Resumo: O estudo em questão tem por objetivo analisar a (im)possibilidade de ajuste, no bojo de contratos de cessão de direitos creditórios celebrados por Fundos de Investimento em Direito Creditório (FIDC’s), de cláusula pro solvendo, que consubstancializa direito de regresso, dando alicerce à responsabilidade do cedido e dos eventuais devedores solidários pela inadimplência dos sacados. Com vistas a melhor arrimar as conclusões oferecidas ao final, proceder-se-á, utilizando-se do método dedutivo e através de pesquisas sob o método exploratório-qualitativo e por meio da análise bibliográfico-documental, à apreciação do que constitui o instituto de securitização de recebíveis, e, mais especificamente, os Fundos de Investimento em Direito Creditório (FIDC’s), estabelecendo posterior diferenciação em relação à operação do factoring, para, então, se debruçar sobre a cláusula pro solvendo e a celeuma acerca da sua validade, a fim de averiguar se é válida a sua pactuação em contrato de cessão de crédito celebrado com Fundos de Investimento em Direito Creditório (FIDC’s).
Palavras-chave: Fundos de Investimento em Direito Creditório. Cláusula pro solvendo. cessão de direitos creditórios.
1 INTRODUÇÃO
A cessão civil de crédito caracteriza-se como o tipo de contrato em virtude do qual o credor cedente transfere a outrem, o cessionário, a sua qualidade creditória contra o devedor, recebendo o cessionário o direito respectivo, com todos os acessórios e garantias, salvo disposição em contrário.
Em regra, nas cessões onerosas, o cedente responde pela existência do crédito (cessão pro soluto) e não pela solvabilidade do devedor (cessão pro solvendo), de modo que a responsabilização pela solvência do devedor deve ser expressamente pactuada através da cláusula pro solvendo, que, como o próprio termo denota, dá alicerce à responsabilidade do cedido e dos eventuais devedores solidários pela inadimplência dos sacados no âmbito dos contratos de cessão creditória.
A pactuação da aludida cláusula, no entanto, deu ensejo à intensa controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca da sua validade no bojo dos contratos de factoring, com posterior extensão do entendimento aplicado às aludidas operações às cessões firmadas por FIDC’s. O entendimento, por sua vez, é no sentido de julgar pela vedação da possibilidade de regresso, ainda que seja expressamente contratado, recusando validade à cláusula pro solvendo quando pactuada em contratos de fomento mercantil.
Ocorre que o entendimento pacificado acerca da impossibilidade de regresso no âmago das aludidas operações, sob pretexto de situação análoga, vinha sendo indiscriminadamente estendido à securitização de recebíveis, mais especificamente, ao FIDC, sem devido aprofundamento acerca da matéria, tampouco das particularidades desta última operação.
Nesta perspectiva, o propósito desse trabalho - ao revisitar o tema – é contribuir para a sedimentação do debate acerca da matéria, levantando o conceito e a concepção do instituto de securitização de recebíveis, e, mais especificamente, os Fundos de Investimento em Direito Creditório (FIDC’s), com a posterior diferenciação em relação à operação do factoring, porquanto referida distinção traga significativa repercussão no direito de regresso, matéria ora sob foco, como se identificará das passagens voltadas à análise da decisão recém proferida pelo Superior Tribunal de Justiça.
2 CONCEITUAÇÃO DA SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS E DOS FUNDOS DE INVESTIMENTO EM DIREITO CREDITÓRIO (FIDC’S)
A securitização de recebíveis traduz-se em uma operação financeira em que o originador de determinados direitos e crédito promove sua cessão para terceiros, que poderá revestir-se da forma de um Fundo de Investimento em Direitos Creditórios, ou de uma Sociedade de Propósito Específico, fornecendo lastro para emissão de títulos e valores mobiliários, os quais, por sua vez, serão disponibilizados para os investidores, com acesso à poupança popular. Os recursos obtidos via captação pública serão revertidos ao cedente, de forma a liquidar a cessão promovida, resultando em uma antecipação de receitas para o credor originário do título e em uma diluição do risco entre os participantes da operação.
Uinie Caminha compreende que a securitização, em sentido amplo, pode ser entendida como a substituição das formas tradicionais de financiamento bancário pelo financiamento através do mercado de capitais, enquanto, em sentido restrito, é uma operação complexa, que envolve alguma forma de segregação de patrimônio, quer pela cessão a uma pessoa jurídica distinta, quer pela segregação interna, e uma emissão de títulos lastreada nesse patrimônio segregado.[1]
A securitização de recebíveis, portanto, é uma outra possibilidade atrativa de estrutura de financiamento para os empresários que necessitam de recursos para o seu negócio, especialmente porque, pela ausência de intermediação por instituição financeira, dentre outros motivos, os custos de captação através do modelo de securitização são, em geral, reduzidos quando comparados aos de um financiamento bancário. [2]
Nesse contexto, a securitização, atrelada à ideia de se buscar financiamentos outros que não os do sistema bancário (desintermediação financeira), democratiza o acesso à poupança popular por meio do mercado de capitais, além de inexoravelmente contribuir para a ampliação da oferta de crédito a empresas de todos os portes, na maioria das vezes, repita-se, de forma mais barata do que o financiamento bancário, exercendo um importante papel no crescimento econômico do país.[3]
Os fundos de investimento, por sua vez, operam no mercado financeiro mediante a securitização de recebíveis, tendo sido criados a partir da Resolução nº 2.907, de 29 de novembro de 2001, por meio da qual o Banco Central do Brasil (BACEN) autorizou sua constituição e o funcionamento, nos termos de regulamentação que viria a ser criada pela CVM, que assumiu a competência para regulamentar plenamente a matéria.
A CVM editou, então, a Instrução nº 356, de 17 de dezembro de 2001, que regulamenta a constituição e o funcionamento dos FIDCs, configurados, nos termos do art. 2º, III, da referida Instrução, como uma comunhão de recursos reunidos por seus quotistas, destinados à aplicação preponderante em “direitos creditórios”:
Objetivamente, pode-se dizer que o FIDC nada mais é do que mais um instrumento de captação de recursos no mercado de capitais. Um instrumento útil e bastante apropriado, principalmente para empresas que tenham alto comprometimento de dívidas bancárias em seu balanço ou uma grande capacidade de geração de recebíveis. Assim, por meio do FIDC, as empresas podem captar recursos e amortizar suas dívidas, melhorando bastante seus balanços. Isso acontece à medida que a empresa efetua uma redução de seu passivo bancário, via diminuição dos ativos de curto prazo, ou seja, consegue tal objetivo exatamente cedendo seus recebíveis.[4]
Significa dizer, noutros termos, que se trata de veículo criado com o objetivo de dar liquidez ao mercado de crédito, surgindo na seara econômica como inovação do tráfego negocial, cuja natureza, segundo Arnoldo Wald, é especialíssima:
(...) um condomínio de natureza especialíssima, que tem patrimônio próprio, escrita específica, auditoria nas suas contas, representação em juízo e administração por uma espécie de trustee. A propriedade dos bens pertence ao Fundo e as cotas é que são da propriedade dos condôminos. [5]
Do ponto de vista dos cedentes, como já destacado, o FIDC é uma alternativa interessante de acesso ao capital, em geral, menos custosa do que o financiamento bancário. Do lado dos investidores, por sua vez, o FIDC é um investimento que pode combinar alta rentabilidade com baixo risco, quando em comparação com outras possibilidades disponíveis no mercado[6], sendo justamente por isso considerado, atualmente, o principal veículo de securitização no mercado de capitais brasileiro.
3 A CLÁUSULA PRO SOLVENDO E A CELEUMA ACERCA DA SUA VALIDADE
A cessão civil de crédito caracteriza-se como o tipo de contrato em virtude do qual o credor cedente transfere a outrem, o cessionário, a sua qualidade creditória contra o devedor, recebendo o cessionário o direito respectivo, com todos os acessórios e garantias, salvo disposição em contrário.[7]
Em regra, nas cessões onerosas, o cedente responde pela existência do crédito (cessão pro soluto) e não pela solvabilidade do devedor (cessão pro solvendo), de modo que a responsabilização pela solvência do devedor deve ser expressamente pactuada e, nas cessões a título gratuito, o cedente é responsável pela solvência do crédito apenas se tiver procedido de má-fé.
A cláusula pro solvendo, nesse sentido, consubstancializa direito de regresso, e, como o próprio termo denota, dá alicerce à responsabilidade do cedido e dos eventuais devedores solidários pela inadimplência dos sacados no âmbito dos contratos de cessão creditória.
Trata-se de cláusula voltada à distribuição e à alocação dos riscos do negócio de forma antecipada e consensual entre as partes, encontrando alicerce nas disposições expressamente contempladas pelo legislador quanto à distribuição dos riscos da cessão entre cedente e cessionário, mais especificamente na disciplina do art. 296 do Código Civil, além do que se prevê de modo principiológico em relação ao Direito Empresarial, em especial a livre iniciativa e a liberdade contratual, ratificadas pela edição da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº. 13.874/2019). Especificamente quanto às cessões de crédito firmadas por FIDC’s, o alicerce ainda se estende ao arcabouço regulatório acerca do tema, como de forma pormenorizada se demonstrará.
Em contramão às disposições e aos princípios que dão lastro à possibilidade do ajuste da cláusula, no entanto, se identificou acesa controvérsia doutrinária e jurisprudencial acerca da sua validade no bojo dos contratos de factoring, com posterior extensão do entendimento aplicado às aludidas operações – hoje, pacificado no Superior Tribunal de Justiça –, às cessões firmadas por FIDC’s. O entendimento, por sua vez, com aderência quase que unânime, e recentemente ratificado no âmbito do julgamento do Recurso Especial nº 1711412/MG[8] (Informativo n° 695), é no sentido de julgar pela vedação da possibilidade de regresso, ainda que seja expressamente contratado, recusando validade à cláusula pro solvendo quando pactuada em contratos de fomento mercantil.
Ocorre que, sem prejuízo das necessárias críticas à posição atualmente adotada, por ausência de substrato fático ou legal relevante que confira razoabilidade à forte intervenção judicial nas relações mantidas no âmbito do fomento mercantil, o que se tem, voltando-se ao escopo do presente trabalho, é que o entendimento pacificado acerca da impossibilidade de regresso no âmago das aludidas operações, sob pretexto de situação análoga, vinha sendo indiscriminadamente estendido à securitização de recebíveis, mais especificamente, ao FIDC, sem devido aprofundamento acerca da matéria, tampouco das particularidades desta última operação.
De fato, não raramente os Tribunais pátrios invocavam precedentes relativos a escritórios de factoring para solucionar a controvérsia acerca de cessão de crédito em operação de securitização, tendo por cessionário um FIDC.
Daí a importância do destaque: os Fundos de Investimento em Direito Creditório (FIDC’s) e as operações de fomento mercantil não se confundem.
O Instituto Brasileiro de Direito Civil (IBDCIVIL), representado pelos doutrinadores Gustavo Tepedino e Ana Frazão, já apontou as seguintes distinções:
O FIDC se diferencia das empresas de factoring, porém, na medida em que não fornece ao cessionário os serviços de gestão de créditos e cobranças que com frequência são oferecidos pelas faturizadoras, restringindo-se à aquisição (com deságio) de créditos como forma de aplicação financeira dos recursos aportados pelos seus quotistas.
Observa-se, portanto, que outra importante diferença é que, ao contrário dos faturizadores, o FIDC promove a efetiva securitização dos direitos creditórios adquiridos, considerando que estes passam a integrar seu patrimônio – e o qual, por sua vez, é representado por suas quotas, que poderão circular no mercado de capitais.
Podemos destacar, ainda, as seguintes diferenças entre o factoring e a securitização de recebíveis mercantis:
(a) a atividade de factoring é fiscalizada, principalmente, pelo Conselho de Controle das Atividades Financeiras (COAF), enquanto a securitização pelo Banco Central, Conselho Monetário Nacional (CMN) e Comissão de Valores Mobiliários (CVM);
(b) a atividade de securitização é mais complexa do que a atividade de factoring, na medida em que exige inúmeras contratações acessórias, tais como contrato de agência de rating, contrato de auditoria, contrato de serviços de custódia dos valores mobiliários, dentre outros;
(...) (d) a sociedade de factoring não utiliza os créditos adquiridos do cedente para emissões de valores mobiliários, enquanto a securitizadora os utilizará como lastro para essas emissões;
(...) (f) a operação de factoring não distribui o risco, mas o concentra numa sociedade de factoring, que a adianta receitas, por meio da aquisição de títulos a vencer, enquanto na securitização há dispersão dos riscos entre diversos investidores;
(g) o FIDC tem como maior objetivo vender cotas para investidores, ele possui CNPJ, mas não é uma empresa; ao contrário, a sociedade de factoring é uma empresa independente, cujo objetivo principal é adquirir os recebíveis dos seus clientes.[9]
De fato, embora possuam semelhanças, especialmente por ter como espinha dorsal o contrato de cessão de créditos, são estruturas de crédito absolutamente diversas, possuindo inclusive natureza jurídica distinta. As diferenças entre as operações, não por acaso, têm reflexos sensíveis na matéria ora sob foco, em que pese o tratamento até então predominantemente indistinto pelos tribunais, a reclamar urgente revisão jurisprudencial, portanto.
Minudenciando, além da tímida jurisprudência que já admitia a contratação da cláusula de regresso nas cessões firmadas por FIDC’s, as decisões majoritárias eram em sentido contrário, negando validade às cláusulas pro solvendo no bojo dos contratos celebrados pelos reportados fundos, lastreando-se, fundamentalmente, nas equivocadas premissas de que (i) apesar de o artigo 296 do Código Civil levar ao entendimento de que o cedente a título oneroso possa assumir contratualmente a responsabilidade pela higidez econômica do devedor, as particularidades da operação levam a conclusão diversa, pois a obrigação de recompra desnatura a cessão onerosa, que pressupõe a assunção do risco do negócio pela cessionária; (ii) se da operação inicial já existe ganho com o deságio, a existência de cláusula relacionada ao regresso extrapolaria os limites do negócio, violando a boa-fé objetiva e lesando o cedente, vez que o negócio é nitidamente de risco.
Perlustrando as reportadas razões, infere-se que se tratavam de mera reedição dos argumentos expedidos no âmbito das operações de fomento mercantil, em que pese, insista-se, tratarem-se de operações distintas. Necessário, então, cotejá-las com as disposições do Código Civil, princípios, institutos e arcabouço regulatório aplicável à operação reitora do presente parecer.
De início, voltando-se à primeira razão (i), importa destacar: não há, no ordenamento jurídico brasileiro, previsão legal que vede os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios de estipular a responsabilidade do cedente pelo pagamento do débito em caso de inadimplemento do devedor, circunstância que deve ser analisada sob a ótica do art. 5°, II da CF, que assegura que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de Lei.
Em contramão, como balizadora primeiro em relação à validade dos negócios jurídicos, está a disciplina do art. 104, do Código Civil, que dispõe sobre a liberdade de contratar, desde que realizada na forma prescrita em lei ou, de outro modo, sem ofender expresso comando legal negativo.
Mais especialmente, por se tratar de cessão de crédito, a fazer incidir, rigorosamente, os dispositivos do Código Civil aplicáveis à espécie, é de rigor o destaque à existência de importante dispositivo a regular a transmissão das obrigações; trata-se, repita-se, do art. 296 do CC/02, que preceitua que “salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor”.
Como se infere do destaque realizado no dispositivo acima, o texto legal admite a estipulação de regresso, ao passo que somente o considera indevido quando ausente a pactuação neste sentido; em outras palavras, entende-se que a pactuação do regresso não é ofensiva à ordem normativa, porquanto expressamente admitida.
Destarte, havendo estipulação contratual nesse sentido, forçoso reconhecer a responsabilidade do cedente acerca do cumprimento da obrigação inadimplida, seja porque referido ajuste encontra respaldo no Código Civil, seja, máxime, pelo que prevê a instrução normativa que rege a matéria (IN 356/2001).
Como já destacado, o FIDC tem sua constituição, sua administração e seu funcionamento regulados pela Instrução Normativa da CVM n. 356/2001, cuja atividade que desempenha propicia uma alternativa ao financiamento bancário, proibitivamente oneroso às sociedades empresárias de pequeno e de médio porte.
Nesse passo, e valendo-se de excerto de voto emblemático proferido pelo Ministro Luis Felipe Salomão quando do julgamento do Recurso Especial nº. 1.726.161/SP, que será alvo de análise posterior:
(...) é bem de ver que o art. 2º, II, da Instrução CVM n. 356/2001, com prudência e trazendo mais segurança jurídica à operação, expressamente se abstém de imiscuir-se na disciplina legal, ao prever que a cessão dos direitos creditórios é a transferência pelo cedente, credor originário ou não, de seus direitos creditórios para o FIDC, mantendo-se inalterados os restantes elementos da relação obrigacional.
O seu art. 2º, XV, por sua vez, vai além, ao trazer expressamente o conceito de coobrigação, nos termos a seguir:
XV - coobrigação: é a obrigação contratual ou qualquer outra forma de retenção substancial dos riscos de crédito do ativo adquirido pelo fundo assumida pelo cedente ou terceiro, em que os riscos de exposição à variação do fluxo de caixa do ativo permaneçam com o cedente ou terceiro.
É certo que tal previsão foi incluída na Instrução Normativa com a finalidade de referendar a higidez da cláusula ora sob foco, buscando dar cabo à polêmica doutrinária e jurisprudencial instaurada acerca do tema.
Tal entendimento é ainda corroborado, na forma do que dispôs a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no bojo do supracitado Recurso Especial nº. 1.726.161/SP, na qualidade de amicus curiae:
(...) pelo art. 3° da Instrução CVM n° 489, de 14 de janeiro de 2011, ao prever que para fins de classificação contábil no âmbito do FIDC, as aquisições de crédito nas quais o cedente garanta, ainda que parcialmente, o adimplemento, devem ser classificadas como “operações sem aquisição substancial dos riscos e benefícios”.
Daí se extrai, com espeque no voto da Ministra Nancy Andrighi, quando do julgamento do Recurso Especial nº 1909459–SC, que replica entendimento sufragado no multicitado Recurso Especial nº 1.726.161/SP, “que seria um contrassenso concluir pela invalidade dessa espécie de disposição contratual quando a própria entidade responsável pela regulamentação e fiscalização dos FIDCs fez constar expressamente da normativa que os regulamenta o conceito acima colacionado”.
Além de contrassenso, é certo dizer que representaria, retomando análise das contribuições da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) no já referido Recurso Especial nº. 1.726.161/SP:
(..) inaceitável usurpação da discricionariedade técnica da CVM em matéria cuja regulação foi expressamente atribuída por lei à Autarquia, contrariando entendimento do próprio STJ, conforme acórdão da C. Segunda Turma do E. STJ, à luz do r. voto condutor da lavra da Exma. Ministra Eliana Calmon, no julgamento do Recurso Especial nº 1.105.993 - PR (2008/0261954-3), ressaltando que não cabe ao Poder Judiciário substituir um órgão administrativo técnico.
As decisões voltadas à negativa de validade da cláusula pro solvendo em operação de securitização tendo por cessionário um FIDC, como se vê, ignoram as normas do Código Civil e da CVM que expressamente permitem a coobrigação do cedente, e, especialmente, interferem indevida e injustificadamente na autonomia privada das partes, causando insegurança jurídica não apenas na indústria de FIDC, mas, de forma macro, no segmento de securitização e no mercado de capitais como um todo.
Havendo cláusula, portanto, dispondo que o cedente garante a solvência do devedor original, exigível respeitar a vontade que dirigiu as partes em seu negócio, especialmente quando em cotejo às modificações introduzidas no Código Civil pela Lei da Liberdade Econômica, em especial, na parte que mais interessa a este parecer, aquelas concernentes à nova redação do art. 421 e à inclusão do art. 421-A no Código Civil:
Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato. Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que: I - as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução; II - a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e III - a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
Este é o entendimento do Professor BUNAZAR sobre o inciso I do novo art. 421-A do Código Civil:
Ao reconhecer expressamente que as partes têm o direito de estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação dos pressupostos de revisão e de resolução do negócio jurídico, o inciso I do artigo 421-A fornece importante instrumento de alocação e, consequente, redução de riscos. Quando cabe a um terceiro a prerrogativa de concretizar expressões como excessivamente onerosa e acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, é praticamente impossível às partes qualquer previsibilidade do que será ou não considerado como tal no caso concreto. A indeterminação dos conceitos não raras vezes possibilita, e talvez até mesmo estimule, demandas que a pretexto de pretenderem a revisão ou resolução de um contrato veiculam o exercício de um inexistente direito potestativo de arrependimento. Para evitar os inconvenientes da indeterminação legal, nada mais eficiente do que deixar às partes a gestão dos próprios interesses; se não o fizerem ou optarem por não o fazer, submeter-se-ão ao disposto na lei.[10]
E, ainda, sobre o parágrafo único do artigo 421, que objetiva dar maior concretude à liberdade contratual:
O parágrafo único do artigo 421 reforça a mais fundamental característica do contrato: sua obrigatoriedade. Desde que se constate que a intervenção heterônoma na relação jurídica contratual significa afastar, ainda que parcialmente, o produto da autonomia privada, convém assentar que isso só deverá ocorrer quando graves razões o exigirem. Embora o disposto no parágrafo único do artigo 421 já fosse regra no direito positivo brasileiro, sua explicitação não é inútil; ao contrário, tem o mérito de aumentar consideravelmente o ônus argumentativo de quem pretenda a intervenção heterônoma na relação jurídica contratual.
Desse modo, como corolário da autonomia privada, faculta-se às partes a definição da melhor forma de alocação de riscos, aí inclusa a cláusula que possibilita o direito de regresso, sendo referida interpretação não apenas alicerçada nos comandos legislativos amoldados à hipótese, como também a que melhor se coaduna com os princípios que regem o Direito Empresarial, em especial a livre iniciativa e a liberdade contratual, ratificadas, como demonstrado, pela edição da Lei da Liberdade Econômica (Lei nº. 13.874/2019).
É de se dizer, ainda, que tal configuração de cessão de crédito não pressupõe lesão ao cedente, voltando-se à outra razão (ii) que alicerça as posições contrárias à estipulação da cláusula. Não pressupõe lesão, primeiro, porque não estamos diante de relação assimétrica.
Referidos julgados terminam por revelar, com o devido acatamento, sensível desconhecimento quanto às particularidades do negócio, considerando que, pela própria transparência ínsita à operação, notadamente pelas regras impostas pela direta regulação da CVM, o cedente e eventuais garantidores são conhecedores das exatas condições pactuadas com o Fundo e utilizam de sua autonomia privada para entabular tais negociações, sobretudo porque trata-se de contrato essencialmente empresarial, o que, como é de comezinho conhecimento, pressupõe paridade de condições, análise conjunta e assunção dos riscos envolvidos.
Aqui, não se pode deixar de referir os notáveis apontamentos registrados pela Associação Nacional dos Participantes em Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios Multicedentes e Multissacados (“ANFIDC”), cuja participação, na qualidade de amicus curiae, também foi oportunizada no supracitado apelo nobre (REsp 1.726.161/SP):
Ademais, não apenas o cedente e o FIDC são especializados nesses mercados, mas também os investidores. Além de contarem com um amplo assessoramento pelos administradores do fundo e terem as mais amplas informações à sua disposição para conhecerem exatamente onde estão aportando capital, os investidores precisam ser considerados profissionais ou qualificados nos termos da Instrução CVM nº 554/2014 já mencionada acima. Trata-se de mercado em que as partes que o compõem são eminentemente especializadas, de forma que o pressuposto básico do qual é estabelecida toda a dinâmica técnico-profissional que rege os investimentos e as transações realizadas é o de que as partes negociam todos os termos contratuais em condições equânimes.
Mas vai além. Referida configuração da cessão de crédito, com garantias acopladas aos títulos mais robustas, ao fornecer maior segurança ao cessionário na aquisição do crédito, considerando que isso enseja uma diminuição do risco de inadimplência, proporciona cenário propício à celebração de referidas operações, com potencial para o desenvolvimento e a expansão de um mercado que, em última análise, permite aos titulares de direitos creditórios obter, quando necessário, liquidez a partir dos créditos que possuem, contribuindo para o crescimento da economia como um todo.
Ainda quanto à alocação de riscos, a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (“ANBIMA”), no bojo do multicitado Recurso Especial, diante da relevância econômica do tema, foi instada a se manifestar, fazendo considerações que merecem destaque, sobretudo pelo inequívoco conhecimento técnico a respeito da operação ora discutida:
Na avaliação do risco do investimento, considera-se uma série de fatores, dentre eles, a reputação do gestor do FIDC, o histórico do desempenho da carteira de créditos e as garantias constituídas, além dos eventuais riscos existentes, inclusive jurídicos.
No momento em que foi realizado o investimento nos FIDC, porém, muito provavelmente não se considerou o risco de que as garantias vinculadas aos créditos pudessem ser invalidadas por decisão judicial, uma vez que não havia nenhuma lei ou normativo que indicasse qualquer risco nesse sentido.
A existência de garantias, de modo geral, ajuda a mitigar o risco de crédito relacionado ao investimento. Ademais, a coobrigação do cedente ou de suas partes relacionadas promove um alinhamento de interesses entre o cedente e os cotistas do FIDC, mesmo após a cessão dos direitos creditórios ao FIDC.
Há uma relação direta entre a percepção de risco dos investidores e o retorno por eles exigido no investimento. Em outras palavras, quanto maior o risco, maior o retorno exigido e, consequentemente, maiores os custos de captação dos cedentes.
A depender do risco envolvido, é possível, ainda, que os investidores tomem a decisão de não investir no FIDC, independentemente da rentabilidade esperada das cotas. Nessa hipótese, os investidores buscariam outras oportunidades de investimento.
Da perspectiva dos cedentes, a provável consequência seria uma redução na oferta para aquisição de direitos creditórios pelos FIDC, bem como uma elevação das taxas de desconto praticadas, de modo a permitir o pagamento do prêmio de risco adicional exigido pelos investidores. Em outras palavras, uma série de empresas que atualmente têm o FIDC como fonte de recursos teria um acréscimo no custo desse capital, ou teria que buscar recursos em outros segmentos, como o bancário ou o de fomento mercantil.
Somado a isso, ainda no que se refere à posição (ii), no sentido de que, se da operação inicial já existe ganho com o deságio, a existência de cláusula relacionada ao regresso extrapolaria os limites do negócio, é de se destacar que as taxas de deságio praticadas pelos FIDCs devem estar em consonância com as adotadas pelas instituições financeiras do mercado nacional, havendo, inclusive, fiscalização das operações pela CVM.
Quanto a esse ponto, retome-se a análise do voto proferido pelo Ministro Luis Felipe Salomão quando do julgamento do Recurso Especial nº. 1.726.161/SP:
Por outro lado, no tocante especificamente ao contrato de factoring, alguns dos fundamentos da corrente que não admite o estabelecimento de garantia para a operação de fomento comercial consistem justamente no fato de que essa operação costuma cobrar taxa maior de desconto (deságio maior) e de que isso serve também para não se confundir com o contrato privativo de instituição financeira.
(...)
No caso, como há a captação de poupança popular dos próprios cotistas, além da eficiência da engenhosa estrutura a envolver a operação dos FIDCs, que prescinde de intermediação, o deságio pela cessão de crédito dos direitos creditórios é menor que nas operações de desconto bancário, razão pela qual é descabida a tese exposta na exordial acerca de que a operação se distancia do desconto bancário, a justificar a nulidade da garantia, em prejuízo dos condôminos do Fundo recorrente.
Por fim, imprescindível, mais uma vez, promover destaque das ponderações do amicus curiae Instituto Brasileiro de Direito Civil - IBDCIVIL:
9. Observa-se, portanto, que outra importante diferença é que, ao contrário dos faturizadores, o FIDC promove a efetiva securitização dos direitos creditórios adquiridos, considerando que estes passam a integrar seu patrimônio – e o qual, por sua vez, é representado por suas quotas, que poderão circular no mercado de capitais.
10. Tais quotas consubstanciariam, ainda, ativos com precificação mais precisa e associados a maior segurança jurídica que os direitos e títulos de crédito adquiridos, assegurado pelas normas de compliance próprias aos fundos de investimento (como, no caso dos FIDCs, a obrigatória avaliação trimestral da carteira por agência de rating).
(...)
13. Normalmente, em tais arranjos contratuais, o risco do inadimplemento do crédito cedido corresponde ao ágio percebido pelo cessionário.
14. Por outro ângulo, o fato de o cessionário assumir este risco e os custos de cobrança, afastando-os do cedente, igualmente justificaria que este recebesse menos que o valor integral do crédito.
Significa dizer que, quando da contratação das cessões de crédito por esses FIDC, as partes negociaram, em boa-fé e com base nas normas vigentes, os respectivos termos e condições, incluindo a eventual prestação de coobrigação pelos cedentes ou por suas partes relacionadas, sendo referida existência ou não de coobrigação fator essencial para aquisição do crédito, pois indica a quais riscos os direitos creditórios estão expostos, além de ser elemento crítico para a justa precificação desses direitos na carteira de fundo.
As decisões, portanto, que a despeito de todo o exposto, negam validade à cláusula livre e expressamente pactuada, terminam por, na forma do que asseverou a autarquia federal Comissão de Valores Mobiliários – CVM no REsp 1.726.161/SP:
i) ignorar as normas da CVM que permitem claramente a coobrigação do cedente;
ii) interferir indevidamente na autonomia privada das partes após o aperfeiçoamento da cessão, causando insegurança jurídica nos agentes do mercado, em especial sobre muitos fundos já constituídos e em operação, e que contaram de boa-fé com previsão autorizativa expressa da regulamentação da CM para a estruturação de seus produtos nessas condições;
iii) impactar diretamente a precificação dos créditos hoje detidos por esses veículos, visto que ela é influenciada por quaisquer garantias existentes, inclusive eventual coobrigação do cedente; e
iv) frustrar o investimento dos cotistas do FIDC, uma vez que a exclusão dessa coobrigação aumenta indevidamente a possibilidade de inadimplemento do crédito cedido", sendo certo que "a confirmação da mencionada tese para o mercado dos FIDCs evidencia relevante risco de esvaziamento desse veículo de securitização, por incrementar, sem justificativa razoável ou fundamentação econômica, o risco de inadimplemento dos créditos cedidos, alterando inclusive as características de cessões já realizadas de boa fé no passado sobre fundos já em operação, fato que poderia afrontar, a nosso ver e inclusive, o instituto do ato jurídico perfeito, nos termos do art. 5º, XXXVI, do art. 5º, da Constituição Federal".
Foi nessa linha de intelecção que a Corte Especial, quando do julgamento do aludido apelo nobre (REsp 1.726.161/SP), proferiu emblemática decisão acerca da validade da cláusula contratual por meio da qual o cedente garante a solvência do devedor originário (cláusula pro solvendo). Transcreva-se a íntegra da ementa:
RECURSO ESPECIAL. FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS. MERCADO DE CAPITAIS. VALOR MOBILIÁRIO. DEFINIÇÃO LEGAL QUE SE AJUSTA À DINÂMICA DO MERCADO. SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS. CESSÃO DE CRÉDITO EMPREGADO COMO LASTRO NA EMISSÃO DE TÍTULOS OU VALORES MOBILIÁRIOS. PACTUAÇÃO ACESSÓRIA DE FIANÇA. POSSIBILIDADE. CONFUSÃO ENTRE AS ATIVIDADES DESEMPENHADAS POR ESCRITÓRIOS DE FACTORING E PELOS FIDCs. DESCABIMENTO. CESSÃO DE CRÉDITO PRO SOLVENDO. VIABILIDADE. 1. Com a edição da MP n. 1.637/1998, convertida na Lei n. 10.198/2001, houve a introdução no ordenamento jurídico de conceituação próxima à do direito americano, estabelecendo que se constituem valores mobiliários os títulos ou contratos de investimento coletivo que gerem direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advenham do esforço do empreendedor ou de terceiros. A definição de valor mobiliário se ajusta à dinâmica do mercado, pois abrange os negócios oferecidos ao público, em que o investidor aplica seus recursos na expectativa de obter lucro em empreendimento administrado pelo ofertante ou por terceiro. 2. Os Fundos de Investimento em Direito Creditório - FIDCs foram criados por deliberação do CMN, conforme Resolução n. 2.907/2001, que estabelece, no art. 1º, I, a autorização para a constituição e o funcionamento, nos termos da regulamentação a ser estabelecida pela CVM, de fundos de investimento destinados preponderantemente à aplicação em direitos creditórios e em títulos representativos desses direitos, originários de operações realizadas nos segmentos financeiro, comercial, industrial, imobiliário, de hipotecas, de arrendamento mercantil e de prestação de serviços, bem como nas demais modalidades de investimento admitidas na referida regulamentação. 3. Portanto, o FIDC, de modo diverso das atividades desempenhadas pelos escritórios de factoring, opera no mercado financeiro (vertente mercado de capitais) mediante a securitização de recebíveis, por meio da qual determinado fluxo de caixa futuro é utilizado como lastro para a emissão de valores mobiliários colocados à disposição de investidores. Consoante a legislação e a normatização infralegal de regência, um FIDC pode adquirir direitos creditórios por meio de dois atos formais: o endosso, cuja disciplina depende do título de crédito adquirido, e a cessão civil ordinária de crédito, disciplinada nos arts. 286-298 do CC, pro soluto ou pro solvendo. 4. Foi apurado pelas instâncias ordinárias que trata-se de cessão de crédito pro solvendo em que a recorrida figura como fiadora (devedora solidária, nos moldes do art. 828 do CC) na cessão de crédito realizada pela sociedade empresária de que é sócia. O art. 296 do CC estabelece que, se houver pactuação, o cedente pode ser responsável ao cessionário pela solvência do devedor. 5. Recurso especial provido. (REsp 1726161/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 06/08/2019, DJe 03/09/2019).
Como se destacou, a ausência de enfrentamento das disposições e dos argumentos sobre a inexistência da vedação à contratação desta espécie de garantia, especialmente no que concerne às operações envolvendo os FIDC’s, ensejavam não apenas decisões particularmente carentes de substrato fático/legal, mas, especialmente, danos nocivos à operação, com possibilidade concreta de retração do negócio.
O julgamento supra, portanto, que, pela relevância econômica do tema, contou com a participação de diversas entidades com inequívoca representatividade, cujas contribuições foram oportunamente trasladadas ao longo deste Parecer, reflete, finalmente, profunda inflexão sobre a matéria – até aquela ocasião, ainda não detidamente abordada na jurisprudência do STJ[11] –, a enveredar na necessária distinção entre os FIDCs e as empresas de factoring[12], e, por consequência, julgar válida a cláusula de regresso nas cessões firmadas pelos fundos, conferindo maior segurança jurídica às operações, além de prestigiar não só a legislação e a normatização infralegal de regência, mas, sobretudo, os princípios norteadores da relação, nitidamente de caráter empresarial.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
À vista de todo o exposto, através de análise jurisprudencial e da legislação amoldada à espécie - embora concisa devido à limitação intrínseca à extensão desse trabalho - é possível inferir que é válida a cláusula contratual inserida em contrato de cessão de crédito celebrado com um FIDC que consagra a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor, seja pelo que prevê a legislação, em especial, o artigo 296 do Código Civil, seja pelo arcabouço regulatório acerca da matéria (IN 356/2001), seja, ainda, pelos princípios que imperam na relação empresarial, como cuida a espécie.
Andou bem, nesse sentido, a Corte Especial, quando do julgamento do apelo nobre REsp 1.726.161/SP, e, mais recentemente, quando da consolidação do entendimento mediante julgamento do REsp 1.909.459-SC (Informativo nº 0697 do STJ), porquanto referida pactuação de cláusula pro solvendo, considerada válida no bojo dos aludidos recursos, encontra farto respaldo legislativo e principiológico, de forma que as decisões voltadas à negativa de sua validade representam interferência arbitrária e injustificada na autonomia privada das partes, causando sensível insegurança jurídica, afronta ao instituto do ato jurídico perfeito, nos termos do art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, e, em última análise, possível esvaziamento desse veículo de securitização, por incrementar, como já destacado, sem justificativa razoável ou fundamentação econômica, o risco de inadimplemento dos créditos cedidos.
[1] Uinie Caminha, Securitização, 2a ed., cit., pp. 37-38.
[2] SILVA, Ricardo Maia da. Securitização de Recebíveis: uma Visão sobre o Mercado dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDC). Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção) – Centro Tecnológico da Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2010, p. 18.
[3] É nesse sentido a manifestação da ANBIMA – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS ENTIDADES DOS MERCADOS FINANCEIRO E DE CAPITAIS (“ANBIMA” ou “Associação”) no âmbito do Recurso Especial nº. 1.726.161/SP.
[4] FORTUNA, Eduardo. Mercado financeiro: produtos e serviços, 19ª ed. rev. e atual., Rio de Janeiro: Qualitymark Editora, 2013, p. 839.
[5] WALD, Arnoldo. Da natureza jurídica do fundo imobiliário. In: Revista Forense, 309, p. 9-14.
[6] “Do ponto de vista do investidor [...] o interesse pelo fundo se justifica pelo fato de os FIDCs oferecerem rentabilidade superior à dos ativos disponíveis no mercado financeiro com nível de risco equivalente combinado com colateralização pelas cotas subordinadas ou outra modalidade de garantia, que mitigam o risco da carteira. ” (ANBIMA. Estudos Especiais – Produtos de Capitação: Fundos de Investimento em Direitos Creditórios. Rio de Janeiro: ANBIMA, 2015, p. 11).
[7] PEREIRA, 2017, p. 351; CARVALHO SANTOS, 1951, p. 310.
[8] A empresa faturizada não responde pela insolvência dos créditos cedidos, sendo nulos a disposição contratual em sentido contrário e eventuais títulos de créditos emitidos com o fim de garantir a solvência dos créditos cedidos no bojo de operação de factoring. STJ. 3ª Turma. REsp 1.711.412-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, julgado em 04/05/2021 (Info 695).
[9] CASTRO, Rogério Alessandre de Oliveira. Factoring e securitização de recebíveis mercantis. In: O direito brasileiro em evolução: estudos em homenagem à Faculdade de Direito de Ribeirão Preto[S.l: s.n.], 2017.
[10] BUNAZAR, 2019, p.140-156.
[11] O tema já voltou a ser objeto de análise da Corte, mediante julgamento do REsp 1.909.459-SC em 18/05/2021. Referida decisão, como dito, replica entendimento sufragado no âmbito do apelo nobre REsp 1.726.161/SP, no sentido de ser valida a cláusula pro solvendo. Vide Informativo nº 0697 do STJ, com publicação em 24 de maio de 2021.
[12] Distinção necessária, máxime pelo entendimento consolidado acerca das operações de factoring, recentemente ratificado no bojo do REsp 1.711.412-MG, julgado em 04/05/2021 (Info 695).
Advogada inscrita na OAB/SE sob o n° 12.583, Bacharel em Direito pela Universidade Tiradentes (UNIT) e militante na área Cível. Especialista em Direito Processual Civil pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Camilla Ellen Aragao. (Im) possibilidade de ajuste de cláusula pro solvendo em contratos de cessão de direitos creditórios celebrados por fundos de investimento em direito creditório Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 ago 2022, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59086/im-possibilidade-de-ajuste-de-clusula-pro-solvendo-em-contratos-de-cesso-de-direitos-creditrios-celebrados-por-fundos-de-investimento-em-direito-creditrio. Acesso em: 23 dez 2024.
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