RESUMO: Os princípios contratuais extraídos do Código Civil brasileiro são necessários na regulação das relações privadas, na medida em que representam a eficácia horizontal dos direitos fundamentais nos contratos civilistas. Autonomia privada, a boa-fé, a relatividade e obrigatoriedade dos contratos e a função social deixaram de ser vistas como princípios acessórios, presentes de forma difusa nas normas positivadas e dotados de pouca efetividade quando não acompanhados de outra regra. Eles passaram, então, a ter o mesmo valor hierárquico das regras e autonomia suficiente para possuir força normativa por si só, incidindo nas normas civilistas de forma direta. Portanto, fez-se necessário realizar o estudo de cada um desses princípios, sob uma perspectiva civil-constitucional, com o objetivo de verificar como é a relação entre eles. Também será verificado como é realizado o equilíbrio entre os valores existenciais extraídos da função social e boa-fé e os valores da autonomia privada, da obrigatoriedade e relatividade dos contratos.
Palavras-chave: autonomia privada; boa-fé; relatividade; obrigatoriedade dos contratos; função social; princípios contratuais.
ABSTRACT: The contractual principles extracted from the Brazilian Civil Law are necessary to the private relationships regulation, since they represent the fundamental rights’ horizontal effectiveness to the civil contracts. The private autonomy, good faith, the relativity, the obligation of contracts and the social function ceased to be seen as secondary principles, seen in a diffused way in prescribed laws and endued with few effectiveness when not accompanied by another rule. They started, then, to have the same hierarchical value of the rules and enough autonomy to have normative strength by itself, also starting to reflect on the rules in a direct way. Therefore, it is necessary to study each one of these principles in a civil-constitucional perspective, with the aim to verify how does their relationship develops. It will also be verified how is performed the balance of the existencial values extracted from the social function and the good faith and the values as the private autonomy, the obligation and relativity principles.
Keywords: private autonomy; good faith; relativity; obligation of contracts; social function; contractual principles.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1 – AUTONOMIA PRIVADA. 2 – BOA-FÉ. 3 – BOA-FÉ E AUTONOMIA PRIVADA. 4 – O PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE E SUA RELATIVIZAÇÃO. 5 – FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS. 6 – OBRIGATORIEDADE DOS CONTRATOS. 7 – EQUILÍBRIO CONTRATUAL. 8 – CONCLUSÃO.
INTRODUÇÃO
O advento do Código Civil de 2002 inovou de modo substancial a forma de interpretação de suas normas. O deslocamento da Constituição brasileira para o centro do ordenamento jurídico garantiu que ela irradiasse em todos os dispositivos infraconstitucionais seus princípios e direitos fundamentais, assegurando, como consequência, que a presença da axiologia Constitucional nas normas brasileiras fosse requisito de validade dessas últimas.
Além disso, a forte presença das cláusulas gerais no Código Civil foi fundamental para determinar essa mudança no sentido e aplicação de suas normas. Isto porque as cláusulas gerais se tornaram a porta de entrada para todos os valores constitucionais no âmbito do Direito Civil, principalmente no que se refere à disciplina contratual.
Tais cláusulas, como a autonomia privada, a boa-fé, a relatividade e obrigatoriedade dos contratos e a função social, deixaram de ser vistas como princípios acessórios, presentes de forma difusa nas normas positivadas e dotados de pouca efetividade quando não acompanhados de outra norma-regra. Eles passaram, então, a ter o mesmo valor hierárquico das regras e autonomia suficiente para possuir força normativa por si só, incidindo nas normas civilistas de forma direta.
A autora Judith Martins-Costa indica duas características das cláusulas gerais: flexibilidade e indeterminação[1]. Quanto à indeterminação, está ela relacionada ao conteúdo vago e aberto das cláusulas gerais. Este aspecto foi intencionalmente proposto pelo legislador a fim de que as cláusulas tivessem o seu sentido formado a partir da análise do caso concreto, o que induz ao seu caráter flexível.
A abertura das cláusulas gerais, portanto, reforça a sua flexibilidade, característica que contribui para que elas se amoldem às dinâmicas situações do dia-a-dia. Em outras palavras, a semântica aberta das cláusulas garante sua maior adaptação à realidade das relações jurídicas. Ficam as cláusulas mais dependentes, assim, da argumentação interpretativa do jurista, que será o responsável por concretizar o sentido existente nestas cláusulas, o que ocorre principalmente através da jurisprudência. Elas, por sua vez, não podem ser flexíveis a ponto de se tornarem abstratas, mas também não podem ser tão rígidas pois seu âmbito de atuação seria intensamente limitado.
Faz-se necessário compreender, de maneira igual, a classificação das cláusulas de acordo com suas funções, também realizada pela Judith Martins-Costa[2], que ressalta ter as cláusulas gerais a função de individualização e generalização, ocasionando na abertura externa do sistema.
Através da função individualizadora, analisa-se primeiramente os elementos do caso concreto e constata-se como determinada cláusula geral será nele aplicada. O sentido da cláusula é, de fato, individualizado de acordo com as circunstâncias fáticas. Após, aquele sentido dado ao caso individual é transportado a outras situações equivalentes, ou seja, esse significado formado é generalizado a outros casos, dando espaço, portanto, à atuação da função generalizadora das cláusulas. Essas duas funções, por fim, têm como efeito a integração, que gera a abertura externa do sistema, formando-se uma ponte que integra várias partes do caso concreto ao direito como um todo.[3]
Desta forma, a Constitucionalização do Direito Civil afastou do nosso ordenamento jurídico a subsunção como método essencial de conformação das normas à realidade fática. Ao contrário, a ideia de enquadrar apenas o caso concreto à norma vigente tornou-se extremamente obsoleta, vez que a complexidade e as particularidades das situações cotidianas exigem bem mais do que a incidência de normas-regras para apreciá-las. Como bem exposto por Judith Martins-Costa, afasta-se a técnica da casuística, que pressupõe normas dotadas de rigidez, imutabilidade em seu sentido e a previsão de consequências estritamente determinadas. Com relação aos efeitos da técnica da casuística:
“Ora, esta técnica legislativa provoca um efeito imediato no momento da aplicação/interpretação do texto legislativo. É que, em face da tipificação de condutas que promove, pouca hesitação haverá do intérprete para determinar o seu sentido e alcance, podendo aplicar a norma mediante o processo mental conhecido como “subsunção”.[4]
A flexibilização do sistema jurídico exige um maior esforço hermenêutico do juiz, de modo que ele deixe de ser mero aplicador das normas e atue ativamente na construção do sentido das cláusulas gerais, expondo-se de forma mais densa.
O atual contexto pós-positivista, assim, colocou as normas-princípios no centro do ordenamento jurídico, não só auxiliando as regras nele existentes, como também dando a estas uma abertura semântica que possibilitou ao intérprete dar a justa medida ao caso concreto. Nas palavras de Luís Roberto Barroso, “o pós-positivismo não retira a importância da lei, mas parte do pressuposto de que o Direito não cabe integralmente na norma jurídica e, mais do que isso, que a justiça pode estar além dela”[5].
Cabe ressaltar que a leitura do Código Civil sob a ótica constitucional afastou dele seu aspecto essencialmente patrimonialista, adotando-se, através dessa irradiação dos valores constitucionais no âmbito civil, uma tutela do Estado às relações privadas de cunho existencial. Nas relações contratuais, tal mudança foi essencial para desvincular a ideia de Direito Civil como estritamente privado.
Assim, no contexto do vigente Código Civil, as relações entre os particulares - em especial as contratuais - tornaram-se envoltas por cláusulas gerais que deram a elas liberdade, proteção, limitação, deveres a serem cumpridos e direitos a serem respeitados.
1 AUTONOMIA PRIVADA
A autonomia privada está intimamente ligada à ideia de liberdade. O seu sentido se moldou e consolidou a partir do momento em que a liberdade entre os contratantes também foi sendo limitada pelo contexto normativo que os rodeava. A autonomia, portanto, apesar de ser princípio antigo existente no ordenamento jurídico, teve seu sentido e alcance alterados com o passar do tempo, passando por três fases que caracterizaram sua transformação.
A primeira delas foi marcada pela ausência de quaisquer normas que limitassem a liberdade das partes que contratavam. O império da autonomia da vontade reinava, bem como o da igualdade formal, já que não havia tutela aos interesses dos mais vulneráveis na relação jurídica e seu conteúdo era puramente patrimonial. A simples convergência da vontade de contratar das partes já era suficiente para a existência de uma relação contratual legítima. A comunicabilidade entre o direito público e privado era praticamente nula, o que dava espaço à liberdade desenfreada de contratar e a consequente perpetuação do individualismo e das desigualdades, já que, segundo a antiga lógica civilista, a vontade de contratar do indivíduo era livre e incondicionada de quaisquer circunstâncias.
A segunda fase, por sua vez, foi marcada por uma mudança quantitativa no âmbito da autonomia da vontade. Isto porque houve a criação de leis que limitavam pontualmente a autonomia, de forma extrínseca. A autonomia passou a ser vista também como um instrumento de opressão, e não puramente de libertação – como antes era considerada. A lógica individualista ainda perpetuava, porém houve uma redução no escopo da liberdade entre os contratantes. Surge então o conceito de autonomia individual, caracterizada pela sua limitação específica, através de leis extravagantes, que criavam uma exceção à regra.
A extensão da liberdade foi alterada, mudando-se o conteúdo da autonomia de forma qualitativa e alterando-se, consequentemente, a estrutura da base contratual. A autonomia passou a ser vista como liberdade exercida entre os contratantes dentro do conjunto de normas existentes que regulamentam o convívio entre eles. Tal complexo normativo, assim, admite a liberdade de contratar, já que o núcleo dos negócios jurídicos não é o mesmo sem a autonomia das partes. Entretanto, essa liberdade é por ele limitada, já que a tutela do Estado é essencial para evitar abusos e enriquecimentos ilícitos. Consolida-se o conceito de autonomia privada.
Esta autonomia, como mencionado, é imprescindível para que as partes manifestem sua personalidade dentro de suas relações, evitando-se assim a arbitrariedade estatal e sua intervenção desmedida nas relações interpessoais. Porém, a ideia da ausência total do Estado nas relações privadas de cunho patrimonial é inadmissível, já que a autonomia não representa um fim em si mesmo e a relação à qual ela está vinculada só se justifica se revestida dos valores constitucionalmente garantidos. Além disso, a autonomia entre as partes precisa estar de acordo com os interesses da coletividade e de terceiros, não podendo também ser ela instrumento de submissão, sujeição entre as partes. Neste sentido, é dever do Estado proteger a autonomia e, ao mesmo tempo, proteger aqueles em situação de vulnerabilidade na relação contratual, a fim de garantir a justiça e o equilíbrio nos contratos vigentes.
Como bem destacado por Heloisa Helena Barboza, o negócio jurídico se manifesta através da autonomia privada, mais especificamente através da autonomia negocial, que, em suas palavras:
“Se refere não só a negócios bi ou plurilaterais de conteúdo suscetível de apreciação econômica, como também, e não menos significativa, de negócios unilaterais e de conteúdo não patrimonial, ou seja, que se refiram à auto-regulamentação de interesses na multiplicidade de seus propósitos.”[6]
A autonomia, então, atribui ao negócio jurídico o “nascimento, a modificação ou extinção de relações jurídicas entre particulares”.[7]
Certa é a imprescindibilidade da autonomia privada para o desenvolvimento do universo contratual, uma vez que, limitada e moldada pelos valores constitucionais, ela possibilita o indivíduo a manifestar sua vontade de criar, modificar e extinguir relações jurídicas.
2 BOA-FÉ
A boa-fé subdivide-se em boa-fé objetiva e subjetiva, fazendo-se necessário, primeiramente, ressaltar suas diferenças. Em sua vertente subjetiva, a boa-fé está ligada à intenção das partes, ou seja, a um estado psicológico de crença. Como bem exposto por Judith Martins-Costa:
“Diz-se subjetiva justamente porque, para a sua aplicação, deve o intérprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção. Antitética à boa-fé subjetiva está a má-fé, também vista subjetivamente como a intenção de lesar outrem.”[8]
A boa-fé objetiva, por sua vez, relaciona-se à análise do comportamento dos sujeitos de uma relação contratual, consistindo em normas de conduta e atuando como fonte direta de deveres entre os contratantes.[9] A boa-fé objetiva, portanto, encontra respaldo no atual Código Civil, vez que exige das partes atitudes que garantem mútua lealdade e confiança. Assim dispõe o artigo 422 do Código Civil de 2002: “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé.”
O princípio da boa-fé objetiva, a partir do momento em que foi positivado pelo vigente Código Civil, transformou o direito das obrigações de forma qualitativa e substancial. Enquanto princípio geral do direito, a boa-fé incidia de forma difusa sobre as relações patrimoniais interpessoais. À luz do Código Civil de 1916, o direito das obrigações era visto de um modo retrógado: unidos por um vínculo essencialmente patrimonial, o credor possuía o direito de receber a prestação devida e o devedor, por sua vez, a exclusiva obrigação de satisfazê-la.
Esta visão individual e simplista foi completamente remoldada pela hermenêutica pós-positivista. O ordenamento jurídico atual, com o advento da Constituição de 1988 e principalmente do atual Código Civil, deu ao princípio da boa-fé concretude, fazendo-o incidir em todos os momentos de uma relação contratual, o que inclui o momento anterior e posterior à sua concretização. As relações obrigacionais assumiram uma forma mais dinâmica, pois foram atribuídos direitos e deveres tanto ao credor quanto ao devedor, afastando-se do direito civil a ideia de credor como peça-chave do contrato e de devedor como aquele cuja única função é satisfazer os anseios do credor. Cresceu a necessidade de que as partes atuassem em comunhão, com o intuito de convergirem suas ações à concretização dos interesses de ambas, e não como opositoras. O dever do Estado, através da incidência da boa-fé, passou a ser o de garantir a confiança entre os contratantes e o equilíbrio da relação contratual, evitando atitudes desonestas e protegendo sempre o lado mais fragilizado.
A boa-fé afastou de vez o império da subsunção como o único critério interpretativo, já que ela também assumiu uma função interpretativa no ordenamento. Esta função tem como objetivo moldar o sentido e alcance de tal princípio ao caso concreto através da análise da realidade das relações jurídicas existentes. Deste modo, a cláusula da boa-fé, que é, em sua essência, dotada de certa abertura em seu significado, terá este formulado de acordo com as circunstâncias fáticas em que ela for aplicada. O sentido da boa-fé, então, será cristalizado na medida em que se consolidarem jurisprudências relativas a ela.
A partir da função interpretativa exercida pela boa-fé, superou-se o dogma de legalismo e autonomia da vontade. Isto porque foi ratificada a insuficiência de analisar o caso concreto apenas enquadrando-o ao padrão genérico descrito na norma, bem como foi reforçada a necessidade de verificar os fatos que contextualizam uma dada relação, deixando de ser analisada sua validade apenas pela vontade dos contratantes.
Na medida em que a função interpretativa da boa-fé foi ganhando força no ordenamento, foi-se estabelecendo padrões de conduta essenciais às relações obrigacionais, e as partes, como já dito, deixaram de ter a obrigação de cumprir apenas a prestação principal, devendo ambas se atentar ao cumprimento de deveres anexos antes, durante e após o adimplemento de uma determinada obrigação.
Desenvolve-se, então, a existência de uma complexa relação obrigacional baseada na cooperação dos contratantes, sendo esta imprescindível para possibilitar a satisfação de ambas as partes. Como bem explicado pela doutrinadora Judith Martins-Costa:
“A cooperação, ligada à conduta dos sujeitos, não está reduzida ao cumprimento do dever principal de prestação: ela requer, em variados graus e infindável tipologia, a observância de outros deveres, secundários, anexos, colaterais ou instrumentais, que encontram a sua fonte ou em dispositivo legal, ou em cláusula contratual, ou no princípio da boa-fé.”[10]
Desta forma, a característica de entender a boa-fé pautando-se em sua concreção permite também o desenvolvimento de uma função integrativa desta cláusula. Tal função faz com que sejam preenchidas as lacunas presentes nas normas a partir dos sentidos de boa-fé formulados. Faz também, consequentemente, com que as normas sejam complementadas, o que possibilita um processo de aproximação do Direito com a realidade e consagra a boa-fé como “cânone hermenêutico e integrativo do sistema”.[11]
3 BOA FÉ E AUTONOMIA PRIVADA
A promulgação da Constituição de 1988, como já dito, provocou uma mudança qualitativa no princípio da autonomia, que passou a ser limitado pelo conjunto de valores constitucionais. Desta forma, a antiga visão estritamente patrimonial dos contratos deu lugar à busca pela preservação dos valores existenciais da Constituição nos contratos, assegurando-se, assim, uma relação mais justa, pautada na confiança mútua das partes. Neste sentido, Heloisa Helena Barboza conclui que:
“O flagrante desequilíbrio das relações jurídicas instou o legislador e os tribunais a criarem meios de proteger a “parte mais fraca” que, não obstante declaradamente livre, por conseguinte autônoma, com plena capacidade jurídica, e titular de “iguais” direitos, se encontrava subordinada de modo irresisível a outra, por razões socioeconômicas. Em todos os ramos do direito, e por diferentes meios, buscou-se minorar a desigualdade.”[12]
Tais valores, no contrato, foram concretizados pela boa-fé, que criou uma série de deveres anexos e comportamentos ao credor e devedor. Esta substancial transformação no direito das obrigações tornou a relação obrigacional mais dinâmica e ao mesmo tempo mais segura, já que ambas as partes passaram a ter o dever de colaborarem entre si e de seguirem determinados padrões de conduta. Em suma, o comportamento das partes relativo ao contrato acordado deixou de ser tutelado pura e exclusivamente pela ideia de liberdade e autonomia contratual.
A autonomia como um fim em si mesmo pode servir como justificativa para relações jurídicas desiguais e abusivas, e, por isso, deve ela ter sua aplicação limitada e moldada pelos standards de conduta estabelecidos pela boa-fé, que concretizam um ideal de justiça e não podem ser violados, sob pena de configurarem abuso de direito.
A autonomia e liberdade não constituem, como defendido por alguns argumentos jusnaturalistas, valores inerentes à condição humana e que exigem, portanto, uma atuação negativa do Estado no sentido de não interferir nos atos privados do indivíduo e não adentrar em sua esfera de liberdade tida como “inviolável”. O contrato que sobrepor a autonomia aos demais valores consagrados no nosso ordenamento jurídico não será por ele tutelado, justamente porque dá ensejo ao desequilíbrio entre as partes, bem como a demais situações violadoras da axiologia constitucional.
Assim, com relação à autonomia privada, a boa-fé, ao mesmo tempo que a limitou, também moldou sua aplicação. A atitude das partes quanto ao contrato por elas acordado deixou de ser tutelada puramente pela ideia da liberdade contratual e autonomia, sendo modelada pelos padrões de conduta estabelecidos pela boa-fé. Como já destacado, tais padrões, se violados, podem configurar abuso de direito, o que daria espaço à dominação da parte mais forte e favorecida sobre a mais vulnerável.
4 O PRINCÍPIO DA RELATIVIDADE E SUA RELATIVIZAÇÃO
Na ideia clássica do princípio da relatividade, os efeitos de um contrato devem somente ser relativos às partes contratantes. Em uma interpretação contrario sensu, aqueles que não se configuram como parte em uma relação contratual não podem ser atingidos por um contrato. A relatividade, em síntese, significa a restrição dos efeitos do contrato e da obrigatoriedade contratual apenas às partes.
O princípio da relatividade, principalmente no que diz respeito ao seu conteúdo tradicional, gravita ao redor da autonomia, uma vez que, sendo o contrato fruto do livre acordo de vontades exercido pelos sujeitos da relação, surge a ideia de que somente essas pessoas que se obrigaram podem ser atingidas - positiva ou negativamente - pelo contrato.
Há, portanto, dois núcleos subjetivos deste princípio: as partes contratantes e terceiros. Esses últimos seriam todos aqueles que, no momento em que se formou um determinado contrato, não se manifestaram no sentido de se constituírem como parte.
A constitucionalização do Direito Civil trouxe um alargamento da noção de partes, fato este que provocou uma mudança substancial no próprio sentido da relatividade dos efeitos contratuais. Neste sentido se manifesta Caitlin Mullholand: “Desta forma, partes contratuais seriam consideradas todas as pessoas que sofrem total ou parcialmente os efeitos do contrato (neste caso, mesmo não tendo consentido ou se manifestado no sentido de aderir aos efeitos do contrato).”[13]
Como pontuado ainda por Caitlin, é considerada, na atualidade, a eficácia indireta dos contratos, que diz respeito aos efeitos do contrato relativos àqueles que não se configuram como parte contratante.[14] A relatividade, em sua ideia clássica, está ligada somente à eficácia direta, ou seja, aquela cujos efeitos se repercutem dentro da relação contratual.
A oponibilidade dos efeitos contratuais está justamente relacionada à eficácia indireta dos contratos, pois se refere à participação de terceiros em um contrato sem que eles estejam vinculados aos direitos e obrigações das partes, devendo eles, por isso, respeitar a relação jurídica contratual e por ela serem respeitados.[15]
Na atualidade, existem situações em que terceiros podem se opor ao contrato caso sintam-se prejudicados. Um exemplo é a promessa de fato de terceiro, em que o contratante negocia que um terceiro específico irá cumprir a prestação, não sendo este obrigado a satisfazê-la até que a aceite.
A visão das relações jurídicas contratuais como isoladas e autossuficientes é incabível, haja vista a impossibilidade de se considerar, no atual mundo globalizado, que um contrato não pode atingir a esfera jurídica de terceiros. Essa concepção extremamente individualista tornou-se também obsoleta, pois que reforça a ideia de autonomia e liberdade entre as partes para agirem da forma que entenderem ser cabível, descaracterizando outros princípios e valores constitucionais existenciais.
Imprescindível seja levado em consideração o meio social em que o contrato é formado, de modo que as partes constituam uma relação obrigacional levando em conta o seu contexto, bem como as condições sociais e econômicas em que ela é criada.
O princípio da função social, à medida em que ganhou força no ordenamento jurídico, fez com que a relatividade dos efeitos contratuais deixasse de ser pensada de modo absoluto, exigindo-se uma preocupação não só com as partes que compunham o contrato como também com relação a toda a coletividade. A formulação de um contrato que se pauta apenas nos interesses das partes contratantes não receberá tutela do ordenamento por sua inconstitucionalidade, tendo em vista que a atual Constituição brasileira tem como fundamento da república os valores sociais da livre iniciativa e do trabalho, bem como a dignidade da pessoa humana, que não pode ser violada por uma noção voluntarista e individualista do contrato.
5 FUNÇÃO SOCIAL DOS CONTRATOS
A partir do momento em que o princípio da relatividade dos efeitos contratuais sofreu uma limitação da função social, houve um alargamento da própria concepção de contrato e de parte, já que, como anteriormente dito, considerou-se a incidência dos efeitos do contrato para além das partes. Além de reforçar o cumprimento do contrato, a função social obriga os sujeitos de uma relação a pensarem nos efeitos de suas atitudes sobre terceiros, fazendo com que interesses puramente individuais dessem lugar à consideração de interesses difusos e coletivos.
Há, então, uma virada solidarista no ordenamento jurídico, que contextualiza o homem em suas relações sociais e cria deveres extracontratuais relativos àqueles que não fazem parte do contrato. Desta forma, ratifica-se a impossibilidade da existência de relações privadas que contraponham o interesse coletivo. A liberdade contratual será somente protegida na medida em que atender aos valores constitucionalmente consagrados e objetivar interesses dignos de tutela. Ou seja, a autonomia privada também será limitada pela função social dos contratos. Nas palavras de Konder:
“Deste modo, o contrato – antes uma finalidade em si, protegida apenas formalmente como espaço da autonomia individual – passa a ser ele também um instrumento de realização do projeto constitucional. Funcionalizado, ele passa a ser tutelado quando servir à realização daqueles preceitos normativos fundamentais. Quando, contudo, desviado dessa função, não receberá a tutela do ordenamento.”[16]
A função social dos contratos é um princípio cuja recepção no ordenamento jurídico é recente, fato que dá espaço a maiores polêmicas e discussões quanto ao seu sentido e alcance. Como bem explicitado pelo doutrinador Gustavo Tepedino[17], este instituto ganhou efetiva recepção e somente passou a ser objeto de maior reflexão quando foi introduzido no Código Civil de 2002 em seu artigo 421.
Como princípio recente e mitigador das absolutas liberdades individuais, a função social sofreu grande resistência quanto à sua presença no ordenamento jurídico. Essa relutância se deu através do surgimento de correntes antifuncionalistas, que exaltavam a autonomia da vontade como princípio basilar e preexistente às relações jurídicas, devendo ser preservada vez que se remete à liberdade, considerada como valor máximo e intrínseco ao indivíduo.
Tepedino, por sua vez, indica a existência de duas principais vertentes antifuncionalistas. No que tange a primeira corrente:
“A primeira delas sustenta que a função social do contrato não é dotada de eficácia jurídica autônoma, sendo uma espécie de orientação de política legislativa constitucional, que revela sua importância e eficácia não em si mesma mas em diversos institutos que, como expressão da função social, autorizam ou justificam soluções normativas específicas (...)”[18]
Esta posição, portanto, entende que a função social do contrato existe apenas para reforçar dispositivos já existentes, vez que indica uma presença difusa deste princípio dentro do ordenamento jurídico, diminuindo de modo considerável seu peso e sua eficácia normativa.
A segunda corrente, por sua vez, alarga a noção de relatividade, já que, nas palavras de Tepedino, ela entende que a “função social do contrato expressa o valor social das relações contratuais”[19]. Entretanto, essa vertente enaltece as figuras do contratante e do contratado perante as demais relações que porventura os cerceiem, reforçando, assim, uma proteção ao contrato e contra sua violação por terceiros. A corrente em questão não somente reduz a importância da função social como também não se vincula à vigente Constituição, pois que não olha para os efeitos do contrato sobre a coletividade. É uma visão individualista que não altera os princípios clássicos, apenas os reforça.
O antifuncionalismo resiste à aplicação e efetividade da função social, considerando sua incidência apenas de forma pontual e com limites extrínsecos ao contrato, evitando-se ao máximo atingir a esfera de liberdade dos sujeitos contratantes, tida como intangível. Segundo as teorias antifuncionalistas, a função social atingiria o contrato apenas em situações extremas, em casos extraordinários.[20]
A constitucionalização do Direito Civil, entretanto, reforçou a ideia de que a função social é o princípio sem o qual um contrato não pode ser tutelado, vez que a autonomia privada só pode existir enquanto seu exercício for justificado pela função social do contrato.
Quanto aos efeitos da função social sobre os contratos, Konder[21] elenca quatro. Primeiramente, a função social conduziria ao equilíbrio contratual, já que proíbe a existência de contratos que promovam injustiças no meio social. É preciso ressaltar, porém, que a função social, embora induza ao equilíbrio dos contratos, não objetiva atingi-lo. Percebe-se, nesse efeito, uma sobreposição entre princípios, pois a função social, conjugada com a boa-fé, promove o equilíbrio contratual, e este último, também, já é por si só um princípio.
O segundo efeito demonstrado por Konder, e talvez um dos mais marcantes e provocadores de uma mudança substancial na visão dos contratos, remete-se à permissão de contratos que provoquem efeitos positivos sobre a coletividade e proibição daqueles que perpetuem efeitos negativos sobre ela, o que obriga as partes a seguirem determinados preceitos independentemente de sua vontade.
O terceiro efeito refere-se a um terceiro específico que afeta negativamente um contrato ou a um contrato que afeta de modo negativo este terceiro, o que implica a responsabilização daquele que interferir na esfera jurídica do outro de modo a prejudicá-lo. Cabe ressaltar que coibir qualquer tipo de indignidade provocada a alguém em específico é forma também de proteção à coletividade.
O quarto efeito, por fim, está no cumprimento efetivo do próprio contrato, ou seja, refere-se à ideia de que a função social reforça a necessidade do cumprimento do contrato, de alcançar o objetivo que levou as partes a acordá-lo e satisfazer seus interesses juridicamente relevantes. Neste efeito, denota-se também uma sobreposição com a boa-fé, pois que esta exige que os sujeitos de uma relação devam se atentar a cumprir os deveres principais e anexos necessários à satisfação da obrigação, além de aludir ao princípio da obrigatoriedade contratual, que exige o cumprimento do contrato sob quaisquer circunstâncias.
A função social exige que o contrato funcionalize as relações jurídicas privadas, ou seja, traga para um contrato privado a noção de ordem pública. Desta forma, como já mencionado, as relações privadas só receberão proteção do ordenamento se tutelarem interesses socialmente relevantes, figurando-se a função social, por isso, como um dos maiores exemplos da irradiação de valores constitucionais sobre as normas civilistas e a intervenção do público sobre o privado.
6 OBRIGATORIEDADE DOS CONTRATOS
O princípio da obrigatoriedade, em sua visão clássica, pautava-se na ideia de que as obrigações oriundas de uma relação contratual deveriam ser completamente satisfeitas em quaisquer circunstâncias. Há, neste princípio, uma estreita relação com a autonomia privada, pois parte-se da lógica de que se um sujeito, livre e autonomamente, entra em uma relação jurídica, ele próprio cerceou sua liberdade com vistas à total satisfação do contrato. Essa obrigatoriedade, baseada em adimplir perfeitamente uma obrigação, seria, então, consequência do exercício da liberdade de contratar.
O princípio da obrigatoriedade também está relacionado com a boa-fé objetiva, pois a partir do momento em que alguém entra em uma determinada obrigação ele é obrigado a satisfazê-la através da boa-fé, uma vez que gera na outra parte a expectativa de cumprimento. Ou seja, o não cumprimento de uma obrigação significa a frustração da legítima expectativa da parte, expectativa essa sustentada pelo princípio da boa-fé.
Esta visão absoluta do princípio da obrigatoriedade compreende a primeira das três fases pelas quais ela passou, sendo seu sentido cada vez mais relativizado com o passar do tempo.
A segunda fase, por sua vez, foi marcada pela Teoria da Imprevisão, em que a obrigatoriedade, antes tida como absoluta, foi flexibilizada. Esta teoria, formulada no início do século XX, alegava que o aparecimento de casos excepcionais, dotados de circunstâncias extraordinárias e imprevisíveis às relações contratuais, afastaria a obrigatoriedade contratual a fim de reequilibrar a referida relação. Assim, apenas situações extrínsecas ao contrato poderiam ser consideradas para uma excepcional desconsideração da obrigatoriedade contratual. Como sustenta Mattietto:
“A teoria da imprevisão é insuficiente não somente em termos conceituais, dado o antiquado voluntarismo de que é infiltrada, mas se mostra ainda menos adequada diante de problemas como a excessiva dificuldade da prestação, a frustração dos fins do contrato, ou mesmo de fatos previsíveis que não tenham sido levados em consideração, pelas partes, na época da formação do contrato, mas que venham a atingir a comutatividade.”[22]
O advento da Constituição de 88, como exposto, trouxe a Carta Magna para o centro do ordenamento jurídico, irradiando seus valores e princípios em todos os dispositivos infraconstitucionais. O crescimento do poder normativo da vigente Constituição projetou nas relações o princípio da igualdade: torna-se, então, imprescindível o equilíbrio econômico das relações contratuais. A ideia do equilíbrio marca a terceira fase do princípio da obrigatoriedade, podendo este equilíbrio ser das condições objetivas e/ou subjetivas da relação.
O equilíbrio das condições subjetivas está relacionado ao vínculo psicológico entre as partes, ou seja, à necessidade de elas estarem de acordo quanto ao que contratam e como contratam, havendo de fato um equilíbrio subjetivo, uma equivalência em suas vontades.
O equilíbrio das condições objetivas, por sua vez, é constatado através da análise do conjunto de prestações e contraprestações entre as partes, procurando-se relações similares e em condições próximas.
A obrigatoriedade tem como fundamento constitucional a segurança jurídica, sendo justificada através da ideia do pacta sunt servanda – o contrato faz lei entre as partes. A obrigatoriedade, entretanto, não pode ser vista de forma absoluta, vez que ela possui seu limite na preservação do equilíbrio contratual, cuja base está na igualdade.
7 EQUILÍBRIO CONTRATUAL
A máxima de que as partes de uma relação contratual estão adstritas a cumprir o contrato, da forma como acordado e a qualquer custo, foi mitigada pelo equilíbrio contratual, que visa a garantir a igualdade substancial em uma relação jurídica, mesmo que isso incorra em eventual mudança nas condições do contrato, ou até mesmo sua resolução.
Faz-se imprescindível considerar a dinamicidade das relações obrigacionais, pois é através da análise dessa natureza que se constata ser impossível cristalizar as condições de cumprimento de um contrato.
Um contrato, assim, não pode ser instrumento para que as partes se desigualem ou para que haja qualquer forma de submissão entre elas, uma vez que vai de encontro ao próprio objetivo da República de construir uma sociedade livre, justa e solidária, assegurado pela atual Constituição Federal em seu artigo 2º, inciso II. Desta forma, o Código Civil em vigência assegura algumas garantias às partes contratuais sempre que for manifestado o desequilíbrio em suas relações.
Tais relações podem ser, desde o seu início, desequilibradas, sendo esta hipótese ilustrada pela ocorrência da lesão, prevista no artigo 157 do Código Civil. A lesão, portanto, ocorre quando alguém se aproveita de um momento de urgência ou do desconhecimento do indivíduo para gerar contrato vicioso. Nesta hipótese, o ordenamento jurídico prevê a possibilidade de revisão ou resolução do contrato.
O Código Civil expõe, também, algumas soluções para contratos cujos desequilíbrios manifestam-se em momento posterior. Um bom exemplo está no artigo 317 do referido código que indica a possibilidade de alteração do valor do negócio mediante o surgimento de elementos imprevisíveis ao contrato que alteraram a base da prestação/contraprestação, não havendo a exigência de extrema vantagem ou desproporção para que se altere a base do negócio.
Os artigos 478 e 479 do Código Civil, por sua vez, preveem a possibilidade de resolução do contrato quando suas prestações se tornarem excessivamente onerosas, com extrema vantagem ou desvantagem e em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. Nota-se que nestes artigos houve uma positivação da Teoria da Imprevisão, presente na segunda fase do princípio da obrigatoriedade.
Cabe ressaltar, por fim, que a revisão do contrato deve sempre ser priorizada, pois que é uma forma de manutenção do contrato e de tentar perseguir a sua finalidade – ideia sustentada pela função social do contrato.
O princípio da relatividade não está explicitado no Código Civil, assim como o da obrigatoriedade. Entretanto, como perfeitamente elucidado por Leonardo Matietto:
“Se não há uma formulação expressa do princípio do equilíbrio contratual no Código Civil de 2002, não restam dúvidas sobre a sua positivação, seja com fundamento no princípio constitucional da igualdade, seja porque a lei condena tanto o desequilíbrio originário das prestações dos contratantes (ao vedar a lesão), como permite resolver ou rever o contrato em razão da excessiva onerosidade superveniente.”[23]
8 CONCLUSÃO
Apesar da estreita relação entre a autonomia privada e a boa-fé, a relatividade e a função social, bem como entre a obrigatoriedade e equilíbrio contratual, é inegável que todos os princípios contratuais tenham uma conexão muito forte entre si, de modo que o eventual desaparecimento de um em nosso ordenamento afetaria diretamente o sentido de todos os outros.
Tomemos como exemplo a autonomia privada. Esta, na medida em que foi limitada pelos deveres de conduta oriundos da boa-fé exigíveis às partes, teve seu âmbito de aplicação também mitigado pela função social dos contratos, vez que a autonomia só recebe proteção do ordenamento enquanto estiver funcionalizada em razão de interesses existenciais. Tem também a autonomia privada relação com o equilíbrio contratual, pois a livre atuação das partes deve dirigir-se à manutenção da igualdade substancial em suas relações.
Quanto aos princípios clássicos, possui também a autonomia forte conexão. A relatividade dos efeitos contratuais, por exemplo, pauta-se na ideia de liberdade entre as partes que voluntariamente entram em uma relação contratual, devendo os efeitos deste contrato, por isso, restringir-se somente àqueles que se manifestaram no momento em que o contrato foi formado.
Segue também a obrigatoriedade dos contratos a mesma lógica, já que, em sua ideia clássica, se determinadas pessoas ingressam livremente em uma relação contratual, não podem, por isso, deixar de cumprir o contrato em hipótese alguma, pois a obrigatoriedade é consequência do exercício da liberdade de contratar.
É notório que os princípios contratuais complementam-se nos seus sentidos. Entretanto, faz-se necessário compreender que, mesmo possuindo essa forte ligação, os princípios não se confundem, sendo dotados de significados e eficácia autônomos. Essa constatação, apesar de lógica, muitas vezes não é posta em prática pelo intérprete, que conjuga, no caso concreto, mais de um princípio contratual sem discernir qual função cada um deles possui frente à realidade da relação entre as partes.
Desenvolve-se, assim, uma confusão nos sentidos dos princípios, que contribui para certa insegurança jurídica em sua aplicação e para a dificuldade de cristalizar os seus sentidos através da concreção realizada pela jurisprudência.
Portanto, é preciso reforçar a ideia de que a intencional vagueza no significado dessas cláusulas existe para tornar o sistema mais flexível, como também para permitir a direta incidência dos valores constitucionais em todo o ordenamento jurídico, e não para provocar confusão e obscuridade na distinção entre os princípios.
A entrada dos princípios contratuais no ordenamento jurídico marcou uma profunda transformação no modo de se enxergar as relações jurídicas patrimoniais. Os valores existenciais sobrepuseram-se ao aspecto individualista e puramente econômico do contrato, de modo que este, com o advento do Código Civil de 2002, passa a se justificar somente enquanto garantir o ser, ou seja, enquanto levar em consideração o equilíbrio nas relações, a coletividade, a cooperação entre as partes e, consequentemente, toda a axiologia constitucional.
REFERÊNCIAS
BARBOZA, Heloisa Helena. Reflexões sobre a autonomia negocial. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Coord.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção do novo modelo. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
KONDER, Carlos Nelson de Paula. A constitucionalização do processo de qualificação dos contratos no ordenamento jurídico brasileiro. 2009.
MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé objetiva e o adimplemento das obrigações. In: Revista brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro, n. 25, 2004.
MARTINS-COSTA, Judith. O Direito privado como um “sistema em construção”. As cláusulas gerais no projeto do Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, n. 139, Brasília: Senado, 1998.
MATTIETTO, Leonardo. O princípio do equilíbrio contratual. Revista da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, 2009, p. 190.
MULHOLLAND, Caitlin. O princípio da Relatividade dos Efeitos Contratuais. In: DE MORAES, Maria Celina Bodin (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
NEGREIROS, Teresa. O princípio da boa-fé contratual. In: DE MORAES, Maria Celina Bodin (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre a função social dos contratos. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Coord.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
[1] MARTINS-COSTA, Judith. O Direito privado como um “sistema em construção”. As cláusulas gerais no projeto do Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, n. 139, Brasília: Senado, 1998, p. 7-8.
[2] Ibidem, p. 10-11.
[3] MARTINS-COSTA, Judith. O Direito privado como um “sistema em construção”. As cláusulas gerais no projeto do Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, n. 139, Brasília: Senado, 1998, p. 7-8.
[4] Idem.
[5] BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos fundamentais e a contrução do novo modelo. 4 ed., São Paulo: Saraiva, 2013.
[6] BARBOZA, Heloisa Helena. Reflexões sobre a autonomia negocial. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Coord.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 412-413.
[7] Ibidem. p. 410-411.
[8] MARTINS-COSTA, Judith. O Direito privado como um “sistema em construção”. As cláusulas gerais no projeto do Código Civil brasileiro. Revista de Informação Legislativa, n. 139, Brasília: Senado, 1998, p. 14.
[9] NEGREIROS, Teresa. O princípio da boa-fé contratual. In: DE MORAES, Maria Celina Bodin (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
[10] MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé objetiva e o adimplemento das obrigações. In: Revista brasileira de Direito Comparado. Rio de Janeiro, n. 25, 2004, p. 254.
[11] Ibidem, p. 233.
[12] BARBOZA, Heloisa Helena. Reflexões sobre a autonomia negocial. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Coord.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 418.
[13] MULHOLLAND, Caitlin. O princípio da Relatividade dos Efeitos Contratuais. In: DE MORAES, Maria Celina Bodin (Coord.). Princípios do direito civil contemporâneo. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 267-268.
[14] Ibidem. p. 273.
[15] Ibidem. p. 274.
[16] KONDER, Carlos Nelson de Paula. A constitucionalização do processo de qualificação dos contratos no ordenamento jurídico brasileiro. 2009, p. 56.
[17] TEPEDINO, Gustavo. Notas sobre a função social dos contratos. In: TEPEDINO, Gustavo; FACHIN, Luiz Edson (Coord.). O direito e o tempo: embates jurídicos e utopias contemporâneas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 396.
[18] Ibidem, p. 396-397.
[19] Ibidem, p. 397.
[20] KONDER, Carlos Nelson de Paula. A constitucionalização do processo de qualificação dos contratos no ordenamento jurídico brasileiro. 2009, p. 54-55.
[21] Ibidem, p. 60-74.
[22] MATTIETTO, Leonardo. O princípio do equilíbrio contratual. Revista da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, 2009, p. 188-189.
[23] MATTIETTO, Leonardo. O princípio do equilíbrio contratual. Revista da Procuradoria Geral, Rio de Janeiro, 2009, p. 190.
Advogada. Graduação na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Pós Graduação em Direito Penal pelo Instituto Damásio de Jesus.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Luisa Lemos. Os princípios contratuais na perspectiva civil-constitucional Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 set 2022, 04:27. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59214/os-princpios-contratuais-na-perspectiva-civil-constitucional. Acesso em: 23 dez 2024.
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