Prof. Dra. EVERILDA BRANDÃO GUILHERMINO
RESUMO: Neste presente artigo tem-se como objetivo principal esclarecer uma questão tão atual em nosso Direito de Família brasileiro que é a multiparentalidade. Como atualmente o conceito de familia foi ampliado abarcando diversas formações familiares, necessário se faz discutir como se dá o pagamento da pensão alimentícia da criança ou do adolescente no contexto da multiparentalidade, (por isso o termo: alimentos do menor, por ser menor de idade, e não fazendo alusão ao antigo código do menor substituído pelo ECA). Nesse contexto da Multiparentalidade, a criança ou adolescente terá direito a receber pensão alimentícia de todos os pais e mães que constarem na sua certidão de nascimento, ou seja, múltipla maternidade ou paternidade. Maternidade e paternidade biológica cumulada com a maternidade e paternidade afetiva. Neste presente trabalho, o método de abordagem utilizado foi o dedutivo e a técnica de pesquisa utilizada foi a bibliográfica. No mais, toda pesquisa e atualização dos conceitos de familia e a aplicabilidade da pensão alimenticia na multiparentalidade são de essencial importância para acompanhar os atuais fenômenos sociais regulados pelo Direito e para garantir a total proteção, segurança afetiva e patrimonial das crianças e dos adolescentes no Brasil.
Palavras chaves: Direito das Famílias; Multiparentalidade; Pensão alimentícia.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Multiparentalidade: Conceito. 2. A Multiparentalidade no Brasil. 3. Alimentos: Breve digressão. 4. Deveres oriundos da multiparentalidade. 4.1. Dever Alimentar. Considerações Finais. Referências.
INTRODUÇÃO
A sociedade no seu caminhar veio trazendo novas formações familiares, não havendo um modelo de família apenas, mas de famílias, por essa razão chama-se Direito das Famílias, pois há uma pluralidade de entidades familiares, que vem desafiando as categorias jurídicas, uma vez que não há mais um modelo padrão de família. As constantes transformações na organização familiar demandam um novo olhar sobre a forma de interpretar o Direito de Família e as relações de parentalidade. Dessa forma, necessário se faz adequar as novas categorias para essa nova realidade que surgiu, a saber: a multiparentalidade.
Tem sido hoje frequente o enfrentamento de situações que envolvem o reconhecimento de que alguém pode ter mais de um pai, mais de uma mãe, ou ambos. Tal o que se determina pela recompreensão das estruturas familiares, pela multiplicidade de suas formas de constituição e que acaso levam à entrevisão de uma real multiparentalidade. A própria socioafetividade, que impõe vínculo parental tanto quanto a consanguinidade, acabou levando à admissão dessa conjuntura que também pode ser chamada de pluriparentalidade. (Godoy, 2018)
1.MULTIPARENTALIDADE: CONCEITO
Durante muito tempo a única família era a resultante do casamento entre um homem e uma mulher. Filho era somente quem havia nascido no âmbito desta família. Era assim chamado de filho legítimo. Os demais não podiam ser reconhecidos e nem tinham direito algum. Quem era registrado somente no nome da mãe, era pejorativamente chamado de “filho da mãe”, expressão que carregava forte colorido discriminatório contra a mulher que teve um filho sem ter um marido. Mas nada disso mais subsiste em um mundo plural, em que o amor tornou-se líquido e o afeto passou a ser o elemento identificador das relações familiares e parentais. Tanto uma como a outra são se constituem pelos elos de convivência e não estão sujeitas a modelos pré-moldados ou condicionadas a qualquer vinculação genética. (Dias, 2016)
As famílias brasileiras veem enfrentando diversas mudanças em sua formação. Não há mais prevalência do modelo tradicional de família e o direito vem se adequando a essa nova realidade social. A multiparentalidade, por sua vez, é resultado desses novos arranjos familiares.
Quando o vínculo de filiação socioafetiva se constitui concomitante ou sucessivamente, possível a declaração da multiparentalidade com a inclusão, no registro de nascimento, do nome de quem também passou a exercer a paternidade (DIAS, 2021)
O termo Multiparentalidade significa múltipla paternidade ou maternidade socioafetiva cumulada com a paternidade ou maternidade biológica, havendo a possibilidade de mais de um pai ou mãe constarem na certidão de nascimento.
É a possibilidade de ter dois pais e duas mães no seu registro de nascimento. Trata- se basicamente de uma questão atual, a partir de um julgamento no Supremo Tribunal Federal, no qual se reconheceu na decisão a possibilidade de se ter dois pais.
A multiparentalidade é uma realidade da jurisprudência pátria e existe por força de disposição expressa no Código Civil Brasileiro quando diz que o parentesco pode ter uma “outra origem”:
Art. 1.593. O Parentesco é natural ou civil conforme resulte de consanguinidade ou outra origem.
Nos moldes da Constituição Federal, o Código Civil de 2002 albergou o princípio da igualdade da filiação (art. 1.596) e da afetividade, enquanto critério balizador das demandas sobre as guardas dos filhos (art. 1.583, §5º). Nessa dimensão houve o reconhecimento do parentesco civil proveniente de outra origem (art. 1.593) e pela inscrição da filiação socioafetiva no rol das hipóteses de presunção de filiação. (art. 1.597, V). (Lobo, 2021).
Nesse sentido, tem-se que da paternidade socioafetiva decorre todos os direitos e deveres inerentes à paternidade, mais especificamente quanto a prestação de alimentos, uma vez que, o parentesco pode resultar da consanguinidade ou de outra origem.
Sobre o tema, bastante comum e disseminado é o ditado popular: “Mãe e pai é quem cria”, trata-se, na verdade, da pessoa que de fato dá condições para formação humanística, de caráter, e de educação da criança.
Ainda que a biologia – ao menos por enquanto – reconheça que uma criança tem origem da junção de material genético reprodutivo de um homem e uma mulher, nem sempre são os genitores que assumem as funções parentais. Pais são aqueles que têm um vínculo afetivo de tal ordem que assumem as funções parentais. Assim, pai e mãe, não necessariamente têm uma vinculação biológica com o filho. Daí a diferenciação levada a efeito pela doutrina. Genitor é quem gera. Pai é o que cria, cuida, se preocupa... (Dias, 2020)
A partir da premissa de que família é uma estruturação psíquica em que a parentalidade se consubstancia no exercício das funções de paternidade e maternidade por pessoas que não sejam, necessariamente, os pais biológicos e que exercitem, faticamente, a autoridade parental por meio de condutas aferíveis objetivamente, correspondendo às funções de educar, assistir e criar os filhos, conforme o art. 229 da Constituição Federal, a realidade evidencia que uma pessoa pode ter mais de dois pais e duas mães exercendo estas funções parentais. (Franco, 2021)
Berenice Dias, por sua vez, defende que o reconhecimento da multiparentalidade sana uma lacuna, que há muito o direito de família reclamava, principalmente levando-se em consideração as famílias recompostas e os casos de procriação proveniente das técnicas de reprodução assistida. Para ela, a multiparentalidade configura uma verdadeira revolução em matéria de filiação, pois o modelo parental binário não acolhe a realidade das entidades familiares. Por esta razão, afirma que proibir famílias multiparentais só prejudica os filhos, pois a estes é imposta uma prova de lealdade: amar o pai biológico, ou o padrasto. Ao final um juiz decidirá quem é o pai. Questiona então: Será que precisará optar somente por um deles ¿ E, conclui afirmando que “Um é pouco, dois é bom e três não é demais” (Dias, 2016)
Com isso, tem-se que o reconhecimento da multiparentalidade é mais um degrau nos avanços do reconhecimento do afeto enquanto um valor jurídico. Se a pessoa vivencia uma situação de variados vínculos afetivos em sua ancestralidade, não há como deixar de reconhecermos efeitos jurídicos nessa relação. Segundo o Ministro Fux, relator do processo, não cabe à lei agir como o Rei Salomão, na conhecida história em que propôs dividir a criança ao meio pela impossibilidade de reconhecer a parentalidade entre ela e duas pessoas ao mesmo tempo. Da mesma forma, nos tempos atuais, descabe pretender decidir entre a filiação afetiva e a biológica quando o melhor interesse do descendente é o reconhecimento jurídico de ambos os vínculos. Do contrário, estar-se-ia transformando o ser humano em mero instrumento de aplicação dos esquadros determinados pelos legisladores. É o direito que deve servir à pessoa, não o contrário. (Rosa, 2021)
2.A MULTIPARENTALIDADE NO BRASIL
A respeito da multiparentalidade nos deparamos com uma pequena produção doutrinária anterior a Tese de Repercussão Geral, sugerindo que esse instituto já ocorria na realidade fática das famílias e do direito brasileiros. Nessa direção a família homoafetiva, a filiação proveniente das técnicas de reprodução heteróloga e alteração na Lei de Registro Público pela Lei Clodovil de 2009 são exemplos de relações constituídas por vínculos múltiplos, que teriam servido, segundo esse entendimento, para indicar o surgimento da multiparentalidade no direito brasileiro. (Lobo, 2021).
Entretanto, é sabido que a inserção da multiparentalidade no Direito brasileiro se deu através da via jurisprudencial, mais precisamente através do julgamento da Tese 622 pelo Supremo Tribunal Federal.
Após a tese surgiram várias outras contribuições doutrinárias. Principiamos com as reflexões trazidas por Ricardo Calderón. Segundo ele, os principais reflexos da tese de repercussão geral foram o reconhecimento jurídico da afetividade, o vínculo socioafetivo e biológico em igual grau de hierarquia jurídica e, a possibilidade jurídica da multiparentalidade. Quanto a este último aspecto, considera que o acolhimento da tese representa uma conquista e “coloca – mais uma vez- o Supremo Tribunal Federal na vanguarda do direito de família. (Lobo, 2021)
3. ALIMENTOS: BREVE DIGRESSÃO
O Direito aos alimentos está, primeiramente, previsto na Constituição Federal de 1988, dentro do Capítulo dos Direitos Sociais, como sendo um dos direitos essenciais à manutenção e existência humana. Trata-se de um instituto de suma importância, tendo em vista que o seu inadimplemento possibilita a única forma de prisão civil por dívida. O Código Civil, por sua vez, traz no seu art. 1.694, a seguinte redação: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação”.
O conceito de alimentos abarca todas as necessidades vitais do ser humano para se viver com dignidade e não se reduz à noção daquilo que é comestível apenas. Desse modo, a noção de alimentos deve abranger desde aquilo que o ser humano necessita para se alimentar, passando pela moradia, vestuário, saúde, educação e, findando, inclusive, no lazer. (Queiroz, 2018)
De forma simples e didática, os alimentos não são devidos somente para atender às necessidades básicas de sobrevivência. Alimentos tem significado de valores, bens ou serviços destinados as necessidades existenciais de pessoas, em virtude de relações de parentesco, do dever de assistência ou de amparo.
Trata-se, ainda de um direito pessoal extrapatrimonial, e tem um fundamento ético- social, pois o alimentando não tem interesse econômico, uma vez que a verba alimentar não aumenta seu patrimônio, não servindo também de garantia aos seus credores, sendo por sua vez, uma manifestação do direito à vida, que tem caráter personalíssimo.
Quanto a relevância e atualidade do tema, Maria Berenice Dias ensina que: “Das mazelas que aportam aos tribunais, não há quem duvide que as demandas de alimentos são as mais recorrentes e as que exigem uma resposta mais imediata: rápida solução e eficaz execução. Afinal, de todas as necessidades do ser humano, o direito à sobrevivência é o mais premente, o mais urgente, pois ninguém vive sem alimentos. Apesar de todas estas verdades, pouco ou quase nada assegura efetividade a este direito tão fundamental, que, ao fim e ao cabo, preserva a dignidade humana. Não há como esquecer que o direito à alimentação tem sua matriz no direito da personalidade, que assegura a inviolabilidade do direito à vida, à integridade física. Inclusive, é reconhecido entre os direitos sociais (CR, art. 6º).” (Dias, 2020)
Os alimentos têm como finalidade garantir o direito à vida, que por sua vez é um direito da personalidade, além de ser o maior direito resguardado pela Constituição Federal de 1988.
Para o Professor Christiano Cassettari, os direitos sociais previstos no art. 6º da Constituição Federal influenciam no valor dos alimentos, corroborando a tese de Luiz Edson Fachin sobre a necessidade da existência de um patrimônio mínimo para a pessoa, que possa garantir a dignidade da pessoa humana. Assim, os alimentos devem garantir acesso à educação (escola), à saúde (plano de saúde), à moradia (aluguel, condomínio), ao lazer (cinema, teatro), à segurança, dentre outros direitos. (Cassettari, 2018)
Posto isso, verifica-se que alimentos não está relacionado apenas à alimentação, mas a um gênero maior que abrange os direitos sociais acima descritos.
Quanto a obrigação alimentar e o dever de sustento, a doutrina diferencia obrigação e dever alimentar. O art. 1.566, inciso IV do Código Civil de 2002, ensina que são deveres de ambos os cônjuges, ou seja, dos pais, o sustento, a guarda e a educação dos filhos, obrigação decorrente do poder familiar. Por outro lado, a obrigação alimentar, decorre da mútua assistência e da solidariedade familiar, com fundamento no art. 1.694 do Código Civil, com a seguinte redação: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos que necessitem para viver de modo compatível com sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação.”
Quanto ao fim da obrigação alimentar, Maria Berenice Dias traz uma importante distinção sobre o tema: “Merece ser feita uma distinção entre a extinção do direito a alimentos e exoneração do encargo alimentar. A morte de qualquer das partes leva à extinção da obrigação. Quando da morte do credor, havendo eventual crédito alimentar devido e não pago, os herdeiros do alimentado têm legitimidade para cobrá-lo. Com o falecimento do alimentante, a obrigação alimentar transmite-se aos seus herdeiros (CC, art. 1.700). Doutrina e jurisprudência ainda não se entenderam quanto ao alcance da transmissibilidade prevista na lei. Como os alimentos são estabelecidos em atenção ao binômio necessidade- possibilidade, desaparecendo um dos vértices desta equação, possível o alimentante buscar a exoneração do encargo de pagar alimentos. A exoneração não é definitiva: ressurgindo a necessidade do credor ou a possibilidade de pagar do devedor, pode ser restabelecido o encargo.” (Dias, 2020).
A obrigação alimentar será extinta diante das seguintes situações: Quando o alimentando alcança a maioridade civil; quando ocorre a morte do credor de alimentos; quando há casamento, união estável ou concubinato do credor; e por fim, se o credor tiver procedimento indigno em relação ao devedor.
Para Maria Berenice Dias, no momento em que os filhos atingem a maioridade, cessa o poder familiar, o que não leva à extinção automática do encargo alimentar. Entre pais e filhos surge o dever recíproco de alimentos, em decorrência da solidariedade familiar. Desse modo, estabelecidos alimentos em razão do poder familiar, o fato de o filho completar a maioridade não livra o genitor do dever de continuar pagando o encargo, que deriva da relação paterno-filial. Ele não pode simplesmente parar de pagar alimentos. É necessário que busque judicialmente a extinção do encargo. Até a maioridade do filho sua necessidade é presumida. Trata-se de presunção absoluta (juris et de jure), ou seja, decorre da lei, não admitindo prova em contrário. Depois dos 18 anos, a presunção passa a ser relativa (juris tantum). (Dias, 2020).
Outra situação que enseja da extinção da obrigação alimentar, se dá quando ocorre a morte do credor, isto porque nas palavras da Professora Mônica Queiroz, essa possibilidade surge como corolário lógico do caráter personalíssimo da obrigação de alimentos. Ademais, o fato de o credor casar-se, viver em união estável ou concubinato, também extingue a obrigação de prestar alimentos, isto porque o art. 1.708, caput do Código Civil prevê que com o casamento, a união estável ou o concubinato do credor, cessa o dever de prestar alimentos.( Queiroz, 2018).
Por fim, o art. 1.708, no seu parágrafo único, traz a possibilidade de extinção da obrigação alimentar quando há o procedimento indigno em relação ao devedor, ou seja, aquele que paga os alimentos: “Com relação ao credor cessa, também, o direito a alimentos, se tiver procedimento indigno em relação ao devedor. Para Maria Berenice Dias, o reconhecimento de indignidade pode gerar a extinção total ou parcial da obrigação alimentar, de modo a assegurar o mínimo existencial ao credor. Além disso, é possível o restabelecimento dos alimentos caso o credor comprove ter ocorrido o perdão por parte do alimentante.” (Dias, 2020)
4.DEVERES ORIUNDOS DA MULTIPARENTALIDADE
4.1 DEVER ALIMENTAR
Como principal consequência jurídica da Multiparentalidade tem-se a inclusão no registro civil de mais de um pai e mais de uma mãe, entretanto, a multiparentalidade tem efeitos jurídicos na Sucessão, na Previdência, no estado e no nome, e por fim, nos Alimentos.
De maneira incipiente, cumpre destacar que o presente artigo se limita as hipóteses em que um filho possui um pai socioafetivo e posteriormente descobre um vínculo biológico com outrem ou, ao contrário, quando se tem primeiramente um vínculo biológico, mas no decorrer da vida é presenteado por um vínculo afetivo.
De acordo com o Enunciado de número 09 do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM, a Multiparentalidade gera efeitos jurídicos. Dentre esses efeitos jurídicos está a obrigação de caráter alimentar.
Por sua vez, o enunciado 341 da CJF, prevê que para os fins do art. 1.696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador de obrigação alimentar. Vale salientar que conforme o art. 1.609 do Código Civil brasileiro, o reconhecimento de um filho é ato irrevogável.
A Filiação socioafetiva que, atualmente, pode ser reconhecida até mesmo de forma extrajudicial, tem como norte, entre outros fatores, a igualdade entre as filiações, independentemente de origem. Assim não há dúvidas de que o filho socioafetivo tem direito aos alimentos. Nessa esteira, estabelece o enunciado n. 341 das Jornadas de Direito Civil: para “os fins do art. 1.696, a relação socioafetiva pode ser elemento gerador da obrigação alimentar”.
Reconhecida a parentalidade socioafetiva, imperioso admitir a possibilidade de coexistência da filiação biológica e da filiação construída pelo afeto. Não há modo melhor de contemplar a realidade da vida do que abrir caminho para a multiparentalidade. Afinal, é impossível negar que alguém possa ter mais de dois pais. E todos eles devem assumir os encargos decorrentes do poder familiar. Neste sentido enunciado do IBDFAM: A multiparentalidade gera efeitos jurídicos. (Dias, 2016)
Importante esclarecer que na Multiparentalidade, a existência de um vínculo afetivo não exime a responsabilidade daquele que possui o vínculo biológico, sendo todos igualmente responsáveis de forma compartilhada, pela educação, sustento, e proteção do individuo em formação, uma vez que o dever alimentar está amparado no princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
A prevalência da paternidade socioafetivo foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal. Quando mais pessoas são reconhecidas como pais ou como avós, surge, com relação a todos, obrigação alimentar concorrente. (Dias, 2021)
Adentrando ao cerne do tema, a doutrina de Paulo Lôbo é no sentido de que os alimentos devem ser partilhados pelos pais socioafetivos e biológicos em igualdade de condições; em caso de conflito, o juiz deve considerar a partilha proporcional do valor de acordo com as possibilidades econômicas de cada um, segundo os critérios da justiça distributiva. (Franco, 2021)
Diante do reconhecimento da parentalidade exercida, seja biológica ou socioafetiva, decorre o dever de alimentos de forma recíproca, bem como todos os demais efeitos jurídicos inerentes à relação filial. (Franco, 2021)
Nesse sentido tem-se alguns julgados para elucidar melhor o tema:
APELAÇÃO CIVEL. CIVIL E PROCESSO CIVIL. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. DIREITO AO CONHECIMENTO DA PRÓPRIA ASCENDÊNCIA. DIREITO ABSOLUTO. IRRENUNCIÁVEL. NOME DO GENITOR NO REGISTRO. POSSIBILIDADE. MULTIPARENTALIDADE. POSSIBILIDADE. ALIMENTOS. DEVER CONSTITUCIONAL. FILHO. MENOR IMPÚBERE. NECESSIDADE MANIFESTA DE ALIMENTOS. DISTANCIAMENTO AFETIVO. REGULAMENTAÇÃO DE VISITAS. NÃO ADEQUAÇÃO. SENTENÇA REFORMADA. 1. O princípio do melhor interesse do menor tem por objetivo garantir os direitos inerentes ao menor, assegurando-lhe o pleno desenvolvimento e sua formação cidadã, impedindo os abusos de poder pelas partes mais fortes da relação jurídica que envolve a criança, já que o menor, a partir do entendimento de tal princípio, ganha status de parte hipossuficiente, devendo ter sua proteção jurídica maximizada. 2. O direito ao conhecimento da própria ascendência ganha supremacia constitucional à medida que, como componente do direito ao livre desenvolvimento da personalidade, conjugado como o princípio constitucional da dignidade humana, consubstancia-se numa garantia da realização da esfera de vida íntima da pessoa e na conservação das condições fundamentais para a compreensão e o desenvolvimento da sua individualidade, sendo este direito um direito inato, absoluto, imprescritível e, entre outras características, irrenunciável. 3. O nome do genitor no registro de nascimento da criança lhe assegura a efetivação do princípio do melhor interesse do menor, bem como o direito ao livre desenvolvimento da personalidade, conjugado como o princípio constitucional da dignidade humana.
4. A tese de multiparentalidade foi julgada pelo STF em sede de repercussão geral, onde decidiram que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante, baseado na origem biológica com os efeitos jurídicos próprios. 5. O reconhecimento da paternidade biológica não exclui a possibilidade de reconhecimento da paternidade socioafetiva, caso haja interesse. 6. Segundo o art. 229 da constituição Federal, os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade. 7. Ainda que não haja pedido de uma parte para que seja estabelecido encargo alimentar à outra parte, em se tratando de filho menor impúbere, a necessidade de alimentos é manifesta. 8. Uma vez demonstrado o grande distanciamento afetivo entre pai biológico e filho, bem como a ausência de afeto entre as partes, a regulamentação de visitas não se mostra medida adequada ao melhor interesse do menor. 9. O indeferimento da regulamentação de visitas hoje, não impede a postulação desse direito pelo pai biológico em ação autônoma, quando for possível a ele fazer a apresentação de provas hábeis de alteração da situação de fato, a confirmar que a eventual introdução da convivência representará, guardadas as regras cabíveis, uma medida benéfica ao desenvolvimento psicológico do menor, observando-se uma gradativa adaptação. 10. Recurso conhecido e parcialmente provido. (TJ-DF 00032002320178070010 - Segredo de Justiça 0003200-23.2017.8.07.0010, Relator: GISLENE PINHEIRO, Data de Julgamento: 20/06/2018, 7ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no PJe: 22/06/2018. Pág.: Sem Página Cadastrada.)
APELAÇÕES CÍVEIS. AÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE C/C PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS C/C ANULAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO. REGULARIDADE DA CITAÇÃO EDITALÍCIA DO PAI REGISTRAL. PRESCINDIBILIDADE DA PROVA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. POSSIBILIDADE DO RECONHECIMENTO DA MULTIPARENTALIDADE. DEVER DE PAGAMENTO DE ALIMENTOS CONFIGURADO. MAJORAÇÃO DO VALOR DA PRESTAÇÃO MENSAL. EXTINÇÃO DA OBRIGAÇÃO DE ALIMENTOS PELA MAIORIDADE DO AUTOR. INCIDÊNCIA DE CORREÇÃO MONETÁRIA PELO ÍNDICE INPC. ANULAÇÃO DO REGISTRO DE NASCIMENTO. MUDANÇA DO NOME DO AUTOR. DISTRIBUIÇÃO DOS ÔNUS SUCUMBENCIAIS. AMBOS OS RECURSOS CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. 1. Trata-se de recursos de apelação interpostos em face de sentença proferida pelo juízo da 8ª Vara de Família da Comarca de Fortaleza/CE, que julgou parcialmente procedente a ação de investigação de paternidade c/c Alimentos c/c anulação de registro de nascimento, reconhecendo a paternidade biológica do autor da ação, fixando alimentos, anulando o seu registro de nascimento e determinando a confecção de uma nova certidão com a respectiva alteração de nome do autor. 2. A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios. Precedentes. 3. O registro efetuado pelo suposto pai afetivo não impede a busca pelo reconhecimento registral também do pai biológico, cujo reconhecimento do vínculo de filiação, com todas as consequências patrimoniais e extrapatrimoniais, é seu consectário lógico. Precedentes. 4. Nos termos da súmula 277 do Superior Tribunal de Justiça, "julgada procedente a investigação de paternidade, os alimentos são devidos a partir da citação". 5. Quanto ao termo final, o advento da maioridade não extingue, de forma automática, o direito à percepção de alimentos, mas esses deixam de ser devidos em face do Poder Familiar e passam a ter fundamento nas relações de parentesco, em que se exige a prova da necessidade do alimentado. No caso, como o autor não fez prova da sua necessidade alimentícia após o advento da maioridade, a obrigação do réu deverá durar até os dezoito anos do autor. 6. Pensão alimentícia majorada de 3 (três) para 5 (cinco) salários mínimos mensais, a incidir desde o dia 05/12/2005 (primeiro "dia 5" após a citação do alimentante, ocorrida em 25/11/2005, vide fl.68) até o dia 05/10/2007 (último "dia 5" antes da maioridade do autor, ocorrida em 27/10/2007, vide fl.31), totalizando, 23 prestações mensais. 7. Por ser a correção monetária mera recomposição do valor real da pensão alimentícia, é de rigor que conste, expressamente, da decisão concessiva de alimentos - sejam provisórios ou definitivos -, o índice de atualização monetária, conforme determina o art. 1.710 do Código Civil. Na hipótese, para a correção monetária, faz-se mais adequada a utilização do INPC, em consonância com a jurisprudência do STJ, no sentido da utilização do referido índice para correção monetária dos débitos judiciais. Precedente. 8. É prescindível o prévio ou concomitante ajuizamento do pedido de anulação do registro de nascimento do investigante, dado que esse cancelamento é simples conseqüência da sentença que der pela procedência da ação investigatória. Precedentes. 9. Distribuição dos ônus sucumbências. Reconhecida a sucumbência recíproca, as custas processuais deverão ser dividas igualmente entre os litigantes. Em relação aos honorários advocatícios, os advogados do autor deverão ser remunerados na ordem de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação da prestação de alimentos. Em relação aos advogados do réu, arbitra-se, por equidade a quantia de R$5.000,00 (cinco mil reais), considerando o longo tempo de duração do processo (quinze anos) e o grau de zelo dispensado pelos causídicos. 10. Ambos os recursos conhecidos e parcialmente providos. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de nº 0056570-88.2005.8.06.0001, acorda a 4ª Câmara Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, pela unanimidade de seus membros, em conhecer e dar PARCIAL PROVIMENTO a ambos os recursos, nos termos do voto do relator. Fortaleza, 15 de setembro de 2020. FRANCISCO BEZERRA CAVALCANTE Presidente do Órgão Julgador RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS Desembargador Relator (TJ-CE - AC: 00565708820058060001 CE 0056570-88.2005.8.06.0001, Relator: RAIMUNDO NONATO SILVA SANTOS, Data de Julgamento: 15/09/2020, 4ª Câmara Direito Privado, Data de Publicação: 15/09/2020)
O maior prestígio da filiação socioafetiva não subtrai as obrigações do pai registral ou do pai biológico. Daí a possibilidade de serem reivindicados alimentos do genitor biológico, diante da impossibilidade econômico-financeira, ou da menor capacidade alimentar do pai socioafetivo, que não está em condições de atender satisfatoriamente as reais necessidades do filho que acolheu por afeição. O pai socioafetivo tem amor, mas não tem dinheiro. O filho afetivo tem direito aos alimentos dos pais genéticos não apenas quando ocorre a impossibilidade de alimentação pelos pais afetivos, mas também quando há necessidade de complementação da verba alimentar. (Dias, 2020)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nas palavras do professor Conrado Paulino, não podemos esquecer que o direito de filiação é imprescritível (art. 27 do Estatuto da Criança e do Adolescente) e que, se for o caso, é um direito incontestável da prole em buscar o reconhecimento do vínculo parental. Todavia, esse deve atender o melhor interesse dos filhos e não, por outro lado, dos genitores. Imperioso referir que, a partir da constituição de um vínculo multiparental, não há dúvidas que o filho contará com todos os direitos inerentes ao estado de filiação, entre eles, convivência familiar e alimentos, mas também, as consequências sucessórias. O que não pode ser esquecido que embora esse filho que obtenha o reconhecimento de sua ancestralidade multiparental aparentemente conte com certa “vantagem”, em comparação ao tradicional modelo biparental, é o fato de que, na velhice de seus ascendentes, a Constituição Federal, no artigo 229, imputar-lhe o dever de amparo de todos eles. Quanto maior o direito, maior a obrigação e, em breve, tais demandas certamente estarão batendo às portas do judiciário. (Rosa, 2021)
Conclui-se pelo presente artigo que trata-se de direito de todas as crianças e adolescentes após o reconhecimento judicial da família multiparental, todos os efeitos jurídicos decorrentes desse reconhecimento, a saber: herança dupla ou tripla (direitos sucessórios), guarda com convivência familiar, mudança do patronímico, direitos previdenciários, e por fim, direito a alimentos, tema bastante tratado ao longo deste artigo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 16/08/2021.
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DIAS, Maria Berenice. Proibição das famílias multiparentais só prejudica os filhos. 2016. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016/processo-familiar-proibicao- multiparentalidade-prejudica-filhos. Acesso em: 23/08/2021.
DIAS, Maria Berenice. Alimentos – Direito, Ação, Eficácia, Execução – 3. Ed. Rev. Ampl. e atual. – Salvador: Editora JusPodivm, 2020.
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GODOY, Cláudio Luiz Bueno. Atualidades sobre a parentalidade socioafetiva e a multiparentalidade. Direito Civil: diálogos entre a doutrina e a jurisprudência. 1. Ed. – São Paulo: Atlas, 2018.
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LÔBO, Paulo – Parentalidade Socioafetiva e multiparentalidade. Questões atuais. Direito Civil: diálogos entre a doutrina e a jurisprudência. 1. Ed. – São Paulo: Atlas, 2018.
QUEIROZ, Mônica. Direito Civil – 3ed. – Belo Horizonte: Editora D’ Plácido, 2018.
ROSA, Conrado Paulino da. Direito de Família Contemporâneo. 8. Ed. Ver., ampl. e atual. – São Paulo: JusPodivm, 2021.
Advogada. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela UFPE. Especialista em Direito de Família e Sucessões pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva. Pós graduada em Direito Penal e Criminologia pela PUC/RS. Membra da subcomissão de estudos sobre o Tribunal do Júri na OAB/PE. Membra da Comissão de Direito de Família da OABPE.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, ANA GABRIELA DE AGUIAR. Alimentos do menor na multiparentalidade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 24 fev 2023, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59081/alimentos-do-menor-na-multiparentalidade. Acesso em: 23 dez 2024.
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