MONIZE RAMOS DO NASCIMENTO[1]
(orientadora)
RESUMO: O presente trabalho se propõe a descrever de forma concisa e direta os conceitos essenciais de Linguagem Simples, tendo como cenário o Direito Tributário brasileiro e os reflexos do "juridiquês" na inclusão social. O trabalho é realizado por meio de pesquisa qualitativa, fundamentada na análise de dados via pesquisa bibliográfica sobre o tema tratado, classificada em seus objetivos como exploratória e descritiva. Ainda, propõe-se a identificar as correlações existentes entre Linguagem Simples e o impacto dela nos processos de inclusão social no Direito Tributário brasileira, valendo-se da bibliografia atual identificada sobre a temática e fazendo um contraponto sobre a linguagem jurídica tributária tradicional.
Palavras-chave: Linguagem Simples; Direito Tributário; PL nº 6256/2019; inclusão social; inovação; poder judiciário.
ABSTRACT: The present work proposes to describe in a concise and direct way the essential concepts of Simple Language, having as a scenario the Brazilian Tax Law and the reflexes of the "legalese" in social inclusion. The work is carried out through qualitative research, based on data analysis via bibliographic research on the subject, classified in its objectives as exploratory and descriptive. Still, it is proposed to identify the existing correlations between Simple Language and its impact on the processes of social inclusion in Brazilian Tax Law, using the current bibliography identified on the subject and making a counterpoint on the traditional tax legal language.
Keywords: Simple Language; Tax law; Bill nº 6256/2019; social inclusion; innovation; judicial power.
INTRODUÇÃO
O princípio constitucional brasileiro do direito ao acesso à justiça é previsto na atual Constituição Federal de 1988 como direito fundamental, em seu art. 5ª, inciso XXXV, que diz: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988, p. 14).
Segundo Cappelletti e Garth (1988), por muito tempo o acesso à justiça brasileira significou restritamente o acesso formal do sujeito de propor ou contestar uma ação frente ao judiciário. Porém, esse entendimento se ampliou, ultrapassando o mero acesso formal para situar-se na garantia efetiva do gozo de todos os direitos básicos sociais.
Dessa senda, “o acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental - o mais básico dos direitos humanos - de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos” (CAPPELLETTI; GARTH, 1988, p. 5).
Porém, nem sempre esse acesso pode ser efetivado. “Capacidade jurídica pessoal” é o termo ao qual se referem Cappelleti e Garth (1988) para conceituar os inúmeros obstáculos enfrentados pelos indivíduos antes mesmo que um direito propriamente dito possa ser reivindicado perante o judiciário. Entre os entraves, está a complexidade da linguagem jurídica.
Chamado costumeiramente de “Juridiquês”, é caracterizado pelo “uso exagerado de jargões jurídicos ou termos técnicos utilizados de forma desnecessária” (TORRES, 2018, p. 8), se faz necessário combatê-lo e esse combate é fundamental para a efetiva inclusão social e garantia do acesso à justiça, principalmente para aqueles que historicamente não dispuseram da oportunidade de acesso à educação formal, tampouco de acesso à educação jurídica.
Segundo Torres (2018, pp.8-9),
“O juridiquês é a burocratização do entendimento jurídico que tem sido impulsionado pela complexidade e obscuridade da linguagem nos textos e diálogos forenses. O excesso de jargões técnicos, o rebuscamento da linguagem, a incompreensão empregada, a obscuridade da língua e a falta de objetividade, faz com que a linguagem forense por vezes seja incompreensível por aqueles que dela fazem uso.” (TORRES, 2018, pp.8-9)
No Brasil o surgimento do juridiquês remonta ao período colonial, quando os pais abastados enviavam seus filhos para estudar Direito na Europa, retornando como Bacharéis e já se utilizando de uma linguagem rebuscada. A condição financeira privilegiada, somado a esse glamour linguístico importado, dava uma ampla vantagem profissional e social, possibilitando terem acesso às posições mais importantes no mercado de trabalho, como, bons cargos públicos, administradores de empresas importantes, além de serem alçados como formadores de opinião. Essa condição gerava admiração do cidadão comum à época.
O Direito brasileiro tem como fonte e base originária o Direito Romano, que por sua vez era coberto de rituais solenes e linguagem complexa, onde cada palavra era cuidadosamente escolhida durante os julgamentos, já que uma frase mal colocada poderia pôr tudo a perder. O Direito Romano já passou a experimentar esse modelo de vocabulário próprio a partir de 753 a.c com a fundação da cidade de Roma, sendo a primeira linguagem técnica a surgir no mundo.
Osvaldo Antônio Furlan diz que: “Ademais foi em latim que os romanos elaboraram o magistral código jurídico, cujas categorias fundamentam o direito moderno, que ainda exprime em latim inúmeros conceitos, normas e princípios jurídicos” (Furlan, 2006, p.16). Porém a questão é que o latim não é um idioma conhecido de esmagadora parcela da população mundial, o que mantém uma lacuna ainda maior entre o acesso à justiça e a população.
Há 600 anos o Rei da Inglaterra Eduardo III já exigia que seus advogados escrevessem com uma linguagem que fosse compreendida pela população, o que demonstra que essa já era uma preocupação naquela época e serve como parâmetro para demonstrar o quanto o Brasil está atrasado nesse sentido.
Neste artigo o objetivo é discorrer sobre a necessidade e as possibilidades de se adotar a Linguagem Simples em âmbito jurídico. Especificamente em relação ao Direito Tributário, esse é um ramo pertencente ao direito público, uma área que se relaciona diretamente com todos os cidadãos comuns, demasiadamente próxima dos setores mais populares da sociedade, sendo a tributação uma questão que gera muitas dúvidas por grande parte da população brasileira.
A pesquisa tem como pressuposto demonstrar a viabilidade de se adotar a linguagem simples tanto na elaboração de textos e normas jurídicas, como também nos diálogos entre operadores do Direito e a população em geral, com enfoque no ramo do Direito Tributário, com uma linguagem acessível, clara, simples e objetiva, capaz de ser compreendida tanto por um operador do Direito, como também pelo cidadão comum sem formação jurídica específica ou mesmo sem qualquer outra formação formal, pois é inaceitável que o próprio ordenamento jurídico, e suas escolhas linguísticas, constitua um empecilho à efetivação do direito fundamental de acesso à justiça.
De maneira específica, busca-se apresentar os conceitos de Linguagem Simples, refletir os desafios do Direito Tributário quanto ao juridiquês e discorrer sobre as possibilidades de aplicação da Linguagem Simples nesse ramo jurídico especificamente. A metodologia utilizada para esta análise foi a pesquisa bibliográfica e qualitativa, classificada em seus objetivos como exploratória e descritiva.
Ressalta-se neste trabalho que a atividade jurídica tem como foco os cidadãos e deve permear todos os setores e camadas sociais da sociedade, a linguagem por sua vez, sendo essa jurídica ou não, tem como objetivo comunicar algo, devendo, portanto, se fazer inteligível às pessoas comuns que precisam ter seu acesso à justiça garantido, bem como efetivar seus deveres.
1. O QUE É LINGUAGEM SIMPLES?
1.1 Histórico
De acordo com Pires (2021), o movimento de Linguagem Simples se constituiu nos Estados Unidos, onde o termo é Plain Language, em meados dos anos 1940. Já naquele contexto:
“O movimento defende o direito de cidadãos e consumidores compreenderem as informações que orientam o cotidiano. Prega o uso de um estilo de escrita simples, direto e objetivo como alternativa à linguagem técnica e burocrática, desnecessariamente complicada, de organizações e governos” (PIRES, 2021, p. 78).
O movimento pela linguagem simples ganhou maior relevância no cenário político estadunidense a partir da década de 1970, fazendo parte do discurso do poder público já nos anos 1972, quando o então à época presidente Nixon impôs que os documentos públicos fossem redigidos por pessoas leigas (DRATOVISKY, 2020).
A reivindicação por uma linguagem simples nos setores públicos ganhou força entre os setores governamentais, e em 2010, o governo de Barack Obama instituiu o Plain Language Act, estabelecendo que todos os órgãos públicos federais passavam a ficar obrigados a elaborarem documentos valendo-se de uma linguagem simples e acessível (DRATOVISKY, 2020).
O movimento por uma linguagem simples está presente em outros países também, como no Canadá, cujo poder público na década de 1970 também demandou uma mudança no modo como os documentos públicos eram redigidos, em termos técnicos e de difícil apreensão. De lá para cá várias iniciativas nesse sentido foram admitidas em diversas áreas, como saúde, previdência e economia (DRATOVISKY, 2020).
Ressalta-se que nesses países não apenas os setores governamentais têm sentido a necessidade de reformulação na sua relação com a linguagem, mas também a produção científica de modo geral. Segundo Shailes (2017), cada vez mais um número crescente de periódicos científicos e autores têm buscado se utilizar de uma linguagem simples para divulgarem suas descobertas, abordando diversos temas e fazê-los chegar com precisão e efetividade aos mais diferentes públicos. Para tanto, se valem de estratégias e recursos como a inclusão de resumos para leigos, sumários, quadro de significados contendo palavras e termos desconhecidos.
O objetivo de qualquer publicação científica deve ser o de informar toda a sociedade, em termos acessíveis, por isso é necessário se atentar em sintonizar a linguagem, conteúdo e estilo dos textos aos diferentes contextos sociais e níveis de educação científica. Frontiers for Young Minds, por exemplo, um periódico voltado à educação infantil, e dirigido a crianças e adolescentes com idade entre 8 e 15 anos, desde 2013 vem adotando a estratégia de fazer com que as crianças revisem as publicações científicas publicadas em seus editoriais, em parceria com pesquisadores da revista (SHAILES, 2017).
Dessa forma, fornece um importante instrumento para que os seus colaboradores se tornem também melhores comunicadores. Outro exemplo é a Annals of the Rheumatic Diseases, que passou a produzir resumos redigidos pelos próprios pacientes participantes de pesquisas publicadas em artigos selecionados desde 2013 (SHAILES, 2017).
O Movimento Linguagem Simples chega na América Latina na década de 2000. No Brasil, um debate ainda que incipiente surgiu no ano de 2005, por meio da Campanha Nacional pela Simplificação da Linguagem Jurídica pela Associação dos Magistrados Brasileiros. De acordo com Dratovisky (2020), daí para cá, a questão tem ganhado notoriedade nos setores públicos, e em 2011 o conceito de Linguagem Simples foi incorporado à Lei de Acesso à Informação, de maneira indireta. Ainda, segundo a autora:
“O primeiro ato normativo brasileiro de que temos notícia que fala diretamente sobre a necessidade de implementar a linguagem simples no setor público é o Decreto municipal de São Paulo nº 59.067 de 11 de novembro de 2019, que institui o Programa Municipal de Linguagem Simples e a Lei municipal de São Paulo nº 17.316 de 6 de março de 2020.” (DRATOVISKY, 2020, p. 11).
Cabe dizer que, no Brasil, a necessidade da Linguagem Simples está muito associada às profundas desigualdades sociais enfrentadas por sua população, que se traduzem também em baixos níveis de escolarização (AMARAL, 2022).
A despeito da sua importância, a Linguagem Simples ainda costuma ser pouco discutida entre os setores da administração pública e também entre o meio acadêmico brasileiro. São poucas as pesquisas que se dedicam a utilizar-se não apenas do conceito, mas principalmente de sua aplicação prática.
1.2 Conceitos
Inicialmente, para o enfrentamento do problema proposto neste trabalho, é fundamental conceituar o que é Linguagem Simples. Segundo Fischer (2018, 2019 e 2020), a Linguagem Simples é:
"uma técnica de comunicação e uma causa social que surgiu no Reino Unido e nos Estados Unidos nos anos 1940. Hoje, está presente em mais de trinta países, em diversos idiomas. Em inglês, chama-se Plain Language. Como técnica de comunicação, o objetivo da Linguagem Simples é tornar textos e documentos mais fáceis de ler. A pessoa consegue localizar rápido a informação, entendê-la e usá-la. Como causa social, defende o direito de entender as informações que orientam o nosso dia a dia. É considerada um direito civil." (Grifo nosso).
Segundo apresenta Pires (2021), Linguagem Simples é a tradução para o termo inglês Plain Language, e consiste num conjunto de práticas que visam facilitar a leitura ou compreensão de determinado texto. Ainda, de acordo com a autora supracitada:
“Não existe uma definição canônica de linguagem clara, nem de suas regras de uso. É mais comum apresentar a linguagem clara em contraponto ao que ela não é. Ou seja, em oposição a textos complexos que exigem grande esforço de leitura e tendem a confundir os leitores, como em documentos de governos e empresas. A linguagem da burocracia, desnecessariamente floreada, repleta de termos técnicos e jargão, obscura e difícil de entender, chegou a inspirar a gíria “obscuranto”.” (PIRES, 2017, p.10).
Dentro dessa acepção, uma linguagem é considerada simples, ou clara, quando é capaz de atingir diferentes públicos, de maneira que todos compreendam com facilidade a informação e consiga utilizá-la com fins efetivos. Significa colocar o leitor, seja ele de um texto, de uma imagem, ou ainda um ouvinte, no centro da mensagem.
O objetivo central da Linguagem Simples é ser uma área que promova um canal de comunicação em que quando ao ler um documento jurídico, por exemplo, a pessoa consiga entender o conteúdo de forma fácil, sem precisar relê-lo várias vezes ou necessitar de auxílio de outrem para compreendê-lo. (FISCHER, 2018).
Não obstante, Amaral (2022) ressalta que pautar uma Linguagem Simples não se confunde com algo mal elaborado ou sem técnica. Quem se comunica, assim o faz para se fazer entendido pelo outro, ou por vários outros. Daí que a linguagem utilizada deve se adaptar à realidade dos brasileiros.
“[...] não é sinônimo de uma linguagem monótona e sombria, mas sim algo que é interessante de se ler. Esse objetivo pode ser alcançado com a escolha de palavras interessantes, que expressem uma ideia de maneira simples e direta, evitando usar termos sofisticados e arcaicos que significam exatamente a mesma coisa.” (AMARAL, 2022, p. 12).
Em relação ao Direito, ainda conforme a autora supracitada, a Linguagem Simples em nada tem a ver com o abandono da norma jurídica, ou a desvalorização do seu caráter científico. Refere-se, por outro lado, a buscar uma harmonia entre os termos técnicos e o bom uso da língua portuguesa, com intuito de efetivar direitos e promover o acesso à justiça.
“É preciso, portanto, ser capaz de separar o conhecimento técnico e torná-lo mais claro e simples para o interlocutor. Além de uma melhor compreensão da comunicação pelo outro, a linguagem simplificada traz uma enorme autonomia e percepção de cidadania, pois quando o indivíduo lê e entende um documento, sem precisar ligar para pedir mais explicações, preenche um formulário de forma correta e cumpre a lei, tende a diminuir o número de litígios levados ao Poder Judiciário.” (AMARAL, 2022, p. 13).
Dessa forma, a Linguagem Simples em contexto jurídico revela-se um instrumento de promoção à cidadania, de maneira a contribuir não só para a compreensão de como funciona o Poder Judiciário, mas também para o andamento e a efetividade dos processos, considerando as variadas demandas jurídicas que versam sobre os interesses da população, com as questões previdenciárias, e também tributárias.
Já existem iniciativas relevantes no poder judiciário, como o Guia de Linguagem Simples, lançado no último dia 21/07/2022 pelo Conselho de Inovação do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (INOVAJUS). A presidente Desembargadora Gisele Anne Vieira Azambuja afirma que, "Queremos e precisamos que o jurisdicionado leia as nossas decisões e as entendam, de forma inclusiva. Esperamos que o Guia contribua para uma jurisdição mais simples". Essa medida busca desmistificar a forma como a população enxerga o judiciário e também influencia as casas legislativas por todo Brasil, responsáveis pela criação das Leis.
1.3 Projeto de Lei 6.256/2019 - Política Nacional de Linguagem Simples
A Linguagem Simples tem ganhado maior relevância nos poderes federativos do país atualmente. Para implementá-la de maneira efetiva, desde 2019 tramita sob regime de urgência no Poder Legislativo o Projeto de Lei n. 6.256, apresentado pelos Deputados Erika Kokay - PT/DF, Pedro Augusto Bezerra - PTB/CE, em 03 de dezembro daquele ano, e que institui a Política Nacional de Linguagem Simples nos órgãos e entidades da administração pública direta e indireta. Seu objetivo é instituir a obrigatoriedade de os poderes administrativos transmitirem informações de modo simples, tornando fácil e acessível os atos concretizados.
A proposta parte da premissa de que ao se elaborar qualquer texto, emitir decisões ou comunicações públicas, deve-se considerar que nem todos têm as mesmas oportunidades e os mesmos níveis de conhecimento na sociedade. Deve-se, portanto, atentar também ao cidadão leigo, que precisa ter acesso a informação e aos serviços públicos como qualquer outro.
Em seu art. 4ª por exemplo, admite-se que os órgãos públicos possam alterar atos com intuito de substituir termos e palavras por outras comuns, além de se incorporar recursos não textuais, como gráficos, vídeos, animações, de maneira a deixar o documento acessível para todos, até mesmo para aqueles que não dominam formalmente as letras (AMARAL, 2022).
Porém, de um outro lado da arena política, a proposta da obrigatoriedade da Linguagem Simples tem enfrentado oposição na Câmara. Conforme nos informa Amaral (2022, p. 23):
“Em julho de 2021, o deputado relator, Vicentinho, afirmou em seu voto que já existia legislação específica voltada ao tema abordado, a Lei de Acesso à Informação, e, portanto, não haveria necessidade de edição de uma lei avulsa que tivesse o mesmo propósito. Em razão disso, ele ofereceu um substitutivo ao PL, com o intuito de apenas inserir as regras planejadas pelos autores na referida lei, diante da evidente pertinência de seu objeto com o do PL n.º 6.256/2019.” (AMARAL, 2022, p.23)
Em ocasião posterior, no substitutivo apreciado em dezembro de 2021, o relator já demonstrou posicionamento favorável à proposta, alegando a importância da medida para a compreensão de informações e acesso à justiça. Desde sua apresentação, o projeto já foi retirado de pautas várias vezes, porém, neste ano de 2022, no dia 24 de maio mais precisamente, em uma reunião deliberativa extraordinária a matéria passou a ser discutida novamente (AMARAL, 2022).
No site da Câmara Legislativa aparece que a proposta está aguardando a designação de relator na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, e será analisada em caráter conclusivo.
Por pressão do Partido Novo, foi incluído um artigo que desobriga municípios de até 50 mil habitantes a adotarem a medida, por eventuais aumentos de gastos. Entre os pontos de relevância dessa proposta, Amaral (2022) destaca que ela explora todas, e não apenas algumas, das técnicas a serem admitida em Linguagem Simples, entre as quais estão a redação de frases curtas, utilizar de recursos como quadros, tabelas, gráficos, listas, que traduzam as informações de maneira que elas façam sentido para os leitores.
2.A COMPLEXIDADE DO DIREITO TRIBUTÁRIO
2.1 Definições de Direito Tributário
Segundo o doutrinador Carvalho (2005, p. 15), o Direito Tributário é o ramo didaticamente autônomo do direito, integrado pelo conjunto das proposições jurídico-normativas que dizem respeito direta ou indiretamente à cobrança e fiscalização de tributos.
Para Cassone (2018), o Direito Tributário é parte do direito financeiro que se ocupa das relações jurídicas entre o Estado (fisco) e os particulares (contribuintes), quanto à instituição, arrecadação, fiscalização e extinção do tributo. É autônomo, porque é regido por normas e princípios próprios.
Adamy (2012) entende o Direito Tributário como instrumento, que não tem um objetivo nele próprio, mas atua como instrumento com finalidade de efetivar outros objetivos, “ou amealhar recursos para o Estado, ou induzir comportamentos considerados desejáveis para a consecução de finalidades estatais diversas da arrecadação” (ADAMY, 2012, p. 305).
Harada (2020), por sua vez, conceitua Direito Tributário da seguinte forma:
“o direito que disciplina o processo de retirada compulsória, pelo Estado, da parcela de riquezas de seus súditos, mediante a observância dos princípios reveladores do Estado de Direito. É a disciplina jurídica que estuda as relações entre o fisco e o contribuinte” (HARADA, 2020, p. 172).
Assim, resume Sabbag (2009, p. 3) que o Direito Tributário é o ramo autônomo da Ciência Jurídica, associado ao direito público, “concentrando o plexo de relações jurídicas que imantam o elo “Estado versus contribuinte”, na atividade financeira do Estado, quanto à instituição, fiscalização e arrecadação de tributos”.
Dessa forma, compreende-se o Direito Tributário como o ramo jurídico que regulamenta as relações intersubjetivas no que concerne aos deveres tributários, através dos quais o Estado consegue manter também sua gestão sobre o território nacional.
De um lado está a parte cobradora, o poder público estatal, de outro, o contribuinte, pessoas naturais ou jurídicas. O objetivo é a obrigação em si, ela pode ser tanto a obrigação de dar, de cunho patrimonial – no caso, dinheiro aos cofres públicos, ou a obrigação de executar ou não, de cunho instrumental – no caso de Declarações de Imposto, notas fiscais etc (SABBAG, 2009).
Ressalta-se, dessa forma, que a função do Direito Tributário no ordenamento jurídico restringe-se à relação entre a definição dos tributos e sua cobrança, não adentrando à questão de como esses recursos serão redistribuídos.
2.2 Dificuldades e Complexidades
Entender as exigências das Leis Tributárias constitui um dos grandes desafios para a sociedade e, inclusive, prejudica que os deveres sociais sejam cumpridos de forma efetiva. Além de toda formalidade que permeia os espaços jurídicos, e dos processos complexos como inscrição em cadastros, auditorias, declarações, pesa também a complexidade dos termos técnicos e da linguagem normativa de que se vale esse ramo jurídico.
De acordo com Coelho (2016), ao cidadão comum, na maior parte das vezes, sem qualquer conhecimento jurídico básico, ou mesmo sem acesso a qualquer outro tipo de formação ou educação formal, interpreta a legislação pela própria sorte. Ademais, no tocante ao empreendedor especificamente, esse contribuinte não dispõe de orientação clara do fisco e acaba tendo de calcular sozinho os valores dos impostos e assumir os riscos dos erros de interpretação.
Aqui vale ressaltar ainda que estamos falando de uma sociedade em que 11 milhões de brasileiros não sabem nem sequer ler, de acordo com dados do IBGE (2019). Entre essas pessoas, falta-lhes não apenas o domínio formal das letras, como também em muitos casos o conhecimento sobre a dinâmica de funcionamento das instituições jurídicas do país.
Aliás, esse é um problema que atinge a sociedade de forma geral, haja vista que os indivíduos apresentam pouco ou nenhum conhecimento jurídico básico, não apenas no que diz respeito a ajuizar uma demanda, mas também em reconhecer a própria existência de seus direitos e de efetivar seus deveres perante ao Estado.
Essas dificuldades acabam por vezes afastando os cidadãos, principalmente aqueles das camadas econômicas menos favorecidas, que se veem oprimidos pelos procedimentos complicados, os formalismos e difícil entendimento dos termos jurídicos.
Em pesquisa realizada, Feital (2018) ainda afirma que não só a legislação em si, como também a literatura especializada – chamada de doutrina – em Direito Tributário se vale de categorias pouco clarificadas para tratar do contribuinte, que em verdade não correspondem com o sujeito constitucional, ou seja, aqueles que têm direitos e devem obrigações ao Estado, e consequentemente, quem deve ser tutelado pela normativa em voga.
Ainda, segundo esse autor, o Direito Tributário emerge em defesa do cidadão contra os ataques da Receita Federal, e sua função primordial é garantir a própria existência do Estado. Portanto, trata-se de um ramo, e de uma disciplina, diretamente relacionada com a cidadania e com a proteção dos direitos dos cidadãos comuns, ao passo que tal dimensão é muito pouco explorada quando tratamos do Direito Tributário (FEITAL, 2018).
O enfoque principal tem sido no elemento burocrático, baseado num conjunto de normas e termos de difícil acesso, tornando o Direito Tributário vazio de sentido, principalmente entre os contribuintes menos abastados, ao mesmo tempo em que esses são desproporcionalmente onerados (FEITAL, 2018). Ao se determinar quem compreende sua linguagem e se apropria dela de maneira qualificada, determina-se também quem de fato será ou não tutelado.
Para que se efetive a verdadeira inclusão social, o acesso amplo à justiça e às condições necessárias ao cumprimento dos direitos e dos deveres sociais, faz-se necessário tornar a linguagem jurídica mais simples e de fácil acesso neste ramo do direito, considerando os diferentes contextos sociais e níveis educacionais existentes na sociedade brasileira.
3. A APLICAÇÃO DA LINGUAGEM SIMPLES NO DIREITO TRIBUTÁRIO: POSSIBILIDADES E DESAFIOS
Na área do Direito a linguagem, falada ou escrita, assume um lugar determinante, pois não atua somente como língua, mas como discurso. Por meio dela se transmite a ideia que se deseja defender, argumenta-se sobre a jurisdição, contrapõe argumentos, busca-se persuadir, debater, julgar e legislar condutas, e além disso, o mais importante talvez, eleva à forma de conhecimento as informações relativas aos direitos sociais das pessoas. Para Guimarães (2012, p. 175):
“O Direito e seus operadores não falam só para si. Falam para uma audiência mais ampla, a sociedade. Por isso, utilizam uma linguagem pública, que deve ser acessível a todos. O domínio da linguagem jurídica apenas por um grupo é um fato de posse. Entretanto, ela não é fixa, evolui, é prática. Ela está a serviço do Direito. Se o Direito é para todos, sua linguagem também.” GUIMARÃES (2012, p. 175).
É importante acrescentar às diversas reformas tributárias a necessidade de se democratizar o ramo do Direito Tributário, incorporando a obrigatoriedade de se adotar uma linguagem simples e de fácil acesso aos contribuintes, ampliando aqui também esse conceito, de maneira que abarque os diferentes contextos e realidades dos brasileiros.
Enquanto os termos e as regras governamentais não se fazerem ser entendidos pela população de forma geral, incluídas aqui as empresas, o que ocorre é um maior gasto de tempo e de recursos para que se faça efetivar seus objetivos. Simplificar a linguagem jurídica quer dizer traduzi-la de maneira a fazer sentido para os usuários dos serviços. Por isso, importa também revisitar termos técnicos, admitindo-se as possibilidades de estratégias linguísticas.
Outras estratégias, ainda, envolvem recursos audiovisuais e uso de imagens. Nesse sentido, destaca-se o Legal Design, prática que combina Design e Direito. Trata-se de se aplicar os recursos de design, com foco nos cidadãos, aos serviços jurídicos de maneira a torná-lo acessível, democrático e funcional. Ou seja, não diz respeito a apenas incorporar documentos com base em desenhos esteticamente bonitos, é preciso que esses façam sentido, além de considerar também a formatação, o tamanho das fontes, bem como a organização estratégica de cada informação desenhada. Embora não necessite de tecnologias, o uso dessas pode potencializar os resultados (GONZAGA, 2022).
Dentro do Legal Design existe um campo denominado de Visual Law (direito visual), subárea que se vale dos recursos visuais para transmitir a mensagem de maneira clara. Utiliza-se de vídeos, mapas, ícones, gráficos (GONZAGA, 2022). O Visual Law pode ser de ampla validade para a área do Direito Tributário e são instrumentos que fazem parte da proposta e essência da Linguagem Simples.
Um exemplo foi a iniciativa recente da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGNF) em lançar um novo modelo de carta de cobrança aos devedores da União, utilizando-se de técnicas de linguagem clara, simples e acessível, além do uso de imagens como recursos do Visual Law. Por meio do design, foram evidenciados desde os procedimentos para pagamento, bem como aqueles de negociação das dívidas (NUNES; ALMEIDA, 2022).
Os desafios são muitos e inúmeras tentativas já foram tentadas, como:
A Campanha Nacional pela Simplificação da Linguagem Jurídica, com a cartilha "O Judiciário ao alcance de todos - Noções de burocratès", em 2005, uma iniciativa da Associação dos Magistrados Brasileiros, mas o projeto fracassou.
O Senado Federal lançou em 2010 em seu portal na internet, uma área com reportagens exclusivas para explicar ao público de maneira mais acessível o que cada projeto de Lei em votação significa, ou seja, uma tradução do seu conteúdo.
A Lei de Acesso à Informação, de 2011, diz no artigo quinto que "é dever do Estado garantir o direito de acesso à informação (..) em linguagem de fácil compreensão".
No entanto, temos muito que avançar no Direito Tributário, já que esse reflete na vida de todos os cidadãos, sem exceção e por esse motivo requer atenção especial, a começar pelas faculdades brasileiras que necessitam incluir a Linguagem Simples em suas grades curriculares do curso de Direito; Os Tribunais de Justiça de todo país precisam adotar medidas como a adotada no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que foi citada logo acima; A Ordem dos Advogados do Brasil precisam incluir esse tema como uma prioridade nos debates da categoria e por fim, o Congresso Nacional precisa dar o exemplo e passar a adotar a Linguagem Simples em todas a legislação criada.
Mas o maior desafio foi apresentado no Inaf (Indicador de Analfabetismo Funcional) em 2016, por meio da pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro e a ONG Ação Educativa, que nos demonstrou que o Brasil tem 27% de analfabetos funcionais e que apenas 8% da população consegue ler e interpretar bem qualquer texto. Isso demonstra que temos problemas estruturais para serem vencidos, que são barreiras reais para a implantação da Linguagem Simples em áreas como o Direito Tributário.
CONCLUSÃO
Por meio de estudo bibliográfico e exploratório, chegou-se a alguns pontos neste trabalho que merecem ser destacados. Primeiramente, o juridiquês está presente em todos os ramos do Direito, nos textos jurídicos, ajuizamento de processos, em diálogos, nas decisões, nos julgamentos, e também nas consultas jurídicas. O uso de termos técnicos se faz necessário para os operadores do Direito, todavia, é importante buscar recursos para esclarecê-los, tornando essa linguagem técnica ampla, simples e acessível aos seus usuários.
Em segundo lugar, a Linguagem Simples se apresenta como uma ferramenta relevante à democratização e garantia do acesso à justiça, pois seu foco está no contexto social e nas habilidades do público a quem a mensagem é destinada, atentando-se para a escolha das palavras e às formas de linguagem, fazendo com que o leitor consiga interpretar com facilidade e clareza o que determinada informação quer passar. Trata-se de transmitir uma determinada ideia de maneira fácil e objetiva, e isso jamais pode se confundir com ausência de técnica ou com uma linguagem reduzida, em que se desconsidera a fundamentação e o conteúdo jurídico.
Entende-se que mesmo existindo atualmente muitas discussões direcionadas à questão da simplificação dos termos técnicos jurídicos, de maneira a repensar a relação entre Direito, especialmente o Direito Tributário, linguagem e acesso à justiça, se faz necessário chamar a atenção da sociedade para a relevância e importância de um profunda no debate do PL nº 6256/2019, já que as casas legislativas formam o cenário apropriado para discussões com tamanha relevância e impacto social. Nesse sentido, estratégias como o Legal Design e Visual Law merecem ser apreciadas como possibilidades de oferecer aos usuários do Direito Tributário uma nova e satisfatória experiência.
Por fim, o avanço da tecnologia e a necessidade constante de aperfeiçoamento das ferramentas para se adaptarem a essa evolução, dão urgência para que seja lançado um olhar mais profundo sobre esse tema, haja vista que o Direito Tributário está diretamente relacionado ao exercício pleno da cidadania.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Doutoranda do programa de pós-graduação em Ciências Contábeis da Unb e professora no MBA em Planejamento Tributário UFG
Advogado, formado pelo Centro Universo Goiânia, também graduado em Tecnologia em Processos Gerenciais pela Uni-Anhanguera, Pós-Graduado em Direito Tributário e Processo Tributário pela Atame, Pós-Graduado em Direito e Processo Previdenciário pela Damasio Educacional, MBA em Planejamento Tributário pela UFG e aluno especial do Mestrado em Direitos Humanos da UFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Carlos Henrich de Andrade e. Linguagem simples no direito tributário (PL nº 6256/2019): possibilidades de inclusão social Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 ago 2022, 04:38. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/58955/linguagem-simples-no-direito-tributrio-pl-n-6256-2019-possibilidades-de-incluso-social. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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