RESUMO: O Código Penal (artigo 68) adota o sistema trifásico na aplicação da pena privativa de liberdade. Na segunda fase da dosimetria, incidem as circunstâncias agravantes e atenuantes. Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula nº 231, que dispõe: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. Com olhar atento aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988, e sob a perspectiva de um processo penal que deve ser instrumento para fins de se assegurar esses mesmos dispositivos da Lei Maior, deve-se proceder a uma leitura crítica do enunciado da Corte Cidadã, dado que há manifesta violação do princípio da individualização da pena. Nesse rumo, o Defensor Público, em sua atuação prática, deve se utilizar de tese defensiva para fins de ver afastada a súmula ora comentada, garantindo, desse modo, o respeito aos direitos subjetivos dos assistidos da Defensoria Pública.
PALAVRAS-CHAVES: sistema trifásico; Súmula nº 231; Constituição; princípio da individualização da pena; Defensoria Pública.
INTRODUÇÃO
O presente artigo tem por objetivo fazer uma breve análise sobre a (in)constitucionalidade e a ilegalidade da súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe sobre a impossibilidade, no contexto da segunda fase da aplicação da pena privativa de liberdade, de se conduzir à redução da reprimenda abaixo do mínimo legal a partir da incidência de eventual circunstância atenuante.
De um lado a pacificação do entendimento jurisprudencial em enunciado de súmula, a atividade processual penal deve se orientar por uma leitura constitucional, uma vez que o processo não é mais que um instrumento, cujo fim que se busca deve ser sempre conduzido pelo caminho do respeito e efetivação dos direitos e garantias fundamentais.
Inegável, portanto, a necessidade de um olhar crítico sobre a orientação sumulada pela Corte Cidadã, em virtude de sua evidente contradição com o princípio constitucional da individualização da pena – dentre outras disposições principiológicas.
Nesse rumo, a atividade da defesa técnica, em especial a atuação do Defensor Público, pode – e deve – se utilizar desse argumento como tese defensiva, requerendo, fundamentadamente, o afastamento do entendimento sumulado, e garantindo, assim, o devido processo legal, a ampla defesa e demais direitos e garantias fundamentais dos assistidos da Defensoria Pública.
ANÁLISE DO PROBLEMA SOB UM OLHAR CONSTITUCIONAL
Inicialmente, é preciso delimitar que a análise da (não)aplicação da Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça na dosimetria da pena privativa de liberdade, pontuada neste artigo, orienta-se a partir de uma análise pautada na Constituição Federal.
O professor Aury Lopes Jr. (2022) orienta uma leitura constitucional do processo penal, visualizando-o como instrumento para efetivação das garantias previstas na Lei Maior (processo penal democrático), com o desafio justamente de dar eficácia aos direitos fundamentais. Nas palavras do autor:
Somente a partir da consciência de que a Constituição deve efetivamente constituir (logo, consciência de que ela constitui a ação), é que se pode compreender que o fundamento legitimante da existência do processo penal democrático se dá por meio da sua instrumentalidade constitucional. Significa dizer que o processo penal contemporâneo somente se legitima à medida que se democratizar e for devidamente constituído a partir da Constituição (LOPES JR., 2022, p. 36).
Outro Ponto em que toca o Professor, e que muito embasa a discussão proposta pelo presente artigo, é justamente sobre a chamada crise da teoria das fontes, nesses termos:
Atualmente, existe uma inegável crise da teoria das fontes, em que uma lei ordinária acaba valendo mais do que a própria Constituição, não sendo raro aqueles que negam a Constituição como fonte, recusando sua eficácia imediata e executividade (Idem, 2022, p. 38).
Essa recusa ao texto constitucional, segundo o Professor, deve ser combatida, de modo que o processo não seja visto como um simples instrumento do poder punitivo, mas sob o seu papel de limitador desse mesmo poder, de modo a assegurar as garantias do indivíduo que está sujeito ao processo penal.
AFASTAMENTO DA SÚMULA 231 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA NA DOSIMETRIA DA PENA COMO TESE DEFENSIVA
O legislador ordinário disciplinou, no artigo 68, caput, do Código Penal, após a reforma da Parte Geral (1984), o método trifásico de aplicação da pena privativa de liberdade, que fora desenvolvido por Nelson Hungria:
A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984).
Desse modo, sob a lógica dessa visão tripartida, em princípio, é definida a pena-base, em conformidade com as diretrizes do artigo 59 do Código Penal (circunstâncias judiciais); posteriormente, analisam-se as circunstâncias atenuantes e as agravantes; e, finalmente, serão consideradas eventuais causas de aumento e de diminuição de pena.
Especificamente para os fins da segunda fase da dosimetria, o Código Penal apresenta um rol taxativo – sob pena de abominável analogia in malam partem – de agravantes (genéricas) de pena, nesses termos:
Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou qualificam o crime:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - a reincidência; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - ter o agente cometido o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) por motivo fútil ou torpe;
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro crime;
c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;
d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que podia resultar perigo comum;
e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei específica; (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)
g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou profissão;
h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;
j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou de desgraça particular do ofendido;
l) em estado de embriaguez preordenada.
Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais agentes; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - coage ou induz outrem à execução material do crime; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
IV - executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Por outro lado, há a previsão de atenuantes (genéricas) de pena em rol meramente exemplificativo, nesses termos:
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta) anos, na data da sentença; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - o desconhecimento da lei; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - ter o agente:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime, evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o dano;
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato injusto da vítima;
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.
Art. 66 - A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
As agravantes genéricas devem observar o limite máximo de pena previsto em abstrato pelo legislador, e cabe ao juízo, no caso concreto, definir a quantidade de aumento, uma vez que não há previsão legal nesse sentido. Quanto às atenuantes genéricas, também não há disposição legal sobre a fração de diminuição, pelo que cabe, novamente, ao juízo a sua fixação, conforme as peculiaridades do caso em julgamento.
Ao contrário da definição da pena-base, para a qual há previsão expressa no Código Penal sobre a necessidade de se definir a quantidade de pena dentro dos limites previstos (artigo 59, II), não há regulamentação legal semelhante no que toca à segunda fase da dosimetria. Nesse ponto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) editou a Súmula nº 231, que dispõe: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.
O professor Cleber Masson (2021) explica que a razão de ser do enunciado sumulado do STJ, ora debatido, reside no argumento de que a aplicação da pena privativa de liberdade sem observância dos parâmetros legais representaria intromissão indevida do Judiciário na função do Legislativo. Mas é preciso observar que a própria lei determina a necessária aplicação das circunstâncias atenuantes na hipótese de sua incidência no caso concreto a ser julgado.
Nesse sentido, deve ser novamente analisada a redação do caput do artigo 65 do Código: “São circunstâncias que sempre atenuam a pena”. Não restam dúvidas, então, de que as atenuantes são de aplicação obrigatória, de modo que a sua desconsideração, caso já esteja a dosimetria verificada no mínimo legal de pena, viola o dispositivo legal.
Primeiramente, portanto, já é possível constatar não haver base legal para impedir que se leve a fixação da pena abaixo do mínimo legal. Seria plenamente possível criticar, até mesmo, a constitucionalidade do próprio artigo 59, inciso II, que impede (para fins de pena-base) essa redução aquém do mínimo legal, violando a individualização da pena, dentre outros princípios constitucionais. Mas, para além disso, especificamente quanto à segunda fase da dosimetria, não há qualquer determinação em lei que impeça tal valoração.
O professor Fábio Roque (2020) ensina que a legalidade penal exige haver uma lei escrita, estrita, certa e anterior – com o complemento do princípio da intervenção mínima, que exige ser a lei necessária. Por ser estrita a reserva legal, não se admite analogia para cominar sanção penal – vedação à analogia in malam partem, prejudicial ao réu.
A analogia, afirma o Professor, é utilizada para fins de integração do direito, de moldo a colmatar eventuais lacunas da lei – quando a lei não disse o que fazer em determinado caso, embora tenha dado tratamento a um caso análogo. Somente pode ser empregada no âmbito penal, no entanto, para beneficiar o réu.
Com base nessa explanação, há de se concluir pelo flagrante desrespeito da Súmula nº 231 ao referido princípio da legalidade penal, que vem previsto no Código Penal (artigo 1º) e na própria Constituição Federal, em seu artigo 5º, XXXIX (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação lega”) – sendo, portanto, cláusula pétrea (artigo 60, §4º, IV, da CF/1988). Inconstitucional (e ilegal), por tal razão, o entendimento fixado no enunciado da Corte Cidadã.
Verifica-se, ainda, a possibilidade de violação da súmula ao princípio da motivação das decisões judiciais, previsto no artigo 93, IX, da Constituição Federal, o qual se relaciona intimamente à individualização da pena. Isso porque, se o juízo apenas se orienta pelo referido enunciado, sem maior explanação acerca da aplicação da reprimenda conforme as particularidades do caso concreto, é de se concluir pela carência de fundamentação do decisório, que resta eivado de nulidade. Nesse sentido, segue julgado do Supremo Tribunal Federal (STF), de relatoria do eminente professor e poeta Carlos Ayres Britto:
Ementa: HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. LEI 11.343/2006. DOSIMETRIA DA PENA. CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA. § 4º DO ART. 33 DA LEI 11.343/2006. DUPLA CONSIDERAÇÃO DA QUANTIDADE DE DROGA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. 1. A necessidade de fundamentação dos pronunciamentos judiciais (inciso IX do art. 93 da Constituição Federal) tem na fixação da pena um dos seus momentos culminantes. Garantia constitucional que submete o magistrado a coordenadas objetivas de imparcialidade e propicia às partes conhecer os motivos que levaram o julgador a decidir neste ou naquele sentido. 2. O dever de motivação no trajeto da dosimetria da pena não passou despercebido à reforma penal de 1984. Tanto que a ele o legislador fez expressa referência na Exposição de Motivos da Nova Parte Geral do Código Penal, ao cuidar do sistema trifásico de aplicação da pena privativa de liberdade. 3. O Supremo Tribunal Federal circunscreve a legalidade da pena ao motivado exame judicial das circunstâncias do delito. Exame revelador de um exercício racional de fundamentação e ponderação dos efeitos éticos e sociais da sanção, embasado nas peculiaridades do caso concreto e no senso de realidade do órgão sentenciante. (...) (STF - HC: 106965 AC, Relator: Min. AYRES BRITTO, Data de Julgamento: 19/04/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-190 DIVULG 03-10-2011 PUBLIC 04-10-2011).
Cleber Masson (2021) salienta que cada etapa de fixação da pena demanda suficiente fundamentação pelo julgador, o que permite a correta individualização da pena, além de também permitir ao réu o exercício da ampla defesa, já que lhe possibilita o direito de acompanhar e impugnar, se for o caso, cada estágio de aplicação da reprimenda.
Além disso, e deixando de lado a crítica – por não ser o objeto do presente artigo – que pode (e deve) ser feita, especialmente à aplicação da pena-base, na primeira fase da dosimetria, em que são analisadas as circunstâncias judicias (as quais, inegavelmente, perpassam a ótica de um odioso direito penal do autor), fato é que as fases de aplicação da reprimenda penal buscam, ao menos em tese, efetivar o princípio constitucional da individualização da pena (artigo 5º, XLVI, CF/1988).
A atividade de individualizar a pena, no que tange à incidência de circunstâncias atenuantes, objeto do presente artigo, não se faz completa se considerado o obstáculo imposto pela Súmula do STJ. Não há qualquer razão que justifique, eficazmente, a impossibilidade de redução da pena em patamar inferior ao limite mínimo imposto pelo legislador, inclusive porque a tarefa do juízo é distinta, e deve se pautar pela análise das particularidades do caso concreto (na linha, é preciso destacar, de um direito penal do fato).
Rodrigo Roig (2021) analisa, com muita clareza, o dito princípio individualizador no contexto da execução penal. Transportando-se o seu estudo para a dosimetria, a individualização da pena ganha ótica moderna e não positivista, a permitir uma atividade judicial que se volta ao sentenciado como sujeito de direitos, a partir de “um olhar humanamente tolerante” (ROIG, 2021, p. 48). As palavras do autor, por serem esclarecedoras:
Além disso, partindo das premissas de que o princípio individualizador possui assento constitucional e que a Constituição de 1988 instituiu o dever jurídico-constitucional de minimização de danos, faz-se necessário concluir que a individualização da execução somente se mostra constitucional quando operada no sentido redutor de danos (como a flexibilização das regras do regime de cumprimento de pena, permitindo a imposição de regime menos gravoso não em função do texto da lei, mas em virtude da necessidade de individualização). (...) Em matéria de execução da pena, individualização significa também a vedação de apelo a considerações relativas à espécie abstrata do delito, fato esse que retiraria da agência judicial o poder discursivo e argumentativo de limitar com racionalidade o poder punitivo (ROIG, 2021, p. 48)
Acrescente-se que, na linha da violação ao princípio individualizador, resta flagrante, por arrastamento, o desrespeito ao princípio da isonomia, também previsto constitucionalmente (artigo 5º, caput, CF/1988), uma vez que, impedindo-se a redução abaixo do mínimo legal, acaba por ser conferido o mesmo tratamento a fatos que, em concreto, foram distintos – e que deveriam receber análise diferenciada quanto às circunstâncias atenuantes de pena.
Roig (2021) apresenta precisas lições, ainda, no sentido de que a individualização da pena consiste em uma das materializações, em sede de execução penal, do princípio da humanidade, esse que decorre do fundamento constitucional da dignidade humana (artigo 1º, III, da CF/1988) e do princípio da prevalência dos direitos humanos (artigo 4º, II, da CF/1988), funcionando como elemento que permite a contenção da irracionalidade do poder punitivo.
Ainda que o autor trate de temas mais voltados à fase executória, reitere-se, não há motivos para não se utilizar de sua brilhante análise crítica para melhor entendimento e interpretação do momento anterior, quando se procede à fixação da pena a partir do critério trifásico. Desse modo, infere-se que o entendimento pela inconstitucionalidade da Súmula nº 231 do STJ, e seu consequente afastamento em caso concreto, também pode ter por base o princípio da humanidade e a própria dignidade da pessoa humana – valor maior do Estado Republicano e Democrático de Direito.
Em consonância com a própria ideia de humanidade, que deveria e (com urgência) deve nortear todo o espaço criminal – e o atuar das agências que se voltam à persecução penal –, é preciso, ainda, pontuar o descortinamento do chamado “Princípio da Fraternidade”, categoria jurídica que, segundo Roig (2021) é evidenciada pelo “constitucionalismo fraternal” e tem por base o preâmbulo e o artigo 3º da Lei Maior.
A ideia que aqui se busca evidenciar através do princípio da fraternidade volta seu olhar para o momento da dosimetria, mas tendo em vista o grupo marginalizado e vulnerável (leia-se: corpos pobres, pretos e jovens, em sua maioria), sob diversos aspectos, que o sistema criminal tão comumente seleciona – desde a fase legislativa até a execução da pena. A fraternidade exsurge, de tal modo, como um fundamento a mais para se permitir uma individualização da pena mais humana – sem esquecer, ainda que por breve, nesse momento, o fato de que a própria pena, em si, já contradiz em muito a ideia de humanidade.
Reforça-se, então, a base principiológica que permite o afastamento do obstáculo imposto pelo enunciado sumulado do STJ à redução da pena abaixo do mínimo legal na segunda fase da dosimetria, tese essa que merece ser utilizada especialmente pela Defensoria Pública em sua atuação em prol dos direitos dos assistidos, os quais, em regra, no âmbito criminal, coincidem com aquele já referido grupo vulnerabilizado.
O serviço prestado pela Defensoria Pública, como função essencial à Justiça (artigo 134 da CF/1988), é um instrumento na busca do pleno acesso à ordem jurídica justa aos hipossuficientes (artigo 5º, XXXV e LXXIV, CF/1988), de modo que sua atividade não pode ser dissociada dos interesses dos assistidos. Nesse sentido, a própria Lei Complementar n.º 80/1994 dispõe como funções institucionais da Instituição, dentre outras: exercer a ampla defesa e o contraditório, perante todos os órgãos e em todas as instâncias, utilizando todas as medidas capazes de propiciar a adequada e efetiva defesa de seus interesses (inciso V); bem como promover “a mais ampla defesa dos direitos fundamentais dos necessitados” (inciso X).
Por tais razões, o Defensor Público, para fins de se proceder a uma adequada defesa técnica em sua atuação no âmbito criminal, não só pode, como deve contar, em seu repertório de teses defensivas, com aquela que orienta o afastamento da Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça. Assim, busca-se efetivar a individualização da pena. e demais princípios constitucionais e legais, que norteiam o processo penal visto como instrumento de aplicação dos direitos e garantias fundamentais.
CONCLUSÃO
O presente artigo analisou a possibilidade de afastamento da Súmula nº 231 do Superior Tribunal de Justiça quando da fixação da pena privativa de liberdade na segunda fase da dosimetria – essa que se analisa sob o sistema trifásico adotado no Código Penal. A partir de uma leitura constitucional do processo penal, verificou-se haver manifesta violação do princípio da individualização da pena ao se impossibilitar a redução da reprimenda em patamar inferior ao mínimo legal, mediante incidência de eventuais circunstâncias atenuantes. Nesse rumo, destacou-se a importância da aplicação dessa tese defensiva na prática processual penal, especialmente pela Defensoria Pública, de modo a efetivar os interesses dos assistidos, esses que, em regra, integram grupo vulnerável marginalizado, a merecer, portanto, maior atenção e tutela, assegurando-se seus direitos e garantias fundamentais.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, Fábio Roque. Código Penal Comentado - Art. 1º. Youtube, 2020. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=pW4sEPL11BA>. Acesso em: 7 julho. 2022.
______. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 6 julho. 2022.
BRASIL. Código Penal: Decreto-Lei no 2.848, de 7 de Dezembro de 1940. Rio de Janeiro: 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em 6 julho. 2022.
LOPES JR., Aury. Fundamentos do Processo Penal: introdução crítica. 8. ed. – São Paulo: SaraivaJur, 2022.
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120) – v. 1. 15. ed. – Rio de Janeiro: Forense; MÉTODO, 2021.
ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução Penal: teoria crítica. 5. ed. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
______. Supremo Tribunal Federal. Habeas Corpus n. 106.965/AC. Julgado em 19 abril. 2011. Relator: Ministro Ayres Britto. Disponível em <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20627621/habeas-corpus-hc-106965-ac-stf/inteiro-teor-110026105>. Acesso em 07 julho. 2022.
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Sergipe -UFS (2013). Aprovação no Exame de Ordem - OAB (2012). Pós-graduada em Direito Público pela Faculdade Damásio (2016)
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ANJOS, Maíra Santos dos. Afastamento da súmula 231 do Superior Tribunal de Justiça na dosimetria da pena como tese defensiva Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jul 2022, 04:16. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58873/afastamento-da-smula-231-do-superior-tribunal-de-justia-na-dosimetria-da-pena-como-tese-defensiva. Acesso em: 23 dez 2024.
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