REGINA SOUZA
(orientadora)
RESUMO: O crime de feminicídio, tipificado no Código Penal brasileiro pela Lei nº 13.104/2015, decorre da construção de gênero pautado na desigualdade entre homens e mulheres e do patriarcado. À luz dessa objeção, a análise histórica examina questões culturais e sociais, que justificam a perspectiva de inferioridade criada pelo sexo masculino sobe a figura feminina. Traz em seu decorrer, referências de estudiosos para melhor compreensão dessa problemática, estes, entendem o sistema patriarcal como principal fator a que se deve a violência contra a mulher. O sistema patriarcalista sugere que ao homem é dado o papel principal na sociedade, principalmente em relação ao poder, e à mulher um papel secundário, ficando à mercê somente de seu lar e a educação de seus filhos. Ainda que atualmente a mulher venha conquistando o seu espaço em diversos setores, esse tipo de violência e, sobretudo, o feminicídio, chegam ao poder judiciário todos os dias no Brasil, fato este que leva-se a compreender a complexidade do fenômeno. É indispensável um olhar voltado à saúde pública e a discussão de gênero para que haja um progresso efetivo frente a esse cenário repugnante.
Palavras-chave: Feminicídio. Patriarcalismo. Violência contra a mulher.
ABSTRACT: The crime of femicide, typified in the Brazilian Penal Code by Law nº 13.104/2015, stems from the construction of gender based on inequality between men and women and patriarchy. In light of this objection, the historical analysis examines cultural and social issues, which justify the perspective of inferiority created by the male sex on the female figure. It brings in its course, references from scholars for a better understanding of this problem, they understand the patriarchal system as the main factor to which violence against women is due. The patriarchal system suggests that men are given the main role in society, especially in relation to power, and women are given a secondary role, being at the mercy only of their home and the education of their children. Although women are currently gaining space in various sectors, this type of violence and, above all, femicide, reach the judiciary every day in Brazil, a fact that leads to an understanding of the complexity of the phenomenon. It is essential to look at public health and the discussion of gender so that there is effective progress in the face of this disgusting scenario.
Keywords: Femicide. Patriarchy. Violence against women.
1 INTRODUÇÃO
O crime de feminicídio positivado no ordenamento jurídico brasileiro e praticado ao longo dos séculos na sociedade, tem-se na maioria dos feitos, a figura masculina como polo ativo. Este crime de gênero, em sua forma mais aguda, culmina na morte de mulheres e relaciona-se com o fato de que, socialmente a figura feminina, ainda é vista como vulnerável e inferior. Todavia, as raízes desse tipo penal se pautam em decorrências de questões culturais e sociais. Uma vez que a própria sociedade estabelece padrões de conduta aos homens e mulheres, se torna oportuno e propício a perpetuação da violência de gênero. É amparado a essa distinção que se origina a desigualdade entre ambos os sexos, a qual deprecia o gênero em razão de ser feminino
O sistema patriarcal sobre o qual a sociedade foi arquitetada, perdurou e se enraizou, sendo campo fértil para cultura machista, a qual reflete em espaços públicos e privados. O “direito” que o homem pensa que detém, de domínio e controle sobre suas companheiras, bem como, de se fazer serventia da violência para tanto, passou a ser validado e admitido pela sociedade.
Ao que se concerne às espécies de violência contra a mulher, de acordo com a Lei Maria da Penha, Lei nº 11.340 promulgada em 2006, pode ser física, psicológica, sexual, econômica, e doméstica, entende-se, portanto, que a mulher sofre violência e discriminação de todas as maneiras.
Ainda que nas últimas décadas tenha havido progressos em relação à garantias e direitos, a mulher ainda se esbarra em conflitos para encarar barreiras proveniente do acúmulo de atribuições oriundas de sua integração ao mercado de trabalho e administração da vida familiar, às quais abrangem as atribuições de cuidado e educação dos filhos, nas tarefas domésticas, das responsabilidade do trabalho formal, da“harmonia” no relacionamento amoroso, na atenção com a sua estética numa sociedade assentada em aparências, entre outras responsabilidades. Apesar de algumas evoluções, são raros os homens que assumem a divisão de obrigações de manutenção dos deveres da vida familiar.
A fim de contextualizar essa problemática, este artigo tem o escopo de entrelaçar reflexões ao que se refere a cultura do patriarcalismo na construção de gêneros, em seguida, faz-se necessário um olhar voltado ao quesito jurídico, aplicação, e o tratamento dado pela lei brasileira sobre essa hediondez, que muito embora os legisladores tenham tipificado esse delito no código penal, há adversidades no tocante a sua efetividade. Assim, contudo, o crescimento refletido pela instuição da qualificadora do feminicídio, a taxa de assassinatos de mulheres justificados pelo seu sexo é progressivo no Brasil.
Por fim, o estudo traz levantamentos de casos reais e concretos de feminicídios que repercutiram em nível nacional, que ao observar isoladamente as motivações que levaram tal feminicidas a cometerem o referido delito, nota-se o animus necandi ligado a razões que evidenciam resquícios da cultura da objetificação e inferioridade feminina, evidenciando o machismo.
2 O LEGADO DA CULTURA PATRIARCAL NA ESTRUTURAÇÃO DA CULTURA DE GÊNEROS
A desigualdade de gênero surge a partir do instante em que são concedidas estereótipos relacionados aos homens e às mulheres, logo que nascem. A masculinidade e a feminilidade são construídas socialmente. Na medida em que a masculinidade é ligada ao sexo masculino, sendo traçado como sendo o sexo mais racional e menos sentimental, aptidão sexual desenvolvida, brutalidade e superioridade. Desde a infância, os meninos são educados a serem “machos” e bravios. Já a feminilidade é relativo ao sexo feminino, a qual sustenta a ideia de sensibilidade, sentimentalismo, fragilidade e passividade. A menina é disciplinada com o objetivo de se tornar uma “boa” moça e ter “bons” modos.
A partir dessa concepção, designa-se a divisão de tarefas, concedendo ao homem o setor público e à mulher, o setor privado. Ao passo que verifica Pinho (2005, p. 56) “É no ambiente doméstico, hoje, e desde os tempos mais remotos, que se elaboram as estruturas de distribuição de poder e se prepara a mulher para a submissão e o homem para exercer a dominação.”
A discrepância de gênero é fato histórico e possui intervenção de mitologias, crenças religiosas e ciência, as quais auxiliaram para a estruturação das relações desiguais entre os homens e as mulheres. Neste sentido, explana Puleo
[...] na Grécia, os mitos contavam que, devido à curiosidade própria de seu sexo, Pandora tinha aberto a caixa de todos os males do mundo e, em conseqüência, as mulheres eram responsáveis por haver desencadeado todo o tipo de desgraça. A religião é outro dos discursos de legitimação mais importantes. As grandes religiões têm justificado ao longo dos tempos os âmbitos e condutas próprios de cada sexo.
Assim sendo, a sociedade é que cria estereótipos para os sexos e constrói, mesmo que espontaneamente, ao estabelecer um molde de condultas apoiado na diferença de sexo, conservando esses valores de gerações em gerações. Nessa linha de raciocínio, outro grupo de teóricos sustenta a definição de gênero como sistemas culturais. Senão, veja-se o que explanam Carvalho e Nascimento:
Esse marco ressalta as diferenças entre homens e mulheres sustentados por dois sistemas imensuráveis que moldam, respectivamente, desde a infância, homens e mulheres. Essas trajetórias é que seriam as responsáveis pelas diferenças entre homens e mulheres a partir do fortalecimento de valores culturais, formando subculturas na sociedade. ( CARVALHO, Marilia Gomes; NASCIMENTO, Tereza Cristina. 2001, p. 4)
A discussão acerca dos direitos e da defesa das mulheres tem progredido nos últimos tempos, porém ainda se mostra delimitado pelas idealizações e pelos feitos da cultura patriarcal. Se faz necessário a reflexão sobre as medidas cabíveis voltadas à prevenção através das razões que aduziram para os reflexos violentos, tais como os ligados às condições sociais, econômicas, políticas e culturais
É de extrema importância ressaltar as lutas feministas de resistência em defesa dos direitos humanos fundamentais, que engloba o gênero em tela, revelando-se à identidade empregada por uma pessoa com base em seus genitais, sua atribuição na sociedade, suas diferenças sociais, e papéis adotados pelo sentir, pensar e agir.
Ao que concerne às dificuldades enfrentadas pelas mulheres, no tocante à desigualdade, frequentemente é motivado como “normal”, uma vez que sempre houveram injustiças nesse sentido, em todos setores, elas se estabelecem em um nível de segunda classe na sociedade, e isso é nítido e inquestionável.
Godelier (1982), apoiado em novas pesquisas antropológicas, concorda com o pressuposto de que sempre verificou-se uma hierarquia de poderes, em razão da qual os poderes cabem aos homens.
O pensamento machista está cravado em virtude das manifestações do patriarcado nas conexões entre os sexos. Não obstante, na proporção em que as sociedades evoluíram as as maneiras de discriminação contra a mulher igualmente se modificaram, tornaram-se requintadas, sofisticadas, o que não justifica ser menos intolerável:
A inferioridade e incapacidade das mulheres foram sendo adquiridas com o seu encerramento no lar, paralelamente e uma dependência sexual agravada. Com o passar dos milênios e a estruturação das sociedades de classe, a divisão dos papéis se solidificou. Passou a ser acompanhada de um trabalho ideológico que tende a racionalizar e a justificar a inferioridade das mulheres, sua segregação, e que encontra sua expressão nos mitos dos povos primitivos. [...] uma constante permanece: a inferioridade das mulheres, seu confinamento nos papéis tradicionais (ALAMBERT, 1986, p. 94).
Observa-se em ambientes domésticos onde trabalham homens e mulheres, em média, ambos empregam tempos iguais para realizar o trabalho, contudo, à mulher ainda é acometida de injusta divisão das tarefas domésticas e da educação dos filhos, suportando-se assim, com uma dupla jornada de trabalho.
A jornada do trabalho profissional, a manutenção da organização e afazeres domésticos, o empenho matrimonial, em muitas ocasiões, dificulta a mulher com os cuidados pessoais. É habitual, que a mulher se sinta produto de mercadoria, uma vez que as cobranças para com ela, só aumentaram, no entanto o respeito e a igualdade da sociedade à mulher seguem limitados.
A chave para transformações positivas a caminho da igualdade e harmonia, está em ratificar raízes que visam renunciar uma categoria de sexo, extinguindo dessa forma, papéis preestabelecidos de subordinações. Se faz necessário empenhos constantes por maiores condições de melhorias da mulher, e para obter resultados nesse sentido, é indispensável a educação dela mesma e essa, lamentavelmente, será a revolução mais demorada da história, isso se deve pelas origens, motivações e costumes, que traçam os comportamentos, impactando em alto grau o modo de viver e de pensar.
O patriarcalismo reflete até mesmo em ambientes de local de trabalho, deixando rastro de injustiça e opressão à mulher. Nota-se que “no Brasil, as mulheres recebem em média 30% a menos para desempenhar as mesmas funções” (PORQUE, 2015) mas se ela for negra, pobre, obesa e mãe solteira, esse percentual eleva ainda mais.
É necessário educar as crianças para que detenham ideias e condutas em prol da valorização, do respeito, da autonomia de meninas, futuras mulheres:
Toda a educação das mulheres deve ser relativa aos homens. Em todos os tempos, os deveres das mulheres, aqueles que lhes devem ser ensinados desde a infância, consistem em agradar aos homens, em ser-lhes úteis, em fazerem-se amar por eles, educá-los quando são pequenos, cuidar deles quando crescem, dar-lhes conselhos, consolá-los e tornar-lhes a vida agradável e doce (ROSSEAU, 2004, p. 527).
Sabe-se que as condutas negativas praticadas contra a mulher, estão oprimidas pelo silêncio, e se opor contra esses hábitos não é algo simples, e por vezes, pode ser arriscado.
Ao decorrer do tempo, têm-se promulgado leis para tipificar e criminalizar certos costumes, que ainda que de modo gradativamente, estão sendo reprimidos em grande parte do Brasil, entretanto, depara-se com grandes obstáculos em se fazer cumprir as leis. Logo, é fundamental a importância de estimular esse combate, com o escopo de ratificar essas condutas que lesam profundamente os direitos humanos.
2.1 A construção sociocultural da inferioridade feminina
Desde o princípio da humanidade, a distinção entre os sexos já prevalece, ao homem foi conferido a ideia de força física, portanto, ficando ele responsável por tarefas como caça, pesca e a agricultura. Já a mulher, por ser o oposto, estabeleceu a ideia de que ela devia ficar à mercê do lar e dos seus filhos. Segundo Dias (2010), essa separação culminou ao homem o espaço público, externo, produtor e da dominação, enquanto à mulher o espaço interno, reprodutor e da submissão; estes padrões de comportamento, geram um código de conduta.
Fundamentado nesses valores que a relação de gênero se estabeleceu e se perpetuou. A exteriorização da ideia de domínio masculino se manifesta por meio da violência, figurando a mulher como vítima. Nessa linha de raciocínio, se faz essencial a análise da ilustre Maria Berenice Dias, que indica a sociedade como a maior culpada pela violência contra a mulher:
A sociedade protege a agressividade masculina, constrói a imagem de superioridade do sexo que é respeitado por sua virilidade. Afetividade e sensibilidade não são expressões da masculinidade. Desde o nascimento o homem é encorajado a ser forte, não chorar, não levar desaforo pra casa, não ser mulherzinha. (DIAS, 2007, p. 16)
O filósofo Sigmund Freud também enfatiza a “supervalorização” do homem, este, retrata a mulher como um ser passivo e que não dispõe de senso de justiça, e segundo ele, este fato está relacionado com um conjunto de inferioridade em razão da inveja do órgão reprodutor masculino.
À vista disso, fica claro que o sexo masculino é dotado de poder e superioridade em virtude do sistema que predomina na sociedade, ainda que hoje de uma forma indireta, o patriarcalista.
O patriarcalismo é uma das estruturas sobre as quais se assentam todas as sociedades contemporâneas. Caracteriza-se pela autoridade, imposta institucionalmente, do homem sobre a mulher e filhos no âmbito familiar. Para que essa autoridade possa ser exercida, é necessário que o patriarcalismo permeie toda a organização da sociedade, da produção e do consumo à política, à legislação e à cultura. Os relacionamentos interpessoais e, consequentemente, a personalidade, também são marcados pela dominação e violência que têm sua origem na cultura e instituições do patriarcalismo (CASTELLS, 2010, p. 169).
Não obstante, outros filósofos como Jean-Jacques Rousseau e Immanuel Kant também alimentaram a subordinação da mulher, como sendo algo orgânico e fundamental, segundo estes, estas não seriam munidas de ética e moral assim como o sexo oposto, que teriam princípios. Do mesmo modo, Sigmund Freud descreve o sexo feminino como um ser passivo e desprovido de senso de justiça, com um conjunto de inferioridade, causado pela inveja de carência de membro fálico.
À luz desse problema, nota-se que a relação de soberba entre os sexos é resultado de um complexo cultural, originado e alimentado por filósofos e estudiosos ao decorrer dos séculos, estes já propagavam a concepção sobre o sexo feminino, enfatizando-se em validar que a mulher, era um ser naturalmente composto de uma inferioridade.
2.2 Olhar de objetificação do corpo feminino
O fato abordado anteriormente, de que a figura feminina é considerada inferior por aspectos culturais e sociais, faz com que, ainda no mundo contemporâneo, se mantenha a ideia de que a mulher deve submissão ao homem e, por conseguinte, a ele é dado o poder e o controle sobre o corpo feminino.
Este estereótipo, reflete a objetificação da mulher, ou seja, banaliza a sua imagem, e tem sobre ela uma perspectiva de um objeto, ignorando seus conceitos sentimentais e psicológicos. Objetificar alguém, como explana BELMIRO et al (2015): “ A objetificação, termo cunhado no início dos anos 70, consiste em analisar um indivíduo a nível de objeto, sem considerar seu emocional ou psicológico.”
É evidente a objetificação da mulher, sobretudo, em propagandas. O conteúdo de diversos comerciais, tem a imagem feminina sexualizada, renunciando o emocional da mulher. Logo, senão bastasse a mulher transmitir a reputação de um sexo vulnerável e submisso, passa a ser além disso, objeto de satisfação das excitações do homem. Seus corpos são transmitidos como produto e pouco importa seu interior. Essa naturalização e banalização pela mídia, da imagem feminina, também alimenta execivamente a cultura do estupro, outro problema social relacionado com a objetificação da mulher.
À mulher, foi imposta a ideia de submissão para com seu lar, criação dos filhos, e agora também, a obrigação de estarem sempre produzidas para seus esposos de forma sensual e atraente. Tudo isso, para serem incluídas a uma padronização de comportamentos que uma mulher deveria ter.
Ao que faz referência à objetificação do corpo feminino, o autor Pierre Bourdieu em sua obra: A dominação Masculina, instrui que:
“As mulheres só podem aí ser vistas como um objeto, ou melhor, como símbolos cujo sentido se constitui fora delas e cuja sua função é contribuir para a perpetuação ou o aumento do capital simbólico em poder dos homens” ( BORURDIEU, 2017.p. 66).
Em virtude disso, conclui-se que as mulheres tinham a obrigação apenas de encarregar-se de sua “missão” como mulher, ou seja, procriar, permitindo ser dominada pela a figura masculina.
A Constituição de 1988, atual no Brasil, resguarda no seu artigo 5° nos seus incisos, I e II, “que homens e mulheres, são iguais em Direitos e Obrigações, e que ninguém é obrigado a fazer algo ou deixar de fazer, senão em virtude de lei”. É evidente a discrepância quando analisado sob a ótica do cotidiano real vivido por mulheres brasileiras, uma vez que estas sofrem recorrentemente alguma espécie de abuso, são discriminadas pela simples razão de pertencerem ao gênero feminino, vistas por muitos, como insuficientes e desprovidas de capacidade intelectual para assumir determinados cargos, seja de liderança de uma empresa, seja de funções importante no âmbito da política, em virtude da sua condição de ser mulher.
Liberdade e igualdade são direitos escassos na vida de muitas mulheres, sobretudo, brasileiras. Em um país onde se encontra o machismo enraizado, tem-se a figura masculina como o ditador das regras, e consequentemente, as mulheres subordinadas a estas. A mulher brasileira, têm seus direitos violados e falta a ela, o controle sobre seus próprios corpos, resultando nos dias atuais a objetificação do corpo feminino.
Ser mulher, em um país que socialmente prega a ordem Democrática, porém diversas vezes, normaliza e acentua a essência dos princípios patriarcais, colabora de certa forma, em casos de feminicídio e estupros de mulheres, e em várias situações estas são coagidas a episódios de constrangimentos, como por exemplo, ser assediada contra sua vontade em uma festa, ou qualquer outro ambiente, fato este, que se dá em decorrência, de muitos homens não respeitarem o querer de uma mulher, invadindo a sua dignidade.
3 FEMINICÍDIO À LUZ DO ORDENAMENTO JURÍDICO-PENAL BRASILEIRO
3.1 Lei nº 13.104/2015
A Lei n.º 13.104/2015 foi promulgada, hoje conhecida como Lei do Feminicídio e tem o seguinte dispositivo:
Homicídio simples
Art. 121. [...]
Homicídio qualificado
§ 2º [...]
Feminicídio
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
[...]
§ 2º-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
[...]
Aumento de pena [...]
§7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado: I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência; III - na presença de descendente ou de ascendente da vítima.
Art. 2º O art. 1º da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, passa a vigorar com a seguinte alteração:
“Art. 1º [...]
I - homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, I, II, III, IV, V e VI).” Art. 3º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.” (BRASIL, 2015)
A este crime atribuiu o legislador a qualidade de hediondo, incluindo-o no inciso I do artigo 1º da Lei n.º 8.072/90 (Lei dos Crimes Hediondos).
3.2 feminicídio como uma qualificadora do homicídio
Com o advento da Lei nº 13.104/2015, surge uma punição específica para os crimes de homicídio cometidos contra a mulher por razões de gênero. Quando não havia positivado o referido dispositivo, o crime de feminicídio era penalizado de forma genérica, ou seja, como homicídio simples.
A Lei nº 13.104/2015, trouxe em sua redação de forma expressa, que o crime de feminicídio deve ser tratado como homicídio qualificado. Assim sendo, o feminicídio é o tipo penal que condena o assassinato de mulheres que acontece no Brasil, concedendo a este tipo de brutalidade um nome jurídico, bem como sanções específicas, demontrando, a violação direta aos direitos humanos das mulheres e propondo-se dar maior proteção a elas.
Compete-se, contudo, da tipificação de uma expressão para retratar condutas habituais que estão inseridas em uma sociedade notoriamente patriarcal.
É válido um olhar comparativo da qualificadora ‘feminicídio’ em relação à Lei Maria da Penha. Foi por meio do caso de Maria da Penha Fernandes, que deu origem à referida Lei, que retrata as relevantes consequências da posse de uma arma de fogo em um ambiente doméstico agressivo. Em 1983, Maria da Penha sofreu uma tentativa de homicídio pelo seu próprio marido, que desferiu tiros de espingarda, e, ainda que tenha sobrevivido, ficou paraplégica. Assim como é o caso de muitas mulheres, Maria sentiu medo de denunciar o seu agressor por se sentir ameaçada, e também de causar descrença por parte da Justiça brasileira. A defesa do ofensor sempre alegava irregularidades no processo e este respondia sempre em liberdade.
Só no ano de 2006 que foi promulgada a Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha, após o Estado Brasileiro ter sido condenado por omissão e negligência pela Corte Internacional de Direitos Humanos. A Lei engloba regras processuais estabelecidas para defender a mulher vítima de violência doméstica, que antes não tinha no código penal, não estabelece um rol de condutas tipificadas em sua redação.
Entretanto, nota-se que o feminicídio não abrangia a Lei Maria da Penha, porém, suas medidas protetivas também podem ser aplicadas às vítimas de feminicídio. A Lei nº 13.104/2015 também prevê três causas de aumento de pena exclusivas para a qualificadora ‘feminicídio’ em seus incisos do § 7º do art. 121. Assim sendo, tem-se que a pena será majorada se: no momento do crime, a vítima estava grávida ou havia apenas 3 meses que ela tinha tido filho; se, no momento do crime, a mulher (vítima) tinha menos de 14 anos, era idosa ou deficiente; se delito foi praticado na presença de descendente ou de ascendente da vítima. Cabe ressaltar, porém, que é necessária a presença do dolo, isto é, o agente deverá ter ciência das situações expostas para que incidam as causas de aumento
4 CASOS DE FEMINICÍDIO QUE REPERCUTIRAM NO BRASIL
Faz-se necessário a análise sob a perspectiva de casos reais de feminicídios que repercutiram no Brasil. Ao refletir os episódios e o que o motivou fazer com que, tal indivíduo, viesse a cometer tal crime, agindo sem tamanho crueldade, fica nítido a tipificação penal, ou seja, o assanissinato de mulheres pelo simples fato de ser mulher, quando há “menosprezo ou discriminação à condição de mulher”.
4.1 Caso Eliza Samúdio em 2010:
O caso aconteceu no ano de 2010, Eliza Samudio foi assassinada a mando do goleiro Bruno. Eliza conheceu Bruno Fernandes, enquanto ambos estavam em uma festa na residência de um jogador de futebol. Na época dos fatos, Eliza era garota de programa, porém deixou de trabalhar após se envolver com Bruno, a pedido deste, que por sua vez era casado.
Em agosto de 2009, Eliza descobre estar grávida de Bruno, notícia que não foi bem recebida pelo jogador. Ao propor que ela fizesse um aborto, a mesma se recusa. Se passado dois meses, já em outubro, Eliza prestou queixa na polícia afirmando que havia sido mantida em cárcere privado por dois amigos de Bruno, Russo e Macarrão, que a agrediram e a obrigaram a tomar pílulas abortivas.
Eliza deu à luz um menino em fevereiro de 2010 e buscou de Bruno o reconhecimento de paternidade da criança, além de uma pensão. Ele se recusa.
A modelo desapareceu no começo de julho de 2010, após visitar o sítio do jogador no interior de Minas Gerais. Ela teria ido até lá a mando de Bruno, que demonstrava ter mudado de ideia sobre um possível acordo. Depois do desaparecimento, a criança foi encontrada em uma comunidade em Ribeirão das Neves (MG). A data provável da morte de Eliza é o dia 10 de julho de 2010.
A investigação aponta que Eliza teria sido levada a Minas Gerais desacordada, após ser agredida na cabeça. Lá, ela foi assassinada e esquartejada a mando de Bruno. Seu corpo teria sido jogado a cachorros.
4.2 Caso Eloá em 2008
Eloá Cristina Pimentel morreu aos 15 anos vítima de feminicídio cometido pelo ex-namorado, Lindemberg Fernandes Alves, que tinha 22 anos. O caso aconteceu na cidade de Santo André, no interior de São Paulo, e foi amplamente coberto pela mídia na época.
Eloá estava em casa fazendo um trabalho de escola com três amigos, Nayara Rodrigues, Iago Vieira e Victor Campos, quando Lindemberg invadiu o apartamento e ameaçou o grupo. O assassino libertou os dois rapazes e permaneceu com as duas meninas em cárcere privado. No dia seguinte, libertou Nayara, mas a jovem acabou retornando à casa em uma tentativa desesperada de ajudar na negociação.
O sequestro durou cerca de 100 horas e só terminou no dia 17 de outubro, com a invasão da polícia ao apartamento. Quando percebeu o movimento, Lindemberg atirou em Eloá, que foi atingida por dois tiros, e morreu. A amiga, Nayara, também levou um tiro, mas sobreviveu.
A cobertura da mídia sobre o caso foi duramente criticada, principalmente por uma entrevista ao vivo feita no programa “A Tarde É Sua”, então comandado por Sônia Abrão. A apresentadora conversou com Lindemberg e Eloá e atrapalhou o andamento das negociações.
Em 2012, Lindemberg foi condenado a 98 anos e dez meses de prisão.
4.3 Caso Maníaco do Parque em 1998
O motoboy Francisco de Assis Pereira matou 11 mulheres e fez 23 vítimas antes de ser preso. Conhecido como o “Maníaco do Parque”, ele foi identificado com base em informações dadas pelas vítimas que sobreviveram aos seus ataques. O serial killer costumava estuprar e matar mulheres na região sul de São Paulo, no Parque do Estado.
Os crimes aconteceram em 1998. Francisco atraía mulheres com muita lábia, dizendo ser um “caça-talentos”. Assim, conseguia levá-las ao parque. Depois de divulgarem o retrato falado do suspeito, ele foi identificado por uma mulher que foi abordada por ele. Ela acionou a polícia e a busca por Francisco, que havia fugido, terminou na fronteira com a Argentina, em Itaqui (RS).
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a diferença de gêneros e a construção de estereótipos é estabelecido socialmente aos longos dos séculos e está diretamente ligado à cultura patriarcal enraizado por uma evidente dominação masculina, e embora a mulher tenha conquistado cada vez mais o seu espaço, a desigualdade entre ambos os sexos, ainda se faz presente diariamente.
O crime de feminicídio e a violência contra à mulher, é uma realidade no Brasil, todos os dias mulheres são vítimas desse crime hediondo. Resultado de um machismo historicamente marcado pelo sistema patriarcal, que ainda reflete no século XXI. Desse modo, é de extrema relevância o valor da Lei 13.104/2015, pois por meio dela, é que se tem maior transparência e conhecimento sobre o rol de violência contra a mulher, assim, combatendo a desigualdade de gênero, que por séculos foi dissimulada na sociedade.
Entretanto, ainda que o projeto da Lei do feminicídio traga efeitos graduais, e puna mais severamente o agressor, é necessário que a sociedade reflita e repense a respeito dos estereótipos, que obstrua a ideia pré-formadas de atribuições sociais destinadas ao sexo masculino e feminino, os conceitos que limitam as mulheres e a inserem em um grupo social abaixo aos homens. Para isso, é de extrema relevância projetos que insiram debates e discussões de gênero em escolas e a elaboração de políticas afirmativas.
Ademais, faz-se menção do poder executivo, legislativo e judiciário, a estes cabe o dever de dar maior visibilidade e ênfase a um problema tão perpetrado na realidade das mulheres, de tal maneira a alcançar relevantes mudanças, que não se limitam ao direito penal, mas à sociedade como um todo. Além da necessidade de criação de políticas públicas de proteção ainda mais a mulher que vem sofrendo as consequências do machismo, seja dentro do seu ambiente familiar, ou até mesmo fora dele, é necessário o apoio de um suporte financeiro do governo, uma rede de apoio, que acolha esta mulher, uma vez que se constata que em muitos casos, a vítima de agressão de violência doméstica, não deixa o seu agressor por depende-lo financeiramente deste, onde muitas vezes, agressões de formas verbais e físicas à mulher, já não é mais o suficiente, resultando assim, em uma fatalidade.
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Graduanda do Curso de Direito da UNIFUNEC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Bianca Cordeiro de. Feminicídio como reflexo do sistema patriarcalista ao longo dos séculos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 set 2022, 04:05. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59199/feminicdio-como-reflexo-do-sistema-patriarcalista-ao-longo-dos-sculos. Acesso em: 23 dez 2024.
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