da probabilidade, de ganho ou de vida, é que fará concluir pelo montante da indenização. Quanto a responsabilidade civil do advogado que deixa de interpor um recurso, o cliente “não perde uma causa certa; perde um jogo sem que lhe permitisse disputá-lo, e essa incerteza cria um fato danoso” (GONÇALVES, 2017, p. 14).
Segundo preleciona Carlos Roberto Gonçalves (2017, p. 69) ao citar Ênio Zuliani, afirma sobre a perda da oportunidade e como auferir a indenização desses casos:
Portanto, na ação de responsabilidade ajuizada por esse prejuízo provocado pelo profissional do direito, o juiz devera, em caso de reconhecer que realmente ocorreu a perda dessa chance, criar um segundo raciocínio dentro da sentença condenatória, ou seja, auscultar a probabilidade ou o grau de perspectiva favorável dessa chance”. Aduz o mencionado autor que o “único parâmetro confiável para o arbitramento da indenização, por perda de uma chance, continua sendo a prudência do juiz”, acrescentando que “a hipótese de culpa do advogado que, por omissão, não ingressa com ação rescisória no prazo decadencial (art. 495 do CPC), não produz, de imediato ou de forma automática, o fato ‘perda de uma chance’, porquanto a probabilidade de sucesso de uma ação rescisória é sempre menor, por envolver o requisito ‘vicio ’de julgamento ou ‘erro de fato ou de direito’, pressupostos difíceis de serem reunidos para apresentação”.
Então, para concessão da indenização com base na perda de uma chance é necessária que esta chance seja séria e real, e que o resultado esperado também seja, pois a simples esperança de um resultado não é capaz de ensejar a responsabilidade civil pela perda da oportunidade, com relação ao quantum indenizatório deve ser analisado a probabilidade da obtenção do resultado que foi perdido e a por último deve se contar com a prudência do juiz.
A teoria da perda de uma chance, oriunda de estudos na França, e discutida largamente na Europa, ainda é relativamente nova no nosso país, mas os tribunais já estão a sufragá-la, todavia o que se vê na maioria das decisões é que julgadores e até mesmo os advogados não utilizam a teoria de maneira adequada. A seguir colacionamos alguns julgados que traz à baila à teoria da perda de uma chance em casos de responsabilidade civil, e sua caracterização e enquadramento perante diversos tribunais.
Neste diapasão destaque ao acórdão exarado na Apelação Cível nº 2009213070, julgado em 03 de novembro de 2009, do Desembargador Osório de Araujo Ramos Filho, do Tribunal de Justiça do Sergipe. Colhe-se da ementa da decisão mencionada:
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS C/C
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. GENITORA DOS REQUERENTES
SUBMETIDA A CIRURGIA DE HÉRNIA. COMPLICAÇÕES PÓSCIRÚRGICAS. AUSÊNCIA DE ATENDIMENTO MÉDICO TEMPESTIVO NO HOSPITAL. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DANO MORAL CONFIGURADO. MAJORAÇÃO DO QUANTUMNIZATÓRIO A TÍTULO DE DANO MORAL. CABIMENTO. DANO MATERIAL INDEVIDO. RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. - Caracterizada a negligência da Fundação ré através de seus funcionários (enfermeiras e médicos) na fase pós-operatória, mas não sendo possível imputar, de modo direto, o evento morte a conduta deles, aplica-se ao caso sob comento a teoria da perda de uma chance.
Sabido é que o dano patrimonial deve sempre ser atual e certo, de modo a se identificar com clareza os danos emergentes no momento da indenização. Todavia o que se vê em muitas decisões é que se aplica a teoria da perda de chance apenas como um agregador do dano moral, os tribunais ao decidirem acerca das consequências da frustração da chance, entendem que a vítima somente poderia ter sofrido danos morais. Vale ressaltar, que “há inúmeros precedentes entendendo que a frustração de uma chance séria e real somente deva ser considerada como um “agregador” do dano moral, refletindo no montante da indenização a este título” (SANTOS, 2017). Vejamos outro exemplo de acórdão que enquadrou a chance perdida como
dano moral:
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - IPSEMG - MORTE MARIDO DA AUTORA FALHA NO ATENDIMENTO MÉDICO -RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA AUTARQUIA ESTADUAL - INDENIZAÇÃO PELA PERDA DE UMA CHANCE- DANOS MORAIS - FIXAÇÃO - CRITÉRIOS. - O artigo 37, parágrafo 6º, da atual Carta Magna, orientou-se pela doutrina do risco administrativo, mantendo a responsabilidade civil objetiva das pessoas jurídicas de direito público. - A perda de uma chance pode ser indenizável por afastar uma expectativa ou probabilidade favorável ao lesado, isto é, o que se indeniza não é o dano certo e sim a expectativa, a probabilidade que se perde. - Para a fixação de danos morais, estes devem guardar perfeita correspondência com a gravidade objetiva do fato e do seu efeito lesivo, bem assim com as condições sociais e econômicas da vítima e do autor da ofensa, revelando-se ajustada ao princípio da equidade e à orientação pretoriana segundo a qual a eficácia da contrapartida pecuniária está na aptidão para proporcionar tal satisfação em justa medida.
Entende-se, conforme julgado acima, que a perda da chance se configura um dano material, uma subespécie do dano emergente, eis que se baseia na perda da oportunidade de obter uma vantagem ou evitar um dano. Esta perda apenas ocorre porque um fato ilícito interrompe o curso normal dos acontecimentos antes da concretização da oportunidade.
Outro exemplo vem do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, envolvendo questão de ordem médica:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. PREJUÍZOS MORAIS. NOSOCÔMIO. ERRO MÉDICO ORIUNDO DE DIAGNÓSTICO EQUIVOCADO. APENDICITE AGUDA. Em caso de responsabilidade civil de hospitais e clínicas médicas em geral, por ato de seus prepostos no exercício da medicina, embora a pessoa jurídica responda objetivamente nos termos do CDC, quando o ato decorre do exercício da atividade médica, a responsabilidade deve ser precedida do exame da culpa subjetiva do profissional da medicina. Isso porque, a responsabilidade dos nosocômios, no que tange à atuação técnico profissional dos médicos que neles atuam ou a eles sejam ligados por convênio, é subjetiva, ou seja, dependente da comprovação de culpa dos prepostos, presumindo-se a dos preponentes. (REsp. 258389/SP). Hipótese em que a obrigação assumida pelo médico é de meio e não de resultado. Destarte, não se considera como objeto da obrigação a cura do paciente, e sim o emprego do tratamento adequado de acordo com o estágio atual da ciência, e, evidentemente, os recursos disponíveis ao profissional da medicina, o qual deve agir, sempre, da maneira mais cuidadosa e consciente possível. Ademais, não é função do julgador avaliar questões de alta indagação científica, e, tampouco, pronunciar-se acerca do tratamento mais indicado para a cura do doente. Ao julgador cabe, na realidade, verificar as diligências que os profissionais da medicina poderiam e deveriam ter dispensado ao paciente no caso concreto, de forma a concluir se ocorreu, efetivamente, falha humana que ensejou prejuízos reparáveis aos lesados. ERRO DE DIAGNÓSTICO. APLICAÇÃO DA TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE. DANOS MORAIS. CARACTERIZADOS. Hipótese dos autos em que a paciente foi internada no nosocômio com dor intensa na parte inferior do abdômen e vômitos, sendo diagnosticado, desde a primeira consulta, que a paciente sofria de Tribunal De Justiça do Estado de Sergipe. Apelação Cível 2009213070. Relator Des. Osório de Araujo Ramos Filho, Julgado em 03/11/2009.
Ainda com o foco na responsabilidade civil pela perda de uma chance novamente enquadrada na modalidade de dano moral, salienta-se a decisão do Primeiro Tribunal de Alçada Cível do Estado de São Paulo, do Desembargador José Arnaldo da Costa Telles, julgada em 23 de outubro de 1996:
RESPONSABILIDADE CIVIL. ADVOGADO. NEGLIGÊNCIA NA ATUAÇÃO PROFISSIONAL. CARACTERIZAÇÃO. AÇÃO TRABALHISTA PROPOSTA SÓ APÓS O DECURSO DO PRAZO DE PRESCRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE, ENTRETANTO, DE AVLIAR O DIREITO DO RECLAMANTE. INDENIZAÇÃO PELA PERDA DA CHANCE DE VER O PLEITO EXAMINADO PELO JUDICIÁRIO. MODALIDADE DE DANO MORAL. RECURSO PROVIDO PARA JULGAR PROCEDENTE A AÇÃO. Outra decisão que considerou a perda de uma chance como dano moral, pode ser colhida do Tratado de Responsabilidade Civil, do autor Rui Stoco. Responsabilidade civil. Advogado. Negligência na atuação profissional. Caracterização. Ação trabalhista proposta após o decurso do prazo de prescrição. Impossibilidade, entretanto, de avaliar o direito do reclamante. Indenização pela perda da chance de ver o pleito examinado pelo Judiciário. Modalidade de dano moral. Recurso provido para julgar procedente a ação (1. ° TACSP – 8.ª C. – Ap. 680.655 – j. 23.10.1996 – Repertório IOB de Jurisprudência 3/12892).
Por outro, não bastasse inúmeras decisões de nossos tribunais que consideram a perda de uma chance como dano moral, há várias decisões que determinam a indenização da perda da oportunidade, sem que esta sequer exista ou possa ser considerada séria e real, assim a mera possibilidade não é passível de indenização.
Necessário frisar ainda a análise do emblemático acórdão do Show do Milhão. Neste caso, Ana Lúcia Serbeto de Freitas Matos propôs ação indenizatória contra a empresa BF Utilidades Domésticas Ltda, empresa do grupo econômico “Silvio Santos”, pleiteando ressarcimento por danos morais e materiais por incidente havido quando da participação da requerente no programa “Show do Milhão” consistente em programa de televisão de perguntas e respostas, cujo o prêmio máximo de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) em barras de ouro, é oferecido àquele que vencesse ao jogo de perguntas e respostas, respondendo todas as perguntas.
O Ministro Fernando Gonçalves, utilizando-se da matemática, entendeu que as chances da autora de ganhar o prêmio eram de 25% (vinte e cinco por cento), já que eram quatro alternativas, e condenou a ré ao pagamento de R$125.00,00 (cento e vinte e cinco mil reais).
RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE 1. O questionamento em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido. (STJ, Recurso Especial n° 788.459-BA, Quarta Turma, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, julgado em 8 de novembro de 2005, DJ em 13/03/2006).
Assim, o recurso foi parcialmente provido, acolhendo a tese do recorrente da probabilidade de erro, reduzindo o quantum da indenização concedida de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) para R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais).
Pelo exposto, resta claro que deve existir uma chance real e séria, aliado a certeza do resultado almejado, desta forma foi acertada a redução do quantum da indenização, pois impossível saber se a recorrida acertaria a questão se esta tivesse resposta. A lógica utilizada garante à recorrida valor que não recai em enriquecimento ilícito, e uma punição a recorrente que veio a causar a perda da oportunidade. Não poderia a decisão ser mais acertada que mensurando o quantum indenizatório pela probabilidade do acerto da questão. O acórdão em análise teve enorme repercussão no mundo jurídico, sendo citado por inúmeros autores ao tratar do tema em tela, assim se faz necessário um breve histórico da teoria da perda de uma chance para o entendimento da sua aplicação ao caso real.
Neste estudo foram abordados os aspectos destacados da responsabilidade civil pela perda de uma chance no ordenamento jurídico brasileiro com enfoque na indenização e seu quantum indenizatório. Como visto, a responsabilidade civil é a obrigação de reparar o dano causado a outrem, podendo ser este material ou moral.
Portanto, a perda de uma chance deve ser considerada como uma subespécie do dano emergente, o que retira a problemática do dano hipotético, pois o que pretende é indenização pela vantagem perdida, e não pelo poderia ganhar. Não existe, nenhuma norma expressa no ordenamento brasileiro quanto à reparação da perda de uma chance. Porém, o princípio da reparação integral dos danos, protege a vítima dos prejuízos, mesmo que provenientes da referida teoria.
A jurisprudência Brasileira em determinados julgamentos admite expressamente a responsabilidade pela perda de uma chance. Todavia, a aplicação desta teoria, como visto, causa muitas dúvidas e inúmeras formas de julgamento como o reconhecimento da existência de dano moral apenas, não sendo possível a indenização por danos materiais, ou até mesmo o reconhecimento da teoria quando esta é indevida, foi observado que são poucos os julgados em que a teoria é aplicada corretamente.
Portanto, a jurisprudência e a doutrina brasileiras não pacificaram o entendimento quanto à aplicação da teoria da perda de uma chance, todavia cabe o seu reconhecimento na busca incessante de proteção da vítima, resguardando os princípios e regras basilares da ciência que estuda a reparação dos danos. A pesquisa abordou a aplicação da teoria no ordenamento jurídico brasileiro, sobretudo observou que há divergências tanto com relação ao quantum indenizatório da teoria, como com relação ao seu enquadramento na modalidade do dano que está inserida. Todavia, a nosso ver, o entendimento correto da referida teoria se encontra na lição de Sérgio Savi.
Esse autor concorda que a perda de uma chance é um dano emergente especial. Com isso, o critério objetivo a ser utilizado no quantum indenizatório, para o citado doutrinador, é o cálculo da probabilidade. Não obstante, diante o caso concreto, não sendo possível a utilização da análise de probabilidade, o magistrado deverá se ater ao critério subjetivo do arbitramento.
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Servidora Pública da Justiça Federal (SJTO)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARROSO, LUDNE NABILA DE OLIVEIRA. A perda de uma chance e a (im)possibilidade de se estabelecer critérios objetivos para fixar o valor da indenização Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jun 2022, 04:12. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58788/a-perda-de-uma-chance-e-a-im-possibilidade-de-se-estabelecer-critrios-objetivos-para-fixar-o-valor-da-indenizao. Acesso em: 23 dez 2024.
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