INTRODUÇÃO
A proteção aos direitos das mulheres se tornou digno de destaque, notadamente, a partir da década de 70 do Século XX, com o nascimento dos movimentos feministas, juntamente com diplomas internacionais que, partindo do entendimento de que a violação dos direitos das mulheres consiste em uma verdadeira violação aos direitos humanos, fez com que referido tema fosse digno de destaque na órbita interna, mediante a clara necessidade de previsão de uma lei que pudesse ser digna a tal função, qual seja, a proteção aos direitos das mulheres.
Mas, equivoca-se aquele que acha que é somente por meio da Lei Maria da Penha em que podemos perceber uma maior preocupação na defesa dos direitos das mulheres,.
Assim, comprometidos com a importância do tema sem perder a objetividade que é peculiar, passaremos a análise do foco principal deste trabalho: a especial proteção à mulher no âmbito da participação da vida política, por meio da análise dos avanços trazidos pela Lei nº 14.192/2021 e Emenda Constitucional nº 117 de 2022.
1. A Lei nº 14.192/2021: um claro enfoque feminista
Como forma de tentar obstar a prática de violência contra a mulher no âmbito da política, de bom grado a promulgação da Lei nº 14.192 de 2021, que passou a estabelecer normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher, nos espaços e atividades relacionados ao exercício de seus direitos políticos e de suas funções públicas, além da previsão de normas para assegurar a participação de mulheres nos debates eleitorais e a tipificação da infração penal de divulgação de fato ou vídeo com conteúdo inverídico (ou falso) no período de campanha eleitoral.
Reza o artigo 2º de referida Lei: que serão garantidos os direitos de participação política da mulher, vedadas a discriminação e a desigualdade de tratamento em virtude de sexo ou de raça no acesso às instâncias de representação política e no exercício de funções públicas, oportunidade em que as autoridades competentes priorizarão o imediato exercício do direito violado, conferindo especial importância às declarações da vítima e aos elementos indiciários.
De fato, conclui-se que a Lei nº 14.192/2021, além de objetivar coibir a violência política contra mulher, amplia o rol de proteção ditado pela Lei Maria da Penha, justamente pelo fato de referida situação (violência política) não constar, de forma expressa, em citado diploma legal.
1.1. A Lei nº 14.192 e o Código Eleitoral
Como é sabido, o artigo 243 do Código Eleitoral enumera a proibição de alguns tipos de propaganda eleitoral.
Pois bem, por meio da Lei nº 14.192/2021, houve a inclusão do inciso X em referido artigo, afirmando ser vedada a propaganda que gere discriminação da mulher em razão do seu gênero, cor, raça ou etnia.
Ainda no âmbito do Código Eleitoral, o artigo 323, que tipifica o crime de divulgação de fatos inverídicos na propaganda eleitoral, houve a inclusão, por meio da Lei nº 14.192/2021, do inciso II, prevendo aumento de 1/3 (um terço) até metade se o crime se o crime envolver menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia.
Mas, sem dúvidas, considerando o escopo deste trabalho, uma das mais importantes alterações recai na previsão do crime eleitoral de violência política contra a mulher (CE, artigo 326-B). [2]
Muito embora possa ser praticado por qualquer pessoa, tendo, no entanto, a mulher como sujeito passivo, enquanto candidata ou detentora de mandato eletivo.
No entanto, de suma importância trazer à baila o recente entendimento do Superior Tribunal acerca da aplicação da Lei Maria da Penha e da proteção destinada à mulher, inclusive, ao transgênero, pedindo espaço para transcrever a notícia abaixo [3]:
Por considerar que, para aplicação da lei, mulher trans é mulher também, por unanimidade, a Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça estabeleceu que a Lei Maria da Penha se aplica aos casos de violência doméstica ou familiar contra mulheres transexuais. Os ministros entenderam que a Lei Maria da Penha pode sim ser aplicada no caso de uma mulher transgênero que era agredida pelo pai. Neste caso, ela teve as medidas protetivas negadas sob a justificativa que a Lei Maria da Penha seria aplicável as pessoas do sexo feminino levando-se em conta o aspecto apenas biológico. O colegiado do STJ acatou recurso do Ministério Público do Estado de São Paulo que foi contrário à decisão do Tribunal de Justiça paulista. Relator do caso, o ministro Rogério Schietti ressaltou que a Lei Maria da Penha não faz considerações sobre a motivação do agressor, mas exige apenas que a vítima seja mulher. Exige ainda, que a violência seja cometida em ambiente doméstico e familiar ou numa relação de intimidade ou afeto entre agressor e agredida.O ministro mencionou que o Brasil responde, sozinho, por 38,2% dos homicídios contra pessoas trans no mundo. Dados divulgados em janeiro pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais revelam que no ano passado foram 140 assassinatos no país. E, que pelo 13º ano seguido, foi o que mais matou transexuais e travestis. A decisão do STJ abre precedente para que outros casos semelhantes tenham o mesmo resultado.
Logo, por meio de referido entendimento jurisprudencial, e com respaldo de grande parcela da doutrina pátria, somos defensores da aplicação do crime previsto no artigo 326-B do Código Eleitoral também enquanto vítima mulher transgênero, dispensando-se, inclusive, qualquer questionamento acerca da necessidade ou não de realização da cirurgia de mudança de sexo, considerando o recente entendimento do Supremo Tribunal Federal acerca do tema (ADI 4275 e RE 670.422).
No entanto, importante lembrar que para configurar o crime em exame, ainda contra vítima mulher ou transexual, referida conduta típica deve ser praticada contra candidata ou detentora de mandato eletivo, tendo, inclusive, o Tribunal Superior Eleitoral afastado sua incidência nos casos de pré-candidata ou até mesmo para suplente, sob pena de analogia in malem partem, vedada no âmbito da cominação das penas, ainda que em sede de crime eleitoral. [4]
Por fim, referido crime conta com causa de aumento de pena, exasperando-se a reprimenda em 1/3 (um terço), se o crime é cometido contra mulher: I - gestante; II - maior de 60 (sessenta) anos; III - com deficiência.
Ainda tratando dos avanços trazidos pela Lei nº 14.192 para fins de proteção da mulher no âmbito do Código Eleitoral, digno de nota as novas causas de aumento de pena para a calúnia, difamação e injúria eleitoral.
Afinal, a Lei nº 14.192/2021 alterou o artigo 327 do Código Eleitoral, acrescentando como causa de aumento de 1/3 (um terço) até metade, se o qualquer dos crimes é cometido com menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia.
Já no âmbito das agremiações políticas (ou partidos políticos), a Lei nº 14.192/2021 inseriu o inciso X no art. 15 da Lei nº 9.096/95, prevendo que o estatuto do partido político deve prover normas de prevenção, repressão e combate à violência política contra a mulher.
Nunca é tarde lembrar que no âmbito dos partidos políticos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu que as cotas de candidatos dos partidos políticos são de gênero, e não de sexo.
Assim, de forma unânime, o TSE seguiu o entendimento do Relator Ministro Tarcísio Vieira de Carvalho, definindo como deve ser preenchida a cota mínima de 30% de mulheres, exigida pela legislação eleitoral.
Referida decisão foi uma resposta a consulta feita pela senadora Fátima Bezerra (PT-RN), que elaborou 05 perguntas:
1) Se a expressão “cada sexo” do artigo 10, parágrafo 3º, da Lei das Eleições se refere aos sexos biológicos ou aos gêneros;
2) Se a determinação de que o candidato deve “indicar seu nome completo” se refere ao nome civil ou ao nome social;
3) Se as urnas eletrônicas podem mostrar os nomes civis dos candidatos;
4) Se a expressão “não estabeleça dúvida quanto à sua identidade” se aplica à identidade de gênero;
5) E se os nomes sociais, mesmo os equiparados aos apelidos de que trata o artigo 12 da Lei das Eleições, podem ser usados nas candidaturas majoritárias e proporcionais, ou se apenas às proporcionais. [5]
Portanto, pelo entendimento do TSE, em clara relação com o já definido no âmbito do STF e do STJ, os transgêneros devem ser considerados de acordo com os gêneros com que se identificam.
1.2. A Lei nº 14.192 e a Lei das Eleições
A Lei nº 14.192 de 2021 também deixou os seus reflexos no âmbito da Lei da Eleições, isto porque, alterou o inciso II no art. 46 da Lei nº 9.504/97, prevendo que nas eleições proporcionais, os debates poderão desdobrar-se em mais de um dia e deverão ser organizados de modo que assegurem a presença de número equivalente de candidatos de todos os partidos que concorrem a um mesmo cargo eletivo, respeitada a proporção de homens e mulheres estabelecida no § 3º do art. 10 desta Lei.
O §3º do artigo 10 de referida Lei reza que: do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação preencherá o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.
Sem dúvida é um claro avanço, além de uma cristalina oportunidade de que, no âmbito do Estado Democrático Brasileiro, as mulheres ganhem maior força, inclusive, na participação política, tanto por meio de sua participação enquanto a candidatas de cargo eletivo, como por meio de debates políticos, expondo suas ideias, em claro reforço ao valor supremo da democracia.
2. A Emenda Constitucional 117 de 2022: mais uma forma de incentivo da participação da mulher na política
Para encerrarmos o debate, não podemos deixar de abordar a recente promulgação da Emenda Constitucional 117/22, que representa uma ação afirmativa voltada à participação das mulheres no processo eleitoral. [6]
Por meio de referida Emenda, as agremiações partidárias (partidos políticos) devem destinar, no mínimo, 30% dos recursos advindos de financiamento público para as campanhas eleitorais às candidaturas de mulheres.
A par disso, referida mudança constitucional estabelece, ainda, a repartição de recursos de forma proporcional, considerando o número de candidatas mulheres, a partir do patamar mínimo de 30%.
Conforme informado em notícia publicada na Agência Senado:
A emenda constitucional que promulgamos hoje tem vital importância para incentivar e promover a participação feminina na representação popular do Poder Legislativo e do Poder Executivo, tanto no âmbito da União quanto dos estados, do Distrito Federal e dos municípios — disse o presidente do Congresso Nacional, senador Rodrigo Pacheco, que destacou a atuação das bancadas femininas do Senado e da Câmara para a aprovação da proposta.[1]
Não pode passar despercebido que a EC 117 destina, ainda, o montante de 5% do Fundo Partidário para criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres, a serem empregados de acordo com os interesses partidários.
Por fim, os partidos também devem reservar às mulheres, no mínimo, 30% do tempo de propaganda gratuita no rádio e na televisão.
Ainda que se entenda como baixo ou inexpressivo o percentual, considerando a grande valia e importância da mulher frente à sociedade e ao desenvolvimento, sem dúvida não pode deixar de ressaltar o avanço que referido diploma legal representa, isto se considerarmos o histórico de violência e opressão em que a mulher foi alvo em grande parte da história, sendo hoje, após batalhas e reforço a sua dignidade, capaz de alcançar tão grande espaço, recebendo especial proteção no Texto Constitucional, como mais uma oportunidade de expor suas ideias, em claro reforço ao valor supremo da democracia, podendo participar de forma cada vez mais efetiva da política.
CONCLUSÕES FINAIS
Muito embora a gama proteção atualmente conferida à mulher, notadamente por meio da Lei Maria da Penha, em verdade, o viés de proteção não se limita as hipóteses de violência lá estabelecidas.
Logo, pelos liames que nortearam a confecção deste trabalho, sem dúvida a violência política também transborda sua incidência no âmbito de necessidade de proteção, atingindo, de forma clara, às mulheres, tanto no exercício do seu direito ao voto e à democracia, bem como da participação efetiva mulher no desempenho do cargo efetivo, hipóteses, aliás, em que não se encontra livre de abusos.
É neste palco que torna digno de destaque as mudanças previstas tanto pela Lei nº 14.192 como pela Emenda Constitucional 117, ambos os diplomas legais totalmente preocupados com a proteção e a participação efetiva da mulher.
Muito embora críticas doutrinárias, é bem verdade que referidas disposições devem ser vistas com aplausos, pois, além de realçarem a participação da mulher na sociedade e na política, demonstram a preocupação e a luta constante do legislador em reverter qualquer cenário abusivo e lesivo de direitos digno de destaque por ainda fazer parte de nosso cotidiano.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁGIFICAS
[1] Eduardo Luis Grosso. Assistente Jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo (MPSP)
[2] Código Eleitoral. Artigo 326-B: Assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo.
Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
[3] Superior Tribunal de Justiça (STJ): STJ Decide que a Lei Maria da Penha também se aplica a mulher Trans. Artigo na íntegra disponível em <https://agenciabrasil.ebc.com.br/radioagencia-nacional/justica/audio/2022-04/tsj-decide-que-lei-maria-da-penha-tambem-se-aplica-mulher-trans#:~:text=Por%20considerar%20que%2C%20para%20aplica%C3%A7%C3%A3o,ou%20familiar%20contra%20mulheres%20transexuais> Acesso em 13 de abril de 2022.
[4] Tribunal Superior Eleitoral (TSE): (Consulta nº 060106664, Acórdão, Relator(a) Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônica, Tomo 51, Data 14/03/2018).
[5] CONJUR. Confira maiores detalhes da notícia em: https://www.conjur.com.br/2018-mar-01/cotas-candidatos-sao-genero-nao-sexo-define-tse.
[6] MIGALHAS. A Emenda 117 e o Fomento a Participação Feminina na Política. Disponível no portal do Migalhas. Confira em: https://www.migalhas.com.br/coluna/din%C3%A2mica-constitucional/363438/a-ec-117-e-o-fomento-a-participacao-feminina-na-politica
[7] Senado Federal. República Federativa do Brasil. Matéria disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/04/05/promulgada-emenda-que-garante-recursos-para-candidaturas-femininas.
[1] Senado Federal. República Federativa do Brasil. Matéria disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/04/05/promulgada-emenda-que-garante-recursos-para-candidaturas-femininas
Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pós Graduado em Direito de Família e Sucessões. Analista jurídico do Ministério Público do Estado de São Paulo/SP, atuante na Vara de Família e Sucessões.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GROSSO, Eduardo Luis. Avanços Legislativos em prol da Defesa da Mulher na Política Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 jul 2022, 04:04. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58827/avanos-legislativos-em-prol-da-defesa-da-mulher-na-poltica. Acesso em: 24 dez 2024.
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