RESUMO: O presente artigo foi realizado através da pesquisa documental e bibliográfica, com apoio em textos científicos e livros relacionados à temática de violência de gênero e violência obstétrica, bem como dados de pesquisas coletadas (denúncias, pareceres do Ministério Público, quadro amostral de atendimentos nas maternidades e relatos), e visando compreender o contexto histórico da progressão do parto, saindo da segurança do lar das gestantes, para os atendimentos em massa realizados por profissionais da saúde dentro dos hospitais. Apesar de as condutas lesivas serem repudiadas por órgãos como a OMS e o Ministério da Saúde, essas práticas seguem sendo realizadas por profissionais da área da saúde, com fortes motivações pela condição da gestante enquanto mulher, classificando-se como um crime muitas vezes restrito ao gênero. Mesmo com a inclusão digital e crescimento das denúncias, as condutas lesivas (e muitas vezes fatais) permanecem.
PALAVRAS-CHAVE: Violência Obstétrica. Violência de Gênero. Maternidades. Condutas lesivas à gestantes. Puerpério. Violação dos direitos da mulher grávida. Direitos da mulher.
ABSTRACT: This article was prepared through documental and bibliographic research, supported by scientific studies and books related to gender and obstetric violence, as well as data from researches (complaints, opinions from the Public Ministry, reports of maternity hospitals and aiming to understand the historical context of the progression of childbirth, when pregnant women leave their safe spot to give birth in hospitals. Although harmful conducts are repudiated by organizations like WHO and Ministry of Health, these practices are often associated by professionals in the area of pregnant women, being classified as a gender-associated crime. Even with digital inclusion and the growth of denunciation, the harmful activities against women remain.
KEY-WORDS: Obstetric Violence. Gender Violence. Maternities. Harmful conduct towards pregnant women. Puerper. Violation of the rights of pregnant women. Women’s Rights.
INTRODUÇÃO
Os temas que cercam a violência obstétrica tem grande relevância no cenário atual por ser uma discussão relativamente nova e que ocorre todos os dias em todos os locais do mundo. É um tipo de violência que muitas vezes mostra certo grau de igualdade entre as vítimas, podendo acontecer com qualquer gestante, todavia não se pode negar que a ocorrência é preponderante em perfis raciais e de classe distintos (LEAL et al., 2017).
Apesar de essa forma de violência ser relativamente comum, como apontam os dados da pesquisa realizada pela Nascer do Brasil e coordenada pela Fiocruz em 2014, não são todos os casos que recebem o devido reconhecimento midiático. Em 2021 reacendeu-se a discussão após o relato da influencer digital Shantal Verdelho, que denunciou o médico obstetra que fez o parto de sua filha mais nova em setembro de 2021 na cidade de São Paulo. Ao expor em sua rede social, para seus mais de 1,5 milhões de seguidores, a influencer mostrou como foi agredida verbalmente pelo profissional que realizava o procedimento em seu momento de maior fragilidade, e como é possível que qualquer gestante passe pelo mesmo (G1, 2022).
Em março de 2022, mais um caso ganha espaço nos jornais: uma jovem de Barra Mansa, no Rio de Janeiro, denuncia a forma como foi tratada durante o parto de seu filho e a posterior morte do bebê, em decorrência dos procedimentos realizados. Milene de Oliveira teve seus pedidos para que o parto fosse realizado por cesariana negados, mesmo tendo passado mais de 10 horas em um trabalho de parto que não evoluiu e teve que ouvir do médico que a atendia que iria “caprichar” para o marido dela enquanto costurava o canal vaginal (G1, 2022).
Todavia, mesmo com o avanço de discussões e palestras acerca da questão, ainda não há um posicionamento concreto à nível nacional e as denúncias se acumulam por serem descartadas como mero erro médico, retirando a responsabilidade daqueles que cometem a violência e deixando as vítimas traumatizadas e portando sequelas para o resto da vida. Apesar de posicionamentos da Organização Mundial de Saúde, as práticas seguem sendo realizadas e direitos seguem sendo desrespeitados.
ASPECTOS DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E SUAS DEFINIÇÕES
Para a finalidade do artigo o termo mais utilizado será “mulher”, todavia sem negar que qualquer pessoa com útero (incluindo pessoas que se identificam com outros gêneros, além do binário masculino e feminino) e que esteja gerando uma vida pode vir a sofrer esses mesmos tipos de violência, seja durante a gestação ou até o momento do parto. Infelizmente, a discussão é mais fechada para as vivências de mulheres cisgênero e não se tem dados envolvendo outras pessoas com útero.
A violência se caracteriza como um grave fenômeno social em expansão, em todas as suas formas e, de modo especial, contra a mulher, ao longo da história. Nos dias atuais ganhou caráter endêmico, fazendo-se cotidianamente presente em comunidades e países de todo o mundo, sem discriminação social, racial, etária ou religiosa (FANEITE; FEU; MERLO, 2012).
A violência contra a mulher é definida como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, causando morte, dano ou sofrimento de ordem física, sexual ou psicológica à mulher, tanto na esfera pública quanto na esfera privada” (Comitê Latino Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher, 1996, p. 6).
O estudo e subsequente interesse na assistência ao parto pode ser considerado relativamente recente, todavia registrado em diversos momentos históricos, principalmente dando enfoque no sofrimento e tratamento ao qual são submetidas as gestantes. Esses estudos possuem diferentes ramificações, com respostas em contextos distintos para justificar o modo de tratamento e frequentemente impactando a maneira de como será conduzido o cuidado no ciclo gravídico-puerperal (Journal of Human Growth and Development, 2015).
A violência de gênero é resultado da própria construção do conceito de gênero, este sendo resultado dos comportamentos que a sociedade impõe à homens e mulheres através de estereótipos que reforçam a inferioridade do sexo feminino em relação ao sexo masculino. Por causa disso, se aceita a discriminação contra a mulher como algo natural ao invés de um processo imposto e sistemático (SILVA, 2010).
Apesar de a medicina ser uma ciência, ela não está isenta da influência dos valores morais e culturais. Ao admitir que o ambiente das instituições de saúde faz parte da sociedade, a percepção dessa violência evidencia aspectos particulares tendo no parto um meio de punir e demonizar a sexualidade feminina.
Atualmente numerosos estudos no país documentam como são frequentes as atitudes discriminatórias e desumanas na assistência ao parto, nos setores privado e público (Fundação Perseu Abramo e SESC, 2010). O interesse acadêmico se ampliou e a produção dos últimos anos inclui pesquisas sobre a formação dos profissionais e, mais recentemente, dados de base populacional. A questão mais delicada quanto à violência obstétrica consiste no fato de que muitas vezes as mulheres, vítimas desta forma de violência, não percebem a sua prática, pois, por uma questão cultural, o parto ainda é visto como um momento de “dor necessária". Em outras situações, aquelas que percebem, optam pelo silêncio, mas afinal: em que consiste a violência obstétrica?
A violência obstétrica tem por definição toda ação ou omissão direcionada à mulher durante o pré-natal, parto ou puerpério, que cause dano, dor ou sofrimento desnecessário, praticada sem consentimento explícito ou em desrespeito à sua autonomia, podendo ser caracterizados por: negação do atendimento à mulher, comentários humilhantes no que diz respeito à sua cor, idade, religião, escolaridade, classe social, estado civil, orientação sexual, número de filhos, palavras ofensivas dirigidas à sua família, agendar cesárea sem necessidade para atender aos interesses do próprio médico (e aqui cita-se a agenda cheia dos profissionais de saúde), manter a parturiente em posição desconfortável por horas, manobra de Kristeller, toques desnecessários e repetitivos, etc (PAES, 2018).
Ocorre que os últimos dados levantados sobre violência obstétrica foram coletados entre 2010 e 2012, tendo estudos da Fundação Perseu Abramo e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) como base. À época o levantamento já era chocante: 45% dos atendimentos em hospitais da rede pública resultam em violência obstétrica e na rede privada a prática equivalia a 30% (Ensp/Fiocruz, 2012). Mesmo com essa deficiência em estatísticas pode-se reconhecer que as mulheres mais vulneráveis à violência obstétrica são as pobres, pretas, pardas, periféricas e LGBTs.
Na América Latina há países que tipificam a conduta da violência obstétrica, como Argentina (que inclusive possui legislação específica acerca da definição desse tipo de violência, Lei 26.485/2009), México e Venezuela. No âmbito nacional, o sistema jurídico brasileiro possui legislação genérica a respeito, mas não existe lei específica. Existe, entretanto, o Projeto de Lei 7.633/2014, ainda em trâmite no Congresso Nacional, que dispõe sobre as diretrizes e os princípios inerentes aos direitos da mulher no que diz respeito a gestação, pré-parto e puerpério e a erradicação da violência obstétrica.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DO PARTO E A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA COMO PADRÃO NO TRATAMENTO GESTACIONAL
Há muito tempo a pessoa parturiente deixou de ser protagonista durante o parto, como apontam os dados de 2018 da OMS sobre o aumento dos partos através de cesárea, totalizando 55,57% e colocando o Brasil como segundo país que mais faz este procedimento cirúrgico no mundo. Na rede privada esse número equivale a 88% dos partos e 46% na rede pública de saúde. A recomendação da OMS persiste para que o parto realizado por cesariana seja entre 10% a 15% dos casos desde que foi realizada uma reunião do órgão em 1985, em Fortaleza/CE, no Brasil. Essa recomendação persiste mesmo após passados quase 40 anos, pois estudos indicam que maiores taxas do procedimento não afastam a mortalidade materna e do feto.
Apesar de mudanças significativas nas taxas de morte materna persiste o questionamento: se os procedimentos evoluíram com o passar das décadas isso implica em melhor atendimento para as gestantes? Para Simone Grilo Diniz (2009), e com base em dados amostrais, não há indícios de melhoras.
Segundo Andrade e Aggio (2014, p. 1) “desde os tempos bíblicos a dor tem sido associada à parturição, obrigando a parturiente a suportá-la e aceitá-la”. Inegavelmente, o parto é um momento único e inesquecível na vida da mulher, quando o cuidado proveniente dos profissionais deveria ser singular e focado na parturiente para torná-lo o mais natural e humano possível. Ao contrário de outros acontecimentos que necessitam de cuidados hospitalares, o processo de parturição é fisiológico, natural, muitas vezes necessitando apenas de acolhimento, atenção e humanização.
Apesar de o parto cesárea ser uma técnica cirúrgica que salva vidas, os estudos atuais apontam que seu uso descontrolado e desnecessário pode trazer prejuízos (dentre eles a perda da vida humana). Para tentar monitorar a situação, a OMS criou em 2011 a Classificação de Robson para acompanhar a progressão indicada para os partos e assim indicar a intervenção cirúrgica apenas nos casos necessários.
Dentro dessa perda de autonomia por parte da gestante temos que a equipe médica “assume as rédeas” e delega à parturiente apenas a colaboração para que tudo corra bem. Contudo, é nessa colaboração que muitas irão vivenciar os momentos mais traumáticos de suas vidas.
Entre as teorias sobre o que causa a violência obstétrica pode-se citar o trabalho de Simone Grilo Diniz e de outras colaboradoras para o departamento de saúde materno-infantil da Faculdade de Saúde Pública na Universidade de São Paulo (USP) em 2015:
“A formação dos profissionais de saúde, em especial dos médicos, tem papel estruturante no desenho atual da assistência e na resistência à mudança. Enquanto as melhores evidências são atualizadas e divulgadas rapidamente em publicações eletrônicas, disponíveis via Internet, a maioria dos cursos de medicina tem sua bibliografia baseada em livros desatualizados,37 com raras orientações aos estudantes sobre como buscar, avaliar e revisar os estudos disponíveis a respeito de um determinado tema. Isso significa que os formandos têm limitado seu conhecimento sobre a prática baseada em evidência, muitas vezes tratando as melhores práticas, baseadas em evidências, como questões "de opinião", "de filosofia", e não como o padrão-ouro da assistência.
Hotimsky afirma que a prática médica é, muitas vezes, apreendida de forma descolada do seu balizamento ético e com a priorização de competências em detrimento de valores como o cuidado.Descreve situações em que mulheres são objetificadas em prol do treinamento de internos, como em casos em que há negociação entre estudante e residente para a realização de uma episiotomia para fins de treino sem o consentimento da paciente. Tal compreensão está tão arraigada nos serviços que, ao comentar a prática dos residentes, uma profissional entrevistada no trabalho de Diniz declara: "Eles têm que aprender, as mulheres são o material didático deles" (p.102).”
Além disso, no artigo desenvolvido é feita uma reflexão sobre como dentro das instituições de saúde os profissionais exploram a fragilidade da gestante muitas vezes para seu ganho pessoal, em decorrência de turnos longos, preconceitos pessoais e afins:
“Estes estudos mostram que as mulheres são escolhidas para o treinamento de procedimentos como episiotomia, fórceps ou até mesmo cesarianas conforme o ordenamento hierárquico do valor social das pacientes" evidenciando a existência de uma hierarquia sexual, de modo que quanto maior a vulnerabilidade da mulher, mais rude e humilhante tende a ser o tratamento oferecido a ela. Assim, mulheres pobres, negras, adolescentes, sem pré-natal ou sem acompanhante, prostitutas, usuárias de drogas, vivendo em situação de rua ou encarceramento estão mais sujeitas a negligência e omissão de socorro. A banalização da violência contra as usuárias relaciona-se com estereótipos de gênero presentes na formação dos profissionais de saúde e na organização dos serviços. As frequentes violações dos direitos humanos e reprodutivos das mulheres são, desse modo, incorporadas como parte de rotinas e sequer causam estranhamento.
Segundo Rego et al., (2008) no ensino médico, os doentes tendem a ser desumanizados, anulados em sua identidade e transformados em um número da ficha hospitalar, em um caso a ser estudado, diagnosticado e tratado. Estudos sobre o ensino das profissões de saúde mostram que essa crítica, no entanto, não se restringe à obstetrícia, nem mesmo apenas à medicina, aplicando-se, em variadas intensidades, a outras profissões de saúde. O conjunto da educação dos profissionais tem sido alvo de críticas pela dificuldade de prepará-los com formação humanista. Assim, a relação deixa de ser entre humanos e passa a ser uma relação sujeito-objeto, do médico com a doença”.
Segundo Grilo Diniz (2009), a opção majoritária que muitas mulheres fazem ao escolher fazer cesariana sem necessidade tem por motivo a violência de imposição de rotinas, posição do parto e das interferências obstétricas desnecessárias vetam o desencadeamento natural dos mecanismos fisiológico do parto, tornando este um tipo de patologia e de intervenção médica, tornando o ato de parir em uma experiência de impotência, terror, alienação e dor. Além da visão de Grilo Diniz, pode-se citar a opinião médica, em explicação acerca do que motiva a busca pela cesárea, sendo motivos predominantes o medo da dor de um parto normal e o medo de sofrer alguma alteração física durante o procedimento (Dr. Roberto Faria, 2019).
A análise levantada pela transição do parto de dentro do ambiente domiciliar, em que eram mulheres conduzindo o momento do nascimento, para o hospitalar, em que os médicos homens foram durante anos a totalidade da equipe que prestava o serviço dos partos normais e cesáreas não é uma tentativa de excluir que homens participem desses espaços. Apenas uma colocação de que em algum momento algo no tratamento mais humanizado foi se perdendo.
DENÚNCIAS, ATIVISMO E PEDIDOS DE TOMADA DE ESPAÇOS LEGAIS PARA OBTENÇÃO DE DIREITOS DAS PARTURIENTES
As denúncias acerca da violência obstétrica tiveram início com a criação da Rede pela Humanização do Parto e do Nascimento (Rehuna). Através da Carta de Campinas, documento originário da Rehuna, ocorre a denúncia das circunstâncias de violência e constrangimento que acontecem durante a assistência, destacando as condições pouco humanas a que são submetidas mulheres e crianças no momento do nascimento (MARQUES, 2020).
A ocorrência desse tipo de violência não teve início na virada do século, perdura no tempo, sendo recorrente tanto na rede pública quanto na rede privada de saúde, sem que a população geral tome conhecimento de que muitos dos atos praticados configuram um tipo de violência e violação de direitos fundamentais, não devendo aceitar os atos como mero procedimento médico dentro do normal.
A violência de gênero resulta da própria construção deste conceito, indicando os estereótipos que socialmente são impostos ao binarismo homem e mulher, com o feminino sendo sempre visto como inferior/fraco e sendo “natural” ocorrer essa discriminação, ao invés de reconhecer como sendo resultado de um processo imposto e sistemático (SARDENBERG; TAVARES, 2017).
O momento da gestação e posterior parto muitas vezes é único e, dentro deste cenário, acaba se tornando uma experiência de grande sofrimento em decorrência do atendimento da equipe multidisciplinar de saúde.
Apesar do ciberativismo das mulheres mães, os direitos das parturientes continuam sendo violados e mesmo com muitas das técnicas consideradas danosas à saúde da grávida e do nascituro pela Organização Mundial de Saúde (OMS) os profissionais de saúde perpetuam o atendimento traumático à essas mulheres que muitas vezes estão vivendo uma experiência única (SENA; TESSER;, 2017).
CASO CONCRETO E O QUE MUDOU COM AS DENÚNCIAS: COMO O ATIVISMO FOI CENTRAL PARA ALTERAÇÕES NOS DISPOSITIVOS LEGAIS
No Amazonas, o caso mais popular, que iniciou as investigações nas maternidades, foi o de Gabriela Repolho de Andrade. Em 2012, na época do parto, ela buscou a emergência do hospital de seu plano de saúde particular para um atendimento. Logo foi recebida para triagem, sendo tratada de forma agressiva durante todo o atendimento com a médica plantonista, tendo ainda sido impedida de ter o acompanhamento do marido durante esse atendimento. Após o nascimento de sua filha, momento em que Gabriela não recebeu palavras de apoio ou acolhimento por parte da equipe, a mesma foi impedida de ter contato imediato com o bebê e foi levada para o quarto, passando horas sem poder segurar ou amamentar a própria filha (MPF, 2016).
Apesar de Gabriela Repolho ter aberto caminho para que as gestantes pudessem compartilhar seus relatos de violência isso não implica necessariamente na diminuição de casos ocorrendo nas maternidades em todo o estado do Amazonas. Dentre diversos motivos e circunstâncias, a violência obstétrica continua sendo parte da realidade de muitas gestantes.
Em meio aos acontecimentos repetitivos de desrespeito aos direitos maternos, surge o Humaniza Coletivo Feminista (fundado em 2017) que, de acordo com sua biografia na plataforma social Instagram e em seu site oficial (https://humaniza.manaus.br/) é “um grupo de mulheres que luta pela erradicação da violência obstétrica”. Apesar de ter se tornado uma associação apenas em 2017, o coletivo já tinha atuação desde 2015 enquanto movimento, buscando junto ao Ministério Público Federal - MPF e ao Ministério Público do Estado - MPAM a realização de uma audiência pública para tratar do tema de violência obstétrica (ANPR, 2020).
A atuação do Coletivo foi essencial para trazer visibilidade ao tema, buscar justiça para as vítimas e promover a ponte dentro do judiciário, com palestras sendo promovidas para magistrados, visando informar aos outros setores como receber e lidar com as denúncias.
Dentro do ordenamento jurídico brasileiro percebe-se deficiências e brechas na legislação vigente referente aos direitos gravídicos antes, durante e após o parto (período puerpério). Esses direitos estão elencados em tratados e convenções internacionais (Portaria GM nº 569/2000; Lei nº 11.108/2005; Lei nº 11.634/2007; Portaria GM nº 1.016/1993), tendo também especificações para as condutas corretas a serem adotadas nas decisões da Organização Mundial de Saúde (OMS) com os Dez Direitos das Gestantes (2011).
Em 2019, no estado do Amazonas, foi criada a Lei nº 4.848, que trata de medidas para prevenir a violência obstétrica nas redes públicas e privadas de saúde. A Lei Ordinária define o que é violência obstétrica e quais são as práticas que podem ser consideradas como condutas abusivas ou ofensivas, quem são os agentes que cometem a violência obstétrica e qual o papel das maternidades para informar ao máximo as pacientes sobre o que não é permitido que seja feito com seus corpos.
Apesar de a legislação estadual ser importantíssima, ainda não há lei federal que discuta o assunto (G1, 2022). Além disso, a “punição” aos que cometerem os atos lesivos é de natureza pecuniária, atingindo a esfera patrimonial do autor do ilícito, não havendo tipificação no Código Penal. O que ocorre dentro do nosso ordenamento é a aplicação de outros tipos penais às condutas lesivas praticadas contra as gestantes, e não um tipo penal específico.
Com isso, questiona-se: a legislação brasileira possui as ferramentas necessárias para que seja possível prevenir, responsabilizar e educar profissionais da saúde sobre a prática de violência obstétrica?
CONCLUSÃO
Apesar de avanços de coletivos para tentar garantir que os direitos já existentes das gestantes sejam respeitados e que as diretrizes da OMS, no que diz respeito à um parto saudável e seguro, sejam mantidas, vemos ainda notícias sobre violências cometidas contra gestantes, durante ou após o parto, mesmo na contemporaneidade em que vivemos.
Além disso, o cenário político global em 2022 não é dos mais animadores para os direitos reprodutivos das mulheres, com cerceamento de direito à realizar aborto seguro e saudável e até discussões de cunho religioso sobre uso de métodos contraceptivos. No Brasil o aborto segue sendo permitido apenas em alguns casos, em conformidade com o artigo 128 do Código Penal e entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal nos casos de feto anencéfalo.
Temos, de um lado, leis que asseguram punir quem praticar aborto fora das hipóteses anteriormente citadas, assegurando que o feto é ser vivo e deve ser protegido, e, por outro lado, não há a segurança para que a gestação seja conduzida com esse mesmo cuidado, de fato impedindo que a violência obstétrica seja cometida. São dois cenários quase opostos, em que há a obrigação em seguir com uma gravidez, mas sem a garantia de que no parto tudo correrá dentro do respeito aos direitos da parturiente e do filho que irá entrar no mundo.
REFERÊNCIAS
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Por: MARIANA BRITO CASTELO BRANCO
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