SUELY ESTER GITELMAN[1]
(coautora)
RESUMO: O objetivo do presente trabalho é analisar o quanto é importante o desenvolvimento de estágio como forma de ampliação dos conhecimentos obtidos em sala de aula com a prática da profissão escolhida, possibilitando ao estagiário uma formação mais completa e melhor colocação no mercado de trabalho. Nos preocupamos também em diferenciar o contrato de estágio com o contrato de trabalho formal, vez que não se confundem, sendo que a fraude na utilização do contrato de estágio, sem o cumprimento das exigências previstas na Lei, gera consequências jurídicas, inclusive com o reconhecimento de vínculo de emprego entre o estagiário e a concedente do estágio.
Palavras-chave: contrato de estágio; direitos e deveres do estagiário; fraude ao contrato de estágio.
Sumário. 1. Introdução. 2. Contrato de trabalho X Contrato de Estágio. 2.1. Natureza jurídica. 3. Direitos do estagiário. 3.1. Bolsa. 3.2. Recesso. 3.3. Seguro. 3.4. Auxílio transporte. 3.5. Saúde e segurança do trabalho. 3.6. Jornada de trabalho. 3.7. Outros direitos. 4. Deveres da parte concedente do estágio. 5. Agentes de integração. 6. Deveres da Instituição de Ensino. 7. Descumprimento do contrato de estágio. 7.1. Desvirtuamento, fraudes e consequências. 7.2. Jurisprudência. 8. Estagiários jurídicos. 9. Conclusão. 10. Referências.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo do presente artigo é apresentar um estudo sobre o contrato de estágio no ensino do Direito no Brasil abordando todas as exigências legais para sua configuração e de que maneira o contrato de estágio pode contribuir para o ensino jurídico de qualidade.
A Lei nº 11.788/2008 trouxe inovações a esta relação jurídica, devendo ser observados os direitos e deveres das partes envolvidas, para que não se caracterize fraude.
Apesar de estar sob a influência do mercado de trabalho, o estágio também está ligado ao sistema de formação, sendo organizado segundo as regras que o estruturam em cada Instituição de Ensino, bem como Leis, Decretos e Normas (formais e informais) que o regulamentam.
O estágio é de grande importância ao aluno, seja ele no ensino médio, profissionalizante ou no ensino superior, pois se trata da melhor forma do aluno colocar em prática o que está aprendendo na teoria.
O estudante que faz estágio desde a sua formação poderá ter mais sucesso e oportunidade em encontrar emprego, uma vez que, conforme sabemos, o mundo não começa na formatura.
Ainda, ajuda o estudante a desvendar na prática sua futura profissão, permitindo-lhe escolher uma ou outra área dentro da sua formação acadêmica.
O estágio tem que ser inserido como uma atividade de caráter acadêmica, não podendo ser encarado como uma simples experiência de trabalho.
No curso de Direito podemos citar diversas áreas a serem descobertas pelos alunos durante o estágio, como, por exemplo, Direito Criminal, Cível, Trabalhista, Previdenciário, Tributário, dentre outros. Como é vasta a possibilidade de atuação, o estágio permitirá ao estudante a tornar-se um profissional mais qualificado e efetivo, notadamente se estiver dentro da área que escolheu.
É certo que o estagiário não é um empregado da empresa, pois ele não está ali para desempenhar função típica de empregado, mas sim, para desenvolver na prática o que está aprendendo em sala de aula.
É um grande erro pensar no estagiário como uma mão de obra barata a ser utilizada em prol da empresa, devendo o estágio ser devidamente fiscalizado durante todo o período, evitando seu desvirtuamento, sob pena de ser reconhecida a relação de emprego entre as partes envolvidas.
O contrato de estágio não pode oferecer margem para seu enquadramento como uma típica relação de emprego, ou ainda, ser um suporte para a primeira chance trabalhista, pois sua principal finalidade não é a produção, e sim, a educação.
A Lei do Estágio (Lei nº 11.788/2008) se comparada com a Lei anterior (Lei nº 6.494/1977) trouxe novas regras de segurança e condições de mitigar eventuais fraudes daquelas empresas que utilizavam da antiga norma como forma de enriquecer às custas de uma mão de obra técnica e barata.
Eventual desvirtuamento, decorrente de má aplicação da Lei, ou de qualquer tentativa de fraude ou desvio de conduta por parte da concedente, dará azo ao reconhecimento do vínculo de emprego pela Justiça do Trabalho.
Se a concedente for órgão da Administração Pública, o vínculo não será reconhecido, por ausência de concurso público, exigência legal para a contratação, mas haverá condenação no pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, além do pagamento referente aos depósitos do FGTS, entre outros.
2. CONTRATO DE TRABALHO X CONTRATO DE ESTÁGIO
Primeiramente, cumpre-nos lembrar que nem toda a prestação de serviços desenvolve-se no âmbito de um contrato de trabalho e o estagiário de fato, não se enquadra em tal conceito, ou seja, apesar de prestar serviços não é considerado empregado nos moldes da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Luciano Martinez cita que:
“A palavra ‘estágio’ provém do francês antigo estage, modernamente identificado como étage, cujas traduções para o português podem significar ‘andar’, ‘nível’, ‘plataforma’ ou ‘classe’. Superar um estágio, portanto, significa subir um andar, avançar um nível dentro de uma estrutura qualquer.”[2]
O artigo 442 da CLT define o conceito de contrato de trabalho da seguinte forma: "Contrato individual de trabalho é o acordo tácito ou expresso, correspondente à relação de emprego".
O objeto do contrato de trabalho é a prestação de serviço subordinado e não eventual do empregado ao empregador, mediante o pagamento de salário, com habitualidade e intuitu personae.
Conforme o art. 3º da CLT, temos que: “Considera-se empregado, toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.”
Assim sendo, os requisitos para a configuração do contrato de trabalho são a continuidade (não eventualidade), a onerosidade, a pessoalidade e a subordinação.
A CLT aborda pontos primordiais a serem seguidos na relação de emprego, bem como a Lei nº 11.788/2008 é transparente perante os estagiários, para que não se confundam entre si.[3]
O artigo 1º da Lei supracitada preceitua que: “O estágio é um ato educativo escolar supervisionado, desenvolvido no ambiente de trabalho, com o intuito de treinar, adequar e preparar o estudante para uma carreira profissional”.
Em outras palavras o estágio é o procedimento formativo, de cunho didático-pedagógico e articulado segundo projeto de planejamento e ensino institucional da instituição de ensino a qual o discente estiver matriculado, que visa permitir o complemento da sua formação, para que o estudante possa compreender na prática os ensinamentos teóricos recebidos em sua vida escolar.
Na lição de Luciano Martinez:
“A trajetória do conhecimento prático está indispensavelmente vinculada ao cumprimento do estágio porque ele proporciona o aprendizado de competências próprias da atividade profissional, a contextualização curricular e o desenvolvimento do educando para a vida cidadã e para o trabalho.”[4]
O estágio é, portanto, considerado ato educativo escolar. É uma forma de integração entre o que a pessoa aprende na escola e aplica na prática da empresa.[5]
Amauri Mascaro Nascimento afiança que o estágio é fundamental para o desenvolvimento econômico-cultural de um país, principalmente a um país emergente como o Brasil, que envida todos os esforços possíveis para dar um salto de qualidade que tem como ponto de partida a sua preocupação com a educação voltada para a utilidade profissional e não apenas o conhecimento técnico. [6]
Com isso, identificamos que o estágio é necessário para que o estudante seja futuramente um bom profissional, aprendendo a exercer sua atividade com louvor e para que sua formação acadêmica seja satisfatória.
Adalberto Martins ao comentar o art. 1º, § 2º da Lei em estudo, pondera que o estágio deve proporcionar a aquisição de habilidades próprias ao exercício de determinada profissão e também objetiva preparar o estudante para o trabalho e exercício da cidadania.[7]
O estágio elenca todo o aprendizado necessário para uma carreira profissional, sendo assim, torna-se indispensável para que o profissional seja eficiente em suas funções.
Com o estágio, o estudante verifica na prática o que estudou em sala de aula tendo mais ferramentas para que se torne um profissional bem-sucedido, pois terá além da base acadêmica, o conhecimento de campo para seu trabalho no futuro após sua formação.
Note-se que o contrato de estágio ao mesmo tempo aproxima-se e diferencia-se dos outros contratos, principalmente em relação ao contrato de trabalho com o qual mantém sensíveis semelhanças.
Mas é exatamente pelo cunho educativo que não há reconhecimento de vínculo empregatício entre o estagiário e a concedente do estágio, sendo tal ponto explícito na Lei do Estágio, conforme segue:
“Art. 3º O estágio, tanto na hipótese do § 1º do art. 2º desta Lei quanto na prevista no § 2º do mesmo dispositivo, não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, observados os seguintes requisitos: ...” (grifos nossos)
Na lição de Carla Teresa Martins Romar:
“A figura do estagiário ocupa uma posição singular no universo das relações de trabalho, tendo em vista que sua prestação de serviço pode reunir todas as características da relação de emprego (pessoalidade, não eventualidade, subordinação e remuneração, esta última se o estágio for remunerado), mas, mesmo assim, a relação jurídica existente entre ele e a parte concedente não é de emprego, tendo em vista os objetivos educacionais que revestem a contratação. O objetivo do estágio é, essencialmente, a complementação do ensino teórico recebido nas escolas, com a experiência prática obtida no concedente do estágio.”[8](grifos no texto)
Portanto, observados os requisitos que analisaremos a seguir, tanto no estágio obrigatório como no não-obrigatório, mesmo estando presentes todos os requisitos elencados pelo art. 3º da CLT, não haverá o reconhecimento de vínculo empregatício.
Outrossim, constatando-se que as exigências legais não foram respeitadas, será considerado o contrato de estágio como fraudulento e consequentemente, pelas vias judiciais, poderá ser configurado o vínculo de emprego entre as partes.
Quanto aos seus requisitos, o contrato do estágio deve ser solene, tripartite, oneroso, de trato sucessivo, subordinativo e de atividade.
Ele é solene porque exige a forma escrita e a sua validade depende da existência do termo de compromisso (art. 3º, II da Lei nº 11.788/2008) a ser firmado trilateralmente, eis que envolve como sujeitos o educando, a parte concedente e a instituição de ensino.
Em caso de celebração com órgãos públicos, geralmente vem assinado pela empresa que intermediou a contratação, como o CIEE (Centro de Integração Empresa-Escola), além das partes citadas.
Neste caso, se declarado nulo o contrato firmado com a Administração Pública, não poderá ser reconhecido o vínculo de emprego, por ausência de concurso público.
É tripartite ou trilateral, porque como dito acima, demanda obrigações recíprocas para as três partes: o estudante; a instituição de ensino (arts. 7º e 8º, Lei nº 11.788/2008); e a organização concedente (art. 9º, do citado diploma legal).
O contrato de estágio pode ser oneroso ou não oneroso. A regra absoluta da onerosidade aplica-se inicialmente ao estágio obrigatório, conforme se depreende da primeira parte do caput do art. 12 da Lei do Estágio. Vale destacar que o estagiário não recebe salário, e sim bolsa auxílio.
Da mesma forma, eventual concessão de benefícios relacionados a transporte, alimentação e saúde, entre outros, não caracterizam vínculo empregatício.
Ainda, o dever de contratação de seguro contra acidentes pessoais em favor do estagiário, previsto no art. 9º, inciso IV da Lei, independentemente do fato deste ser sujeito de relação de estágio obrigatório ou não, não gera vínculo empregatício nos moldes previstos na CLT.
O trato sucessivo do contrato de estágio exige execução contínua, e materializa-se nas etapas de aprendizagem e demanda a frequência do estagiário. Trata-se de contrato que tem por objeto uma relação permanente, ou seja, não se exaure em atos transitórios, mas em atos que devem ser realizados em lapso temporal suficiente à materialização dos fins educativos previstos na proposta pedagógica da instituição de ensino.
O estagiário precisa ser acompanhado e avaliado conforme planejamento, apresentando uma regularidade em suas atividades escolares, frequentando a escola na qual deve participar das aulas e, comparecendo regularmente ao local onde desenvolve a sua experiência de estágio.
A subordinação ocorre em razão da dependência hierárquica atípica existente entre o aluno e as demais partes da relação de estágio. A instituição de ensino deve planejar e executar o programa de estágio, e juntamente com a instituição concedente, fazer com que o estagiário cumpra e desenvolva suas atividades.
Na relação de estágio, os poderes de direção e disciplinar são exercidos em colaboração pela instituição de ensino e a concedente. Ao estagiário cabe desenvolver as tarefas e cumprir as ordens que lhe são atribuídas, eis que o elemento subordinativo, embora presente no contrato de emprego e no contrato de estágio, não torna idênticas tais relações, já que o contrato de estágio possui um conteúdo educativo, tipicamente escolar.
O contrato de estágio possui finalidade predominantemente pedagógica, ainda que se trate de pacto de atividade, já que a sua execução demanda o dispêndio de trabalho pessoal do estagiário, que poderá envolver o trabalho técnico, manual ou intelectual, desde que seja uma atividade de preparação para o trabalho e que se correlacione com as finalidades do estágio, ou seja, o aprendizado deve ter correlação com a atividade profissional e a contextualização curricular.
A nova Lei do Estágio regulou a jornada de trabalho do estudante, conforme seu artigo 10, sendo de 04 horas diárias e 20 semanais para estudantes da educação especial e dos anos finais do ensino fundamental. Já para os estudantes de nível superior, da educação profissional de nível médio e do ensino médio regular será de 06 horas diárias e 30 semanais
A carga horária poderá ser reduzida à metade, conforme dispõe o § 2º do referido artigo 10, se a verificação da aprendizagem se der por avaliações regulares, visando o bom desempenho do estudante em suas provas.
“§ 2o Se a instituição de ensino adotar verificações de aprendizagem periódicas ou finais, nos períodos de avaliação, a carga horária do estágio será reduzida pelo menos à metade, segundo estipulado no termo de compromisso, para garantir o bom desempenho do estudante.”
2.1. Natureza jurídica.
Na lição de Sergio Pinto Martins, analisar a natureza jurídica de um instituto é procurar enquadrá-lo na categoria a que pertence no ramo do direito. É verificar a essência do instituto analisado, no que ele consiste, inserindo o no lugar a que pertence no ordenamento. [9]
Por todo o arcabouço jurídico esmiuçado no item anterior, verificamos que o contrato de estágio tem natureza civil, pois é celebrado entre pessoas físicas ou jurídicas. Não existe vínculo de emprego entre as partes, logo, não tem natureza de emprego, de contrato de trabalho, salvo se houver o desvirtuamento do instituto, e neste caso será aplicado o Art. 9º da CLT reconhecendo-se o vínculo empregatício, que assim dispõe:
“Art. 9º. Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.”
O contrato de estágio é de prestação de serviços, regulada por lei especial, a Lei nº 11.788/2008, como já mencionado anteriormente.
A natureza do contrato de estágio é de formação, de educação do estagiário, mas também compreende o aspecto do trabalho. É um contrato especial de formação profissional.
Outrossim, o reconhecimento de vínculo empregatício em caso de desvirtuamento ou fraude do estágio não ocorrerá quando o concedente é ente da Administração Pública direta ou indireta, conforme jurisprudência pacificada do Tribunal Superior do Trabalho:
OJ SDI-1 366, TST: “Ainda que desvirtuada a finalidade do contrato de estágio celebrado na vigência da Constituição Federal de 1988, é inviável o reconhecimento do vínculo empregatício com ente da Administração Pública direta ou indireta, por força do art. 37, II, da CF/1988, bem como o deferimento de indenização pecuniária, exceto em relação às parcelas previstas na Súmula n. 363 do TST, se requeridas”.
Súmula n. 363- Contrato Nulo. Efeitos. “A contratação de servidor público, após a CF/1988, sem prévia aprovação em concurso público, encontra óbice no respectivo art. 37, II e § 2º, somente lhe conferindo direito ao pagamento da contraprestação pactuada, em relação ao número de horas trabalhadas, respeitado o valor da hora do salário-mínimo, e dos valores referentes aos depósitos do FGTS.”
A premissa do contrato de estágio é que, cumpridas todas as exigências legais, não cria vínculo de emprego entre as partes, conforme art. 3º da lei em comento, já citado anteriormente.
Entre outros requisitos, faz jus o estagiário:
Estagiário não recebe salário, pois o art. 12 da Lei do Estágio dispõe que ele poderá receber bolsa ou outra forma de contraprestação que venha a ser acordada. Para Sérgio Pinto Martins, a concessão de bolsa é obrigatória apenas na hipótese de estágio não obrigatório, pois a lei emprega a palavra compulsória para esse caso. No estágio obrigatório, a bolsa será facultativa. [10]
Outrossim, diferentemente da relação de emprego, a bolsa recebida pelo estagiário não precisa ser calculada sobre o valor do salário mínimo, não estando a este índice atrelada.
A lei em comento prevê, que se conceda o direito ao descanso anual remunerado para o estagiário, ainda que receba bolsa ou qualquer outra forma de contraprestação, não se caracterizando como férias conforme previsto na Constituição Federal e na CLT (arts. 129 a 148), razão pela qual não faz jus ao pagamento do adicional de 1/3 previsto no art. 7º, inc. XVII da CF.
Inclusive, o art. 13 da Lei do Estágio utiliza a denominação “recesso” e não férias, a ser gozado preferencialmente durante as férias escolares do estagiário. Férias são as usufruídas pelos empregados e com isso acarretam o pagamento do adicional de 1/3. Quanto ao recesso, não há previsão de pagamento do adicional.
Se o estágio for remunerado com bolsa, o recesso também será remunerado. Vale ressaltar que não há previsão legal para o pagamento do valor do recesso com acréscimo de 1/3 (um terço), previsto no art. 7º, inc. XVII da CF, conforme dito anteriormente.
3.3. Seguro
O Inciso IV do artigo 9º da Lei nº 11.788/2008, determina que é obrigação da parte que concede o estágio contratar, em favor do estagiário, seguro contra acidentes pessoais, cuja apólice seja compatível com o valor de mercado. Não se trata, portanto, de faculdade, mas de direito do estagiário. Não se faz distinção entre estagiário obrigatório ou não obrigatório, em ambos os casos, haverá necessidade de ser feito o seguro contra acidentes pessoais em benefício do estagiário.
Isto porque já que o estudante não se enquadra na condição de empregado, não estando, no contrato de estágio, abrangido pelo INSS, o seguro contra acidentes pessoais preserva sua saúde e eventuais danos a que venha a sofrer.
Entretanto, conforme § 2º, art. 12, da Lei do Estágio, o estagiário pode inscrever-se e contribuir como segurado facultativo do Regime Geral da Previdência Social, se for de seu interesse, e sendo maior de 16 anos, conforme previsão no inciso III do art. 11 do Regulamento da Previdência Social (Decreto 3048, de 06 de maio de 1999)
“Art.11. É segurado facultativo o maior de dezesseis anos de idade que se filiar ao Regime Geral de Previdência Social, mediante contribuição, na forma do art. 199, desde que não esteja exercendo atividade remunerada que o enquadre como segurado obrigatório da previdência social.
§ 1º Podem filiar-se facultativamente, entre outros:
...
O estagiário terá direito ao auxílio-transporte (art. 12, caput). Cabe ressaltar que a lei fala em auxílio-transporte e não em vale-transporte, haja vista que ao estagiário não se aplicam as regras da Lei nº 7.418/1986, que institui o vale-transporte somente aos empregados.
Assim, não há que se falar em desconto de 6% do empregado do valor pago a título de auxílio-transporte.
O auxílio-transporte não tem natureza de contraprestação do trabalho, mas tão somente de ressarcimento pelo transporte utilizado pelo deslocamento feito pelo estagiário, para ir e voltar à empresa ou órgão para o qual está estagiando.
Ademais o auxílio-transporte será um valor que irá auxiliar o estagiário, não exatamente ressarcir integralmente o que ele gasta com o transporte.
A lei usa a palavra auxílio e não reembolso integral, em assim sendo, não é necessário ser integral o reembolso, mas algo para auxiliar o estagiário.
A melhor solução para cada caso é fixar as condições e o valor do auxílio- transporte no termo de compromisso.
3.5. Saúde e segurança no trabalho
O artigo 14 da Lei em comento determina que é direito do estagiário a saúde e segurança no trabalho. O artigo 196 da Constituição Federal diz que a saúde é direito de todos e dever do Estado, logo, também é um direito do estagiário.
A parte concedente do estágio deve observar as regras de segurança e medicina do trabalho em relação ao estagiário, devendo ser fornecido ao mesmo os equipamentos de proteção individual (EPI), quando necessário ao desenvolvimento de suas atividades na empresa.
Diferentemente da Lei anterior, que não regulava a carga horária de trabalho, pela nova Lei do estágio, passaram a ser quatro os tipos de jornadas de trabalho previstas para os estagiários. [11]
a) Jornada ordinária: é aquela cumprida durante o período em que o estudante está frequentando as aulas normalmente. De acordo com o dispositivo legal, a jornada neste período fica limitada a 6 (seis) horas diárias e 30 (trinta) semanais.
b) Jornada diminuída: Já os estudantes de educação especial e dos anos finais do ensino fundamental, na modalidade profissional de educação de jovens e adultos, a nova lei do estágio determina que a jornada máxima aceita é de 4 (quatro) horas diárias e 20 (vinte) horas semanais.
c) Jornada diminuída especial: é a jornada realizada pelo estudante no período de provas. O art. 10, § 2º determina que a carga horária pactuada para o estágio neste período deve ser reduzida, à metade, com a finalidade de garantir ao estudante um melhor desempenho.
d) Jornada expandida extraordinária. De acordo com o § 1º do Art. 10, o estágio relativo a cursos que alternam teoria e prática, nos períodos em que não estão programadas aulas presenciais, desde que previsto no projeto pedagógico do curso e da instituição de ensino, poderá ter jornada de até 40 horas semanais.
Além dos direitos acima citados, a concedente do estágio poderá conceder outros benefícios, como, por exemplo, alimentação, plano de saúde e odontológico, sem que fique desnaturado o contrato de estágio, haja vista que a lista de vantagens é meramente exemplificativa.
São os seguintes os deveres da parte concedente do estágio, conforme art. 9º da Lei ora em estudo:
a) celebrar termo de compromisso com a instituição de ensino e educando, zelando por seu cumprimento. No que pertine a parte concedente, sua responsabilidade é ainda maior, uma vez que a falta do documento ou sua irregularidade, fará com que ele seja contestado na Justiça do Trabalho e, se constatada sua nulidade, o vínculo trabalhista se formará com a concedente, inclusive sendo responsabilizada pelos pagamentos decorrentes de tal condenação.
b) oferecer ao estagiário local apropriado para o desenvolvimento de suas atividades de aprendizagem. O contrato de estágio deve ser realizado em um local onde o estagiário possa desenvolver suas atividades práticas, voltadas para a sua área de estudos. De nada adianta o contrato de estágio se o local é inapropriado ou não oferece ao estagiário a possibilidade de aprender na prática.
c) indicar pessoa responsável, com formação na área de conhecimento em que o estágio está sendo desenvolvido, cuja função é orientar, monitorar e fiscalizar o estagiário. O estagiário, com já dito no decorrer deste trabalho, é um estudante, alguém que está em desenvolvimento, está tentando colocar em prática o que tem aprendido na instituição de ensino.
De nada adiantaria oferecer um estágio a um aluno sem que ele possa tirar dúvidas, fazer questionamentos, ou seja, sem que haja alguém para lhe orientar, ou até mesmo lhe advertir sobre os possíveis erros que venha a cometer.
Assim, a norma fixa como obrigatório que a concedente indique um responsável, que deverá pertencer a seu quadro de empregados, com a mesma formação na área de conhecimento do estagiário, e cada empregado poderá supervisionar apenas o máximo de 10 estagiários.[12]
d) fazer a contratação de seguro contra acidentes pessoais em favor do estagiário. Sabemos que o ambiente de trabalho nem sempre é um local seguro, mesmo o estagiário não sendo empregado da empresa, ela deve zelar para que eventual infortúnio ocorrido dentro das suas instalações não prejudiquem o estagiário.
e) ao final do estágio, entregar ao estagiário o termo de realização do estágio, constando um resumo das atividades desenvolvidas no período. Nada mais justo e correto que ao término do estágio, e tendo o estudante cumprido todas as suas obrigação e tarefas, nos moldes estipulados pela concedente e pela instituição de ensino, que lhe seja fornecida a documentação pertinente, de modo que ele possa, não só demonstrar isso para a instituição de ensino, como também acrescentar isso em seu currículo de forma digna.
f) manter organizada a documentação do estágio e dos estagiários, para fins de fiscalização dos órgãos competentes. Como dito, a concedente poderá ser a maior prejudicada em caso de reconhecimento do vínculo de emprego entre ela a o estagiário. Manter organizada a documentação permite que a instituição de ensino, o ministério do trabalho ou até o Juiz do Trabalho, em eventual Reclamação trabalhista, possa reconhecer como válida a condição de estágio.
g) manter a instituição de ensino atualizada, enviando-lhe relatório semestral das atividades desenvolvidas pelo estagiário. Na mesma linha do item anterior, a concedente deve deixar a instituição de ensino ciente de tudo o que está ocorrendo no período de estágio. Eventuais faltas, atrasos, indisciplina, tarefas não realizadas, comprovação de matrícula ou ausência de frequência nas aulas devem ser comunicadas a instituição de ensino, para que juntas possam achar a melhor solução para cada caso.
Já o Art. 5º traz a figura dos agentes de integração, que têm como função identificar oportunidades de estágio, oferecer cadastro de estudantes e fornecer apoio administrativo.
A atuação dos agentes é opcional para a parte concedente, entretanto, caso opte por sua utilização é proibido qualquer tipo de cobrança valores ao estudante, em razão do serviço prestado.
Importante salientar que o § 3º do Art. 5º da Lei do Estágio indica que tais agentes são expressamente responsabilizados civilmente nas hipóteses de indicar estagiário para situações incompatíveis com sua programação curricular.[13]
“§ 3o Os agentes de integração serão responsabilizados civilmente se indicarem estagiários para a realização de atividades não compatíveis com a programação curricular estabelecida para cada curso, assim como estagiários matriculados em cursos ou instituições para as quais não há previsão de estágio curricular.”
Em resumo, os agentes de integração são entidades que visam, principalmente, auxiliar no processo de aperfeiçoamento do estágio, contribuindo na busca de espaço no mercado de trabalho, aproximando, instituições de ensino, estudantes e empresas concedentes de estágio.
A título de exemplo podemos citar o Centro de Integração Empresa-Escola – CIEE[14] e a AGIEL - Agência de Integração Empresa Escola Ltda[15].
Para Amauri Mascaro Nascimento as agências de integração que aproxima o estudante da instituição em que pretende estagiar, não se confunde com a concedente, ou com a instituição de ensino, trata-se de relações jurídicas autônimos e independentes da primeira.[16]
E o Art. 7º que elenca as obrigações da instituição de ensino, nos seguintes termos:
a) Avaliar as condições das instalações da parte concedente, de modo a verificar sua adequação à formação do estagiário. Apesar da parte concedente afirmar que o local onde o estágio será desenvolvido é adequando, tal responsabilidade também pertence a instituição de ensino, que não pode se furtar de avaliar o local do estágio, inclusive propondo mudanças, se for o caso, e eventualmente negar a realização do estágio se o local for inadequado.
b) Indicar professor orientador, com formação na área do conhecimento onde o estágio está sendo desenvolvido, o qual será responsável por acompanhar e avaliar as atividades do estagiário. A concedente deve nomear um responsável para acompanhar o estagiário em suas tarefas, como já dito no tópico anterior. Não seria diferente com a instituição de ensino, que deverá indicar um professor que também será o orientador do estagiário, quando houver dúvidas ou questionamentos a serem esclarecidos.
c) Exigir do estagiário a apresentação frequente, semestralmente, no mínimo, de relatório de suas atividades junto a parte concedente. O estagiário desenvolve suas atividades voltadas para sua área de formação, logo, exigir da concedente relatórios das atividades desenvolvidas permitirá que a instituição de ensino corrija eventuais desvios ou acrescente eventuais faltas, mantendo o foco do estágio apenas em sua área de formação.
d) Cumprir e fazer cumprir o Termo de Compromisso firmado entre as três partes, de modo que o estágio seja realizado de forma efetiva, com aproveitamento prático para o aluno. Cumprir o Termo de Compromisso é obrigação de todos os envolvidos. Ocorre que, ao final do curso, o estudante e ex-estagiário receberá o diploma com o nome da instituição de ensino que lhe concedeu o certificado, logo, é de seu interesse que o estágio e a formação do aluno seja a melhor possível, demonstrando ao mercado de trabalho que seus alunos são bem formados.
Para Mauricio Godinho Delgado, o cumprimento do estágio, tem de ser correto, harmônico ao objetivo educacional que presidiu sua criação pelo Direito, sendo incorreto, irregular, trata-se de simples relação de emprego dissimulada.[17]
O contrato de estágio deve estar atrelado ao princípio da vinculação pedagógica, desta forma, fica repugnada qualquer concepção que o desvirtue, como, por exemplo, instrumento para a distribuição de renda, artifício para se reduzir os custos de reprodução da força de trabalho ou mecanismo para a substituição de mão-de-obra barata e permanente.
O estágio deve estar vinculado de maneira predominante a uma finalidade pedagógica, e jamais a finalidade econômica, sendo certo que o acesso ao estágio, constitui um direito subjetivo do estudante.
Eventual desvirtuamento, decorrente de má aplicação da Lei, poderá desaguar no reconhecimento do vínculo de emprego pela Justiça do Trabalho, em sede de Reclamação Trabalhista. [18]
Em assim sendo, os requisitos para o aluno ser estagiário não devem ser de ordem econômica, sendo ilegal o desvio de finalidade da figura do estágio e a consequente inobservância dos requisitos, por via de consequência poderá ocorrer o reconhecimento do liame de emprego entre o educando e a parte concedente.
A Lei do Estágio traz o regramento para o desenvolvimento válido de tal modalidade contratual. Havendo o descumprimento das normas previstas em referida lei, a consequência será a aplicação do art. 9º da CLT, reconhecendo-se a fraude perpetrada.
Reconhecida a fraude, será determinado o reconhecimento do vínculo de emprego entre o estagiário e a parte concedente, gerando o pagamento de todas as verbas devidas no período reconhecido.
A jurisprudência trabalhista, com base no art. 9º, da CLT, considera fraudulenta a “relação de estágio”, em que um estudante de determinada área é contratado para tarefas totalmente distintas de sua área de formação, em evidente desvio de finalidade do regime de estágio, nestes casos, portanto, o reconhecimento do vínculo de emprego e a condenação do empregador ao pagamento de todos os direitos trabalhistas e encargos sociais.
O princípio da primazia da realidade deve ser um dos principais critérios a ser observado pela Justiça do Trabalho ao aplicar a lei, de modo a saber se um determinado contrato de estágio possui desvio de finalidade.
Assim, compete ao julgador verificar, além dos ares de formalidade, os quais devem ser considerados inafastáveis pela legislação vigente, se o desenvolvimento da relação contratual representa uma fraude, ou seja, se a relação de estágio é um modo acobertado de relação empregatícia, onde o suposto estagiário dá cumprimento aos mesmos afazeres atribuídos aos outros empregados da empresa, nas mesmas condições de trabalho.
Como, por exemplo, cumpre a mesma jornada de trabalho, possui responsabilidades análogas, igual carga de trabalho e com tarefas que fogem ao escopo da área de formação do estudante.
O estagiário, ainda que seja reconhecido legalmente como sujeito de um contrato de estágio, ele não tem o direito de exigir a anotação da carteira de trabalho e previdência social (CTPS), entanto, poderá a parte concedente efetivar o registro do estágio na CTPS, não na área destinada aos Contratos de Trabalho, mas apenas nas páginas denominadas "anotações gerais" da Carteira.
Devem ser lançados dados importantes, como por exemplo, a identificação do curso e a Instituição de ensino a qual ele esteja vinculado, o nome da parte concedente do estágio, as datas de início e término do estágio, valendo lembrar que o prazo máximo do estágio é de 02 (dois) anos, salvo se o estagiário for deficiente.
É razoável que a CTPS seja anotada pela parte concedente do estágio, especialmente porque isso facilita a fiscalização, no sentido de identificar se o órgão concedente está anotando informações importantes relativas à saúde e segurança do trabalho, exames médicos realizados, gozo do recesso anual, o valor que está sendo pago referente a bolsa auxílio e eventuais reajustes, dentre outras informações.
No que pertine ao desvirtuamento de contrato de estágio podemos citar a seguinte jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho, abaixo transcritos:
"(...) RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE. CONTRATO DE ESTÁGIO. PERÍODO DE 6/04/2008 A 5/04/2009. DESCARACTERIZAÇÃO. O art. 3º, § 1º, da Lei n. 11.788/2008, que regulamente o estágio dos estudantes, estabelece como requisito de validade do contrato de estágio que haja acompanhamento tanto pela instituição de ensino quanto pelo supervisor da parte concedente, "comprovado por vistos nos relatórios referidos no inciso IV do caput do art. 7o desta Lei". O descumprimento de quaisquer desses requisitos descaracteriza o contrato de estágio e implica o reconhecimento do vínculo de emprego com a parte concedente do estágio (art. 3º, § 2º). No caso, o Eg. Tribunal Regional entendeu que a "falta de documento comprovando o acompanhamento do estágio pela instituição de ensino, por si só, não é capaz de descaracterizar a relação de estágio firmada". Referido fundamento não encontra amparo no texto expresso da lei. Descaracterizado o contrato de estágio impõe-se o reconhecimento do vínculo de emprego com a reclamada no período. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. (...)" (ARR - 338-57.2013.5.04.0009, Relatora Desembargadora Convocada: Cilene Ferreira Amaro Santos, Julgamento: 27/03/2019, 6ª Turma, DEJT 05/04/2019 - g.n.)
CONTRATO DE ESTÁGIO. LEI N. 11.788/2008. DESCUMPRIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO. O estágio é atualmente regido pela Lei nº 11.788/2008, sendo que esta modalidade de contrato, em regra, não gera vínculo empregatício (art. 3º da Lei n. 11.788/2008). Com efeito, o legislador, ao instituir a possibilidade de contratação de estagiários sem vínculo de emprego, pretendeu proporcionar a estes experiências práticas, enquanto o empregador, ao mesmo tempo, é beneficiado com o trabalho prestado pelo estagiário. Entretanto, em caso de desatendimento das formalidades constantes na referida lei, notadamente o desvirtuamento dos objetivos legais de permitir ganhos educacionais e profissionais ao estudante obreiro, desconfigura-se a relação de estágio. Uma vez comprovada a existência de irregularidades no contrato de estágio firmado entre as partes, que importaram no desvirtuamento de sua finalidade, é de rigor o afastamento da excludente prevista no art. 3º da Lei n. 11.788/2008. Recurso ordinário da reclamada a que se nega provimento. (TRT2. Acórdão. Processo nº 1000068-09.2020.5.02.0241; Órgão Julgador: 12ª Turma. Relator (a): Maria Elizabeth Mostardo Nunes; Data do julgamento: 31/01/2022. Data de publicação: 31/01/2022 - g.n)
CONTRATO DE ESTÁGIO. INVALIDADE. Verificando-se o desvirtuamento do estágio, impõe-se o reconhecimento do vínculo de emprego entre as partes. Apelo ao qual se dá provimento.
(TRT2. Acórdão. Processo nº 1000304-83.2020.5.02.0362; Órgão Julgador: 3ª Turma. Relator (a): Rosana De Almeida Buono; Data do julgamento: 29/04/2021. Data de publicação: 29/04/2021 - g.n)
DIREITO DO TRABALHO. NULIDADE DO CONTRATO DE ESTÁGIO. VÍNCULO EMPREGATÍCIO RECONHECIDO. A inobservância do disposto na Lei nº 11.788/2008 afasta o contrato de estágio e implica no reconhecimento do vínculo de emprego ensejando o pagamento de parcelas salariais e rescisórias, mormente, se foi declarada a revelia da ré. Recurso da reclamada a que se nega provimento, no aspecto.
(TRT2. Acórdão. Processo nº 1001548-46.2019.5.02.0018; Órgão Julgador: 17ª Turma. Relator (a): Carlos Roberto Husek;. Data do julgamento: 20200604. Data de publicação: 04/06/2020 - g.n)
Como pudemos ver, em caso de constatação de fraude na contratação do estagiário ou se houver desvirtuamento do estágio, descumprida a Lei do Estágio, comprovando-se que o estudante ativava-se como força de trabalho na empresa, na atividade empresarial, em sede de reclamação trabalhista, será reconhecido o vínculo de emprego do estudante com a parte concedente do estágio, com sua condenação na anotação em CTPS e pagamento dos consectários legais devidos ao contrato de emprego.
É correta a jurisprudência segundo a qual para a configuração do estágio deve ser observado seu objetivo de complementar o ensino, em conformidade com os currículos e programas, devendo ser punida a empresa concedente que desvirtua o contrato de estágio, como a declaração judicial de reconhecimento da relação de emprego, devendo a concedente arcar com todos os ônus, na qualidade de empregador. [19]
O Estatuto da Advocacia previsto na Lei nº 8.906/94 regula os pressupostos para que bacharéis e estagiários em direito se inscrevam nos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil.
A previsão legal dos estagiários jurídicos está no artigo 9º da referida Lei e dispõe que:
“Art. 9º Para inscrição como estagiário é necessário:
I – preencher os requisitos mencionados nos incisos I, III, V, VI e VII do art.8º; II – ter sido admitido em estágio profissional de advocacia.
§1º O estágio profissional de advocacia, com duração de dois anos, realizado nos últimos anos do curso jurídico, pode ser mantido pelas respectivas instituições de ensino superior, pelos Conselhos da OAB, ou por setores, órgãos jurídicos e escritórios de advocacia credenciados pela OAB, sendo obrigatório o estudo deste Estatuto e do Código de Ética e Disciplina.
§ 2º A inscrição do estagiário é feita no Conselho Seccional em cujo território se localize seu curso jurídico.
§ 3º O aluno de curso jurídico que exerça atividade incompatível com a advocacia pode frequentar o estágio ministrado pela respectiva instituição de ensino superior, para fins de aprendizagem, vedada a inscrição na OAB.
§ 4º O estágio profissional poderá ser cumprido por bacharel em Direito que queira se inscrever na Ordem.”
Sergio Pinto Martins referindo-se aos processos físicos, esclarece que o estagiário que não estiver inscrito na OAB não poderá assinar em conjunto com o advogado ou pegar os autos em carga, mesmo que esteja nos últimos 2 anos do curso de direito.[20]
Com o advento da Lei nº 11.788/2008, não houve a revogação das disposições relacionadas ao estágio no Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, sendo leis distintas, com objetivos diversos: a primeira trazendo a regulação específica referente às questões de estágio e a segunda de um diploma com normas atinentes a profissão do advogado, que inclui também regramentos quanto ao estágio.
A relação de estágio é de total importância para que se evite a manutenção de estagiários em desacordo com a Lei que regulamenta seus contratos, o que caracteriza configuração de relação empregatícia, como já dito anteriormente.
Sergio Pinto Martins assevera que a Lei nº 11.788/2008 não revogou expressamente nenhum dispositivo da Lei n. 8.906/94.[21]
Já para Adalberto Martins, o estágio profissional de advocacia que tem disciplina especifica na Lei 8.906/94 deve ser harmonizar com a lei de caráter geral ( Lei do Estágio ).[22]
9. CONCLUSÃO
O objetivo do presente artigo é apresentar as inovações trazidas pela Lei nº 11.788/2008, também conhecida como Lei do Estágio; tentamos abordar os direitos e obrigações na relação contratual, que deve envolver o estagiário, a parte concedente e a instituição de ensino.
Destacamos que o estagiário deve estar vinculado ao sistema de formação onde ele está matriculado, ou seja, junto à instituição de ensino, visto que o estágio é um ato educativo e não uma simples experiência de trabalho, não estando o estudante ali para oferecer mão de obra barata.
O contrato de trabalho possui similitudes com o contrato de estágio, entretanto, o contrato de trabalho está previsto expressamente na CLT em seu art. 442, já o contrato de estágio é de prestação de serviços, triangular, envolvendo o estagiário, a concedente e a instituição de ensino, é regulado por lei especial, a Lei nº 11.788/2008, e não gera vínculo de emprego entre o estagiário e a concedente, se obedecidos seus regramentos.
O contrato de estágio, por ser ato educativo escolar, é fundamental e necessário para que o estudante possa ter contato com o mundo real, colocando em prática o que está aprendendo na teoria junto a instituição de ensino, para que no futuro seja um profissional melhor.
O estágio é o primeiro passo em direção à conquista de um emprego, a possibilidade de uma iniciação profissional perante a qual se apresenta o recém-formado.
O estudante, no desenvolver do estágio, adquire seus primeiros conhecimentos práticos, conhece pessoas, cria relacionamentos profissionais que no futuro certamente serão de grande valia para o desempenho de sua profissão.
É importante frisar o objetivo pedagógico do estágio, podendo ser realizado em estabelecimento de ensino, na comunidade em geral, ou empresas públicas e privadas, as chamadas concedentes, sob responsabilidade e coordenação da instituição de ensino.
A lei do estágio é moderna, possui regras próprias e atualizadas em relação ao contrato de estágio, trazendo detalhes importantes, que não eram estabelecidas anteriormente, além de ser certamente mais complexa do que a Lei anterior (6.494/1977).
No total a referida lei possui 22 artigos, a lei anterior, a 6.494/1977, tinha apenas 8 artigos, sendo certo que referida lei evita a exploração do estudante pelo concedente ao desenvolver seu estágio.
Ressaltamos que o estágio, ao ser desenvolvido em observância ao que determina a lei não cria vínculo de emprego com o concedente, conforme seu artigo 3º, entretanto, se a norma não for observada, a jurisprudência é firme no sentido do reconhecimento do vínculo, com a condenação de todas as verbas daí decorrentes.
O contrato de estágio deve proporcionar o aprendizado na prática ao estagiário, sob pena de a Justiça do Trabalho reconhecer a existência de fraude no contrato de estágio, por estar em desacordo com a Lei n. 11.788/2008, e reconhecer o vínculo de emprego entre as partes estagiário e concedente, atraindo a aplicação do artigo 9º da CLT.
De se destacar que se o concedente for órgão da administração pública, ainda que reconhecida a nulidade no contrato de estágio por fraude ou desvio, não poderá ser declarado o vínculo, conforme orientação da OJ 366/TST e Súmula 363/TST.
Neste ponto, antes da edição da Lei n. 11.788/2008, havia muitos abusos por parte dos concedentes e era comum o desvirtuamento do estágio. A lei atual é mais rigorosa em relação aos requisitos para avaliação e validade do estágio, possui prazo máximo de duração e limite ao número de estagiários, estabelece direitos aos estudantes, jornada de trabalho, recesso, bolsa, seguro e auxílio-transporte.
Abordamos de forma bem singela a questão do Estagiário Jurídico previsto na Lei n. 8.906/1994, que regula especificamente os estagiários inscritos na Ordem do Advogados do Brasil, e a lei do estágio não revogou as disposições da Lei n. 8.906/1994.
10. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 30. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2014. v. único
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Site: https://www.migalhas.com.br/depeso/70695/nova-lei-dos-estagios--comentarios-as-novas-regras-para-a-contratacao-de-estagiarios-e-aprendizes. Acesso em 20/06/2022
[1] Mestre e Doutora em Direito do Trabalho pela PUC/SP, Professora da Graduação e Pós-graduação na PUC/SP em Direito e Processo do Trabalho, Advogada militante.
[2] Luciano Martinez. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho, 12ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 148, nota de rodapé 19.
[3] Letícia Caroline Braga; Everaldo Da Silva;, Wellington Lima Amorim. Descumprimento do contrato de estágio e a caracterização do vínculo empregatício. Ciências Sociais Aplicadas em Revista, v. 20, n. 38, 2021, p. 62.
[4] Luciano Martinez. Curso de Direito do Trabalho: relações individuais, sindicais e coletivas do trabalho, 12ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021, p. 148.
[6] Amauri Mascaro Nascimento. Curso de Direto do Trabalho. 19ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004. p. 429
[7] Adalberto Martins. Manual didático de direito do trabalho. 7ª ed. Leme-SP: Mizuno, 2022, p. 125.
[8] Carla Teresa Martins Romar. Direito do trabalho esquematizado. Coord. Pedro Lenza – 7ª ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2021. (Coleção Esquematizado®), p. 150.
[9] Sérgio Pinto Martins, Estágio e relação de emprego. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. v. único, p. 29.
[10] Sérgio Pinto Martins, Estágio e relação de emprego. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. v. Único, p. 35
[11] https://www.migalhas.com.br/depeso/70695/nova-lei-dos-estagios--comentarios-as-novas-regras-para-a-contratacao-de-estagiarios-e-aprendizes. Acesso em 20/06/2022.
[12] Thais Mendonça Aleluia. Direito do Trabalho. 4ª edição, Editora JusPodivm, Salvador, 2018, p. 195.
[13] Thais Mendonça Aleluia. Direito do Trabalho. 4ª edição, Editora JusPodivm, Salvador, 2018, p. 196
[16] Amauri Mascaro Nascimento. Curso de Direto do Trabalho. 19ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004. p. 431
[18] Adalberto Martins. Manual Didático de Direito do Trabalho. 2a ed. São Paulo/SP: Malheiros Editores, 2006, p. 126
[19] Amauri Mascaro Nascimento. Curso de Direto do Trabalho. 19ª ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2004, p. 432
[20] Sérgio Pinto Martins. Estágio e relação de emprego. 5. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2019. P. 56
[22] Adalberto Martins. Manual didático de direito do trabalho. 7ª ed. Leme-SP: Mizuno, 2022, p. 127.
Advogado e Mestrando em Direito do Trabalho na PUCSP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, JOÃO FRANCISCO DA. O contrato de estágio – aprender na prática Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 set 2022, 04:50. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59154/o-contrato-de-estgio-aprender-na-prtica. Acesso em: 23 dez 2024.
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