RESUMO: A Lei n.11.101/2005 instaurou uma perspectiva nova dentro da sistemática para a recuperação das empresas. Essa lei consolida e positiva os princípios constitucionais, estabelecendo um microssistema que coaduna com os ideais do pós-positivismo, visto que reconhece tais princípios do ponto de vista da espécie normativa. Observa-se em seu art. 47 que a referida lei, abre espaço para positivar os princípios da preservação da empresa, para que se mantenha a fonte produtiva, os empregos e, ao mesmo tempo os credores não percam o seu interesse nessa empresa. É importante salientar sobre a chamada “trava bancária”, visto que parece possuir certa dissonância entre os entes em uma Recuperação Judicial. Frisa que o princípio outrora mencionado o indica que seja realizado de forma absoluta, resguardando a preservação da empresa. Nesse sentido, o presente estudo tem por objetivo realizar uma breve análise sobre o princípio da preservação da empresa, dentro dos processos de recuperação judicial. Para o desenvolvimento do presente trabalho utilizou-se o método de abordagem dedutivo e se caracteriza como pesquisa bibliográfica e documental. Tal princípio tem motivado algumas decisões judiciais na superação de algumas regras, ainda que inexistindo ilegalidade ou inconstitucionalidade para a não aplicação do texto presente na lei, dentre outras situações. Dentro dessa perspectiva, defende a tese de que esse princípio deve ser somente aplicado onde haja situações em que o texto legal não tenha claridade, onde deixe minimamente uma brecha para intepretações que sejam decorrentes da impressão, ou mesmo do hiato que notadamente possa ser preenchido por uma discussão baseado na doutrina que envolve a referida discussão. A falta de ajuda fiscal específica para as empresas que estão em recuperação judicial mostra a que o ordenamento jurídico se encontra incompleto e há diretamente por parte do legislador falta de empenho nessa regulamentação.
Palavras-chave: Trava Bancária. Recuperação Judicial. Preservação da empresa. Lei n.11.101/2005.
ABSTRACT: Law n.11.101/2005 established a new perspective within the system for the recovery of companies. This law consolidates and positive constitutional principles, establishing a microsystem that is consistent with the ideals of post-positivism, since it recognizes these principles from the point of view of the normative species. It is observed in article 47 that this law makes room to positivethe principles of the preservation of the company, so that the productive source, jobs and, at the same time, creditors do not lose their interest in that company. It is important to point out about the so-called "bank lock", since it seems to have a certain dissonance between the entities in a Judicial Recovery. It stresses that the principle mentioned above indicates that it is carried out absolutely, guarding the preservation of the company. In this sense, the present study aims to conduct a brief analysis on the principle of preservation of the company, within the processes of judicial recovery. For the development of the present work, the method of deductive approach was used and characterized as bibliographic and documentary research. This principle has motivated some judicial decisions in overcoming some rules, although there is no illegality or unconstitutionality for the non- application of the text present in the law, among other situations. Within this perspective, it defends the thesis that this principle should only be applied where there are situations in which the legal text does not have clarity, where it leaves minimally a loophole for intepretações that are due to the impression, or even the gap that can nolonger be filled by a discussion based on the doctrine that involves this discussion. The lack of specific tax aid for companies that are in judicial recovery shows that the legal system is incomplete and there is a lack of commitment to this regulation directly from the legislator.
Keywords: Bank Lock. Judicial Recovery. Preservation of the company. Law n.11.101/2005.
1.INTRODUÇÃO
É sabido que as empresas, independentemente de seu porte ou de sua dimensão econômica e geográfica, estão sujeitas, a qualquer momento enfrentarem situações de insolvência econômico-financeira, onde podem não mais satisfazer compromissos relacionados às suas dívidas.
Dentro dessa discussão, é importante que haja uma legislação voltada para socorrer empresas em crises financeiras, e essa legislação no Brasil é conhecida como legislação falimentar, que notadamente tem por objetivo munir ordenamento jurídico de normas que proporcionem a quem esteja envolvido em situações de insolvência empresarial.
Diante dessas considerações, foi introduzida no país, a Recuperação Judicial, a partir da Lei 11.101/2005, que visa regular a falência quanto a recuperação judicial, onde procurou inicialmente uma adequação tanto o seu conteúdo quanto os seus procedimentos ao Código Civil ( Lei n. 10. 406/2002), objetivando assim a positivação e consolidação dos ditames da ordem econômica presente na Constituição Federal de 1988.
É importante salientar que nos primeiros anos de sua implantação a referida lei não trouxe benefícios no tocante ao que se propunha, que era a solução das crises no setor / atividade empresarial. O cenário é um pano de fundo para que se aprofunde e se estabeleça uma relação mais próxima como esse novo regramento falimentar, junto da recuperação das empresas e também dos princípios do regime jurídico- econômico.
As normas jurídicas aqui, tem notadamente se pautado na possibilidade de manutenção no mercado das empresas que estejam em situações de insolvência empresarial, mas que ainda tem uma viabilidade, ressaltando a importância do seu papel e de sua função social, então a modificação de Lei de Falências e Recuperação da Empresa (LFRE), que era almejada tanto por juristas, empresários, credores e sociedade, surge para então, positivar os princípios constitucionais econômicos, sendo necessário destacar que o não que os demais princípios sejam importantes, mas o que merece destaque por seu estudo e principalmente, por sua aplicação do que o principio da preservação da empresa, que anda paripassu com o princípio da função social da empresa, que é alargamente utilizado quando se pretende justificar a preservação da empresa.
Quando uma empresa entra em crise, esta gera interesses contraditórios. Onde tem-se a preocupação com os credores, tendo uma preocupação essencial de manter um sistema seguro para estes, possibilitando também estímulos referentes aos financiamentos, que é essencialmente garantidora das atividades empresarias e, também, o interesse na preservação da empresa, que mesmo frente à crise, é ainda viável economicamente, especialmente, devido a sua função socia, mas reiterando, que, não é uníssono que a LFRE vai atender de forma integral tanto os credores como a preservação da empresa.
A discussão central desse trabalho é objeto frequente de preocupação socioeconômica, tendo essencialmente, sua menor ou maior valorização na regulamentação da insolvência empresarial, ligada aos modelos político-econômicos adotados pelos países através de seus ordenamentos legais, como por exemplo, ocorre nos países ocidentais, que a partir das décadas de 1970 e 1980, reformularam suas legislações sobrepondo o interesse público, buscando notadamente evitar o custo social que ia gerar pelo encerramento das atividades econômicas.
Nesse sentido, o presente estudo tem por objetivo realizar uma breve análise sobre o princípio da preservação da empresa, dentro dos processos de recuperação judicial. A análise realizada sobre a forma como as legislações falimentar e tributárias tratam as dívidas dessas empresas é primordial dentro do prisma jurídico, pois vai desnudar a adequação das previsões infraconstitucionais com o princípio constitucional da preservação da empresa.
Quanto aos procedimentos técnicos, utilizou-se de recursos da pesquisa bibliográfica. A esse respeito Gil (2012), afirma que a pesquisa bibliográfica é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos.
É nesse sentido que se percebe a importância desta prática para o desenvolvimento de conceitos diversificados proporcionando assim um desenvolvimento, além de melhorar a relação do estudo de campo.
O trabalho sistematizado é de suma importância para o pesquisador já que o mesmo permite um contato direto sobre a realidade, além de colocar em prática o conhecimento construído ao longo do percurso, sendo, portanto, enriquecedor e de grande valia.
O método de abordagem utilizado foi o processo dedutivo, pois este de acordo com Severino (2007) é um método de raciocínio cujo antecedente é constituído de princípios universais, plenamente inteligíveis e previamente aceito. Dele ainda decorre a forma lógica necessária à conclusão,
Sendo esse método uma forma adequada ao raciocínio, foi de grande valia, pois a partir dele se estabeleceu uma forma adequada as premissas para sua efetivação, resultando assim em um método que segue uma posição verdadeira e confiável.
Pretende-se demonstrar com o presente que é necessário que o legislador não direcione de forma linear suas inquietações para todos os princípios e fundamentos da ordem econômica, visto que ainda o ordenamento jurídico brasileiro, é incompleto quando se tem a necessidade de criar normas que atendam de forma mais direta e benéfica o pagamento de dívidas das empresas recuperação judicial, visando assim uma melhoria quanto ao postulado constitucional preservacionista.
2.FUNDAMENTOS DA “ TRAVA BANCÁRIA”.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) no final do ano de 2015 sustentou o seu entendimento sobre a pertinência da “trava bancária”. Nesse caso, o Recurso a 4ª Turma do STJ analisou o caso de uma Recuperação Judicial em que havia um crédito fiduciário, originado de uma operação de alienação fiduciária em garantia. Na visão de Peixoto; Bonat (2016, págs 360-361), esse Recurso é de suma importância, sobretudo por duas razões:
A primeira é o fato de ter sido julgado muito recentemente, inclusive depois da regulamentação do chamado parcelamento especial, que, de alguma forma, faz alguns ajustes em benefício da empresa em recuperação com relação aos débitos tributários (protegidos pelo princípio de proteção ao interesse público). Para tais débitos não havia a estruturação de um parcelamento especial para as empresas em recuperação e havia a exigência da certidão negativa (prevista na Lei 11.101/05) concessão da Recuperação Judicial. Essa combinação geralmente inviabilizava a concessão da recuperação e era alvo de inúmeras discussões judiciais, frequentemente contrárias ao Fisco. O segundo, é a exposição da argumentação ementaria, que sintetiza uma expressão forte do paradigma positivista, indicando a priori a necessidade de proteção da propriedade, mesmo quando na realidade a discussão se refira a crédito garantido.
A discussão sobre a “trava bancária” tem seus fundamentos ancorados nas disposições do art. 49 da LFER, e para compreender de forma ampla todas as nuances que a “trava bancária” traz consigo, é importante que se faça uma análise dessas disposições encontradas nesse artigo, ao mesmo tempo também do regramento concernente á cessão fiduciária dos recebíveis com o contrato de cessão fiduciária de créditos recebíveis, emergindo então para os prismas doutrinários e jurisprudenciais sobre o tema:
Salienta assim que o citado artigo é a mola propulsora sobre a recuperação judicial, visto que este vai dispor sobre os créditos que estão propícios para a realização do procedimento recuperacional:
Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos. §1º Os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.
§2º As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial. §3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.
§4º Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei. §5º Tratando-se de crédito garantido por penhor sobre títulos de crédito, direitos creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e, enquanto não renovadas ou substituídas, o valor eventualmente recebido em pagamento das garantias permanecerá em conta vinculada durante o período de suspensão de que trata o §4º do art. 6º desta Lei.
É importante frisar, que essa discussão diz respeito à recuperação de créditos protocolados no pedido, mesmo que não estejam vencidos, mas há algumas exclusões que devem ser levadas em consideração, como salienta Munhoz (2009, págs 41-42):
(a) créditos plenamente sujeitos à recuperação judicial, por força do caput; (b) créditos não sujeitos à recuperação judicial nem aos efeitos do stay period, por força do §4º; (c) créditos não sujeitos à recuperação judicial, mas passíveis de serem atingidos pelos efeitos do stay period, conforme o § 3º; e (d) créditos sujeitos tanto à recuperação judicial quanto ao stay period, conforme o § 5º.
Dentro dessa discussão, há um debate que gera divergências doutrinárias e jurisprudenciais, encontrada no parágrafo 3º, que estipula proteções ao chamado “credor proprietário”, pois conforme coloca Coelho (2009, p. 63), visto que algumas exclusões nessa discussão vão causar consequências abundantes para os credores, como:
(i) a dispensa de habilitarem-se na relação de credores, assim como de impugnar ou divergir do quadro geral; (ii) a perda do direito de participação da assembleia, não integrando quórum de instalação e de deliberação; (iii) a viabilidade de prosseguir ou ingressar com ação de execução, estando alheio ao prazo de suspensão; e (iv) a inalterabilidade das disposições contratuais por força do plano de recuperação.
Corroborando com o debate Peixoto; Bonat (2016), colocam que pela disposição, seria “ um benefício a atividade empresarial não poder incluir os créditos baseados nessa “trava bancária” em um plano de recuperação.”
Vale dizer, da leitura dos dispositivos legais e à luz dos princípios que regem o processo recuperacional, a exceção alusiva ao crédito fiduciário contida no art. 49, § 3º, da Lei significa que, muito embora o credor fiduciário não se submeta aos efeitos da recuperação e que lhe sejam resguardados os direitos de proprietário fiduciário, não está ele livre para simplesmente fazer valer sua garantia durante o prazo de suspensão das ações a que se refere o art. 6º, § 4º.
Essa discussão vai de encontro ao que outrora defende o STJ, conforme ementado Acordão do Resp, sobre a prioridade de proteção à propriedade:
O STJ possui entendimento de que “a novação resultante da concessão da recuperação judicial após aprovado o plano em assembleia é sui generis, e a execuções individuais ajuizadas contra a própria devedora devem ser extintas, e não apenas suspensas” (Resp 1272697/DF, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA
TURMA, julgado em 02/06/2015, Dje 18/06/2015).
Na hipótese, o recorrido, credor fiduciário, apesar de não se sujeitar ao plano de reorganização, acabou sendo nele incluído, tendo o magistrado efetivado sua homologação.
Apesar disso, ainda que o crédito continue a segurar no plano de recuperação judicial devidamente homologado, não se submeterá à novação efetivada nem perderá o direito de se valer da execução individual, nos termos da lei de regência, para efetivar a busca da posse dos bens de sua propriedade.
Isso porque a instituição de tal privilégio (LF, art. 49, § 3°) foi opção legislativa com nítido intuito de conferir crédito para aqueles que estão em extrema dificuldade financeira, permitindo que superem a crise instalada. Não se pode olvidar, ademais, que o credor fiduciário de bem móvel ou imóvel é, em verdade, o real proprietário da coisa (propriedade resolúvel e posse indireta), que apenas fica depositada em mãos do devedor (posse direta) até a solução do débito.
Deveras, tais créditos são imunes aos efeitos da recuperação judicial, devendo ser mantidas as condições contratuais e os direitos de propriedade sobre a coisa, pois o bem é patrimônio do fiduciário, não fazendo parte do ativo da massa. Assim, as condições da obrigação advinda da alienação fiduciária não podem ser modificadas pelo plano de recuperação, com a sua novação, devendo o credor ser mantido em sua posição privilegiada.
Não se poderia cogitar que o credor fiduciário, incluído no plano de recuperação, teria, por conduta omissiva, aderido tacitamente ao quadro. É que referido credor nem sequer pode votar na Assembleia geral, não podendo ser computado para fins de verificação de quorum de instalação e deliberação, nos termos do art. 39, § 1° da LF, sendo que, como sabido, uma das principais atribuições do referido colegiado é justamente o de aprovar, rejeitar ou modificar o plano apresentado pelo devedor. ( PEIXOTO ; BONAT, 2016, p. 363)
Partindo dessa premissa o STJ, quando de sua construção argumentativa, esquiva-se de realizar uma análise do ponto de vista na relação creditícia, levando em consideração aspectos estratificados, mas o faz como questão dominial pura. Levando essa análise sob o prisma das atividades bancárias, conclui-se que há fragilidade nessa argumentação sobre vários vieses, logo porque as instituições bancárias tratam com crédito e não diretamente com as administrações diretas dominiais, então as relações não estariam sendo feitas entre estranhos, mas com alguém que há uma relação legitima de crédito, e só existe se houver a participação desses entes.
O Superior Tribunal de Justiça, em entendimento jurisprudencial constante do Agravo Regimental na Medida Cautela n.17722 / MT57 (2011/0025428-7 – 10/03/2011), diz que a “trava bancária” não deve ser liberada se não evidenciado perigo de dano irreversível à empresa em recuperação, ou de comprometimento do plano de recuperação.
Agravo Regimental. Medida Cautelar. Recurso Especial pendente de admissibilidade. Efeito suspensivo concedido na origem. Controle pelo STJ. Possibilidade. Aferição do fumus boni iuris e do periculum in mora. Recuperação judicial. Contrato de alienação fiduciária de créditos. Valores controvertidos. Ausência de demonstração concreta da inviabilidade do plano de reabilitação econômica. Processamento do especial apenas no efeito devolutivo. 1. A competência deste Tribunal Superior para a apreciação de ação cautelar proposta com vistas à concessão de efeito suspensivo a recurso especial instaura- se, via de regra, após o proferimento do juízo de admissibilidade pelo Tribunal a quo, em consonância com o art. 800, parágrafo único, do CPC, conjugado com os enunciados sumulares 634 e 635 do STF, aplicados analogicamente. 2. É possível ao STJ exercer o controle da decisão concessiva, na origem, de efeito suspensivo a recurso especial, por meio de agravo de instrumento ou medida cautelar ajuizada diretamente nesta Corte Superior. Precedentes. 3. O efeito suspensivo concedido na origem, em geral, deve ser revogado, a não ser que o fumus boni iuris e o periculum in mora estejam presentes a favor da pretensão recursal da parte contrária. 4. Embora a tese sustentada no recurso especial – na vertente de que os créditos fiduciários (ou trava bancária) devam ser incluídos na recuperação judicial – seja ainda inédita neste Sodalício, possuindo substanciosos posicionamentos favoráveis e contrários tanto na doutrina quanto nos tribunais de segunda instância, não se constata, in casu, o periculum in mora. 5. Com efeito, a par de o plano de recuperação judicial estar sendo cumprido devidamente sem o montante ora controverso por quase um ano, foram ainda concedidos moratória de 05 (cinco) anos para o pagamento dos créditos quirografários e parcelamentos para pagamento dos demais credores, de sorte que a ausência dos valores resultantes dos direitos de crédito oriundos do contrato de cessão fiduciária de duplicatas e direitos firmado com o banco requerente não se revela apta a gerar perigo de dano irreversível, tampouco indica comprometimento do plano de recuperação das empresas. 6. Agravo regimental a que se nega provimento.
O entendimento doutrinário atual sobre a matéria, junto ao posicionamento jurisprudencial dos tribunais no país, confirma o entendimento de que as empresas que estejam em recuperação busquem uma melhor composição no tocante as garantias concedidas aos seus credores, notadamente, a relacionada a renegociação de débitos junto às instituições financeiras, buscando substituir a garantia de cessão fiduciária de crédito, principalmente, antes do ajuizamento da ação.
3.PRINCÍPIOS COMO NORMAS E EVENTUAL COLISÃO
As discussões sobre a “trava bancária” encontram-se inseridas na Lei 11.101/05, especialmente no artigo 49, parágrafo 3, ressaltando também as discussões sobre direito de propriedade. Nas palavras de Peixoto; Bonat (2016, 366), em resumo a “trava bancária”:
Excluiria o crédito e impediria a novação ocorrida no processamento da recuperação judicial. Contudo, tanto a proteção a propriedade, quanto a proteção a preservação da empresa têm natureza principiológica e necessitam uma análise de proporcionalidade. Disso já deriva uma primeira conclusão: não há uma prioridade absoluta de um sobre o outro.
Nessa mesma linha discursiva, observa-se que numa reconstrução ocorrida do ponto de vista neoconstitucionalista do ordenamento jurídico, estrutura a discussão em três níveis: regras, princípios e procedimento. Para Duarte; Pozollo (2006) “ o primeiro nível oferece a força vinculante típica das regras, o segundo a plenitude e o terceiro a racionalidade, de um sistema orientado pela noção de razão prática.
Quando se introduz o segundo elemento, indica que este representa um elemento que traz inovação dentro de uma perspectiva pós-positivista, conforme salienta Peixoto; Bonat (2016,p.367)
A positivação dos princípios efetivamente é aquilo que permite ao neoconstitucionalismo negar a distinção entre justiça e validade, reconhecendo ao direito uma tendência intrínseca à satisfação do ideal moral. Os princípios entendidos com instâncias morais positivadas reúnem os fios do discurso jurídico e do discurso moral transformando em um tipo de função interna a discussão crítica sobre a satisfação do ideal do direito, algo que no positivismo era uma crítica externa. A crítica ao direito positivo com base no argumento de justiça não é mais externa ao direito: a justiça se transforma em um dos elementos de validade do direito positivo.
Dentro dessa perspectiva onde o debate recai sobre o pensamento juspositivista e o pensamento neoconstitucionalista, Duarte; Pozzolo (2006, p. 84) coloca que a diferença entre eles se dá notadamente por que:
A partir daí e flagrante a diferença do pensamento juspositivista, para quem o direito vale porque vale. Se vale, explicar por qual razão vale será tarefa dos sociológos, filósofos, políticos, moralistas. Para os neoconstitucionalistas o direito vale se é justo, isto é, é obrigatório se é moralmente correto. O juízo de retidão é dado com base em uma norma de valor que considera positivada constitucionalmente. (DUARTE; POZZOLO, 2006, p. 84)
Quando discute fazendo uma relação dos seus objetivos com a teoria dos princípios, Alexy (1988) coloca que com essa teoria, diferencia o campo normativo em dois polos: regras e princípios, mas que estes não estão com possibilidade de sustentação de uma tese da única resposta correta e que necessitaria de uma teoria da argumentação jurídica, que fosse notadamente balizada pelo conceito de razão prática, sendo que essa combinação é a base teórica do Direito. Para Alexy, o ponto central distintivo entre os dois modelos normativos é que :
Princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes.” Princípios são por ele qualificados como mandamentos de otimização e têm como característica a possibilidade de satisfação em graus variados, e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. (ALEXY, 2015, p. 90)
Para a proposta de Alexy, tanto princípios quanto regras são normas e dizem o que deve ser. Ambas são expressões básicas do dever, da permissão e da proibição. (ALEXY, 2006).
Quando se aceita o aspecto normativo desses princípios, compreende-se que mesmo dentro de um ordenamento estável e harmônico, mesmo em situações sólidas pode haver colisões.
Nessa discussão, a “trava bancária” vem lastreada pela proteção a propriedade e a estabilidade creditícia que a força da propriedade assegura. Mas, eventualmente, em situações concretas, a proteção da propriedade pode se chocar com o princípio da preservação da empresa, haja vista que, todos os créditos baseados em cláusulas de propriedade ficarão de fora de um plano para reestruturação da empresa, muitas vezes inviabilizando-o e contrariando o princípio da sociabilidade também. (PEIXOTO; BONAT, 2016,p. 367)
Mesmo sendo possível estabelecer uma prioridade prima facie objetivando a proteção à propriedade, isso não tem a força de absolutizar tal princípio nas relações creditícias das empresas em recuperação judicial.
4.A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DAS EMPRESAS
É importante ressaltar que a discussão sobre a natureza jurídica da Recuperação Judicial, ainda causa divisão dentro da doutrina, mas identifica-se logo na sua introdução normativa, em substituição à Concordata, que aquela, conforme coloca Peixoto; Bonat (2016, p. 364) vai:
Implicar em uma atuação do Estado de modo a possibilitar que empresários individuais ou sociedades empresárias, desde que regulares e cumpridores de requisitos estabelecidos, consigam promover tanto uma reorganização de suas obrigações, quanto reestruturações de controle, de administração, econômica, societária. Tais reestruturações podem ser isoladas ou combinadas. A Recuperação Judicial é, portanto, um instrumento mais amplo que a antiga concordata e visa, sobretudo, possibilitar mecanismos de readequação e preservação da atividade empresarial.
Na recuperação judicial, a intervenção do Estado-Juiz é incisiva, de forma que a condução de todo o deferimento e processamento tem a participação direta do juiz. Nas falas de Mendes (2012, p. 67):
O revogado sistema legal falimentar-concordatário do Decreto-lei n. 7.661/45, tal como o diploma falimentar-recuperacional vigente da Lei n. 11.101/05, baseiam-se em um modelo econômico originário da Revolução Industrial ocorrida no Século XVIII, alicerçado em um desenvolvimento político sobressaltado, que cresceu e se consolidou como opção de modo produtivo na sociedade atual.
As empresas, como agentes econômicos e sustentáculos para a sua sobrevivência, são, indiscutivelmente, um dos principais pilares do sistema capitalista, frente a essa constatação, a sua ineficiência e inoperacionalidade precisam ser sanadas, e, diga-se de passagem, em um curti prazo, respeitando às suas especificidades, mas também que estejam sujeitas às regras judiciais, que visem o seu retorno produtivo ou o seu aniquilamento.
É importante frisar que os objetivos da recuperação judicial das empresas mudaram com o tempo, conforme salienta Mendes (2012, p. 59 )
O objetivo da recuperação de empresas oriundo do período romano, que se baseava na proteção dos créditos em detrimento da fonte de circulação de bens e serviços, foi preterido devido à evolução dos novos modelos falimentares dos sistemas jurídicos romano-germânico e anglo-saxão, já que a empresa merecia melhor sorte a ser dada pelos legisladores. A partir desse novo paradigma, germinou, em várias legislações, tais como, a legislação norte-americana, inglesa, francesa, belga, alemã, portuguesa, espanhola e, em certa medida, a italiana, além de, mais recentemente, nossa legislação brasileira, a preocupação com a preservação da empresa, como forma de reabilitá- la e mantê-la ativa em prol dos interesses dos agentes econômico- financeiros que dela dependam ou a ela se prendam por determinado interesse – os stakeholders.
Quando a discussão recai sobre a Recuperação Judicial no Brasil, observa- se que a mesma foi introduzida em 2005, a partir da Lei 11.101, que regula tanto a falência, quanto a recuperação judicial. Nesse sentido, Rammê (2011, p.13) indica que:
Nos seus primeiros anos, a Recuperação Judicial não teve uma incidência como se imaginava na solução de crises na atividade empresarial. É possível associar o pequeno recurso à Recuperação Judicial a natureza dos créditos habitualmente envolvidos na atividade empresarial. Como, em grande parte, as obrigações das empresas em crise são contraídas com bancos, associadas a garantias como a chamada cláusula de propriedade, elas não podem ser incluídas no plano de recuperação e estão fora de qualquer novação que ocorra pela concessão da Recuperação Judicial.
Corroborando com as discussões Mendes (2012, p. 68), coloca que: “A recuperação judicial traz à discussão a maior intervenção dos credores nas lides com seus devedores, com uma atuação de caráter dúplice, decorrente da defesa do crédito e da busca pela recuperação da sociedade empresária devedora e em crise”.
Para o autor, essa dualidade, traz um dilema para os agentes econômicos e uma preocupação dos agentes que estão nesse processo de recuperação, visto que, há de mesmo que de forma sutil, conflitos de interesse na relação da busca pela eficiência econômica na recuperação do crédito e a manutenção da fonte produtiva, que vai diretamente, manter empregos e tutelar a dignidade da pessoa humana.
Exige-se de início, ao contrário da falência, uma situação de regularidade de exercício de atividades e distanciamento da prática de crimes falimentares. Esses requisitos iniciais dão os contornos da Recuperação Judicial – destinada a ser uma concessão estatal, um “benesse” ao empresário individual ou à sociedade empresária para superar a crise. E só há justificativa para essa benesse normativa para a preservação da empresa, porque preservando a atividade se estaria preservando um ciclo e protegendo uma série de interesses coletivos: proteção do trabalho, proteção aos consumidores, proteção ao fisco, proteção a outras atividades empresárias orientadas ao fornecimento de produtos e/ou serviços para a empresa em crise. (PEIXOTO; BONAT, p. 364)
O artigo 47 da Lei 11.101/05 expressa tais fundamentos:
Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.
A Recuperação Judicial propõe assim ampliar o sistema proteção à atividade empresarial, visto que essa proteção protegeria uma coletividade, sendo, portanto, uma manifestação do princípio da sociabilidade do direito privado. Por conseguinte, quando ocorrer a concessão da Recuperação, ocorrerá concomitantemente uma novação das obrigações englobadas pelo Plano de Recuperação Judicial, mas como frisa Peixoto; Bonat (2016, p. 365) essa novação é diferenciada porque:
A princípio, eventual credor titular de uma posição em uma obrigação, mesmo contra a sua vontade, poderá ser forçado pela aprovação do Plano, a aceitar a novação de sua obrigação com o devedor (em recuperação). E há um fundamento nisso: o princípio da preservação da empresa, que convergente com o princípio da sociabilidade, permite submeter créditos individuais, até os considerados entre os mais essenciais (trabalhistas e acidentários), ao Plano de Recuperação Judicial.
Os autores nos chamam atenção para algumas mudanças ocorridas em relação a alguns aspectos contidos na Recuperação Judicial, como: a necessidade de concessão de um parcelamento especial, com vistas a permitir um reequilíbrio da empresa em crise e a suspensão pelo prazo de 180 dias das ações e execuções contra o titular da empresa.
Na visão de Peixoto; Bonat (2016, p. 365) “ A inserção da Recuperação Judicial em 2005 buscou, muito mais que a concordata buscava, mecanismos efetivos de preservação da empresa.
6.CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando se analisa de forma conjunta tanto os posicionamentos favoráveis e contrários à flexibilização da aplicação das “travas bancárias”, dentro dos processos de recuperação judicial, notadamente aqueles voltados para a previsão dos créditos no plano de recuperação das empresas, é importante ressaltar o seu alcance, principalmente por parte de aplicadores e estudiosos do Direito Falimentar.
As “travas bancárias” devem especialmente se pautar pela razoabilidade em sua aplicação prática, notadamente quando se pretende encontrar a centralidade do equilíbrio jurídico, que, vai minimamente tentar atingir um cenário econômico- financeiro mais próximo do ideal possível, que objetive a preservação, continuidade e operacionalidade da empresa em crise.
É importante dizer que quando se usa de forma irrestrita, indiscriminada e irracional o dispositivo das “travas bancárias”, pelas instituições financeiras, que tem por objetivo atender tão somente os seus interesses casuísticos, que contrariam o espírito do legislador da LFRE que, precipuamente, vai em busca da conservação e preservação da empresa, vai diretamente frustrar os planos de recuperação judicial e também trará consequências lesivas à ordem econômica e financeira; aos credores e também à própria unidade produtiva, o que pode direta ou indiretamente, causar sua própria falência.
Estamos perante a um dispositivo que merece ser observado de forma cautelosa pelos estudiosos, visto que tais consequências desse dispositivo vai para além dos espaços físicos dos tribunais e, podem afetar diretamente a vida dos indivíduos, que dependem do mercado empresarial, quer pelo emprego que esse gera, quer pela necessidade da preservação das empresas como sendo uma mola propulsora da circulação de serviços, bens e capital.
Aqui cabe mencionar o Estado, que é o principal interessado no crescimento da economia, onde cabe a este realizar análises criteriosas e cuidadosas quando da aplicabilidade das “travas bancárias”, levando em consideração as consequências para o mercado, especialmente pela necessidade constante quer da criação e manutenção dos empregos, que é o alicerce do desenvolvimento de qualquer país e a base de sustento econômico do Estado Democrático de Direito e seu âmbito social.
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Graduada em Direito. Pós-graduanda em Direito Empresarial com ênfase em Didática
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, KARLA CRISTINA MANETA. Travas bancárias na recuperação judicial: liberação em prol da preservação da empresa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 ago 2022, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59035/travas-bancrias-na-recuperao-judicial-liberao-em-prol-da-preservao-da-empresa. Acesso em: 23 dez 2024.
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