ANTÔNIO JOSÉ ROVERONI
(orientador)
RESUMO: O ICMS é a sigla que identifica o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação. Tendo como base a Lei 6.374/89 que o regula, esse imposto é de fundamental importância para os Estados e Municípios, que com ele conseguem equilibrar as contas públicas. Ocorre que nos últimos anos tem-se verificado a situação onde o ICMS é declarado, mas não é pago. Esse fato, pode vim acarretar um crime. Diante disso, o presente estudo teve como objetivo analisar os efeitos jurídicos da declaração do ICMS e o seu não pagamento. Na metodologia, essa pesquisa se enquadrou na revisão da literatura, tendo como base artigos científicos, legislação atual e doutrinas jurídicas. Nos resultados, Ficou claro que essa temática ainda não encontrou posicionamento formalizado. A título de exemplo, o Superior Tribunal de Justiça retrata alguns entendimentos sobre configurar ou não crime, e um ponto a ser colocado é a impossibilidade de ser criminalizado algo que se tem a ausência do dolo, pois isso leva ao ponto de partida para começar a identificar se realmente foi intencional ou não. Outra hipótese para se pensar seria o tributo vim descontado em nota, mas de todo forma o empresário faz questão de cobrar esses valores do contribuinte e faz com que se encaixe como um dolo ao crime.
Palavras-chave: Imposto. ICMS. Declaração. Inadimplência. Consequência jurídica.
ABSTRACT: ICMS is the acronym that identifies the Tax on Operations relating to the Circulation of Goods and on Provision of Interstate and Intermunicipal Transport and Communication Services. Based on Law 6,374/89, which regulates it, this tax is of fundamental importance for States and Municipalities, which are able to balance public accounts with it. It so happens that in recent years there has been a situation where ICMS is declared but not paid. This fact can lead to a crime. Therefore, the present study aimed to analyze the legal effects of the ICMS declaration and its non-payment. In terms of methodology, this research was framed in the literature review, based on scientific articles, current legislation and legal doctrines. In the results, it was clear that this theme has not yet found a formalized position. As an example, the Superior Court of Justice portrays some understandings about whether or not to constitute a crime, and a point to be made is the impossibility of criminalizing something that has the absence of intent, as this leads to the starting point to start identify whether it was really intentional or not. Another hypothesis to consider would be the tax deducted from the bill, but in any case, the entrepreneur insists on charging these amounts from the taxpayer and makes it fit as an intention to the crime.
Keywords: Tax. ICMS Declaration. default. Legal consequence.
Sumário: 1. Introdução. 2. Metodologia. 3. ICMS: Aspectos gerais. 4. ICMS declarado e não pago: apontamentos. 5. Das consequências jurídicas. 6. Considerações Finais. 7. Referências Bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Durante a história pode-se traçar uma linha temporal cristalina sobre movimentações sociais mais importantes do ocidente ao se estudar o pagamento de tributos. No passado o tributo deixou de ser uma prestação associada à servidão e à falta de liberdade para se tornar uma obrigação de todos os cidadãos daquela localidade ou daqueles que nela adentrem (SILVA, 2020).
Com o passar dos anos, o Direito Tributário, que regula tributos, impostos, etc., se tornou a base para as normativas referentes a essa matéria. Dentre esse espectro, encontra-se os impostos, que são conforme o art. 16 do Código Tributário Nacional, o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte (BRASIL, 1966).
Para fins desse estudo, limitou-se a analisar o ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação). O ICMS é um tributo extremamente necessário aos cofres públicos, tendo em vista que é o com maior poder arrecadatório para os Estados.
Devido a sua importância, o ICMS sempre é pauta de diversas discussões, dentre as quais a mais recente se refere a seguinte situação: ICMS declarado, mas não pago. Ato corriqueiro nos últimos anos, a Justiça brasileira tem recebido inúmeros processos com essas causas.
Com base nesse cenário, surge a seguinte situação: qual o posicionamento doutrinário e jurisprudencial a respeito do ICMS declarado mas não pago? Buscou-se com essa indagação compreender os efeitos desse ato no mundo jurídico, tanto para os operadores do Direito quanto para os contribuintes.
Dessa forma, o presente estudo teve como objetivo analisar as consquências jurídicas daqueles contribuintes que declaram o ICMS, mas que não realiza o seu pagamento.
2. METODOLOGIA
Esta pesquisa teve como metodologia, o método indutivo e qualitativo. Sendo uma revisão de literatura, a pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de leituras das leis, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos científicos relacionados ao tema proposto.
O respectivo estudo também foi realizado mediante o levantamento de documentos. Assim, a coleta de dados é resultado de uma busca feita em bases de dados, tais como: Scielo; Google Acadêmico, dentre outros, entre os meses de agosto e setembro de 2022.
3. ICMS: ASPECTOS GERAIS
Antes de se adentrar no tema central desse estudo, é necessário inicialmente discorrer em linhas gerais sobre alguns conceitos. Primeiramente, se faz necessário conceituar o que seja um tributo. A sua definição se encontra na Lei Complementar 5.172 de 1966 (Código Tributário Nacional), que em seu artigo 3º o conceitua como sendo uma “prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada” (BRASIL, 1966).
Com base nesse texto normativo, compreende-se as seguintes ideias: enfatiza-se o caráter expropriatório do dever fundamental de pagar tributos, um dever que deverá ser observado à força, tendo em vista o caráter de compulsoriedade dado pela Lei; diferenciam-se tributo e multa, na medida que o tributo decorre de ato lícito e a presença do princípio da legalidade na composição do conceito de tributo, vez que se tenta prevenir a ocorrência de discricionariedades por parte dos agentes fiscais sinalizando que a Lei é a única via cabível para sua instituição e cobrança e à lei que a atividade administrativa está intimamente atrelada, ou vinculada (CARRAZZA, 2019).
Os sujeitos das obrigações jurídico tributária são, logicamente, o contribuinte e o Estado. Extrai-se essa afirmação nos artigos 119 e 121 do Código Tributário Nacional ditando que, ao passo que sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público sendo titular da competência para instituir tributos, bem como cobrar pelo cumprimento das obrigações acessórias e principais (CARRAZZA, 2019).
Já o Sujeito passivo da obrigação tributária é a pessoa física ou jurídica que se vê obrigada a recolher determinado tributo bem como cumprir com as obrigações acessórias que decorrem do principal (pagar tributos). O sujeito passivo da obrigação pode ser tanto contribuinte quando se tem relação direta com a hipótese de incidência que percebe o fato gerador, ou responsável, quando a obrigação tributária impute a este agente a obrigação, sem que ele seja contribuinte, propriamente dito (CARRAZZA, 2019).
Superada a conceituação de tributo, importante mencionar que o mesmo é gênero do qual decorrem diversas espécies tributárias. Nesse sentido, encontra-se, o imposto.
Schoueri (2019) explana que o imposto é um tributo não vinculado, ou seja, não vinculado diretamente a uma atuação estatal. É tão somente um “fato qualquer” que é a hipótese de incidência que não se vincula a uma atividade estatal. Quer isso dizer que, para instituir um imposto, basta o Ente Federativo ser competente para a instituição desse tributo, não tendo a necessidade de vincular sua criação a nenhum tipo de fim específico na sua arrecadação.
Dentro dos impostos existentes, encontra-se para fins desse estudo, o ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação).
O ICMS está elencado na Constituição Federal no artigo 155, II. De competência estadual este tributo é de importância ímpar para os Estados já que é o tributo com maior poder arrecadatório.
Àvila (2019) explica que o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços é um tributo Estadual como se precede da própria Constituição Federal, significa dizer, portanto que a competência para criação e modificação das alíquotas de ICMS é somente dos Estados, é uma delegação de competência cedida da União para os Estados.
Além disso, são diversas as hipóteses de incidência deste tributo. Estão elencadas na Lei Complementar 87 de 1996 que regulamenta o ICMS, mais precisamente no artigo 2º onde dispõe que o imposto incidirá sobre circulação de mercadorias, prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, de pessoas, bens mercadorias ou valores, prestação onerosas de serviços de comunicação, fornecimento de mercadorias com prestação de serviços além das hipóteses de produtos importados (ÀVILA, 2019).
Uma importante distinção a ser feita sobre este Imposto é entre o ICMS próprio e o ICMS recolhido via Substituição tributária. No primeiro não há grandes diferenças quanto à aplicabilidade da hipótese de incidência e da base de cálculo do ICMS, já no segundo existem peculiaridades importantes que serão explicadas a seguir (CARNEIRO, 2020).
É essencial distinguir um do outro na medida que o objeto de estudo do presente trabalho é a criminalização do ICMS próprio declarado e não pago. A substituição tributária nada mais é do que responsabilizar a empresa que se encontra no início dessa cadeia (no caso a indústria) pelo ICMS. Os substituídos “pagarão” o tributo embutido no preço, portanto de forma indireta, quando forem obter o produto para a próxima etapa do caminho a ser percorrido e a indústria sendo a contribuinte de direito do ICMS de toda a cadeia, vai declarar e recolher o tributo em favor do Estado (SILVA, 2020).
Ao passo que o ICMS próprio, por óbvio é o imposto declarado e recolhido no próprio estabelecimento sem o pagamento do ICMS embutido no preço advindo de uma série de vendas até o consumidor final (SILVA, 2020).
Continuando, a doutrina, sobretudo o ilustríssimo professor Eduardo Sabbag (2015, p. 683) discute que há quatro impostos definidos no conceito legal do ICMS; a saber:
a) o imposto sobre a circulação de mercadorias; b) o imposto sobre serviços de transportes urbanos e interestaduais de comunicação; c) o imposto sobre serviços de transportes interurbanos e interestaduais e de comunicação; d) o imposto sobre a produção, importação, circulação, distribuição e consumo de combustíveis líquidos e gasosos e energia elétrica; e por fim, o imposto sobre extração, importação, circulação, distribuição e consumo de minerais.
No que tange ao fato gerador, este é a circulação de mercadoria ou prestação de serviços interestadual ou intermunicipal de transporte e de comunicação ainda que iniciados no exterior (BRASIL, 1988). Neste artigo, limita-se o estudo do ICMS ao fato gerador oriundo da circulação de mercadorias, estabelecendo relação direta com a atividade comercial, de vendas, rotineiramente praticadas pelos estabelecimentos empresariais brasileiros e que fomentam a economia do país.
A Circulação de mercadoria incide em qualquer ato ou negócio, não importando sua natureza jurídica, desde que haja de fato alteração de propriedade em função da trajetória da mercadoria na cadeia de consumo (SABBAG, 2015).
No referente aos sujeitos, o artigo 155, II da Constituição Federal aduz que caberá aos Estados e ao Distrito Federal instituírem o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços, de forma que serão eles os sujeitos ativos das obrigações tributárias quando verificada a realização do fato gerador de ICMS, nos termos do Título II do Código Tributário Nacional (BRASIL, 1988).
Conforme dispõe a Constituição Federal, caberá a Lei complementar definir os contribuintes do ICMS. Desse modo, houve a promulgação da Lei Complementar 87/96 em seu artigo 4º, que define que o sujeito passivo do ICMS poderão ser as pessoas que praticam operações relativas à circulação de mercadorias; os importadores de bens de qualquer natureza; os prestadores de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e os prestadores de comunicação, desde que o façam com habitualidade ou com o volume necessário que caracterize intuito comercial (BRASIL, 1996).
Nota-se neste ponto, a inclusão do comerciante como contribuinte do ICMS, uma vez que em sua atividade comercial há a promoção da circulação de mercadorias de forma habitual. O comerciante que realiza uma venda para um consumidor final, portanto, prática fato gerador do ICMS, sendo este obrigado a recolher o ICMS desta operação. Nesse caso, o imposto a ser recolhido recebe o nome de ICMS-Próprio, uma vez que o comerciante, na qualidade de contribuinte, será obrigado a recolhê-lo aos cofres públicos (NOVAIS; GIOVANETTI, 2020).
Verifica-se que o consumidor final da mercadoria sobre a qual incide o ICMS-Próprio não é contribuinte do tributo, visto que tão somente o comerciante está enquadrado neste ônus. Assim, o consumidor final assume tão somente a repercussão econômica do tributo que será inserido no preço da mercadoria adquirida, de modo a não se enquadrar como sujeito passivo da relação jurídica tributária presente entre o Fisco e o comerciante. Comumente, o consumidor final é tratado como contribuinte de fato, e o comerciante, o de direito (NOVAIS; GIOVANETTI, 2020).
A par dessa informações gerais, parte-se para a limitação objetiva desse tema, que será melhor analisado no tópico seguinte.
4 ICMS DECLARADO E NÃO PAGO: APONTAMENTOS
O lançamento do ICMS ocorre por homologação, nos termos do artigo 150 do Código Tributário Nacional, de forma que o contribuinte ou responsável tributário, conforme reza o artigo 121 do Código Tributário Nacional, irá verificar os valores a serem recolhidos, declarar ao fisco e recolher aos cofres públicos os valores devidos. Nessa hipótese, o Fisco irá verificar as informações declaradas pelo sujeito passivo e homologará o lançamento (BRASIL, 1966).
Nota-se que é nesta fase que se encontra o objeto deste presente artigo, uma vez que ao declarar ao Fisco a existência do fato gerador e dos valores a serem recolhidos aos cofres públicos, o sujeito passivo indica seu intuito de pagar o crédito tributário, visto que concede ao Poder Público o conhecimento dos fatos ali declarados. Nesse sentido, não há qualquer dolo por parte do sujeito passivo em fraudar o fisco, mesmo diante do seu inadimplemento (SILVA, 2020).
Contudo, no capítulo oportuno deste presente estudo será abordado esse conteúdo, uma vez que o STF já decidiu que poderá ser preso o sujeito passivo pelo inadimplemento do ICMS próprio declarado e não pago, dede que seja comprovado, na instrução de ação penal, o dolo de se apropriar de valores de terceiros, o que não ocorre, data vênia, quando se trata de operação própria (CARNEIRO, 2020).
Nos termos do artigo 155, §2º da Constituição Federal, o ICMS será não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou por outro Estado ou pelo Distrito Federal (BRASIL, 1988).
Tal princípio constitucional encontra-se regulado pelo artigo 19 da Lei em destaque, dispositivo que contém redação semelhante à norma Constitucional supracitada. Sabbag (2015) afirma sobre o referido princípio que, do ponto de vista econômico, pode-se afirmar que o princípio se refere à incidência do valor agregado em cada operação. Do ponto de vista jurídico, por seu turno, o ICMS atua pelo mecanismo da “compensação”. Não se trata, todavia, de “compensação tributária”, pois os créditos não são líquidos e certos; cuida-se de compensação financeira, em que apenas descritivamente se compensam créditos e débitos. É a compensação pelo sistema tax on tax, em que se abate o débito gerado na saída do crédito correspondente ao imposto cobrado na entrada (SABBAG, 2015).
Verifica-se que a operação do adimplemento da obrigação tributária do ICMS é cumprida por um sistema de compensação entre os créditos, oriundos dos insumos adquiridos pelo comerciante em um determinado período, e os débitos, referentes à saída da mercadoria do estabelecimento comercial. O imposto, portanto, será recolhido sobre o saldo de cada fase da circulação da mercadoria na cadeia tributária do produto (SILVA, 2020).
Diante desse cenário, encontra-se o crime de apropriação indébita tributária. O crime em análise encontra-se tipificado pela Lei 8.137 de 1990, em seu artigo 2º, inciso II. Alude tal norma incriminadora que constitui crime contra a ordem tributária deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos (BRASIL, 1990).
Salienta-se que embora a norma seja de caráter penal, está diretamente relacionada ao Sistema Tributário Nacional. Assim, verificar-se-á a análise geral do crime de apropriação indébita tributária para posterior enquadramento na situação do ICMS-próprio, declarado e não adimplido.
Trata-se de crime que possui como bem jurídico tutelado a ordem tributária, sendo esta entendida como o interesse do Estado em obter uma das fontes de receitas públicas derivadas, por intermédio de uma prestação compulsória, observados os preceitos da legislação tributária para a consecução de seus fins. Cuida-se de bem macrossocial, coletivo.
Secundariamente, protegem-se a Administração Pública, a fé pública, o trabalho e a livre-concorrência, consagrada pela CF como um dos princípios da ordem econômica (art. 170, IV), uma vez que “os agentes econômicos que não recolhem regularmente os tributos poderão ter preços melhores do que aquele que recolhe seus tributos, caracterizando uma verdadeira concorrência desleal” (GONÇALVES, 2017, p. 661).
Em relação aos sujeitos, o sujeito ativo é o autor do crime. É, portanto, sobre o responsável pela administração da pessoa jurídica que se apropria de valores de terceiros indevidamente que recairá a sujeição ativa do crime previsto pelo artigo 2, inciso II da Lei 8.137 de 27 de dezembro de 1990, dado que a responsabilidade penal é sempre subjetiva, de modo que, em caso de crime praticado no âmbito de uma pessoa jurídica, responderá pelo crime aquele que detinha, de fato, o poder de gestão (GONÇALVES, 2017, p. 662).
Sujeito passivo é a vítima do crime, aquele que sofre o ato reprimido pelo ordenamento jurídico. Portanto, no âmbito dos crimes tributários, tem-se que, diretamente, a sujeição passiva recai sobre o próprio Fisco, uma vez que os valores dos tributos indevidamente apropriados deveriam ser recolhidos aos cofres públicos. Assim, tem-se que o sujeito passivo é a pessoa jurídica titular do direito de cobrar o respectivo tributo, podendo ser a União, o Estado ou o Município (GONÇALVES, 2017, p. 663).
Sobre a consumação, considera-se consumado o crime “com o vencimento do prazo para recolhimento do tributo descontado ou cobrado” (GONÇALVES, 2017, p. 690), qual seja o último momento em que o responsável tributário deixou de repassar ao fisco os valores retidos.
Em relação a incidência do crime sob a ótica tributária, verifica-se que o crime ocorrerá tão somente nas obrigações nas quais esteja presente a sujeição passiva do responsável tributário.
A apropriação indébita tributária está estritamente relacionada à substituição tributária, porquanto é nesse caso que um terceiro colaborador, considerado substituto, em razão da sua proximidade e das suas relações com o contribuinte e com o fato gerador de determinado tributo, é obrigado, por lei, a proceder, com o dinheiro e em nome do contribuinte, ao recolhimento do tributo devido. [...] A referência a valor de tributo descontado ou cobrado remete às diversas modalidades de substituição tributária. Há a substituição comum, em que o tributo é descontado do contribuinte quando o substituto que o contrata o remunera. Nesse caso, ocorre uma retenção. E há, também, a denominada substituição tributária para a frente, quando um agente econômico que se relaciona com o contribuinte adquirente das suas mercadorias antes mesmo da ocorrência do fato gerador do tributo é obrigado por lei a cobrar do contribuinte não apenas o preço dos seus produtos, mas também um valor a título do tributo objeto da substituição tributária (PAULSEN, 2020, p. 819).
Verifica-se, de antelóquio, a necessidade de um terceiro na relação jurídica tributária para que ocorra o crime em análise. Tal terceiro, denominado como responsável tributário, por força de lei, deve descontar ou cobrar do contribuinte do tributo os valores a serem repassados ao Fisco.
Verificado a situação central dessa pesquisa, deve-se analisar os efeitos que esse ato gera no meio jurídico, o que será discutido no próximo tópico.
5. DAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS
Para discutir a questão levantada por esse estudo, é preciso ter como base a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, ao qual decidiu-se pela situação aqui analisada.
Trata-se de uma decisão do Pleno do Supremo Tribunal Federal que tipificou o inadimplemento do ICMS próprio declarado no crime de apropriação indébita tributária. Tal decisão fora publicada em meio de diversas controvérsias levantadas, uma vez que trouxe à tona a discussão da possibilidade de prisão por dívidas tributárias no Brasil, diante deste novo posicionamento jurisprudencial.
O Plenário do Supremo Tribunal Federal começou a julgar o RHC 163.334 no dia 11 de dezembro de 2019. O presente recurso buscou discutir a tipificação do ato de declarar regularmente o ICMS próprio, mas não recolher os valores devidos em benefício do Estado no crime de apropriação indébita. Sobre Relatoria do Ministro Luís Roberto Barroso.
Em resumo, o caso que sofreu a impetração do Recurso Ordinário em Habeas Corpus é oriundo do Estado de Santa Catarina. Quem figura no polo ativo do Recurso Ordinário em Habeas Corpus são os sócios-administradores de uma Empresa, na qual declararam operações de venda sem recolher o ICMS em diversos períodos, tendo entrado três vezes em programas de parcelamento de crédito tributário.
Diante da contumácia do não recolhimento, foram denunciados pela prática do crime previsto no artigo 2º, II da Lei 8.137 de 1990.
Com base nessas infomações primárias, nota-se que os Sócios-Administradores teriam cobrado no preço o ICMS e não houve o repasse para o fisco. O Juízo de primeiro grau, ao julgar o caso, absolveu sumariamente os denunciados pois entendeu que o fato ora narrado seria atípico, houve apelação dessa decisão pelo Ministério Público e em segunda instância o tribunal de justiça de Santa Catarina reformou a decisão dando prosseguimento à ação, já que houve o entendimento de que o fato era, de fato, típico.
Ato contínuo, a Defensoria pública de Santa Catarina impetrou Habeas Corpus junto ao Superior Tribunal de Justiça. Nessa oportunidade, o Habeas Corpus fora rejeitado por maioria em acórdão de relatoria do Excelentíssimo Ministro Rogerio Schietti Cruz. Há de se fazer uma pausa lógica no julgamento do caso pelo Superior Tribunal de Justiça vez que esta é a decisão atacada no Recurso Ordinário em Habeas Corpus nesta oportunidade estudado.
No Superior Tribunal de Justiça, o Ministro Rogério Schietti, ao votar, como relator, trouxe importante distinção para o caso utilizando-se das teses firmadas por outras Turmas, mais especificamente o entendimento firmado entre a 5ª e 6ª Turmas do STJ. O contraste nos julgamentos é dado, especial, se debruçado sobre o ICMS próprio e o ICMS sob o regime de Substituição tributária na medida em que a Sexta Turma entende que há necessidade de distinção entre as duas hipóteses.
A Sexta Turma firmou entendimento no sentido de que não é fato típico que se enquadre no artigo 2º, II da Lei 8.137/90 a conduta de declarar e não recolher ICMS próprio. A conduta tipificada no artigo destacado será tão somente na hipótese de o contribuinte declarar e não recolher o ICMS sob o regime de Substituição tributária6. Ainda assim, existem decisões monocráticas da Sexta Turma no mesmo sentido que a Quinta Turma julgou o tema.
Já a Quinta Turma entendeu, por unanimidade nos casos de Julgamentos Colegiados como, por exemplo, o RHC n. 42.923/SC de Relatoria do Ministro Felix Fischer de junho de 2015, que não há essa diferenciação levantada pela Sexta Turma, diz-se com isso que em qualquer hipótese de Declaração e não recolhimento de ICMS, seja no próprio ou sob regime de Substituição Tributária, é fato típico previsto no artigo 2º, II da Lei 8.137/90.
Por ocasião dos entendimentos díspares entre as Turmas, o Ministro Relator Rogério Schietti propôs o debate do tema pela Terceira Seção para uniformização do entendimento das Turmas. Em fase posterior, A terceira turma, por maioria, denegou a ordem.
A defesa interpôs Recurso Ordinário em Habeas Corpus no Supremo Tribunal Federal em face do acórdão da terceira turma do STJ. Ocorre que no dia 18 de dezembro de 2019, ao julgar o referido recurso, o STF ratificou o entendimento do STJ e fixou a seguinte tese: “O contribuinte que, de forma contumaz e com dolo de apropriação, deixa de recolher o ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço incide no tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990”. Tal tese fora proferida no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus sob o número 163.334 de Santa Catarina, o qual teve a relatoria do Ministro Roberto Barroso.
Verifica-se que a tese fixada pelo STF sobre a criminalização do inadimplemento do ICMS devidamente declarado generalizou o enquadramento do crime de apropriação indébita tributária, tanto nas operações de substituição tributária, quanto nas operações próprias.
A tese fixada pelo pleno do STF no RHC 163.334 trouxe à tona o entendimento de que não é relevante a forma de operação do ICMS, se recolhido por substituição tributária ou própria, para a tipificação no crime de apropriação indébita tributária. Ocorre que o crime tributário em análise requer a existência de um terceiro na relação jurídica tributária para a sua configuração. Sob a análise do ICMS-próprio, evidencia-se que não há um terceiro na relação tributária, uma vez que o único sujeito passivo desta obrigação é tão somente o contribuinte, nos termos do artigo 121 do CTN e artigo 4 º da Lei Complementar 87 de 1996 (SILVA, 2020).
Assim, o comerciante, ao efetuar a saída da mercadoria do seu estabelecimento, nos termos do artigo 2º da Lei Complementar 87 de 1996, realiza fato gerador do ICMS, e deve recolher ao Fisco os valores devidos deste tributo. Nota-se, portanto, que não há circulação nas mãos do comerciante, de valores de terceiros, sendo inviáveis assim quaisquer indícios de apropriação indébita. Para
Paulsen (2020, p. 824) explica que ocorrida a saída da mercadoria do estabelecimento – fato gerador do ICMS – “o tributo terá de ser pago no seu prazo de vencimento, tenha ou não o adquirente adimplido o preço, que, muitas vezes, é parcelado ou quitado em prazo superior ao do recolhimento do tributo”.
De acordo com Novais e Giovanetti (2020) a tese firmada pela Suprema Corte, caminha em sentido contrário à operacionalização do ICMS-próprio, uma vez que ratificou o julgado do STJ que aludiu em sua ementa que a elementar “cobrado” do tipo penal do crime de apropriação indébita tributária deve ser compreendido nas relações tributárias havidas com tributos indiretos (incidentes sobre o consumo), de maneira que não possui relevância o fato de o ICMS ser próprio ou por substituição, porquanto, em qualquer hipótese, não haverá ônus financeiro para o contribuinte de direito (HC 399.109/SC).
Recanicci e Pompeu (2019) acentuam que ao se tratar de ICMS-próprio, é impossível imputar ao comerciante a conduta de cobrança de tributos ao consumidor final/adquirente, uma vez que este não é sujeito passivo da relação tributária. O que se tem presente é tão somente o acréscimo do valor da mercadoria sobre a despesa que incorreu o comerciante ao recolher o ICMS devido, assim como ocorre com diversas despesas que possui o comerciante, fato que se reflete no preço do produto, como mão-de-obra, aluguel, entre outros.
Com base nisso, entende-se por equivocada a generalização do termo cobrado ao ICMS-próprio, uma vez que se tem por atípica a conduta do comerciante em não recolher o ICMS de operação própria ao Fisco, por se se tratar de mero inadimplemento fiscal.
No julgamento do RHC 163.334, em que se fixou a tese que fundamenta a análise deste estudo, a Suprema Corte decidiu que, para incorrer no crime do artigo 2º, inciso II da Lei 8.137 de 1990, além de possuir o dolo de apropriação, é necessário que o contribuinte seja devedor contumaz do ICMS. Os ministros, portanto, demonstraram a intenção de preservar os contribuintes e responsáveis que recolhem com assiduidade o ICMS, mesmo na qualidade própria ou por substituição.
Assim, aqueles que passam por dificuldades financeiras ou que questionam débitos na justiça, teoricamente, não incorreriam na conduta enquadrada como típica no crime de apropriação indébita tributária. Salientaram, ademais, condutas que induzem, no momento da instrução criminal, a qualidade de devedor contumaz do ICMS, como a “inadimplência reiterada, venda de produtos abaixo do preço de custo, obstáculos à fiscalização, uso de laranjas e nenhuma tentativa de regularizar a situação fiscal” (RECANICCI; POMPEU, 2019).
Ademais, um ponto discordante frente à decisão da Suprema Corte é em relação à possibilidade de prisão. Nos termos do artigo 5º, inciso LXVII da Carta Magna Brasileira “não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.” (BRASIL, 1988). Atualmente, apenas há prisão por dívida em casos de obrigação alimentar.
Ocorre que com o julgamento do RHC 163.334 pelo STF em dezembro de 2019, aquele que declara o ICMS e o deixar de recolher no devido prazo legal, mesmo que em operação própria, poderá ser preso por dívidas tributárias. Assim, entende-se nesse estudo que a prisão por dívida tributária referente ao ICMS-Próprio é uma violação ao regime democrático de direito, porque atinge um dos direitos humanos fundamentais no que se refere à liberdade, o que demonstra um retrocesso no processo de democratização brasileira.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No presente trabalho buscou-se entender o caminho tomado pelo Poder Judiciário para criminalizar o ato de declarar e não pagar o ICMS próprio de forma dolosa e contumaz. A base do direito tributário nacional serviu de alicerce para entender a diferença entre os tipos de tributos existentes no país e em especial o ICMS, imposto que foi objeto central da discussão no julgamento do Recurso em Habeas Corpus 163.334 de Santa Catarina, oportunidade em que o Supremo Tribunal Federal firmou tese desfavorável ao contribuinte.
No caso aqui estudado, o debate reside na constitucionalidade ou não do artigo 2º, II da Lei 8.137 de 1990 que tipifica a conduta do agente que, dolosamente, apropria-se de valor destinado à arrecadação de ICMS já declarado (quer-se dizer, cobrado) e não recolhido. A dificuldade está na comprovação do dolo e da contumácia do ato do agente, além de se afastar o entendimento de que o ato praticado seja enquadrado como mero inadimplemento, não cabendo a tutela do direito penal respeitando, portanto, em atendimento ao artigo 5º, LXVII que veda a prisão por dívida.
Como foi demonstrado, o direito material e processual pode e consegue abarcar a tipificação da conduta retratada acima, já que o ato praticado pode configurar apropriação indébita tributária e não mero inadimplemento, conforme a jurisprudência firmada anteriormente ao próprio julgamento do Recurso em Habeas Corpus 163.334.
Conclui-se, por fim que a criminalização da Declaração e não recolhimento do ICMS próprio é possível e se caracteriza como apropriação indébita tributária por ocasião do imposto não compor o faturamento da empresa, sendo certo que os valores declarados não são do empresário para que deles possa dispor, além da existir a necessidade de se comprovar o dolo e a contumácia dos atos do agente, desde modo, separa-se o mero inadimplemento do crime tipificado no artigo 2º, II da Lei 8.137 de 1990 como bem julgou o Supremo Tribunal Federal.
Ademais, calha-se que ao se referir às dívidas tributárias, o Supremo Tribunal Federal inova o ordenamento jurídico brasileiro, trazendo consigo um posicionamento que torna possível a prisão por débitos fiscais no país. Revela-se, portanto, um retrocesso à ordem jurídica democrática de direito, afrontando o princípio da liberdade individual, cláusula pétrea da Constituição Federal de 1988.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LARYSSA DANTAS MAGALHãES, . ICMS declarado e não pago é crime? Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 out 2022, 04:25. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59478/icms-declarado-e-no-pago-crime. Acesso em: 23 dez 2024.
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