RESUMO: Considerando que o universo LGBTQIA+ e todos os seus desdobramentos são de extrema importância, embora discutidos de forma superficial na seara acadêmica, sabe-se que essa pauta é até hoje muito debatida na realidade fática e jurídica, gerando várias concepções no que tange à sua aceitação, bem como a garantia de direitos à essa população. Este artigo, portanto, tem como objetivo o estudo da homofobia enquanto prática criminalizada, de modo a compreender melhor o impacto real sofrido por seus alvos, além da necessidade de se garantir proteção efetiva dos LGBTQIA+. O presente artigo, além disso, esclarece quanto à definição das siglas que representam esse movimento, das quais originam diversas dúvidas e interpretações, além de serem utilizadas de maneiras diferentes pela população, assim como busca compreender a relação dos ramos do direito acerca do tema, e entender o posicionamento do Supremo Tribunal Federal ao vislumbrar a homofobia como uma espécie de racismo, utilizando-se de uma fonte de conhecimento para criar norma incriminadora, mesmo contrariando os princípios penais, ante a ausência de um posicionamento eficaz do Congresso Nacional.
Palavras chave: LGBTQIA+. Homofobia. Racismo. STF.
1.INTRODUÇÃO
O presente artigo foi elaborado visando compreender a temática da criminalização da homofobia, a partir da analise da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADO 26.
Dessa forma, pretende-se abordar o conceito de crime, bem como de suas fontes, além do que se entende como homofobia, seu contexto histórico e suas consequências, além de se conhecer um pouco mais da comunidade LGBTQIA+.
Assim, motivou o estudo sobre as fontes da lei penal e a forma como determinada conduta passa a ser considerada como crime, a fim de ser possível vislumbrar a viabilidade da inclusão da conduta de homofobia como um tipo penal da forma feita pelo STF.
Configura também entre os objetivos deste artigo, compreender o posicionamento do Supremo Tribunal Federal, assim como apontar a correlação dos ramos do direito a respeito do tema em análise.
A necessidade de compreensão da questão da homofobia e sua juridicidade torna-se extremamente relevante, ao passo que é possível verificar que a ausência de legislação pertinente ao tema reflete a internalização do preconceito contra a comunidade LGBTQIA+, assim como a necessidade de manter essas pessoas em uma situação de inferioridade, como punição para sua condição de género ou sexual.
Ao longo dos anos, a comunidade LGBTQIA+ sofreu inúmeras repreensões e castigos somente por ser considerada diferente do que a sociedade considerava como um “padrão” e essa segregação fez com que diversas pessoas escondessem por muito tempo – e de qualquer pessoa – a sua condição, gerando diversos problemas emocionais e psicológicos nessas pessoas.
Considerando que a homofobia continua a assolar os LGBTQIA+, seja através de palavras ou de violência física, podendo chegar até a morte, há a necessidade de se desenvolver métodos para combate dessas práticas, notadamente com a criação de normas incriminadoras, para que sejam punidos os infratores, a fim de proteger com maior efetividade essa população.
Dessa forma, percebe-se a relevância do assunto para a construção do conhecimento acadêmico. Trata-se, ademais, a respeito da compreensão das implicações do assunto nos diversos campos cabíveis ao estudo do Direito e, pois, da formação do operador.
Outrossim, o Direito, nesses casos, exerce um papel importantíssimo para a garantia de direitos básicos dessa população, que há anos sofrem como escória da sociedade e, a cada avanço conquistado em seu favor, implica em diversas outras renúncias e oposições das classes (ainda) dominantes.
A decisão proferida pelo STF tem representado que, embora a classe dominante, em exercício de seus atos de poder, pugna pela manutenção da opressão contra a população LGBTQIA+, reforçando, diversas vezes, estereótipos de inferioridade a estes, a Constituição Federal, ao garantir uma igualdade independentemente de género e opção sexual, incluiu essas pessoas em seu âmbito de proteção, razão pela qual elas também têm direitos, especialmente à vida.
2.O CONCEITO DE CRIME
Embora se fale com muita frequência sobre crime, muitas pessoas não compreendem a sua definição. Conforme o dicionário[1], a terminologia “crime" seria, entre outras definições: "(...) Delito por dolo ou culpa, ação ou omissão (...)”.
O art. 1º da Lei de Introdução ao Código Penal, por sua vez, determina que é considerada crime:
(...) a infração penal a que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente[2].
O Código Penal, por sua vez, não traz um conceito expresso do que seja crime, ficando a cargo da doutrina a sua definição. O conceito doutrinário adotado no Brasil determina que o crime é um fato típico, ilícito e culpável, conforme a teoria tripartida do crime.
De acordo com Guilherme Nucci[3], o “Fato Típico" seria uma conduta que se amolda ao tipo legal incriminador, ou seja, ao que dispõe a lei penal, e que possui uma ligação ao resultado por um nexo causal.
Já a ilicitude, também conhecida como atijuricidade, conforme o referido autor, significaria uma conduta contrária ao direito e que lesa um bem jurídico, objeto de proteção do direito[4].
A culpabilidade, por sua vez, implica em uma reprovabilidade social da conduta praticada, devendo o autor ser imputável, ter potencial consciência da ilicitude de sua conduta e ao menos poder atuar de forma diferente[5].
A partir dessa concepção, importa ressaltar o que ilustra o art. 5º, XXXIX da Constituição Federal (cuja redação se repetiu no art. 1º do CPB[6]): "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal"[7]. Essa disposição consagra o principio da legalidade, determinando que certa conduta só pode ser considerada como crime, se à época da prática já constar na legislação como tal.
Segundo o doutrinador Cleber Masson:
Como desdobramento lógico da taxatividade, o Direito Penal não tolera a analogia in malam partem. Se os crimes e as penas devem estar expressamente previstos em lei, é vedada a utilização de regra análoga, em prejuízo do ser humano, nas situações de vácuo legislativo[8].
Nesse mesmo sentido, Cezar Roberto Bittencourt[9]:
Em termos bem esquemáticos, pode-se dizer que, pelo princípio da legalidade, a elaboração de normas incriminadoras é função exclusiva da lei, isto é, nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena criminal pode ser aplicada sem que antes da ocorrência desse fato exista uma lei definindo-o como crime e cominando-lhe a sanção correspondente. A lei deve definir com precisão e de forma cristalina a conduta proibida.
Com isso, a ideia de legalidade traz consigo a ideia de lei escrita, estrita e certa, vedando, com isso, a edição de normas penais vagas, imprecisas ou indeterminadas. Para tanto, é dividida entre legalidade formal e material.
A legalidade formal demonstra a necessidade de lei, e em seu aspecto material, veda a criação de crimes com a utilização de costumes, medida provisória, analogia ou jurisprudência.
Nesse sentido, a reserva legal, como um corolário da legalidade, exige uma lei em sentido estrito para criação de norma penal. Conforme o art. 22, I, da CR/88[10], é competência privativa da União legislar sobre Direito Penal.
Portanto, como regra, a fonte de produção de uma norma pode ser classificada de diversas formas, mas no Direito Penal, é a lei, sendo esta a única fonte primária, em razão do principio da legalidade. Todavia, aceita-se a analogia, os costumes e os princípios gerais do direito como fontes secundárias, também chamadas de fontes de conhecimento/formais, que são aplicadas de forma indireta e mitigada.
Por conseguinte, a jurisprudência, que antes exercia seu papel em uma posição secundária, atualmente adota o que os doutrinadores denominam como "jurisprudencialização" do direito, notadamente na seara penal.
Com efeito, conforme leciona Lênio Streck, a maior parte do que a doutrina produz é baseada nas decisões proferidas nos tribunais, reproduzindo o que é dito da lei pelo judiciário[11].
Um exemplo é o caso da ADO 26, em que o Supremo Tribunal Federal incluiu a homofobia na lei de racismo, de modo que a referida conduta passou a ser uma espécie de racismo social.
3.DA HOMOFOBIA
Homofobia, segundo o dicionário é o “ódio a homossexual e a homossexualidade"[12]. Com a evolução das concepções relacionadas a gênero, entende-se como um comportamento homofóbico, qualquer atitude pejorativa e discriminatória em desfavor de pessoas que se percebem atraídas por pessoas do mesmo sexo, ou que até mesmo se identifiquem de um gênero diferente do qual tenha nascido, mas para entender melhor sobre tal espécie de preconceito, se faz necessário compreender mais acerca de seu público alvo.
3.1 Da comunidade LGBTQIA+
O movimento social denominado “LGBTQIA+" foi instituído para a defesa dessas pessoas na sociedade. Baseado na diversidade e em maior representatividade, tanto os participantes, quanto apoiadores, buscam maiores condições de acesso, bem como de inclusão em pautas sociais que anteriormente eram ocupadas somente por heterossexuais, a pessoas que possuem diversas identidades de género ou orientações sexuais.
Tal comunidade é composta por Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexual/Transgênero, Queer, Intersexo, Assexual e + (que representa quaisquer outras definições que surgirem ao longo da história). Reis defende que o sexo biológico é determinado por certas características, como composição hormonal, genitália, cromossomos, etc., a partir das quais cria-se uma expectativa social relacionada ao gênero a que esse indivíduo teria[13].
As definições "lésbica, gay, bissexual e assexual", se referem à orientação sexual do individuo. A sexualidade seria uma forma de "construções culturais sobre os prazeres e os intercâmbios sociais e corporais que compreendem desde o erotismo, o desejo e o afeto, até noções relativas à saúde, à reprodução, ao uso de tecnologias e ao exercício do poder na sociedade"[14].
Entende-se como lésbicas, as mulheres que se atraem afetivamente ou sexualmente por pessoas do mesmo sexo. Os gays, se tratam de homens cuja atração afetiva ou sexual existe em favor de outros homens. Os bissexuais, são homens ou mulheres que sentem tais atrações por ambos os sexos, enquanto os assexuais, não sentem atração sexual por nenhum deles, ou não tratam como prioridade, as relações sexuais humanas[15].
Em se tratando de ˜transexuais, intersexo e queer˜, tem-se que tais denominações se referem a identidade de gênero. Esse conceito, segundo Reis[16], teve influência nos anos 70 a partir do movimento feminista, de modo que o gênero foi considerado mais como um elemento cultural, do que um aspecto biológico.
São chamados transexuais, quem, embora tenha nascido com um gênero, não se identifica com o mesmo. As pessoas intersexo, por sua vez, não se enquadram em nenhum género, seja em virtude de seu desenvolvimento corporal, ou por suas combinações biológicas[17].
Já o gênero “queer” possui uma definição originada no EUA, que significa "estranho" e abrange várias configurações de sexualidade e gênero, mas no Brasil é utilizada para representar quem transita entre os dois gêneros e defende que a construção social é quem determina a orientação sexual ou identidade de gênero e não a biologia[18].
Independentemente da força que o movimento LGBTQIA+ vem alcançando nos últimos anos, verifica-se que ainda há muito o que se fazer, a fim de que lhe sejam garantida uma igualdade, ainda que material.
3.2 Contexto Histórico
Não é possível determinar um marco inicial para a homofobia. Isso porque ela, da forma como conhecemos hoje, somente foi intitulada como tal após a emergência de movimentos que reconheciam direitos para pessoas LGBTQIA+. Todavia, é possível notar que de maneira histórica essas pessoas sempre sofreram (e ainda sofrem) algum tipo de discriminação – ainda que velada – em virtude de sua opção sexual, ou de sua identidade de gênero.
Em vários lugares no mundo, condutas homossexuais foram censuradas e consideradas como "doentes”, “profanas” ou "libertinas”, o que implicaram ao longo dos anos em punições severas e violentas, como tortura, violência sexual e até mesmo morte. Por esta razão muitos indivíduos escondiam da sociedade esta condição, se submetendo ao que a sociedade considerava como correto e aceitável.
Logo, é possível se aferir que, por várias décadas a conduta homossexual era considerada como um risco a ser combatido.
Essa concepção foi reforçada, especialmente, pela igreja cristã, que foi responsável por definir a conduta homossexual ou “diferente" como pecaminosa, haja vista que rompia com o maior princípio divino, que seria a multiplicação da humanidade[19].
Inclusive, no século XIX surgiu o movimento denominado “higienista”, em que se propagava a aniquilação de tudo o que fosse considerado uma anomalia, especialmente em relação à sexualidade, com a pretensão de reestruturar o sexo exclusivamente marital, em prol de se combater diversas doenças, entre elas, o homossexualismo[20].
A medicina e psicologia somente deixaram de considerar o homossexual como possuidor de transtorno e desvio sexual, em meados nos anos 90. Com efeito, o código 302 foi excluído em 1994 pela OMS, de forma definitiva, da classificação internacional de doenças.[21]
Conforme Ilga, apud Reis[22], em 2017, cerca de 72 países ainda consideravam a homossexualidade como crime.
De acordo com o mapa da Associação internacional de lésbica, gays, bissexuais, pessoas trans e intersexuais, dos Estados que criminalizam a homossexualidade, 8 aplicam pena de morte, 14, aplicam a pena de 14 anos a prisão perpétua e 57 estados aplicam até 14 anos de prisão[23].
Por outro lado, conforme o referido índice, 24 Estados reconhecem o casamento entre essas pessoas, enquanto 28 Estados aceitam outros tipos de uniões. Além disso, 26 Estados admitem a adoção conjunta, enquanto 27 permitem a adoção do filho do cônjuge[24].
Nesse sentido, verifica-se que grande parte da população brasileira sequer tem conhecimento do que pessoas LGBTQIA+ sofrem na busca de sua sobrevivência, o que corrobora com a manutenção do preconceito contra essas pessoas.
3.3 Do impacto da homofobia
Incontestável é a vulnerabilidade do público LGBTQIA+ no que tange a violação de direitos humanos, especialmente no Brasil. Ocorre que, conforme o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM)[25], em 2020 o Brasil registrou aproximadamente 237 mortes violentas em virtude de sua identidade de género ou orientação sexual, mesmo indicando uma diminuição nos índices, em relação ao ano anterior.
De acordo com o Instituto:
O levantamento dá conta de 224 homicídios (94,5%) e 13 suicídios (5,5%) de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais. Pela primeira vez, desde 1980, as travestis ultrapassaram os gays em número de mortes: 161 travestis e trans (70%), 51 gays (22%) 10 lésbicas (5%), 3 homens trans (1%) e 3 bissexuais (1%), além de 2 heterossexuais confundidos com gays (0,4%).[26]
A partir do relatório de mortes violentas formulado pelo Acontece e Grupo Gay da Bahia, verifica-se que a queda desses números foi significativa desde a decisão proferida pelo STF, no julgamento da ADO nº 26.
4.DA ADO 26/STF
Em 19 de dezembro de 2013, foi interposta pelo Partido Popular Socialista (PPS) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade Por Omissão, em face de uma omissão legislativa em relação à criminalização da homofobia e transfobia, cuja análise foi feita em conjunto com o Mandado de Injunção nº 4733, interposto pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros.
Tal ação teve como relator o ministro Celso de Mello e fundamentou-se no artigo 5º, incisos XLI e XLII.
Segundo consta do acórdão publicado em Outubro de 2020:
Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I,“in fine”).[27]
E ainda:
O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole histórico-cultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito.[28]
Ou seja, tal conduta assemelha-se a um tipo de racismo, em virtude de os indivíduos serem oprimidos pela maioria da sociedade e tratados como escória, sendo inferiorizados e estigmatizados de forma injusta, somente por serem o que são.
Nesse sentido foi o voto da maioria do plenário, que reconheceram a mora inconstitucional do Congresso Nacional na implementação de lei destinada a proteger penalmente os integrantes do grupo LGBT. Além disso, cientificou o Congresso Nacional, para os fins e efeitos a que se refere o art. 103, § 2º, da Constituição c/c o art. 12-H, caput, da Lei nº 9.868/99.[29]
Ademais, foi dada interpretação conforme à Constituição, dos mandados constitucionais previstos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da CR/88, para enquadrar a homofobia e a transfobia, qualquer que seja a forma de sua manifestação, nos diversos tipos penais definidos na Lei de Racismo (Lei nº 7.716/89), até que surja legislação autônoma, editada pelo Congresso Nacional, aplicando-se ao caso em tela, a interpretação dada pela Corte no julgamento do HC 82.424/RS (caso Ellwanger), visto a existência de inferiorização dos membros integrantes do grupo LGBT, em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero.[30]
Diante disso, a seguinte tese foi firmada:
1. Até que sobrevenha lei emanada do Congresso Nacional destinada a implementar os mandados de criminalização definidos nos incisos XLI e XLII do art. 5º da Constituição da República, as condutas homofóbicas e transfóbicas, reais ou supostas, que envolvem aversão odiosa à orientação sexual ou à identidade de gênero de alguém, por traduzirem expressões de racismo, compreendido este em sua dimensão social, ajustam-se, por identidade de razão e mediante adequação típica, aos preceitos primários de incriminação definidos na Lei nº 7.716, de 08/01/1989, constituindo, também, na hipótese de homicídio doloso, circunstância que o qualifica, por configurar motivo torpe (Código Penal, art. 121, § 2º, I, “in fine”); 2. A repressão penal à prática da homotransfobia não alcança nem restringe ou limita o exercício da liberdade religiosa, qualquer que seja a denominação confessional professada, a cujos fiéis e ministros (sacerdotes, pastores, rabinos, mulás ou clérigos muçulmanos e líderes ou celebrantes das religiões afro-brasileiras, entre outros) é assegurado o direito de pregar e de divulgar, livremente, pela palavra, pela imagem ou por qualquer outro meio, o seu pensamento e de externar suas convicções de acordo com o que se contiver em seus livros e códigos sagrados, bem assim o de ensinar segundo sua orientação doutrinária e/ou teológica, podendo buscar e conquistar prosélitos e praticar os atos de culto e respectiva liturgia, independentemente do espaço, público ou privado, de sua atuação individual ou coletiva, desde que tais manifestações não configurem discurso de ódio, assim entendidas aquelas exteriorizações que incitem a discriminação, a hostilidade ou a violência contra pessoas em razão de sua orientação sexual ou de sua identidade de gênero; 3. O conceito de racismo, compreendido em sua dimensão social, projeta-se para além de aspectos estritamente biológicos ou fenotípicos, pois resulta, enquanto manifestação de poder, de uma construção de índole históricocultural motivada pelo objetivo de justificar a desigualdade e destinada ao controle ideológico, à dominação política, à subjugação social e à negação da alteridade, da dignidade e da humanidade daqueles que, por integrarem grupo vulnerável (LGBTI+) e por não pertencerem ao estamento que detém posição de hegemonia em uma dada estrutura social, são considerados estranhos e diferentes, degradados à condição de marginais do ordenamento jurídico, expostos, em consequência de odiosa inferiorização e de perversa estigmatização, a uma injusta e lesiva situação de exclusão do sistema geral de proteção do direito, vencido o Ministro Marco Aurélio, que não subscreveu a tese proposta.[31]
Importa ressaltar que em face do referido acórdão foram opostos cinco embargos de declaração, sendo um deles da Frente Parlamentar Mista da Família e Apoio à Vida, que atuava no processo como Amicus Curiae, estando os autos conclusos ao relator desde 07 de março de 2022.
Verifica-se que a luta contra a homofobia no Brasil ainda não possui data para terminar e, não obstante os grandes avanços com relação ao entendimento jurisprudencial, é evidente que a classe dominante mantém seu desejo de manter a população LGBTQIA+ às margens da proteção legal.
5.CONCLUSAO
O presente artigo trouxe uma reflexão e análise sobre a comunidade LGBQIA+ e a criminalização da homofobia. Objetivou-se através do presente artigo, compreender o significado da sigla que representa esse movimento, além das motivações para a busca de uma tutela estatal efetiva dos direitos dessa população que desde muitos anos é perseguida, discriminada e, em várias situações, criminalizada só pelo fato de serem diferentes e buscarem sua inclusão na sociedade.
Para tanto, foi possível analisar a concepção de crime, assim como as fontes e princípios da lei penal, a fim de vislumbrar se a conduta praticada pelo Supremo Tribunal Federal ao considerar homofobia como um tipo de racismo foi juridicamente acertada, podendo-se verificar que não, sendo essa uma das razões para o inconformismo de outros envolvidos no processo, que até hoje aguarda novos desdobramentos.
Ainda que tenha sido pautada por razões socialmente relevantes, verifica-se que tal decisão implica em uma supervalorização da jurisprudência em detrimento da lei, o que é inviável em um Estado Democrático de Direito.
Por outro lado, sabe-se que, em virtude do preconceito enraizado na sociedade, a morosidade do Estado em cuidar dessa população faz com que muitos de seus integrantes sejam submetidos às mais diversas espécies de crueldade, tendo seus direitos básicos negligenciados.
Verifica-se, nesse sentido, que se está muito longe do ideal para tutela dos direitos da comunidade LGBTQIA+ e, embora o País avance a passos lentos, não pode ser excluída cada parcela de vitória que aos poucos vem sendo conquistada, através de muita luta, em busca de melhores condições para se viver e com dignidade.
REFERÊNCIAS
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[1] Dicionário enciclopédico ilustrado: Veja Larousse. São Paulo. Ed. Abril. 2006. 116p.
[2] BRASIL, República Federativa do. Decreto Lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941. Lei de introdução ao Código Penal (decreto-lei nº 2.848, de 7-12-940) e da Lei das Contravenções Penais (decreto-lei n. 3.688, de 3 outubro de 1941). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3914.htm>. Acesso em 20 fev. 2022.
[3] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 9ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013
[4] Idem.
[5] Idem.
[6] BRASIL. Decreto- Lei n. 2.848, 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 01 jan. 1940. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 mar. 2022.
[7] BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
[8] MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral. 8. ed. São Paulo: Método. 2014. p. 23..
[9] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva. 2007. p. 11.
[10] BRASIL. Constituição (1988). Constituição [da] República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.
[11] STRECK, Lenio Luiz. O que é isto – decido conforme minha consciência? 2.ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2010.
[12] Dicionário enciclopédico ilustrado: Veja Larousse. São Paulo. Ed. Abril. 2006. 116p.
[13] REIS, T., org. Manual de Comunicação LGBTI+. 2ª edição. Curitiba: Aliança Nacional LGBTI / GayLatino, 2018. p. 18.
[14] Idem p. 17.
[15] ARAGUAIA, Mariana. "Orientação Sexual"; Brasil Escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/sexualidade/orientacao-sexual.htm>. Acesso em 07 abr de 2022.
[16] REIS, T., org. Manual de Comunicação LGBTI+. 2ª edição. Curitiba: Aliança Nacional LGBTI / GayLatino, 2018. p. 17.
[17] ARAGUAIA, Mariana. "Orientação Sexual"; Brasil Escola. Disponível em: <https://brasilescola.uol.com.br/sexualidade/orientacao-sexual.htm>. Acesso em 07 abr de 2022.
[18] JORDÃO, Pedro. O que é Queer? Entenda a palavra que dá nome ao novo site LGBTQIA+ do IG. Queer. Disponível em: < https://queer.ig.com.br/2020-12-17/o-que-e-queer-entenda-o-termo-que-da-nome-ao-novo-site-do-ig.html>. Acesso em 07 abr de 2022.
[19] NETO, Moisés Costa. Sexo, Gênero, Devoção: Dramas da Sexualidade em Comunidades Evangélicas Inclusivas. Programa de pós graduação em Sociologia da Universidade Federal da Paraíba – Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. 2013. 192p.
[20] MEDEIROS, Amanda. A evolução histórica da intolerância a homossexualidade. 2015. Disponível em: https://amandamedeiiros.jusbrasil.com.br/artigos/255042093/a-evolucao-historica-da-intolerancia-a-homossexualidade
[21] idem.
[22] REIS, T., org. Manual de Comunicação LGBTI+. 2ª edição. Curitiba: Aliança Nacional LGBTI / GayLatino, 2018. p. 37
[23] Idem. p. 40.
[24] REIS, T., org. Manual de Comunicação LGBTI+. 2ª edição. Curitiba: Aliança Nacional LGBTI / GayLatino, 2018. p. 41.
[25]Assessoria de comunicação do IBDFAM. Dia Internacional contra a Homofobia: Brasil registrou 237 mortes violentas de LGBTI em 2020. 2021. Disponível em: <https://ibdfam.org.br/noticias/8488/Dia+Internacional+contra+a+Homofobia%3A+Brasil+registrou+237+mortes+violentas+de+LGBTI+em+2>. Acesso em 13 mai 2022.
[26] idem.
[27] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADO 26. Exposição e sujeição dos homossexuais, transgêneros e demais integrantes da comunidade lgbti+ a graves ofensas aos seus direitos fundamentais em decorrência de superação irrazoável do lapso temporal necessário à implementação dos mandamentos constitucionais de criminalização instituídos pelo texto constitucional (CF, art. 5º, incisos XLI e XLII). Cidadania (atual denominação do Partido Popular Socialista – PPS). Relator: Celso de Melo. Brasília, julgado em 13/06/2019, processo eletrônico DJe-243 publicado em 06/10/2020.
[28] idem
[29] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADO 26. Exposição e sujeição dos homossexuais, transgêneros e demais integrantes da comunidade lgbti+ a graves ofensas aos seus direitos fundamentais em decorrência de superação irrazoável do lapso temporal necessário à implementação dos mandamentos constitucionais de criminalização instituídos pelo texto constitucional (CF, art. 5º, incisos XLI e XLII). Cidadania (atual denominação do Partido Popular Socialista – PPS). Relator: Celso de Melo. Brasília, julgado em 13/06/2019, processo eletrônico DJe-243 publicado em 06/10/2020.
[30] idem
[31] BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ADO 26. Exposição e sujeição dos homossexuais, transgêneros e demais integrantes da comunidade lgbti+ a graves ofensas aos seus direitos fundamentais em decorrência de superação irrazoável do lapso temporal necessário à implementação dos mandamentos constitucionais de criminalização instituídos pelo texto constitucional (CF, art. 5º, incisos XLI e XLII). Cidadania (atual denominação do Partido Popular Socialista – PPS). Relator: Celso de Melo. Brasília, julgado em 13/06/2019, processo eletrônico DJe-243 publicado em 06/10/2020.
Graduando em direito do Centro Universitário UNA (CAMPUS Betim).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARLOS HENRIQUE CHAGAS APOLINáRIO, . A criminalização da homofobia: uma análise da ADO 26/STF Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 ago 2022, 04:44. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59019/a-criminalizao-da-homofobia-uma-anlise-da-ado-26-stf. Acesso em: 25 dez 2024.
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