RESUMO: O presente artigo busca tem como objetivo analisar e compreender aspectos legais e doutrinários a respeito da formação da coisa julgada, com enfoque nos limites objetivos, especialmente no que se refere às questões prejudiciais expressa e incidentalmente decididas. A grande inovação trazida pelo Código de Processo Civil de 2015 representa uma grande alteração do pensamento jurídico, bem como de seus impactos causados na jurisprudência que existia a respeito desse tema, sob a égide do Código antigo de 1973. Uma vez que, anteriormente, apenas as questões prejudiciais que tivessem sido transformadas em principais poderiam ser atingidas pela coisa julgada, a fim de se tornarem imutáveis e/ou indiscutíveis. No entanto, atualmente, e ao longo do trabalho isso restará demonstrado, pois com o novo Codex, as questões prejudiciais, ainda que não transformadas em principais, adquirirão o condão de formarem coisa julgada, desde que cumpridos os requisitos cumulativos adiante explanados. A pesquisa foi pautada, principalmente, em artigos de lei e doutrina.
Palavras-chave: Código de processo civil, coisa julgada, limites objetivos, questões prejudiciais incidentais.
ABSTRACT: The purpose of this article is to analyze and understand legal and doctrinal aspects regarding the formation of res judicata, with a focus on objective limits, especially with regard to expressly and incidentally decided prejudicial questions. The great innovation brought about by the Civil Procedure Code of 2015 represents a major change in legal thinking, as well as its impact on the jurisprudence that existed on this subject, under the aegis of the old Code of 1973. Since, previously, only the prejudicial questions which had been transformed into the main ones could be affected by the res judicata in order to become immutable and / or indisputable. However, today, and throughout the course of the work, this will be demonstrated, because with the new Codex, the preliminary questions, although not transformed into the main ones, will be able to form a res judicata, once the cumulative requirements explained below have been met. The research was mainly based on articles of law and doctrine.
Keywords: Code of civil procedure, res judicata, objective limits, incidental harmful questions.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho cientifico terá por finalidade tecer considerações a respeito das inovações legislativas trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, mais precisamente, sobre a possibilidade de formação da coisa julgada a respeito das questões prejudicais decididas expressa e incidentalmente no curso do processo.
Assim sendo, o presente artigo será dividido em quatro capítulos. No primeiro capitulo será discutido o conceito, as espécies, a aplicabilidade e os limites (objetivos e subjetivos) da coisa julgada. O segundo capítulo discorrerá sobre as questões prévias, divididas em prejudiciais e preliminares. O terceiro realizará breves comparações a respeito da mudança havida entre o CPC/73 e 2015 no que tange à coisa julgada, abordando também os requisitos necessários para tal fim. E por fim, o quarto e último capítulo visará trazer alguns exemplos a respeito da aplicabilidade da coisa julgada sobre as questões prejudiciais incidentais.
Para alcançar o desiderato cientifico proposto, será utilizada a metodologia doutrinária, legalista, além da interpretação e leitura realizadas em periódicos, artigos científicos, livros, alguns julgados jurisprudências, entre outros.
Por fim, o objeto deste trabalho cientifica voltará, ainda que de modo não exaustivo, a realizar uma análise a respeito das inúmeras modificações e inovações legislativas do NCPC, dentre elas, as relativas à coisa julgada, especialmente no que tange às questões prejudiciais, conforme prevê os arts. 469, inciso III, art. 470 e arts. 503, §1º e 2º e art.504 do NCPC/15.
1. COISA JULGADA E QUESTÕES PRÉVIAS: PRELIMINARES E PREJUDICIAIS
1.1 Conceito
A definição de coisa julgada, que seria a tradução literal da expressão latina res judicata, sofreu inúmeras e importantes modificações com o advento do novo Código de Processo Civil, tornando-se mais ampla e reafirmando-se como um dos pilares da segurança jurídica, ao passo em que não representa um entrave para a celeridade processual e para o acesso à justiça.
A coisa julgada também se encontra prevista na Constituição Federal de 1988, em seu art.5º, inciso XXXVI, que expressamente aduz que a lei não prejudicará o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada, considerados como os três pilares da segurança jurídica.
O legislador infraconstitucional também tenta conceituar a coisa julgada no art. 6º, §3º da LINDB (Lei de introdução às normas do Direito Brasileiro) e no artigo 502 do NCPC.
Assim, a coisa julgada consiste na imutabilidade e indiscutibilidade de qualquer decisão judicial, seja ela terminativa ou definitiva. Já no que tange ao alcance da coisa julgada, tem-se que esta pode ser formal ou material.
1.2. Coisa julgada formal e material
Inicialmente, faz-se necessário estabelecer e conceituar as distinções entre sentenças terminativas e definitivas previstas, respectivamente, nos artigos 485 e 487 do NCPC.
A sentença é responsável por findar a fase cognitiva do procedimento comum, assim como da execução e quando resolve o mérito tem-se uma sentença definitiva, que após o trânsito em julgado faz coisa julgada material e formal.
No entanto, nem toda sentença resolverá o mérito da causa, são as chamadas sentenças terminativas que produzem apenas o efeito formal (coisa julgada formal) responsável por extinguir a relação processual entre autor, juízo e réu sem a resolução do mérito e, portanto, não gera reflexos sobre o direito material.
Desta forma, a coisa julgada formal opera-se quando a sentença transita em julgado e, em razão da extinção da relação processual, nada mais pode ser discutido naquele processo. Entretanto, por não haver qualquer alteração qualitativa ou repercussão no direito material, nada impede que o autor ajuíze outra ação, a fim de obter a decisão de mérito. (DONIZETTI, 2017).
Por sua vez, a coisa julgada material que também se forma após o transito em julgado, não só encerra a relação processual, mas compõe o litígio, havendo, portanto, modificação qualitativa na relação de direito material subjacente ao processo. (DONIZETTI, 2017).
Segundo o autor Alexandre Freitas Câmara, pode-se sintetizar que as sentenças terminativas em geral ficam sujeitas à preclusão As sentenças terminativas resultantes de indeferimento da petição inicial, de ausência de pressuposto processual ou de “condição da ação” ou da existência de convenção de arbitragem ou de pronunciamento de árbitro ou tribunal arbitral que reconheça sua competência são alcançadas pela coisa julgada formal, só se admitindo a repropositura da demanda se o obstáculo à apreciação do mérito for removido. Por fim, as sentenças de mérito são alcançadas pela coisa julgada material, não se admitindo, em hipótese alguma, que a mesma demanda seja novamente proposta. (CÂMARA, 2017).
A título de exemplificação, pode-se citar o pedido de indenização por danos materiais decorrentes de ato ilícito que é julgado improcedente em virtude da não caracterização do ato ilícito imputado ao réu. Uma vez transitada em julgado a sentença, o autor propõe nova demanda, agora objetivando o ressarcimento pelos danos morais decorrentes do mesmo fato. (DONIZETTI, 2017).
Nesse caso, a solução não pode ser outra senão o reconhecimento da coisa julgada e a consequente extinção da nova ação, sem resolução do mérito. Ora, conquanto não sejam idênticos os três elementos da demanda, o provimento jurisdicional no sentido de que inexiste ato ilícito e, portanto, dever de indenizar por parte do réu, está acobertado pela coisa julgada material, impedindo nova discussão sobre o tema. Não fosse assim, estar-se-ia permitindo a rediscussão eterna de uma mesma matéria, bastando, para tanto, a simples alteração em um dos elementos da primitiva ação (DONIZETTI, 2017).
1.3 Limites da coisa julgada
De acordo com o novo Código de Processo civil, segundo o art. 503, aplicável à coisa julgada material, a sentença que julgar total ou parcialmente o mérito tem força de lei nos limites da questão principal expressamente decidida, impossibilitando sua rediscussão não só no processo originário, como em qualquer outro. Desta forma, os efeitos da coisa julgada material projetam-se para fora do processo, o que se denomina preclusão extraprocessual.
Já a coisa julgada formal tem eficácia restrita aos limites do processo extinto, ou seja, impede a discussão das questões da lide naquele processo, mas não da apreciação da matéria em outra relação processual, fenômeno ao qual se denomina preclusão endoprocessual.
1.3.1 Limites objetivos
Uma vez formada a sentença com a obtenção da coisa julgada, aquela se torna imutável e deve ser compreendida dentro de certos limites (objetivos e subjetivos). Reputa-se necessário, neste momento, analisar quais são esses limites objetivos, ou seja, é preciso verificar o que se torna imutável e indiscutível com a coisa julgada.
Segundo o autor Elpídio Donizetti (2017), no relatório inexiste julgamento, mas sim narração, exposição da marcha do procedimento e nada do que consta no relatório faz coisa julgada.
Na fundamentação ou motivação, inexiste julgamento, mas estabelecimento das premissas da conclusão, já na motivação, o juiz expõe as razões do seu convencimento, os motivos pelos quais vai dirimir a lide desta ou daquela forma. Assim, como também não há julgamento nesta etapa, nada do que foi assentado na motivação faz coisa julgada, ainda que os motivos tenham sido importantes para determinar o alcance do dispositivo, conforme dispõe o art. 504, I do NCPC. (DONIZETTI, 2017).
Em contrapartida, faz coisa julgada entre os partícipes da relação processual aquilo que aparece no dispositivo ou conclusão da sentença, pois é nessa parte que o juiz julga. Mas o que julga o juiz? Ou melhor, o que estará acobertado pela coisa julgada? Vejamos o que nos diz o autor Elpídio Donizetti:
Em razão do princípio da congruência, a sentença deve constituir resposta precisa e objetiva ao pedido do autor e também a eventual pretensão do réu, formulada em ação dúplice, em reconvenção ou como pedido contraposto. Não pode decidir aquém, além, nem fora do pedido, sob pena de nulidade do ato decisório. A sentença deve compor a lide, que se revela pelo pedido, devidamente fundamentado. Ora, se a sentença – referimo-nos ao dispositivo – só pode recair sobre o mérito, forçoso é concluir que os limites objetivos da coisa julgada são o pedido e a respectiva fundamentação. (DONIZETTI, p.732, 2017).
No entanto, o autor supracitado faz a ressalva de que para a formação da coisa julgada não basta que a questão esteja presente nos pedidos formulados pelo autor ou pelo réu, pois é indispensável que haja apreciação do tema na parte dispositiva da sentença, uma vez que se a sentença for omissa quanto a um dos pedidos, não se formará coisa julgada com relação a ele, já que não há sentença implícita no nosso ordenamento jurídico.
A coisa julgada jamais poderá alcançar fatos essenciais - ou causas de pedir- não levados ao processo pela parte, pois apenas as questões efetivamente afirmadas pelas partes e que compõem o mérito da causa é que constituem objeto dos limites objetivos da coisa julgada. Nesse sentido, orienta-se a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ, 2.ª Turma, REsp 861.270/PR, rel. Min. Castro Meira,j. 05.10.2006, D] 16.10.2006, p. 358). (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2016).
1.3.2 Limites subjetivos
Os limites subjetivos são regidos pelo art. 506 do NCPC e alcançam as partes da demanda, de modo que não possuem o condão de prejudicar terceiros estranhos à lide, mas nada impede que estes possam se beneficiar da decisão.
Segundo o autor Alexandre Freitas Câmara (2017) um exemplo disto é o processo no qual os sujeitos de um contrato garantido por fiança litigam a respeito de se o contrato já foi ou não inteiramente cumprido pelo devedor, sem que do processo participe o fiador. Pois a coisa julgada formada sobre sentença que afirmasse que o contrato ainda não foi cumprido não seria capaz de prejudicar o fiador, o qual estaria livre para, em processo futuro, tornar a suscitar a discussão acerca da extinção da obrigação principal (CÂMARA, 2017).
De outro lado, porém, a coisa julgada formada sobre sentença que afirmasse que o contrato principal já fora integralmente cumprido poderia ser invocada pelo fiador, por ela beneficiado sem ter participado do processo (já que, extinta a obrigação principal, extingue-se também a fiança). (CÂMARA, 2017).
O Autor faz considerações também a respeito do alcance subjetivo da coisa julgada no que se refere à sucessão mortis causa e por ato inter vivos (uma vez que alcançam os sucessores). Observe.
É que na sucessão, o sucessor ocupa a mesma posição jurídica que antes era ocupada pelo seu antecessor. E isto se aplica tanto aos casos de sucessão mortis causa [...], como nos casos de sucessão resultante de ato inter vivos. Pense-se, por exemplo, no caso de se ter formado coisa julgada no processo entre A e B no qual estes disputavam a propriedade de um bem, tendo sido declarada a propriedade de A. Este, posteriormente, vende o bem a C. Evidentemente, não poderá B disputar com C a titularidade do bem [...], ao argumento de que C não foi parte naquele processo. C, sucessor (inter vivos) de A, é alcançado pela coisa julgada, inserindo-se em seus limites subjetivos. (CÂMARA, p.274, 2017).
Também faz necessário destacar que a coisa julgada e os seus limites subjetivos alcançam a substituição processual– isto é, naqueles casos em que um legitimado extraordinário atua no processo no lugar do legitimado ordinário – a coisa julgada alcança a ambos, substituto e substituído. Aquele é alcançado por ser ele parte da demanda (demandante ou demandado) e este é alcançado pela coisa julgada por ser ele o verdadeiro titular do interesse em disputa. (CÂMARA, 2017).
1.3.3 Questões prévias: preliminares e prejudiciais
As questões processuais costumam ser classificadas como prévias e principais. Estas correspondem aos objetos dos pedidos formulados pelo autor (e.g. condenação do réu ao pagamento de quantia certa), pelo réu (e.g. improcedência do pleito autoral) ou por terceiro (e.g. em uma intervenção de terceiros).
Já as questões prévias são aqueles que precedem a análise da questão principal e subdividem-se em: prejudiciais e preliminares, a depender do seu conteúdo.
São consideradas preliminares as questões, notadamente processuais, que impossibilitam ou postergam a resolução do mérito que, por sua vez, são classificadas em peremptórias e dilatórias. As primeiras são preliminares que causam o impedimento ao exame do mérito, resultando na extinção do incidente ou do processo, sem resolução do mérito, caso não sejam sanadas no tempo hábil. (ALVIM, 1977).
Já as dilatórias são preliminares que apenas têm o condão de adiar resolução do mérito, porém não possuem aptidão para extinguir a lide, a exemplo da incompetência relativa ou absoluta do juízo, suspeição ou impedimento do juiz, conexão, etc. (ALVIM, 1977).
No que se referem às questões prejudiciais, estas podem ser entendidas como aquelas atinentes à existência, inexistência ou modo de ser de uma relação ou situação jurídica que, embora não constituam propriamente o objeto da pretensão, são importantes para o alcance da solução desse mérito. Por exemplo, a definição da paternidade numa ação de alimentos, ou sobre a validade do contrato em demanda condenatória ao cumprimento de obrigação contratual. (ALVIM, 1977).
2. COISA JULGADA E A QUESTÃO PREJUDICIAL NO CPC DE 1973 E 2015
No regime anterior previsto no CPC/73, apenas a decisão pertinente ao pedido principal era capaz de ser alcançado pela coisa julgada material, embora as questões prejudiciais fossem analisadas ou enfrentadas não eram decididas.
Caso a questão principal não se tornasse objeto de pedido expresso e determinado, ela jamais viria a se tornar imutável e/ou indiscutível, este tratamento é similar ao dado a “verdade dos fatos” e “aos motivos”, ainda que determinantes para o alcance da decisão. Por esta razão, o art. 469, inciso III do CPC/73 aduzia que não fazia coisa julgada a apreciação da questão prejudicial decidida incidentemente no processo. (REDONDO, 2015).
Assim, para que a questão prejudicial viesse a se tornar imutável e/ou indiscutível era necessário que se transformasse em questão principal.
Diferentemente do Código antigo, o Novo Código de Processo Civil de 2015 trouxe relevantes e importantes modificações acerca da formação de coisa julgada sobre as questões prejudiciais, conforme se verifica nos §§1º e 2º do art. 503 do NCPC.
Com o novo Codex, fora permitida a formação de coisa julgada material, inclusive, sobre questões prejudicais, ainda que não tenham sido objeto de pedido da parte. No entanto, para que isso seja possível faz-se necessário que tenham sido expressamente discutidas por ambas as partes, apreciadas incidentalmente por juízo dotado de competência absoluta para resolvê-las e inexistam restrições probatórias ou limitações à cognição para o aprofundamento do debate sobre a dita questão. (REDONDO, 2015).
Prestados esses esclarecimentos, passamos agora a analisar os requisitos listados acima que tornam possível a formação de coisa julgada sobre questão prejudicial.
2.1 Requisitos
2.1.1 A questão seja prejudicial
Inicialmente, exige-se que o ponto prejudicial se transforme em questão, isto é, que o ponto seja controvertido, uma vez que somente haverá coisa julgada se não houver acordo entre as partes sobre determinado tema. Inexistente a controvérsia, questão não haverá, razão pela qual o ponto prejudicial não será alcançado pela coisa julgada material. (REDONDO, 2015).
É necessário, ainda, que a questão prévia controvertida tenha natureza de prejudicial, isto é, que de sua resolução dependa o julgamento de mérito, tal como exigido pelo inciso I do §1º do art. 503.
2.1.2 A decisão que versa sobre a questão prejudicial deve ser expressa e incidental
O segundo requisito está atrelado à exigência legal de que a questão prejudicial seja expressa e incidentalmente decidida, nos termos do art. 503, §1º do NCPC.
Nos dizeres de Bruno Garcia Redondo (2015), o julgador deve manifestar-se, de forma expressa, clara, analítica e fundamentada, sobre a questão prejudicial, já que se uma questão for debatida pelas partes, mas não venha a ser apreciada na decisão, sobre ela não haverá a formação de coisa julgada. Assim, todas as exigências processuais a respeito da existência, validade e eficácia da decisão sobre a questão principal aplicam-se, integralmente, à solução dada às questões prejudiciais.
Além disso, é imprescindível que a questão prejudicial seja incidentalmente decidida, isto é, que ela não constitua o objeto do pleito principal. Pois, se a prejudicial fosse objeto de pedido, já existiria a formação de coisa julgada por força do art.503, caput, e não do §1º.
Ainda, é necessário também que haja manifestação judicial expressa na fundamentação da sentença para que a questão prejudicial seja acobertada pela coisa julgada. Contudo, se houver decisão expressa, mas inexistir impugnação da parte contrária, haverá preclusão da questão prejudicial incidental. (DONIZETTI, 2017).
2.1.3 Deve haver contraditório prévio e efetivo sobre a questão prejudicial
O terceiro requisito está previsto no inciso II do art. 503 do CPC/15 e exige, para a formação da coisa julgada, que a questão prejudicial tenha sido objeto de um contraditório prévio e efetivo, excetuando-se os casos de revelia.
Para Bruno Garcia Redondo (2015) a lei exige um verdadeiro debate, substancial, sobre o ponto que se apresente como um antecedente lógico e necessário à solução da questão principal, além de que ele seja prévio efetivo (substancial). Caso o contraditório seja meramente formal, não haverá formação de coisa julgada.
Para a efetividade do contraditório, é imperioso que os demandantes compreendam que a questão levantada no processo seja relevante para a resolução da demanda. Ressalte-se que, no Processo Civil há o princípio da disponibilidade do contraditório, isto é, se as partes tiverem ciência de que a questão prejudicial foi suscitada e, ainda assim, mantiverem-se inertes à instrução jurídica e fática, em regra, tal fato não possui o condão de impedir a decisão expressa do juiz sobre tal questão. (ELIEZER, 2017).
Para o doutrinador Elpídio Donizetti (2017), nesse caso o contraditório é mais forte do que aquele inerente às questões principais, pois não há como a coisa julgada se estender à questão prejudicial quando, por exemplo, ocorrer revelia do réu, exatamente porque, nesse caso, não houve contraditório efetivo. Ao réu foi oportunizada a manifestação, mas ele não se manifestou. Há coisa julgada em relação à questão principal, mas não pode haver coisa julgada em relação às questões prejudiciais, tendo em vista a excepcionalidade da sistemática trazida pela nova legislação.
2.1.4 A competência absoluta do juízo para resolver a questão prejudicial como se principal fosse
O quarto requisito está relacionado à competência absoluta do juízo para resolver a questão prejudicial incidentalmente decidida como se questão principal fosse, conforme dispõe o inciso III do §1º do art. 503.
Exemplificando, numa ação previdenciária de pensão por morte em que se discuta a união estável entre os companheiros, tal análise é possível por ser um requisito para a obtenção da pretensão final, no entanto, sobre esta questão não se pode formar coisa julgada, uma vez que se fosse decidir somente a respeito da união estável a competência absoluta seria da vara de Família, na Justiça Estadual e não na Justiça Federal.
Ainda, a exigência de que o juiz detenha competência material, isto é, competência absoluta para julgar em caráter principal a questão prejudicial, configura-se apenas como um requisito para a incidência da coisa julgada. Deste modo, o juiz ainda poderá dirimir a questão. (TALAMINI, 2016).
Complementando, o autor Elpídio Donizetti (2017) esclarece que tais requisitos, à luz do entendimento firmado no Enunciado 313 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), são cumulativos e que a resolução da questão prejudicial nos moldes da nova sistematização independe de requerimento expresso da parte interessada, eis que decorre da própria lei.
Nesse sentido, estabelece o Enunciado 165 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:
Independentemente de provocação, a análise de questão prejudicial incidental, desde que preencha os pressupostos dos parágrafos do art. 503, está sujeita à coisa julgada.
2.1.5 A inexistência de restrições probatórias e de limitações à cognição
O quinto e último requisito aduz que se existir restrições probatórias a analise da questão prejudicial ou, se por qualquer outro motivo, a profundidade de sua cognição for limitada, a decisão sobre ela não fará coisa julgada, conforme disciplina o §2º do art.503 do NCPC.
O autor Breno Garcia Redondo (2015) nos ensina que a regra aparenta falsa simplicidade, uma vez que exige considerações mais profundas, sob pena de se impedir, indevidamente, a formação de coisa julgada em casos nos quais ela deveria ocorrer. Em relação às provas, o comando geral é a de que os procedimentos permitam ampla instrução probatória, bem como a produção de todos os meios de prova. No entanto, excepcionalmente, alguns procedimentos podem apresentar restrições probatórias, por força de lei pela vontade das partes.
No que diz respeito à cognição, o comando geral é também no sentido de que o Direito Processual Civil os procedimentos ensejem uma cognição irrestrita no sentido horizontal (cognição plena), cuja finalidade está atrelada à permissão do exercício das garantias constitucionais da ampla defesa e do acesso à justiça — além do mais profundo possível no plano vertical (cognição exauriente). (REDONDO, 2015).
3. EXEMPLOS DA APLICAÇÃO DA COISA JULGADA SOBRE A QUESTÃO PREJUDICIAL DECIDIDA INCIDENTAL E EXPRESSAMENTE NO PROCESSO.
A título de exemplo, pode-se citar uma ação que busca a prestação de alimentos, em que temos a filiação como sendo uma questão prejudicial a qual deve ser decidida previamente, já que influenciará diretamente na questão principal da lide. Isso se deve ao fato de que uma vez verificado que o réu não é o pai do alimentando, nada é devido. (MANSUR, 2016).
Conforme já salientado, as questões prejudiciais podem ser principais ou incidentais.
Assim, no caso do exemplo citado, se a ação de alimentos fosse cumulada com a investigação de paternidade ter-se-ia a filiação como questão prejudicial posta como questão principal, já que sobre ela há pedido específico. Contudo, a situação seria outra caso fosse ajuizada somente a Ação de Alimentos, uma vez que se teria a filiação como questão prejudicial incidental, já que apesar de não haver pedido específico, é imperioso aferir-se se o autor é ou não filho do réu. (MANSUR, 2016).
Pode-se citar também a ação de cobrança de aluguéis, em que é prejudicial ao direito à condenação a existência de contrato de locação. Nesses casos, a solução da primeira questão (a existência de locação) condiciona o conteúdo do julgamento da segunda questão (o direito aos aluguéis): se o juiz resolve que inexiste locação, logicamente também inexiste direito aos aluguéis. Contudo, ao revés, se afirmar existente a locação, então deve considerar outras questões (por exemplo, a existência de inadimplemento para os aluguéis) para julgar o direito aos aluguéis. (MARINONI, ARENHART, MITIDIERO, 2017).
CONCLUSÃO
Na conclusão do presente estudo, verificou-se não é uma qualidade, tampouco efeito da sentença, em verdade, trata-se de uma situação jurídica que se modifica no momento em que a sentença transforma-se de instável para estável.
Faz-se referência também a modificação ocorrida com o CPC/2015 em relação ao CPC/1973, trazendo a inovação legislativa de que as questões prejudiciais decididas expressa e incidentalmente no processo possuem o condão de tornar-se imutáveis.
Ainda, pode-se observar também uma alteração no alcance da coisa julgada, que ampliou os seus limites objetivos. Além disso, foram citados também cinco requisitos trazidos pelo Código.
Por fim, nota-se que a formação de coisa julgada sobre as questões prejudiciais incidentais acarretou uma grande inovação legislativa e que vem gerando grandes efeitos nos processos iniciados após a vigência do Código, trazendo importantes consequências jurídicas, como por exemplo, a questão da ação de alimentos e reconhecimento da paternidade acima citadas.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BRASIL. Código de Processo Civil. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13105.htm>. Acesso em: 15/05/2018.
DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de Direito Processual Civil. Ed 20ª. São Paulo: Atlas, 2017.
Câmara, Alexandre Freitas. O novo Processo Civil brasileiro. Ed. 3ª. São Paulo: Atlas, 2017.
MARINONI, L.; ARENHART, S.; MITIDIERO, D. Novo Código de Processo Civil comentado. Ed. 3ª. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.
REDONDO, Bruno Garcia. Questões prejudiciais e limites objetivos da coisa julgada no novo CPC. Revista de processo, São Paulo: RT, out 2015.
TALAMINI, Eduardo. Questões prejudicais e coisa julgada. Disponível em:< http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI235860,101048Questoes+prejudiciais+e+coisa+julgada>. Acesso em: 11/05/2018.
MANSUR, Sâmea Luz. Coisa julgada em questões prejudiciais incidentais no Novo Código de Processo Civil. Disponível em:< https://samealuz.jusbrasil.com.br/artigos/385516585/coisa-julgada-emquestoes-prejudiciais-incidentais-no-novo-codigo-de-processo-civil>. Acesso: 30/04/2018.
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Advogada e pós-graduada em Direito Processual Civil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PAIXAO, Audrey Karen Prado. A formação de coisa julgada sobre as questões prejudicais incidentais e a ampliação dos seus limites objetivos à luz do novo código de processo civil Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 set 2022, 04:34. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59165/a-formao-de-coisa-julgada-sobre-as-questes-prejudicais-incidentais-e-a-ampliao-dos-seus-limites-objetivos-luz-do-novo-cdigo-de-processo-civil. Acesso em: 23 dez 2024.
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