Resumo: O presente artigo pretende analisar brevemente os impactos que as medidas restritivas de combate à COVID-19 tiveram nas startups de micromobilidade urbana e como os mecanismos da Lei 11.101/2005 podem corroborar com manutenção da atividade produtiva, a preservação de empregos e a continuidade no pagamento de tributos por estas companhias, utilizando-se como paradigma a recuperação judicial do Grupo Grow (pioneiro no modelo de negócios de bike-sharing e scooter-sharing, também conhecido o compartilhamento de bicicletas e de patinetes elétricos, composto pelas startups Yellow[1] e Grin[2]).
Abstract: This article intends to briefly analyze the impacts that restrictive measures to combat COVID-19 had on urban micro mobility startups and how the mechanisms of Law 11.101/2005 can corroborate the maintenance of productive activity, the preservation of jobs and the continuity of payment. of taxes by these companies, using as a paradigm the judicial recovery of the Grow Group (a pioneer in the bike-sharing and scooter-sharing business model, also known as the sharing of bicycles and electric scooters, composed by the startups Yellow and Grin).
Palavras-chave: Ciência do Direito. Direito Comercial. Recuperação Judicial. Falência. Marco Legal das Startups. Inovação.
Key words: Science of Law. Commercial law. Judicial recovery. Bankruptcy. Legal Framework for Startups. Innovation.
Sumário: 1. Introdução. 2. Modelo de negócios e as razões da crise econômico-financeira apontadas pelo Grupo Grow que culminaram no pedido de recuperação judicial. 3. A recuperação judicial como instrumento de soerguimento da companhia em crise. 4. Os meios de recuperação propostos pelo Grupo Grow e suas possíveis replicações para outras startups. 5. Considerações finais. 6. Referências.
Summary: 1. Introduction. 2. Business model and reasons for the economic-financial crisis pointed out by the Grow Group that culminated in the request for judicial recovery. 3. Judicial recovery as an instrument for the uplift of the company in crisis. 4. The recovery means proposed by Grupo Grow and their possible replications for other startups. 5. Final Thoughts. 6. References.
1. Introdução.
Por definição legal, são enquadradas como startups as organizações empresariais ou societárias, nascentes ou em operação recente, cuja atuação caracteriza-se pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados (art. 4º, caput, da Lei Complementar 182/2021 – “Marco Legal das Startups”).
Especialistas no setor defendem que Startup é (antes de qualquer coisa) uma ideia de empresa ou uma empresa nascente voltada à tecnologia e inovação que tenha como objetivo desenvolver e aprimorar um modelo de negócio. Startups, portanto, visam o futuro e como as tecnologias podem impactar em todos os seguimentos de nossas vidas, desde novas funcionalidades bancárias até a forma como nos locomovemos em pequenas e grandes distâncias. Afinal, era absolutamente impensável há 10 (dez) anos atrás simplesmente chamar motorista independente pelo celular ou mesmo alugar um imóvel em outro país sem uma imobiliária intermediando a operação.
O mundo como conhecemos indubitavelmente mudou e as startups provavelmente são a melhor tradução de como a globalização afeta nossas vidas, influencia na maneira como nos relacionamos e propicia um universo de novas oportunidades.
Contudo, mesmo as ideias mais inovadoras estão sujeitas a eventos inesperados (ou mesmo catastróficos) que colocam em xeque o sistema como um todo e denotam a necessidade de aprimorar os mecanismos financeiros e de diluição de risco, principalmente para empresas em criação e que podem gerar ideias que impactarão diretamente a sociedade como um todo.
Nesse sentido, a pandemia de COVID-19 colocou o mundo em uma crise econômico-financeira sem precedentes. Diversas áreas da economia foram totalmente paralisadas devido às medidas restritivas impostas para o enfrentamento da pandemia, em especial o setor de mobilidade urbana, que sofreu baixas históricas em decorrência da abrupta (e necessária) interrupção no fluxo de pessoas e mercadorias para que a doença não se espalhasse.
Segundo dados Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano[3] (“NTU”), o prejuízo das companhias que operam linhas de ônibus, por exemplo, foi de aproximadamente R$ 25.700.000.000,00 (vinte e cinco bilhões e setecentos milhões de reais), o que representa cerca de 33,7% (trinta e três inteiros e sete décimos por cento) do faturamento mensal de todo o setor. Ainda segundo a NTU, o período mais crítico para o segmento foram os três primeiros meses de pandemia, quando a demanda total caiu 80% (oitenta por cento).
Com as microempresas e startups não seria diferente. O isolamento social afetou a operação de milhões de pequenos negócios, do varejo físico à mobilidade urbana, do turismo ao entretenimento, com impactos diretos e indiretos nas cadeias produtivas associadas, bem como no fluxo de consumidores e usuários de produtos e serviços.
De acordo com estudo realizado pelo Sebrae[4] (Serviço Brasileiro de Apoio às micro e pequenas empresas), ao menos 600.000 (seiscentas mil) micro e pequenas empresas fecharam as portas e 9.000.000 (nove milhões) de empregados formais foram demitidos em razão dos efeitos econômicos do combate à pandemia do novo coronavírus.
Nesse contexto, o instituto da recuperação judicial (previsto na Lei 11.101/2005 – “LRF”) se apresenta como um instrumento de salvaguarda ao patrimônio das companhias em crise e cria um ambiente saudável de negociação coletiva, com o fito de promover a manutenção da atividade produtiva, bem como a preservação de empregos a geração de caixa e o pagamento de tributos, que serão revertidos ao bem-estar social daquela comunidade.
Não à toa, houve um aumento de 32% (trinta e dois por cento) no número de recuperações judiciais deferidas no ano de 2021 em relação ao início da pandemia em 2020, segundo dados da consultoria especializada Serasa Experian[5]. Vale dizer que – de acordo com a referida consultoria – entre os anos de 2020 e 2021, que são considerados como o período crítico da COVID-19 no Brasil, foram requeridas 2.122 (duas mil cento e vinte e duas) recuperações judiciais, das quais quase a metade foram solicitadas por micro e pequenas empresas (onde estão inseridas as startups).
Se por um lado pandemia fez crescer a demanda por soluções online e as companhias de varejo digital e delivery de comida tiveram seus faturamentos substancialmente incrementados, por outro as startups de mobilidade urbana sofreram demasiadamente e precisaram se correr dos instrumentos legais de insolvência para se manterem ativas e poderem negociar com seus credores, fornecedores, empregados, fisco etc.
Assim, o presente artigo se propõe a analisar brevemente a recuperação judicial do Grupo Grow (composto pelas companhias Yellow[6] e Grin[7]), processo paradigma na utilização do instituto voltado às startups, e como tais companhias pioneiras no segmento de micromobilidade[8] urbana recorram às vias judiciais para ter o fôlego necessário que lhes permita superar o momento delicado causado pela pandemia, reestruturar suas dívidas, captar novos recursos e retomar as suas atividades.
2. Modelo de negócios e as razões da crise econômico-financeira apontadas pelo Grupo Grow que culminaram no pedido de recuperação judicial.
Segundo informações fornecidas pelo próprio Grupo Grow em sua Recuperação Judicial[9], Yellow e Grin são startups que têm como modelo de negócios o bike-sharing e o scooter-sharing – o compartilhamento de bicicletas e de patinetes elétricos.
As bicicletas e os patinetes elétricos são espalhados pelas cidades e podem ser alugados pelos usuários por curtos períodos de tempo e para percorrer pequenos trajetos, sem a necessidade de serem estacionados em um lugar fixo (dockless). Para utilizar o serviço, o usuário precisa somente de um smartphone com uma câmera e um cartão de crédito cadastrado no aplicativo das referidas startups.
O compartilhamento de bicicletas e patinetes elétricos, tal como que constitui o cerne da atividade do Grupo Grow, foi apontado como uma “alternativa de mobilidade urbana” particularmente útil em grandes metrópoles, que contam com expressivo fluxo de pessoas e trânsito intenso de veículos.
Esse serviço tende a ser uma solução eficaz para os problemas de transporte público relativos à micromobilidade, tal como o caminho entre as residências e os pontos de ônibus ou estações de metrô, por exemplo. A facilidade, a agilidade e a praticidade do compartilhamento estimulam as pessoas a deixarem seus carros nas garagens e a utilizarem os meios de transporte público.
Um dos objetivos principais do compartilhamento de bicicletas e patinetes elétricos é – sem sombra de dúvida – a redução significativa dos congestionamentos, especialmente nas grandes áreas urbanas. Uma pesquisa conduzida nos Estados Unidos constatou que, de 50.000.000 (cinquenta milhões) de viagens de carro realizadas em outubro de 2018, 48% (quarenta e oito por cento) tiveram percursos de menos de 4,8 km, perfeitamente factíveis de serem percorridos por bicicletas ou por patinetes elétricos[10]. Em Washington DC, um estudo apontou que o compartilhamento de bicicletas havia gerado, já em 2016, a sensível redução de 4% (quatro por cento) no total de congestionamentos[11].
Com todos esses benefícios, e a conveniência trazida pelo desenvolvimento tecnológico – que torna possível alugar equipamentos pelo smartphone, e localizá-los em qualquer lugar com sistemas de GPS embutidos –, os serviços de micromobilidade já haviam saturado as megacidades chinesas em 2018[12], e, a partir daí, ganharam o mundo.
Contudo, velocidade da disseminação global desses empreendimentos de compartilhamento de ativos – principalmente de mobilidade – trouxe inúmeros desafios, tais como a necessidade de regulação, a concorrência crescente espremendo as margens de lucros, e a demanda por atualização constante dos equipamentos, especialmente em razão de uma tendência mundial recente à substituição de bicicletas por patinetes elétricos, mais convenientes e portáteis[13].
Os serviços de micromobilidade, que já enfrentavam essas dores do crescimento, foram levados, no primeiro semestre de 2020, ao colapso financeiro com a pandemia do novo coronavírus. Com as ruas vazias e as pessoas em suas casas, a demanda por bicicletas e patinetes elétricos desapareceu, levando à completa paralisação de serviços de compartilhamento.
As demissões em massa neste segmento foram inevitáveis no mundo todo. Há relatos de que as startups de transporte – as que mais sofreram com a crise gerada pela pandemia – demitiram mais de 10.000 (dez mil) pessoas somente nos Estados Unidos desde março de 2020.
Em relação às startups Yellow e Grin o cenário não poderia ser pior. Isto porque, com a pandemia de COVID-19, todas as cidades em que essas companhias atuavam entraram em quarentena desde o mês de março de 2020, forçando a paralisação de suas atividades e reduzindo seu faturamento a praticamente zero.
As expectativas de retorno breve às atividades foram frustradas, e, com a ausência de receitas, o capital de giro das startups foi consumido pelo pagamento de funcionários e de outras despesas. Sem recursos, o Grupo Grow não pôde honrar seus compromissos perante terceiros, tais como locadores dos galpões em que ficam armazenados os patinetes e bicicletas, fornecedores de tecnologia e de sistemas operacionais para a operação dos equipamentos, e funcionários, levando a 525 (quinhentos e vinte e cinco) demissões em maio e junho de 2020.
Já não bastasse tal situação, o Grupo Grow ainda enfrentara uma demanda pela constante renovação dos equipamentos, muitos deles importados, o que exige investimentos vultosos. Além disso, o excesso de regulamentação – que vai de encontro com o modelo de negócios das companhias (pautado pela liberdade dos usuários utilizarem os equipamentos e deixarem em qualquer lugar) – também foram um entrave ao prosseguimento das operações.
Conforme relato das próprias startups na exordial do pedido de recuperação judicial, algumas cidades passaram a travar verdadeiras cruzadas contra o Grupo Grow, buscando regulamentar os serviços, criando regras e estabelecendo taxas e outras cobranças que oneraram demasiadamente a operação[14].
Rememora-se, por oportuno, que a Município de São Paulo/SP chegou a apreender 1.067 (mil e sessenta e sete) patinetes elétricos do Grupo Grow em maio de 2019 e exigir o pagamento de multa de R$ 914.000,00 (novecentos e quatorze mil reais) para devolvê-los[15]. A maioria desses patinetes foi danificada pelos fiscais da prefeitura, que recolhiam todos os que encontravam na rua e os empilhavam em caminhões, segundo relato das próprias startups[16].
Não restou outra alternativa senão o pedido de recuperação judicial para ter o fôlego necessário que lhe permita superar o momento delicado, reestruturar suas dívidas, captar novos recursos e retomar as suas atividades, conforme será brevemente analisado neste artigo.
3. A recuperação judicial como instrumento de soerguimento da companhia em crise.
A atividade empresária e a dinâmica das relações comerciais têm reflexos tão profundos na sociedade que surgiu a necessidade de um regramento específico e sistematizado para constituição e dissolução das companhias, estruturações societárias, circulação de ativos, meios de captação de crédito com suas respectivas garantias, além de uma legislação que preveja mecanismos de proteção às empresas em crise e meios viáveis de soerguimento.
Instaurada a crise da companhia, não apenas o interesse dos credores poderá ser comprometido. A baixa na concorrência inflaciona os preços, diminui a qualidade da oferta e coloca pressão no sistema como um todo. O fechamento de empresas faz o desemprego disparar e, como consequência lógica, os indicadores sociais tendem a indicar uma piora na qualidade de vida da população em geral, acentuando um processo de desigualdade social.
Acerca da crise econômico-financeira, nos ensina o Prof. Ricardo Negrão que:
“Empresa, sob o aspecto funcional, é, por definição legal (CC, art. 966), o exercício de atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Se, por um fator ou pela soma de uma multiplicidade de fatores endógenos ou exógenos à empresa – má gestão, enfermidade do empresário ou de pessoa de sua família, crise política, má conservação de estradas de acesso à localidade em que se situa o estabelecimento empresarial, catástrofes climáticas ou ecológicas na região de produção ou de fornecimento de matéria à transformação ou circulação da mercadoria, crises internacionais, guerras, revoluções, atos de terrorismo, política regional ou nacional, perda da qualidade ou falta de atualização do produto ou do serviço etc. –, o volume dos negócios inviabiliza a continuação da atividade-fim da empresa, a crise econômica estará configurada.
É possível que empresas economicamente saudáveis sofram crises financeiras, momentâneas ou não, em razão da insuficiência de recursos financeiros para o pagamento das obrigações assumidas.
(...)
Prolongando-se a crise, sem a remoção de suas causas e a satisfação dos créditos dos fornecedores e demais credores, inviável se torna a continuação dos negócios, arrastando o empresário a irreversível estado falimentar, que se torna público pela cessação de pagamentos, pelo abandono ou por sua constante ausência do estabelecimento empresarial, pelo uso de mecanismos de liquidação anormal de seus ativos e de meios ruinosos ou ilícitos para satisfação de suas dívidas”[17].
Para incentivar o empreendedorismo, cria-se uma legislação voltada à “socialização das perdas”, caso a atividade empresarial fracasse. Como o empreendimento, caso fosse próspero, geraria efeitos positivos a toda sociedade, a lei falimentar assegura que, na hipótese de a atividade empresarial não prosperar, os efeitos adversos também seriam repartidos com a coletividade, quase como um sistema de compensação ao risco assumido. Nas palavras do Prof. Marcelo Barbosa Sacramone:
“Diante de uma estrutura tecnológica desatualizada, uma administração ineficiente ou uma capacidade produtiva incoerente com a demanda por produtos e serviços, a crise econômica que acomete o empresário poderá ser irreversível. Nesse contexto, a execução coletiva dos bens do devedor, a falência, extirpa do mercado o empresário ineficiente para que os recursos e fatores de produção por ele anteriormente utilizados sejam empregados em uma atividade mais útil a todo o sistema. Garante-se, com isso, que o agente econômico que descumpra suas obrigações seja retirado do mercado antes de afetar a confiança dos demais agentes econômicos e comprometer o crédito geral, com prejuízo a toda a coletividade.”[18]
Quando a crise empresarial, contudo, não é irreversível, mas apenas temporária, o Estado cria o instituto da recuperação judicial como instrumento de proteção aos ativos da companhia economicamente recuperável, permitindo que devedor tenha tempo e instrumentos para renegociar seu passivo e, com isso, promover o soerguimento da companhia. A recuperação judicial, portanto, é um procedimento voluntário de negociação coletiva em que o juízo atua – única e exclusivamente – como fiscal da legalidade sobre os atos praticados.
Nas palavras dos Professores Fredie Didier Jr., Paula Sarno Braga e Felipe Vieira Batista:
“A recuperação judicial, em seu módulo principal, desenvolve-se por meio de processo de fiscalização e integração da vontade negocial coletiva, não pressupondo a existência prévia de litígio. Ou seja, trata-se de processo voltado a viabilizar a formação e homologação de plano de recuperação judicial. Consequentemente, é possível entender a recuperação judicial como exercício de jurisdição voluntária, sendo certo que tal conclusão se presta: (i) a justificar a aplicação do art. 723, parágrafo único, do CPC, ao processo de recuperação, explicando, assim, a abertura à criatividade judicial; e (ii) trazer clareza quanto à própria estruturação do processo, facilitando, inclusive, a organização procedimental de eventuais incidentes que demandem resposta jurisdicional que não seja enquadrável como jurisdição voluntária.”[19]
Para a utilização do instituto, contudo, pressupõem-se que a atividade esteja acometida por uma crise econômico-financeira sanável. Esse estado de crise não pressupõe o inadimplemento já ocorrido das obrigações. A crise econômico-financeira se caracteriza quando o devedor, ainda que transitoriamente, não possua recursos financeiros disponíveis para satisfazer uma prestação vencida ou vincenda, ainda que seus ativos permanentes sejam suficientes para a satisfação de todo o passivo.
Novamente nos valendo das lições do Prof. Marcelo Barbosa Sacramoe[20], a partir da distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor perde sua autonomia patrimonial e apenas poderá alienar ou onerar seus bens do ativo permanente com autorização judicial e após ouvidos os credores, caso essa alienação não tenha sido submetida à aprovação dos credores no plano de recuperação judicial (art. 66, da LRF[21]). Não poderá, inclusive, satisfazer suas obrigações vencidas, com o pagamento de uma parte dos credores, exceto se houver aprovação dos credores no plano de recuperação judicial (art. 172, da LRF[22]).
Por outro lado, obstaram-se os comportamentos oportunistas dos diversos credores que, ao sinal de crise econômica do devedor, pretendessem maximizar sua utilidade pessoal e obter a satisfação de seus créditos individuais, ainda que pudessem comprometer a satisfação dos demais credores.
Nota-se que esse comportamento cooperativo entre os credores foi incentivado mediante a suspensão de suas ações e execuções com o deferimento do pedido de processamento da recuperação judicial (art. 6º, da LRF[23]). A suspensão propicia que, por maioria, buscassem os credores uma solução comum para a satisfação de todos os débitos, seja pela novação de suas obrigações na recuperação judicial das empresas viáveis, seja por meio da liquidação dos ativos da empresa inviável, por ocasião da decretação de eventual falência.
Para permitir que o instituto pudesse efetivamente reestruturar a atividade do devedor, foram ampliados os meios de recuperação, os quais poderão ser previstos livremente pelo devedor em seu plano de recuperação judicial, conforme a necessidade da reestruturação e a complexidade da atividade empresarial. Ademais, todos os credores, e não mais os quirografários, submeter-se-ão à recuperação judicial (art. 49, da LRF[24]).
A recuperação judicial deve ser definida, assim, justamente com base nessa finalidade de propiciar o comportamento colaborativo de todos os credores em prol da superação da crise empresarial. É instituto jurídico criado para permitir ao devedor rediscutir com os seus credores, num ambiente institucional, a viabilidade econômica da empresa e de sua condução pelo empresário para a satisfação das obrigações sociais, conforme plano de recuperação proposto e que, se aprovado pelos credores em Assembleia Geral, implicará a novação de suas obrigações.
Ademais, nos termos do art. 47, da LRF[25], o pleito recuperacional tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.
Neste contexto, destaca-se a importância ao ambiente de negócios que o instituto da recuperação judicial causa à dinâmica da economia brasileira, facilitando a entrada de novas companhias em território nacional, para geração de emprego, renda e impostos, que serão revertidos em uma melhor qualidade de vida à população de um modo geral.
4. Os meios de recuperação propostos pelo Grupo Grow e suas possíveis replicações para outras startups.
Com o objetivo de viabilizar a superação da situação de crise-econômico-financeira e a manutenção de suas atividades, o Grupo Grow propôs a adoção dos meios de recuperação em três pilares no seu Plano de Recuperação Judicial (“PRJ”), conforme art. 50, da LRF[26]:
(a) Reestruturação dos Créditos Concursais, com a concessão de prazos e condições especiais para o pagamento dos Créditos Concursais;
(b) Realização de transações societárias, inclusive para otimizar e racionalizaras suas atividades, podendo adotar uma estrutura simplificada e menos custosa para consolidar suas operações; e
(c) Obtenção de novos recursos para suas operações, inclusive por meio de aumento de capital, contratação de novos financiamentos, emissão de títulos ou valores mobiliários, ou alienação de ativos ou oneração, observado os termos deste Plano.
Acerca dos meios de recuperação judicial, nos ensina os Profs. João Pedro Scalzilli, Luis Felipe Spinelli, Rodrigo Tellechea que:
“O art. 50 da LREF elenca uma série de técnicas recuperatórias, chamadas “meios de recuperação judicial”, que poderão ser utilizadas pelo devedor em seu plano. Trata-se de um rol exemplificativo, de modo que o devedor pode se valer de outros expedientes para superar a situação de crise (devendo, como regra, o plano estar relacionado ao próprio patrimônio do devedor em recuperação).
Os meios de recuperação deverão ser descritos pormenorizadamente e, após, apresentados resumidamente para facilitar o exame global do plano. Ou seja: não basta uma descrição genérica dos meios de recuperação descritos no art. 50 da LREF.
(...)
As técnicas recuperatórias podem ser as mais variadas, podendo ir desde uma simples reestruturação do perfil da dívida, de modo a adequar seus montantes e vencimentos à capacidade de pagamento da sociedade, até uma complexa reorganização societária ou remodelação administrativa.
O art. 50 da LREF elenca mais de duas dezenas de formas por meio das quais a empresa em crise pode buscar sua recuperação judicial, autorizando, expressamente, que meios alternativos venham a ser empregados para reestruturar e sanear a empresa”[27].
Em complemento, vale a pena citar as lições do Prof. Luiz Roberto Ayoub:
A reestruturação do passivo da empresa devedora é um dos modos de recuperação. Assim, pode o plano de recuperação judicial conter cláusula que estabeleça abatimentos e dilações ao pagamento do passivo concursal, isto é, cláusula pertinente ao valor e ao prazo para pagamento do passivo concursal. Nessa cláusula, de regra o devedor goza de grande liberdade – inclusive por conta do contrapeso consistente na soberania da assembleia geral de credores para rejeitar o plano –, podendo o plano de recuperação judicial prever prazo para pagamento superior a dois anos.
A grande maioria dos planos de recuperação contém cláusula a prever prazo de carência de dois anos para o início do pagamento do passivo concursal. Essa cláusula é devida à norma do art. 61, § 1º, da LRF, que estabelece que durante a fase de cumprimento do plano, que durará de regra dois anos, o descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano acarretará a convolação da recuperação judicial em falência. Após esse período, com o encerramento da recuperação judicial, o descumprimento de obrigação assumida no plano não acarreta em convolação da recuperação judicial em falência. Conquanto as empresas devedoras possuam grande liberdade para estabelecer o prazo de carência para início do pagamento (desde que, por óbvio, haja aceitação dos credores), já houve julgados limitando este prazo,54 em que pese a ausência de disposição legal expressa nesse sentido.
Da mesma maneira, a empresa devedora pode apresentar plano que contenha abatimentos no valor a ser pago aos credores. Aqui, consoante observa Luiz Inácio Vigil, “não há, também, a imposição para qualquer limite legal no valor a ser pago, pois isso contraria o princípio da negociação que prepondera no regime recuperatório”. Com efeito, já se concedeu, por exemplo, recuperação judicial, cujo plano de recuperação que impunha a credores quirografários abatimento de 58% do valor dos créditos. Entretanto, já se cassou decisão de concessão de recuperação judicial cujo plano de recuperação aprovado pelos credores continha previsão de abatimento de 90% do valor dos créditos.
O plano de recuperação judicial também pode prever modo diverso de pagar os credores. Assim, credores titulares de crédito pecuniário poderão receber seus créditos por dação em pagamento de bens da empresa ou participações societárias. Nesse caso, se aprovado o plano pela assembleia geral de credores, o credor não terá como insurgir-se contra a dação em pagamento.
Chama a atenção que Grupo Grow retomou as suas atividades, inicialmente com o fornecimento de patinetes e know-how para operações em regiões do interior, e pretende voltar a operar seus próprios patinetes em capitas brasileiras.
Tal medida pode ser de grande valia para outras startups que pretendem recuperar seus negócios. Isto porque, um dos maiores (senão o maior) ativo de companhias inovadoras é o seu know-how e apetite por inovação. Como é de conhecimento geral, essas micro e pequenas empresas geralmente não possuem capital elevado ou ativos que possam ser liquidados e satisfazer o crédito de credores concursais.
Ao prever a “alienação” de sua experiência em um modelo de negócios inovador, a startup garante uma percepção de renda futura sem grandes custos, além de disseminar um modelo de negócios que tem potencial de impactar positivamente a vida de diversas localidades (cumprindo com os princípios previstos no art. 3º, do Marco Legal das Startups[28]) que não seriam alcançadas, haja vista a dificuldade em dar escala ao negócio dessas companhias.
Além do fornecimento do know-how para operações em regiões do interior – o que por si só já seria um grande incentivo à aprovação do PRJ – o Grupo Grow previu a alienação de um máximo de 5.400 (cinco mil e quatrocentos) patinetes elétricos para satisfação dos Credores Quirografários que escolherem uma opção específica do PRJ e do oferecimento em garantia de até 5.000 (cinco mil) patinetes para os Credores Trabalhistas – avaliados conjuntamente no valor de R$ 9.000.000,0 (nove milhões de reais) – que também escolherem por uma opção específica do PRJ. Após a alienação dos patinetes prevista no Plano, o Grupo Grow estima que haverá cerca de 7.000 (sete mil) patinetes alocados para a operação.
Sobre a alienação de ativos da companhia em recuperação judicial, nos ensina o Prof. Marcelo Barbosa Sacramone que:
“Um dos meios de recuperação judicial mais utilizado para a reestruturação do empresário e a obtenção de capital é a alienação de bens próprios, que permite ao empresário concentrar seus recursos no desenvolvimento da atividade empresarial mais lucrativa e reduzir os custos de manutenção e conservação de uma estrutura sem maior utilidade ou lucratividade.
A alienação garante também o atendimento da preservação da empresa e de sua função social. A aquisição de estabelecimento permite que o arrematante desenvolva a atividade empresarial de modo mais eficiente com o ativo adquirido, com a manutenção de postos de trabalho, fornecimento dos produtos aos consumidores, circulação de riqueza etc.
Salvo casos excepcionais, em que se exigirá o reconhecimento judicial da evidente utilidade da venda, após a oitiva do Comitê de Credores, a alienação ou oneração de ativos permanentes da recuperanda é proibida após a distribuição do pedido de recuperação judicial, exceto se prevista no plano de recuperação judicial e aprovada pelos credores460. A anuência dos credores é necessária porque a alienação de ativos poderá comprometer a satisfação dos credores por ocasião de eventual liquidação dos bens na falência, além de ser parte da proposta realizada pelo devedor para que estruture sua atividade e consiga satisfazer os credores”[29].
No caso específico do Grupo Grow, a alienação de parte dos patinetes elétricos (além de proporcionar a geração de caixa para que a companhia possa honrar com seus compromissos financeiros, ainda propiciará o investimento em equipamentos mais modernos, tecnologia na gestão dos patinetes, além de reduzir os custos da frota e a demanda por pessoas e logística no recolhimento e recarga dos mesmos.
A recuperação judicial é um instituto do direito de insolvência voltado a conferir uma oportunidade à determinada atividade empresarial de superação de uma situação de crise econômico-financeira momentânea. Em abandono ao instituto da concordata, cuja solução era eminentemente legalista e com alta intervenção judicial, o legislador buscou conferir, por meio da recuperação judicial, uma solução de mercado à superação da crise da empresa, mediante a discussão e eventual aprovação pelos credores do empresário de um plano de soerguimento por ele apresentado.
Isso porque, a recuperação de uma atividade empresarial necessidade soluções econômicas para que haja possibilidade de sucesso. Depende de escolhas inerentes ao exercício da livre iniciativa e somente aqueles que estão no mercado é que possuem condições de avaliar se as escolhas propostas pelo empresário podem ser suscetíveis de êxito no âmbito do empreendedorismo.
No mais, a lógica do processo de recuperação de empresas reside na divisão de ônus entre os agentes de mercado, com vistas à consecução do bem maior representado pelos benefícios sociais decorrentes da manutenção da atividade empresarial.
No leading case brevemente analisado neste artigo, entendeu-se que as startups são viáveis e, portanto, justifica-se a imposição de ônus compartilhados aos interessados privados, vez que o resultado social é relevante e deve ser prestigiado pela lei, ainda que fora do âmbito das partes do processo.
Conclui-se, portanto, que a recuperação judicial é um instrumento de grande valia para companhias em crise e ainda mais para aquelas que fomentam o empreendedorismo inovar e têm o poder de impactar favoravelmente a vida e o cotidianos da sociedade.
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[1] YELLOW SOLUÇÕES DE MOBILIDADE LTDA., sociedade limitada inscrita no CNPJ sob o nº 28.387.822/0001-96 (“Yellow”), sede no Estado de São Paulo, cidade de São Paulo, na Rua Tabapuã, nº 743, Itaim Bibi, CEP 04.533-012.
[2] GRIN MOBILIDADE LTDA., sociedade limitada inscrita no CNPJ sob o nº 30.099.297/0001-55 (“Grin”), sede no Estado de São Paulo, cidade de São Paulo, na Rua Tabapuã, nº 743, Itaim Bibi, CEP 04.533-012.
[3] “Saldo da pandemia: prejuízo no transporte chega a R$ 25 bilhões”. Summit Mobilidade 2022. Disponível em <https://summitmobilidade.estadao.com.br/compartilhando-o-caminho/saldo-da-pandemia-prejuizo-no-transporte-chega-a-r-25-bilhoes/#:~:text=O%20relatório%20da%20NTU%20analisou,mensal%20de%20todo%20o%20setor>. Acesso em 19/6/2022.
[4] "Mais de 600 mil pequenas empresas fecharam as portas com coronavírus". CNN Brasil, 2020. Disponível em: <https://www.cnnbrasil.com.br/business/2020/04/09/mais-de-600-mil-pequenas-empresas-fecharam-as-portas-com-coronavirus>. Acesso em 19/6/2022.
[5] "Brasil teve 1.239 recuperações judiciais e falências em 2021". Poder 360, 2022. Disponível em: < https://www.poder360.com.br/justica/brasil-teve-1-239-recuperacoes-judiciais-e-falencias-em-2021/>. Acesso em 19/6/2022.
[6] YELLOW SOLUÇÕES DE MOBILIDADE LTDA., sociedade limitada inscrita no CNPJ sob o nº 28.387.822/0001-96 (“Yellow”).
[7] GRIN MOBILIDADE LTDA., sociedade limitada inscrita no CNPJ sob o nº 30.099.297/0001-55 (“Grin”).
[8] Neologismo que se refere à movimentação de passageiros por curtas distâncias.
[9] Recuperação Judicial autuada sob o nº 1066734-09.2020.8.26.0100, em trâmite perante a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Foro Central da Comarca de São Paulo/SP (“Recuperação Judicial”).
[10] “INRIX: shared bikes and scooters could replace nearly 50% of downtown vehicle trips”. Green Car Congress, 2019. Disponível em: <https://www.greencarcongress.com/2019/09/20190909-inrix.html>. Acesso em 19/6/2022.
[11] “Study: D.C. Bike-Share Cut Neighborhood Congestion 4 Percent”. Streets Blog USA, 2017. Disponível em: < https://usa.streetsblog.org/2017/01/09/study-d-c-bike-share-cut-neighborhood-congestion-4-percent/>. Acesso em 19/6/2022.
[12] “The Trouble with Sharing: China's Bike Fever Has Reached Saturation Point”. TIME, 2018. Disponível em: < https://time.com/5218323/china-bicycles-sharing-economy/>. Acesso em 19/6/2022.
[13] “Why Are Bike Share Companies Pivoting to E-Scooters?”. Bicycling, 2019. Disponível em: < https://www.bicycling.com/news/a26623484/lime-bikes-scooters/>. Acesso em 19/6/2022.
[14] “Prefeitura da capital publica nova regulamentação para o serviço de patinetes elétricos”. G1, 2020. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/sp1/video/prefeitura-da-capital-publica-nova-regulamentacao-para-o-servico-de-patinetes-eletricos-7832974.ghtml>. Acesso em 19/6/2022.
[15] “Empresa de patinetes vai ter que pagar R$ 914 mil para recuperar equipamentos apreendidos em SP”. G1, 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/06/06/empresa-tera-de-pagar-r-914-mil-a-prefeitura-de-sp-para-ter-de-volta-patinetes-apreendidos.ghtml>. Acesso em 19/6/2022.
[16] “Prefeitura de São Paulo apreende patinetes elétricos no primeiro dia de fiscalização”. G1, 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/05/29/prefeitura-de-sao-paulo-apreende-patinetes-eletricos-no-primeiro-dia-de-fiscalizacao.ghtml>. Acesso em 19/6/2022.
[17] NEGRÃO, Ricardo. Falência e recuperação de empresas: aspectos objetivos da lei 11.101/2005 / Ricardo Negrão. – 6. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019. Págs. 198/199.
[18] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 3ª ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2022. Pág. 55.
[19] JÚNIOR, Fredie Didier; BRAGA, Paula Sarno e BATISTA, Felipe Vieira, A recuperação judicial como jurisdição voluntária: um ponto de partida para estruturação do procedimento, Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro/RJ, nº 79, págs. 119/142, março, 2021. (g.n.)
[20] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 3ª ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2022. Pág. 248.
[21] Art. 66. Após a distribuição do pedido de recuperação judicial, o devedor não poderá alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo não circulante, inclusive para os fins previstos no art. 67 desta Lei, salvo mediante autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê de Credores, se houver, com exceção daqueles previamente autorizados no plano de recuperação judicial.
§ 1º Autorizada a alienação de que trata o caput deste artigo pelo juiz, observar-se-á o seguinte:
I - nos 5 (cinco) dias subsequentes à data da publicação da decisão, credores que corresponderem a mais de 15% (quinze por cento) do valor total de créditos sujeitos à recuperação judicial, comprovada a prestação da caução equivalente ao valor total da alienação, poderão manifestar ao administrador judicial, fundamentadamente, o interesse na realização da assembleia-geral de credores para deliberar sobre a realização da venda;
II - nas 48 (quarenta e oito) horas posteriores ao final do prazo previsto no inciso I deste parágrafo, o administrador judicial apresentará ao juiz relatório das manifestações recebidas e, somente na hipótese de cumpridos os requisitos estabelecidos, requererá a convocação de assembleia-geral de credores, que será realizada da forma mais célere, eficiente e menos onerosa, preferencialmente por intermédio dos instrumentos referidos no § 4º do art. 39 desta Lei.
§ 2º As despesas com a convocação e a realização da assembleia-geral correrão por conta dos credores referidos no inciso I do § 1º deste artigo, proporcionalmente ao valor total de seus créditos.
§ 3º Desde que a alienação seja realizada com observância do disposto no § 1º do art. 141 e no art. 142 desta Lei, o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do adquirente nas obrigações do devedor, incluídas, mas não exclusivamente, as de natureza ambiental, regulatória, administrativa, penal, anticorrupção, tributária e trabalhista.
§ 4º O disposto no caput deste artigo não afasta a incidência do inciso VI do caput e do § 2º do art. 73 desta Lei.
[22] Art. 172. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar plano de recuperação extrajudicial, ato de disposição ou oneração patrimonial ou gerador de obrigação, destinado a favorecer um ou mais credores em prejuízo dos demais:
Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Parágrafo único. Nas mesmas penas incorre o credor que, em conluio, possa beneficiar-se de ato previsto no caput deste artigo.
[23] Art. 6º A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial implica:
I - suspensão do curso da prescrição das obrigações do devedor sujeitas ao regime desta Lei;
II - suspensão das execuções ajuizadas contra o devedor, inclusive daquelas dos credores particulares do sócio solidário, relativas a créditos ou obrigações sujeitos à recuperação judicial ou à falência;
III - proibição de qualquer forma de retenção, arresto, penhora, sequestro, busca e apreensão e constrição judicial ou extrajudicial sobre os bens do devedor, oriunda de demandas judiciais ou extrajudiciais cujos créditos ou obrigações sujeitem-se à recuperação judicial ou à falência.
§ 1º Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando a ação que demandar quantia ilíquida.
§ 2º É permitido pleitear, perante o administrador judicial, habilitação, exclusão ou modificação de créditos derivados da relação de trabalho, mas as ações de natureza trabalhista, inclusive as impugnações a que se refere o art. 8º desta Lei, serão processadas perante a justiça especializada até a apuração do respectivo crédito, que será inscrito no quadro-geral de credores pelo valor determinado em sentença.
§ 3º O juiz competente para as ações referidas nos §§ 1º e 2º deste artigo poderá determinar a reserva da importância que estimar devida na recuperação judicial ou na falência, e, uma vez reconhecido líquido o direito, será o crédito incluído na classe própria.
§ 4º Na recuperação judicial, as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão pelo prazo de 180 (cento e oitenta) dias, contado do deferimento do processamento da recuperação, prorrogável por igual período, uma única vez, em caráter excepcional, desde que o devedor não haja concorrido com a superação do lapso temporal.
§ 4º-A. O decurso do prazo previsto no § 4º deste artigo sem a deliberação a respeito do plano de recuperação judicial proposto pelo devedor faculta aos credores a propositura de plano alternativo, na forma dos §§ 4º, 5º, 6º e 7º do art. 56 desta Lei, observado o seguinte:
I - as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo não serão aplicáveis caso os credores não apresentem plano alternativo no prazo de 30 (trinta) dias, contado do final do prazo referido no § 4º deste artigo ou no § 4º do art. 56 desta Lei;
II - as suspensões e a proibição de que tratam os incisos I, II e III do caput deste artigo perdurarão por 180 (cento e oitenta) dias contados do final do prazo referido no § 4º deste artigo, ou da realização da assembleia-geral de credores referida no § 4º do art. 56 desta Lei, caso os credores apresentem plano alternativo no prazo referido no inciso I deste parágrafo ou no prazo referido no § 4º do art. 56 desta Lei.
§ 5º O disposto no § 2º deste artigo aplica-se à recuperação judicial durante o período de suspensão de que trata o § 4º deste artigo.
§ 6º Independentemente da verificação periódica perante os cartórios de distribuição, as ações que venham a ser propostas contra o devedor deverão ser comunicadas ao juízo da falência ou da recuperação judicial:
I – pelo juiz competente, quando do recebimento da petição inicial;
II – pelo devedor, imediatamente após a citação.
§ 7º-A. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica aos créditos referidos nos §§ 3º e 4º do art. 49 desta Lei, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º deste artigo, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código.
§ 7º-B. O disposto nos incisos I, II e III do caput deste artigo não se aplica às execuções fiscais, admitida, todavia, a competência do juízo da recuperação judicial para determinar a substituição dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital essenciais à manutenção da atividade empresarial até o encerramento da recuperação judicial, a qual será implementada mediante a cooperação jurisdicional, na forma do art. 69 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), observado o disposto no art. 805 do referido Código.
§ 8º A distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial ou a homologação de recuperação extrajudicial previne a jurisdição para qualquer outro pedido de falência, de recuperação judicial ou de homologação de recuperação extrajudicial relativo ao mesmo devedor.
§ 9º O processamento da recuperação judicial ou a decretação da falência não autoriza o administrador judicial a recusar a eficácia da convenção de arbitragem, não impedindo ou suspendendo a instauração de procedimento arbitral.
§ 11. O disposto no § 7º-B deste artigo aplica-se, no que couber, às execuções fiscais e às execuções de ofício que se enquadrem respectivamente nos incisos VII e VIII do caput do art. 114 da Constituição Federal, vedados a expedição de certidão de crédito e o arquivamento das execuções para efeito de habilitação na recuperação judicial ou na falência.
§ 12. Observado o disposto no art. 300 da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), o juiz poderá antecipar total ou parcialmente os efeitos do deferimento do processamento da recuperação judicial.
§ 13. Não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial os contratos e obrigações decorrentes dos atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados, na forma do art. 79 da Lei nº 5.764, de 16 de dezembro de 1971, consequentemente, não se aplicando a vedação contida no inciso II do art. 2º quando a sociedade operadora de plano de assistência à saúde for cooperativa médica.
[24] Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.
§ 1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.
§ 2º As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.
§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
§ 4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.
§ 5º Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o § 4º do art. 6º desta Lei.
§ 6º Nas hipóteses de que tratam os §§ 2º e 3º do art. 48 desta Lei, somente estarão sujeitos à recuperação judicial os créditos que decorram exclusivamente da atividade rural e estejam discriminados nos documentos a que se referem os citados parágrafos, ainda que não vencidos.
§ 7º Não se sujeitarão aos efeitos da recuperação judicial os recursos controlados e abrangidos nos termos dos arts. 14 e 21 da Lei nº 4.829, de 5 de novembro de 1965. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
§ 8º Estarão sujeitos à recuperação judicial os recursos de que trata o § 7º deste artigo que não tenham sido objeto de renegociação entre o devedor e a instituição financeira antes do pedido de recuperação judicial, na forma de ato do Poder Executivo. (Incluído pela Lei nº 14.112, de 2020) (Vigência)
§ 9º Não se enquadrará nos créditos referidos no caput deste artigo aquele relativo à dívida constituída nos 3 (três) últimos anos anteriores ao pedido de recuperação judicial, que tenha sido contraída com a finalidade de aquisição de propriedades rurais, bem como as respectivas garantias.
[25] Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
[26] Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:
I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;
II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;
III – alteração do controle societário;
IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;
V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;
VI – aumento de capital social;
VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;
VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;
IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;
X – constituição de sociedade de credores;
XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;
XIV – administração compartilhada;
XV – emissão de valores mobiliários;
XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.
XVII - conversão de dívida em capital social;
XVIII - venda integral da devedora, desde que garantidas aos credores não submetidos ou não aderentes condições, no mínimo, equivalentes àquelas que teriam na falência, hipótese em que será, para todos os fins, considerada unidade produtiva isolada.
§ 1º Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.
§ 2º Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial será conservada como parâmetro de indexação da correspondente obrigação e só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação judicial.
§ 3º Não haverá sucessão ou responsabilidade por dívidas de qualquer natureza a terceiro credor, investidor ou novo administrador em decorrência, respectivamente, da mera conversão de dívida em capital, de aporte de novos recursos na devedora ou de substituição dos administradores desta.
§ 4º O imposto sobre a renda e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) incidentes sobre o ganho de capital resultante da alienação de bens ou direitos pela pessoa jurídica em recuperação judicial poderão ser parcelados, com atualização monetária das parcelas, observado o seguinte:
I - o disposto na Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002; e
II - a utilização, como limite, da mediana de alongamento no plano de recuperação judicial em relação aos créditos a ele sujeitos.
§ 5º O limite de alongamento de prazo a que se refere o inciso II do § 4º deste artigo será readequado na hipótese de alteração superveniente do plano de recuperação judicial.
[27] SPINELLI, Luis Felipe; TELLECHEA, Rodrigo; SCALZILLI, João Pedro. RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS E FALÊNCIA TEORIA E PRÁTICA NA LEI 11.101/2005. 3ª ed., São Paulo: Editora Almedina, 2018. Pág. 444/445.
[28] Art. 3º Esta Lei Complementar é pautada pelos seguintes princípios e diretrizes:
I - reconhecimento do empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental;
II - incentivo à constituição de ambientes favoráveis ao empreendedorismo inovador, com valorização da segurança jurídica e da liberdade contratual como premissas para a promoção do investimento e do aumento da oferta de capital direcionado a iniciativas inovadoras;
III - importância das empresas como agentes centrais do impulso inovador em contexto de livre mercado;
IV - modernização do ambiente de negócios brasileiro, à luz dos modelos de negócios emergentes;
V - fomento ao empreendedorismo inovador como meio de promoção da produtividade e da competitividade da economia brasileira e de geração de postos de trabalho qualificados;
VI - aperfeiçoamento das políticas públicas e dos instrumentos de fomento ao empreendedorismo inovador;
VII - promoção da cooperação e da interação entre os entes públicos, entre os setores público e privado e entre empresas, como relações fundamentais para a conformação de ecossistema de empreendedorismo inovador efetivo;
VIII - incentivo à contratação, pela administração pública, de soluções inovadoras elaboradas ou desenvolvidas por startups, reconhecidos o papel do Estado no fomento à inovação e as potenciais oportunidades de economicidade, de benefício e de solução de problemas públicos com soluções inovadoras; e
IX - promoção da competitividade das empresas brasileiras e da internacionalização e da atração de investimentos estrangeiros.
[29] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência. 3ª ed., São Paulo: Saraiva Educação, 2022. Pág. 355.
Advogado com atuação especializada em Direito Empresarial, Insolvência (Recuperação Judicial e Falência) e Resolução de Conflitos Estratégicos nos âmbitos Judicial e Arbitral. Graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, com indicação a melhor trabalho acadêmico de 2018. Mestrando em Direito Comercial pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Pós-graduado em Recuperação Judicial e Falência da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Pós-graduado em Direito Contratual no Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (IBMEC). Extensão em Direito Societário Contencioso e Consultivo (Coord. Prof. Dr. Pedro Ramunno)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PEREIRA, Felipe Benfato. A recuperação judicial de startups: uma breve análise do pleito recuperacional do Grupo Grow Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 jul 2022, 04:19. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58854/a-recuperao-judicial-de-startups-uma-breve-anlise-do-pleito-recuperacional-do-grupo-grow. Acesso em: 23 dez 2024.
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