MURILO BRAZ VIEIRA[1]
(orientador)
RESUMO: Esta pesquisa trata-se de uma investigação de abordagem quanti-qualitativa e descritiva, que tem como objetivo demonstrar de que forma a existência da legislação supramencionada impactou as relações de emprego durante sua vigência, e, partindo da premissa de que existe um processo de precarização da mão de obra que perpassa pela flexibilização das leis trabalhistas com a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), determinar de que forma a edição da Medida Provisória nº 927/2020 influenciou as relações de trabalho diante de um cenário de pandemia e de uma economia instável, tendo em vista que foram medidas adotadas de forma excepcional durante a pandemia do COVID-19, mas, que geram efeitos no campo jurídico, como, por exemplo, a reflexão gerada em torno do teletrabalho, artigos 4º e 5º, que foi uma modalidade amplamente utilizada como alternativa ao isolamento, mas gera diversas consequências, inclusive, de ordem jurídica e social, para os trabalhadores, e, ainda, de compensação de jornadas extraordinárias por meio de bancos de horas, seja em favor do empregado ou do empregador, mediante previsão contratual estipulando as condições, conforme disposição do artigo 14º da norma. As fontes de pesquisa primária são: livros, legislação específica e geral, relatórios técnicos, dissertações, artigos e projetos de estudo em curso. As fontes secundárias são: artigos de revisão e documentários sobre o tema. E, por fim, as fontes terciárias são: bibliografias de bibliografias e resumos. A coleta de dados tangentes ao tema, que são necessários para uma compreensão mais aprofundada, foram acessados através de ferramentas de pesquisa como o IBGE, SciELO, LILACS e Google Acadêmico, trazendo uma perspectiva de estatísticas para as indagações que movem o estudo em questão. É substancial identificar de que forma a Medida Provisória em questão foi importante para a transformação jurídica das condições de trabalho durante e após o estado de calamidade pública, e de que forma a existência da lei em comento impactou o mercado de trabalho brasileiro no pós pandemia, evidenciando as principais consequências para a população brasileira.
Palavras-chave: Artigo 4º. Artigo 14º. Medida Provisória 927. Pandemia. Teletrabalho.
ABSTRACT: This research is an investigation of a quanti-qualitative and descriptive approach, which aims to demonstrate how the existence of the aforementioned legislation impacted the employment relations during its validity. Based on the premise that there is a process of labor precarization that goes through the flexibilization of labor laws with the Labor Reform (Law no. 13. 467/2017), this study intends to determine how the edition of the MP nº 927/2020 influenced labor relations in the face of a pandemic scenario and an unstable economy, considering that they were measures adopted in an exceptional basis during the COVID-19 pandemic that generate effects in the legal field, such as, the attention around remote work, in the articles 4 and 5, which was a modality widely used as an alternative to isolation but generates several consequences, including legal and social aftereffect for brazilian workers, and, besides that, the compensation of overtime through hour banks, either in favor of the employee or the employer, by means of a contractual provision stipulating the conditions, as provided for in article 14 of the regulation. The primary research sources are: books, specific and general legislation, technical reports, dissertations, articles, and ongoing study projects. The secondary sources are: review articles and documentaries on the theme. And, finally, the tertiary sources are: bibliographies of bibliographies and abstracts. And, the data collections that are tangential to the theme, which are necessary for a deeper understanding, were accessed through research tools such as IBGE, SciELO, LILACS, and Google Academic, bringing a perspective of statistics for the inquiries that move the study in question. It is substantial to identify how the MP nº 9272020 was important for the legal transformation of working conditions during and after the state of public calamity, and how the existence of the law in question impacted the Brazilian labor market in the post-pandemic period, highlighting the main effects for the Brazilian population.
Keywords: Article 4º. Article 14º. Pandemic. Provisional Measure 927. Remote Work.
1 INTRODUÇÃO
Diante de um cenário de alto índice de desemprego, mesmo após a edição da Lei nº 13.467/2017, que flexibiliza direitos trabalhistas, e, ainda, considerando o fenômeno da uberização do trabalho, e, por fim, o cenário da pandemia criada pelo alastramento do Sars-CoV-2
Percebe-se que vários foram os fatores que culminaram na edição Medida Provisória nº 927/2020 e, são várias as complicações que decorrem da promulgação desta lei, que, inclusive, perdurarão em um cenário de pós-pandemia, mesmo diante da não aceitação da mesma enquanto lei pelo Congresso Nacional, sendo necessária a análise aprofundada dessa situação social e jurídica, em que o trabalhador ainda se encontra em um lugar jurídico de instabilidade com relação aos seus direitos e deveres, mesmo após a caducidade do diploma legal, em razão da validade dos acordos individuais realizados durante a vigência da lei em comento.
O presente estudo pretende analisar a nova dinâmica das relações de trabalho a partir dos impactos gerados pela edição da norma supracitada, e de medidas correlatas, principalmente, sobre as relações de emprego regidas pela CLT, no que diz respeito a regulamentação da modalidade de teletrabalho, que, inclusive, fomentou o debate jurídico acerca da necessidade de aprofundamento legislativo em torno dessa espécie de prestação de serviço, culminando na inserção de novos dispositivos na CLT por meio da Medida Provisória nº. 1.108/2022.
Ademais, visa uma análise social e jurídica da possibilidade de compensação de jornadas extraordinárias por meio de bancos de horas, seja em favor do empregado ou do empregador, desde que houvesse previsão contratual estipulando as condições.
Assim, é fundamental a análise dos determinantes sociais e jurídicos que culminaram na declaração de estado de calamidade pública, por meio do Decreto Legislativo nº 6/20, resultando na edição da Medida Provisória nº 927/2020, dentre outras, e, por meio de uma investigação de abordagem quanti-qualitativa e descritiva, realizada através de livros, de legislação específica e geral, de relatórios técnicos, de dissertações e de artigos, demonstrar os efeitos reais na esfera socioeconômica e no campo do direito trabalhista, e as consequências para a mão de obra brasileira, mesmo após a caducidade do diploma legal em comento.
2 PANDEMIA E O ESTADO DE CALAMIDADE SOCIAL E ECONÔMICO DENTRO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO
A conjuntura brasileira ao final de 2019 e início de 2020, meses antes da pandemia do Covid-19 atingir o território brasileiro, dentro da concepção da economia e das relações de trabalho, era de altas taxas de desemprego e percentuais altos de trabalhadores migrando para empregos informais.
O Brasil conta com cerca de 210 milhões de habitantes e uma população economicamente ativa de cerca 106 milhões. Tinha antes da pandemia um percentual em torno de 45% de brasileiros na informalidade e uma taxa de desemprego de aproximadamente 12%, somando assim mais da metade da PDA. (BELMONTE et al, 2020, p. 3).
Em 30 de janeiro do ano de 2020 a OMS - Organização Mundial da Saúde declarou que o nível de contágio pelo 2019-nCoV implicava em uma emergência de saúde pública à nível mundial, e, em março do mesmo ano, determinou que o surto de Covid-19 se tratava de uma pandemia propriamente dita.
Em consequência da posição adotada pela OMS, o Ministério da Saúde editou a Portaria nº 188/2020, em fevereiro de 2020, decretando Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional - ESPIN em razão da infecção humana pelo novo Coronavírus, determinando que as orientações no decorrer da pandemia seriam a partir do Centro de Operações de Emergências em Saúde Pública - COE-nCoV.
De acordo com dados levantados à época, os efeitos econômicos da pandemia foram imediatos, uma vez que a paralisação e o isolamento influenciaram todo o ciclo de produção de bens e serviços, desde a produção da matéria prima até o produto ou o serviço final.
Conforme dados apurados pelo SEBRAE e divulgados na imprensa em 09.04.2020, naquele momento mais de 600 mil empresas já haviam fechado as portas, 30% dos empresários precisaram de empréstimos para manter seus negócios e mais da metade (59,2%) tiveram pedidos negados. (BELMONTE et al, 2020, p. 78).
À medida que a situação da pandemia foi se agravando, novas medidas foram editadas a fim de conter a contaminação e oferecer suporte a população brasileira, independente do seu status, enquanto trabalhador formal e informal, desempregados, e as demais categorias.
Dessarte, a partir do Decreto Legislativo nº 6 de março de 2020, foi oficialmente declarado o Estado de Calamidade Pública, que deu início a edição e publicação de inúmeras normas, transitórias, que regulamentaram diversos ramos do direito, criando uma série de normativas para abarcar o momento de exceção gerado pela pandemia.
Segundo informações coletadas pelo IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua, ‘a taxa de informalidade passou de 41,1% em 2019 para 38,7% em 2020’, processo que não tem consequência na melhoria das condições de trabalho ou no processo de formalização da mão de obra informal, e sim no processo de desocupação da população economicamente ativa brasileira nos primeiros meses da pandemia.
Dentre as medidas publicadas, destaca-se a Medida Provisória nº 927/2020 que alterou as relações jurídicas dentro do Direito do Trabalho, elencando medidas de contenção aos efeitos da pandemia na esfera econômica e trabalhista, ou seja, uma ordem de situações que poderiam vir a amenizar os impactos do isolamento durante o período de pandemia, que incluía a regulamentação e a fomentação do teletrabalho, artigos 4º e 5º da lei, em detrimento da suspensão dos contratos ou da demissão em massa, além da possibilidade de compensação das jornadas extraordinárias através de bancos de horas, em favor do empregado ou do empregador, conforme disposto no artigo 14º da medida em comento.
Belmonte, 2020, conclui que as Medidas Provisórias 927/2020 e 936/2020 foram instrumentais na proteção jurídica e social durante a pandemia, tendo em vista a ponderação de disponibilizar alguns direitos constitucionalmente indisponíveis a fim de garantir a vida social plena e o emprego.
A MP 927/2020 trouxe um conjunto de alternativas flexibilizadas em relação à legislação ordinária para as empresas que não pararam. E a MP 936/2020, a redução da jornada com redução salarial e a suspensão temporária do contrato para as empresas que precisaram paralisar total ou parcialmente a sua atividade, mediante complementação ou substituição da remuneração normal por meio de um benefício emergencial calculado sobre o seguro-desemprego, com contrapartida da garantia de emprego para os trabalhadores. (BELMONTE et al, 2020, p. 4).
As medidas supramencionadas foram editadas enquanto diligências excepcionais que visavam a manutenção de empregos e a contenção dos efeitos da pandemia na economia brasileira, o que fica evidente após a caducidade da medida provisória é a incerteza em torno das consequências jurídicas, visto que a medida não foi convertida em lei, mas deu fundamento para a edição de Medidas Provisórias posteriores, como a MP nº 1.108/2022, e os acordos individuais ou coletivos realizados com base neste diploma continuam produzindo efeitos no campo jurídico e na vida individual dos trabalhadores.
3 AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS DA MP 927 NAS RELAÇÕES DE TRABALHO
A relação de trabalho, jurídica e socialmente, gera uma série de consequências para ambas as partes em que se espera uma série de contrapartidas em diversos momentos da relação de trabalho, que visa a permanência do empregado a longo prazo, com dignidade e com qualidade de vida, aspirando ambiente de trabalho favorável que venha a propiciar um nível alto de produção e produtividade.
Considerando o contexto da pandemia, as condicionantes sociais e econômicas foram determinantes para a reconcepção da segurança jurídica estabelecida pela CLT, devido a necessidade de flexibilização dos direitos e deveres trabalhistas a fim de garantir a manutenção dos vínculos laborais enquanto perdurasse o estado de calamidade pública.
A Medida Provisória nº 927/2020 foi um dos instrumentos normativos utilizados na edição de alternativas dentro do campo trabalhista para garantir a manutenção dos vínculos empregatícios, e trouxe, enquanto alternativa para a obrigatoriedade de isolamento dos indivíduos, a possibilidade do teletrabalho, tema superficialmente previsto no artigo 6º e nos artigos 75-A a 75-E do capítulo II-A da CLT (redação dada pela Lei nº 13.467/2017) .
Os artigos 4º e 5º da Medida Provisória nº 927/2020 estabeleceram, em síntese, a facilidade de alteração unilateral da modalidade presencial para o teletrabalho, sem a necessidade de aditivo contratual; a redução, para até 48 horas, do prazo de aviso prévio por meio de notificação do empregado; e, ainda, caso o empregado não tivesse os recursos necessários no seu domicílio, as despesas relativas a infraestrutura e aos recursos para realização das atividades laborais deveriam ser fornecidas pelo empregador em regime de comodato ou, em caso de impossibilidade, deixar o empregado à disposição.
Destaca-se, dentre os dispositivos da Medida Provisória nº 927/2020, o § 3º, do artigo 4º, que versa acerca da responsabilidade no que diz respeito ao custo de instalação das condições indispensáveis para a concretização das incumbências do trabalhador, definindo, claramente, que os custos devem ser absorvidos pelo empregador, com previsão contratual, e, no caso do empregado não possuir as condições necessárias, o empregador ‘poderá fornecer os equipamentos em regime de comodato’ ou, na impossibilidade, ‘ o período da jornada normal de trabalho será computado como tempo de trabalho à disposição do empregador’.
O artigo 4º, §3º da lei em comento, se alinha, pelo princípio da alteridade, ao disposto no artigo 2º da CLT, que impõe ao empregador a contração dos riscos inerentes à atividade econômica, e, consoante o entendimento firmado pela jurisprudência pátria, é ilícita a transferência desse ônus aos empregados, posição que pode ser aplicada ao presente estudo.
Nesta perspectiva, têm-se que a MP nº 927/2020 esteve, durante sua vigência, mais alinhada aos direitos assegurados pela CLT, a partir da óptica da segurança jurídica, mesmo diante da precariedade econômica consequente a pandemia, do que o artigo 75-D da CLT, (incluído através da Lei nº 13.467/2017), que deixou aberta à negociação, individual ou coletiva, a possibilidade do empregado arcar total ou parcialmente com os custos da apropriação do seu domicílio em um ambiente adequado para a execução das demandas empregatícias.
No entanto, a MP nº 927/2020 foi uma norma extremamente ampla e genérica, de difícil aplicação por meio de contrato individual, pois, segundo pesquisa realizada pela Dieese, 2020, durante a validade da medida, “em 15% das negociações, a responsabilidade pelo fornecimento de equipamentos ou da infraestrutura é do(a) empregador(a)”, mas não houve definição detalhada e concreta de como seria efetivado o fornecimento desses recursos.
Na mesma pesquisa, em 3% dessas negociações, ficou a cargo do empregado o provimento dos meios de realização das suas atividades laborais.
A insegurança jurídica reside nas lacunas presentes na medida em questão, tendo em vista que não houve especificação de quais seriam os custos relativos a realocação dos trabalhadores, e, no caso da pandemia, em que o teletrabalho foi equivalente ao trabalho em domicílio, o que implica, necessariamente, na redução do gasto com transporte, mas, no aumento, para o empregado, de gastos que seriam arcados pela empresa, como energia, internet, água e telefonia, além da manutenção dos equipamentos necessários, como equipamentos e programas de softwares específicos a cada atividade econômica, que são, propriamente dito, custos de natureza da atividade empresarial, que não devem ser embutidos nas verbas de natureza salarial, conforme previsto no § 2º, I, artigo 458 da CLT, de forma que, se o empregado tiver alguma despesa nesse sentido, estas devem ser ressarcidas.
Diante da não conversão da MP nº 927/2020 em lei pelo Congresso Nacional, foi editada a Medida Provisória nº 1.108/2022, que alterou os artigos 75-B, §1º ao §9º, 75-C, §3º da CLT e adicionou o artigo 75-F ao diploma, todos referentes ao teletrabalho, mas no que diz respeito aos recursos e infraestrutura para o teletrabalho realizado em domicílio, voltou a valer o disposto no artigo 75-D, adicionado à CLT, por redação da Lei nº Lei nº 13.467/2017.
O legislador atribui às partes o direito-dever de dispor acerca da aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos e infraestrutura para o teletrabalho, devendo ser estas cláusulas obrigatórias nos contratos respectivos. Entende-se que se as partes assim não dispuserem, pela lógica protetiva laboral, aliada ao fato de que, genericamente, é do empregador o risco do empreendimento, em eventual demanda judicial será atribuído ao empregador o dever de ressarcir os custos eventualmente arcados pelo teletrabalhador na composição da infraestrutura necessária à prestação do trabalho remoto, incluindo-se aí a aquisição e manutenção de equipamentos informáticos. (BELMONTE et al, 2020, p. 350)
Importa em conjuntura juridicamente controversa, pois, em análise da medida provisória editada durante a pandemia, existe uma evidente contradição nas leis infraconstitucionais, CLT e Lei nº 13.467/2017, no que diz respeito à garantia e proteção de direitos trabalhistas garantidos pela Constituição Federal de 1988, deixando os custos dos empreendimentos que adotam a modalidade de teletrabalho à negociação individual ou coletiva, onerando o trabalhador com o dispêndio de manutenção do empreendimento, podendo se estender ao entendimento de enriquecimento ilícito dos empresários e empreendedores, já, que segundo disposto na CLT, estes devem assumir os riscos, inclusive os custos inerentes, da atividade econômica.
Os contratos editados durante a vigência da MP nº 927 ainda geram consequências para o trabalhadores que migraram para o teletrabalho, tendo em vista que esta modalidade não influi em direito adquirido, ficando a mercê das necessidades e dos interesses da atividade econômica, mas, à luz do artigo 468 da CLT, são situações que podem gerar demandas judicializadas, em que devem ser sopesadas condições que são mais benéficas ao trabalhador, principalmente aqueles que se enquadrem no perfil do artigo 444, parágrafo único, da CLT, mas que dependem do entendimento adotado por cada magistrado, considerando a caducidade da medida provisória em questão e a legislação específica vigente.
Sucede a mesma precariedade sob os aditivos contratuais realizados com fundamento no artigo 14º da Medida Provisória nº 927, o qual estipula um regime especial de compensação de jornada, em favor do empregado ou do empregador, por meio de acordo coletivo ou individual formal, para compensação no prazo de até 18 meses a partir do encerramento do estado de calamidade pública, visando, a redução de pagamento aos trabalhadores à título de horas adicionais.
Concerne tema controvertido a partir da ótica do teletrabalho, ou do trabalho em domicílio, para os trabalhadores que seguiram realizando suas atividades remotamente, por força da decisão unilateral do empregador, mas, diante da dificuldade tecnológica de fiscalização da jornada de trabalho durante a pandemia, em razão da inovação da espécie e da urgência em que as medidas foram adotadas, não podem reunir comprovação de jornada extraordinária.
No entanto, mesmo defronte a possibilidade de comprovação de jornada pelos meios de comunicação e tecnologia, o diploma restou ambíguo quanto a aplicação do § 5º do artigo 4º da Medida Provisória nº 927/2020 ao caso concreto em eventual demanda judicial, visto que este dispositivo decretou que “uso de aplicativos e programas de comunicação fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, exceto se houver previsão em acordo individual ou coletivo’, coadunando com a previsão anterior do artigo 62, III, da Lei nº 13.467/2017, o qual determina que o teletrabalho não é controlado pela jornada de trabalho.
Seja qual for a modalidade adotada, o artigo 62 da CLT, exclui esses empregados do regime geral de duração do trabalho, o que significa dizer que eles não possuem direito ao adicional por hora extra, exceto se houver efetivo controle e não mera possibilidade de controle. (PESSOA et al, 2020, p. 53)
Destarte, é notório que os trabalhadores que foram transferidos para modalidade de teletrabalho durante a pandemia foram posicionados em um lugar jurídico de desproteção no que diz respeito às suas jornadas diárias, especificamente , levando em conta a normativa da MP nº 927/2020, no § 5º, do artigo 4º e no artigo 14º, que, em conjunto, descaracterizaram o disposto no artigo 6º da CLT (redação do artigo 1º da Lei nº 12.551/2011), em que presentes os pressupostos da relação de emprego, o teletrabalho é equivalente ao trabalho em domicílio, de forma que, as horas a disposição do empregador, fora da jornada normal de trabalho, caracterizam-se horas extraordinárias, com exceção dos casos elencados no incisos do §2º do artigo 4º, que foi inserido na CLT por meio da Lei 13.467/2017.
Consiste em conjunção legitimamente complexa, pois vincula-se a jornada extraordinária à previsão contratual anterior, e, estas poderiam ser compensadas por banco de horas, conforme ajustado pelas partes.
Assim, não existia poder de aplicação do artigo 14º da MP nº 927/2020, pois diante da inexistência de acordo individual prévio, aplica-se o disposto no § 5º, do artigo 4 do diploma legal, e, ainda, o predito em norma anterior, vide artigo 62, III, da Lei nº 13.467/2017.
Apesar das contradições entre o artigo 14º e o § 5º, do artigo 4º da MP nº 927/2020, é garantido ao trabalhador, por força do artigo 6º da Constituição Federal, a desconexão após o fim do expediente, de forma que, diante da continuidade das demandas trabalhistas após o fim da jornada normal, prevista no artigo 58 da CLT, conforme os preceitos da segurança jurídica, abre-se a possibilidade jurídica de incidência do artigo 14º da MP nº 927, em compensação das horas mediante crédito em banco de horas, ou o pagamento de verbas referente a jornada extraordinária, a título de horas extras e suas correlatas.
E, mesmo diante da caducidade da MP nº 927/2020, a Medida Provisória nº 1.108/2022, § 5º, artigo 75-B, deu continuidade às diretrizes estabelecidas pela medida anterior, assentando que as horas despendidas ‘em equipamentos tecnológicos, softwares, ferramentas digitais ou de aplicações de internet’, fora da jornada de trabalho, não são computadas para fins de cálculos de horas extras, adicional noturno, intervalo intrajornada e interjornada e suas integrações, com exceção, explícita, dos repousos legais, que é tema de legislação específica (Lei nº 605/1949), e é direito assegurado pelo artigo 7º, XV da Constituição Federal/1988.
Diante do exposto, é evidente que a MP nº 927/2020 desencadeou diversas questões no âmbito trabalhistas, e, consequentemente, para a vida dos trabalhadores brasileiros, inclusive, com suporte da Medida Provisória nº 1.108/2022, lei vigente, que reiterou alguns dos preceitos embutidos na norma anterior, no que diz respeito às particularidades do teletrabalho, prolongando a validade de determinados dispositivos legais utilizados como fundamentação para edição de contratos individuais ajustados durante a pandemia, reverberando na cultura trabalhista brasileira.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
As possibilidades de demandas judiciais decorrentes da Medida Provisória nº 927/2020 são inúmeras, visto que a medida é controversa, no que tange os direitos trabalhistas flexibilizados durante a pandemia e os efeitos dessa flexibilização na esfera social da vida dos trabalhadores brasileiros.
Tendo em vista que as relações de trabalho passaram por uma transformação estrutural durante o contexto da pandemia, e da consequente edição do diploma em questão, é manifesto que serão levantadas inúmeras indagações pertinentes a fim de garantir segurança jurídica, tanto para o empregado quanto para o empregador.
Ainda que a medida não possua mais vigência ou validade nas relações de trabalho atuais, foi um diploma basilar na edição de medidas posteriores, como é o caso da MP nº 1.108/2022, que regulam alguns dos temas tratados na MP nº 927/2020.
Frente ao processo de flexibilização da legislação trabalhista, que culminou na edição da Lei nº 13.467/2017, constata-se que o artigo 4º, §3º da MP nº 927/2022, que incubia, de forma relativa ou absoluta ao empregador o ônus o ônus inerente à atividade econômica, que, inclui, em se tratando da modalidade de teletrabalho, a responsabilidade pelos custos de adequação da alocação e manutenção da infraestrutura para a realização das atividades laborais à distância, ou em domicílio.
E, após a caducidade da MP nº 927/2020, volta a reger essa situação jurídica o disposto no 75-D da CLT, por redação da Lei nº 13.467/2017, vai na contramão jurídica do disposto anteriormente pela CLT, no artigo 2º, situação claramente prejudicial para os trabalhadores brasileiros, que poderão, através de acordo individual ou coletivo, arcar, total ou parcialmente, com os custos da adequação do trabalho fora das dependências do empregador.
Ademais, no que diz respeito à possibilidade de compensação de jornada através de banco de horas, na perspectiva do teletrabalho, são condições que envolvem o controle de jornada do trabalhador, pontos tratados no § 5º do artigo 4º e no artigo 14º da MP nº 927/2020, sendo que o primeiro dispositivo dispõe sobre a descaracterização do período de uso dos meios eletrônicos de comunicação eletrônicos enquanto jornada extraordinária, e o segundo dispõe sobre a possibilidade compensação de horas, em favor do empregado ou do empregador, desde que previsto anteriormente em contrato.
Ocorre que, diante da urgência de edição e aplicação da medida, é evidente que não havia preparo das partes que compõem a relação de emprego para se adequar a modalidade do teletrabalho e os recursos necessários para a manutenção dos preceitos constitucionais e infraconstitucionais inerentes ao emprego, vide artigo 6º da CLT (redação do artigo 1º da Lei nº 12.551/2011).
Conseguinte, é notória a contradição no que diz respeito à aplicação dos artigos supramencionados, pois, se o trabalho realizado em domicílio é equivalente ao trabalho executado nas dependências do empregador, em caso de ausência de contrato determinando a compensação especial de jornada, influi-se que aplicaria-se o disposto no § 5º do artigo 4º da MP nº 927/2020, ou seja, toda jornada extraordinária seria descaracterizada, mesmo diante de meios de comunicação que comprovem que o trabalhador de fato estava a disposição, enquadrando-se nos tipos elencados no § 5º do artigo 4º.
Sucede que, após a perda da vigência da MP nº 927/2020, entrou em vigor a Medida Provisória nº 1.108/2022, reiterando o previsto no § 5º do artigo 4º da medida anterior, solidificando este entendimento, e, ainda, inseriu, através do § 3º, do artigo 75-B, a prestação de serviço, além da jornada normal prevista nos moldes celetistas, a variante por produção ou tarefa, sendo que estas últimas modalidades devem constar em contrato individual e não se submetem ao disposto no Capítulo II, Título II da CLT.
A edição da nova Medida Provisória provoca uma análise dessa nova formatação a modalidade de teletrabalho, mas, ainda, sim, cerca a relações de trabalho de insegurança jurídica, pois, mesmo que presente o contrato delimitando a modalidade de trabalho, ainda não se estabeleceu, legalmente, os limites, para o teletrabalho, de como seria esse controle de jornada ou como se efetivaria o contrato por produção ou tarefa dentro da cultura trabalhista brasileira.
Não obstante a divergência legislativa, conclui-se, mesmo diante da existência do artigo 62, III da CLT, que determina o não controle de jornada na modalidade do teletrabalho, existe previsão no sentido de que o trabalho a distância é equivalente ao realizado nas dependências do empregador, no artigo 6º da CLT, e, ainda, o § 3º, do artigo 75-B§, passou a permitir, por meio de acordo individual, a possibilidade de teletrabalho pela modalidade jornada de horas, sendo que nesses casos, é imperativo que o empregador possua formas alternativas eletrônicas de efetivar esse controle, e, em caso de impossibilidade, existiram modalidades alternativas, no modo produção ou tarefa.
São controvérsias jurídicas que vão precisar cada vez mais da intervenção jurídica e legislativa, a fim de harmonizar os interesses de ambas as partes e que seja compatível com a cultura trabalhista brasileira.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos (UFT), Professor (FASEC e UNITINS), Advogado.
graduando em Direito pela Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TANDELLI, FERNANDO. Análise dos artigos 4º e 14º da Medida Provisória 927/2020, editada no cenário da pandemia do covid-19, e as consequências na esfera trabalhista na perspectiva do teletrabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2022, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59018/anlise-dos-artigos-4-e-14-da-medida-provisria-927-2020-editada-no-cenrio-da-pandemia-do-covid-19-e-as-consequncias-na-esfera-trabalhista-na-perspectiva-do-teletrabalho. Acesso em: 25 dez 2024.
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