RESUMO: O desempenho das funções da Administração Pública de modo célere e eficiente constitui mandamento nuclear do interesse público. Práticas que correspondam a isso são, paulatinamente, implementadas no bojo da atividade administrativa. O Sistema de Registro de Preços constitui-se em importante ferramenta de gestão em busca da almejada eficiência, pois proporciona racionalização às compras públicas. Além de apresentar os conceitos e os aspectos relevantes que compreendem a sua sistemática, analisar-se-á o instituto denominado carona, que possibilita a adesão à ata de registro de preços por órgãos e entidades da Administração Pública não participantes do certame.
Palavras-chave: Administração Pública. Licitação. Sistema de Registro de Preços.
INTRODUÇÃO
A Constituição da República de 1988 estabelece para a Administração Pública o dever de licitar, a fim de garantir que os fornecedores contratados sejam os que ofereçam as condições mais vantajosas para a aquisição de bens e a contratação de serviços.
O sistema de registro de preços constitui-se como um importante instrumento para a obtenção da proposta mais vantajosa. Nele, a Administração promove o procedimento licitatório, na modalidade de concorrência ou pregão, propondo-se a selecionar produtos e serviços e os respectivos fornecedores. Os interessados formulam suas propostas e, selecionados os vencedores, é firmado instrumento de cunho normativo, denominado ata de registro de preços.
Na ata de registro de preços, deverão constar o objeto licitado com suas especificações, as condições para sua execução, o preço por unidade ofertado, a qualificação de quem assume a obrigação perante a Administração, o prazo de vigência e o procedimento para a formalização de futuros contratos.
Discute-se a legalidade da adesão à ata de registro de preços, figura vulgarmente conhecida como carona, em que uma entidade estatal que não tenha participado da licitação que deu origem à ata de registro de preços possa a ela aderir como se sua fosse.
1 DA OBRIGAÇÃO DE LICITAR
Licitação é um procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse.
Nas palavras de Di Pietro, é
o procedimento administrativo pelo qual um ente público, no exercício da função administrativa, abre a todos os interessados, que se sujeitem às condições fixadas no instrumento convocatório, a possibilidade de formularem propostas dentre as quais selecionará e aceitará a mais conveniente para a celebração de contrato.[1]
Desenvolve-se por meio de sucessão ordenada de atos vinculados para a Administração e os licitantes, no intuito de proporcionar igualdade aos interessados e fornecer eficiência e moralidade à atividade administrativa.
A contratação de um particular pela Administração Pública, intitulada contrato administrativo, justifica-se, para Justen Filho, nos seguintes aspectos:
Relevância política: em um Estado Democrático, os bens ou serviços dos particulares somente poderão ser obtidos mediante a observância de certos procedimentos e dentro de limites específicos. O Estado e o particular celebram o acordo mediante consenso de ambas as partes.
Relevância econômica: o contrato com o particular representa a satisfação das necessidades do Estado – revela-se como economicamente mais vantajoso que o Estado promova a contratação de particulares para o desempenho de atividades necessárias à satisfação das necessidades coletivas. Ao invés de adquirir a propriedade de bens e instrumentos necessários à execução de serviços e à satisfação de necessidades coletivas, o Estado recorre à iniciativa privada.
Relevância político-econômica: os gastos públicos são um fator essencial para a promoção do desenvolvimento econômico e social, na consecução das políticas públicas.[2]
Até 1967, as compras públicas estavam regidas pelo Decreto n. 4.536/1922, conhecido como Código da Contabilidade Pública da União. Não existia, ainda, o instituto da licitação propriamente dito. Havia apenas a previsão de que “ao empenho da despesa deverá preceder contracto, mediante concurrencia publica”.[3]
Por meio da Lei n. 4.401/1964, o termo licitação foi introduzido, pela primeira vez, em seu sentido de gênero abrangente de variadas espécies ou modalidades.[4]
Somente com o advento da Reforma da Administração Federal, de 1967, é que teve início a sistematização das licitações, ao estabelecerem-se normas gerais para seu procedimento e preceitos particulares para suas modalidades: concorrência, tomada de preços, convite, concurso e leilão, nos termos dos arts. 125-144 do Decreto-lei 200/1967.
Mantendo as mesmas diretrizes, as compras públicas passaram a ser regidas pelo Decreto-lei 2.300/1986, com alterações proporcionadas pelos Decretos-lei 2.348/1987 e 2.360/1987.
Atualmente, estão em vigor dois diplomas que tratam do estatuto jurídico das licitações e dos contratos administrativos pertinentes a obras, serviços, compras, alienações e locações no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
A Lei n. 8.666/1993 terá vigor até o dia 01º de abril de 2023, ocasião em as licitações e contratos administrativos serão exclusivamente regidas pela lei n. 14.133/2021.
A licitação não consiste em faculdade da Administração Pública, mas sim em verdadeira obrigação, cujo escopo é garantir isonomia, vantajosidade nos contratos, transparência e moralidade.
Tal dever encontra-se encampado no texto constitucional:
Art. 37. [...]
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
O procedimento licitatório possui dupla finalidade, pois se de um lado busca a obtenção de um contrato vantajoso para a Administração, por outro visa ao resguardo dos direitos de possíveis contratados, a serem lecionados de modo impessoal e transparente.
2 O SISTEMA DE REGISTRO DE PREÇOS
Em processo de contratação comum, a Administração decide o que e em que quantidade pretende contratar e os interessados no certame oferecem propostas, cujo detentor da mais vantajosa será, depois de concluído o procedimento, convocado para firmar contrato.
Com o contrato, o licitante obriga-se a prestar o ofertado na licitação e a Administração Pública, por seu turno, obriga-se a recebê-lo e por ele pagar.
O sistema de registro de preços foge dessa sistemática ao introduzir mecanismos específicos que visam a facilitar o gerenciamento de contratos, mormente nos casos em que a necessidade da Administração em relação a determinados bens é contínua, dispensando a realização de onerosos procedimentos licitatórios.
De acordo com Hely Lopes Meirelles, sistema de registro de preços
é o conjunto de procedimentos para registro e assinatura em Ata de Registro de Preços que os interessados se comprometem a manter por um determinado período de tempo, para contratações futuras de compras ou de serviços frequentes, a serem realizadas nas quantias solicitadas pela Administração e de conformidade com o instrumento convocatório da licitação.[5]
A definição legal não destoa da doutrina. A Lei n. 14.133/2021, em seu art. 6º, inciso XLV, define sistema de registro de preços como o “conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras.”.
O registro de preços abrange três etapas: licitação, ata de registro de preços e contrato.
Inicialmente, lança-se a licitação, nas modalidades concorrência ou pregão, que se constitui no processo de seleção do futuro fornecedor, assegurando a todos o direito de disputarem em igualdade de condições as futuras contratações.
Devidamente homologada, o vencedor da licitação é convocado para assinar a ata de registro de preços, documento em que assume perante a Administração a obrigação de prestar o objeto licitado de acordo com a necessidade dela e dentro do prazo de validade da ata e dentro do quantitativo definido do edital.
Depois de assinada a ata de registro de preços, a Administração poderá convocar o fornecedor para firmar contrato, quantos necessários forem, de acordo com suas demandas e necessidades.
O sistema de registro de preços não é modalidade de licitação, pois a sua promoção engloba o emprego das modalidades concorrência ou pregão. Trata-se de instrumento disponibilizado para que a Administração gerencie suas demandas, na medida em que a contratação acontece de acordo com elas.
Para Niebuhr, “a principal vantagem do registro de preços ocorre em relação aos objetos cujos quantitativos sejam de difícil previsibilidade, como ocorre com pneus, peças, combustível, material de expediente, medicamentos, insumos de informática, etc.”.[6]
No processo de contratação ordinária, a Administração inicia o procedimento licitatório para aquisição de tais objetos e, com o vencedor do certame, firmará contrato, em que ambos assumirão obrigações recíprocas: o fornecedor, entregar o objeto; a Administração, pagar por ele.
Contudo, devido à imprevisibilidade, o quantitativo adquirido para o ano fiscal poderá ser insuficiente, sendo necessária a realização de novo certame, com todas as formalidades e burocracia, prejudicando a continuidade do serviço público.
Com o sistema de registro de preços, a Administração Pública realiza a licitação com quantitativo superior a sua real estimativa, porquanto o vencedor da licitação não assinará de imediato contrato.
Além disso, permite um controle eficaz da qualidade dos produtos e serviços licitados, bem como dos estoques da Administração Pública.
A título de ilustração, Niebuhr expõe o caso dos medicamentos, que ao serem licitados de maneira ordinária, devem ser guardados em lugar apropriado, devidamente refrigerado e sem umidade. Hipoteticamente, no ápice do verão, o sistema de refrigeração é danificado e, em decorrência disso, os medicamentos perecem. Ou, ainda, a quantidade contratada fora superior a demanda e o restante ultrapassa o prazo de validade, obrigando a Administração a inutilizá-los.[7]
3 A ATA DE REGISTRO DE PREÇOS
No procedimento comum, que não envolva o registro de preços, a contratação ocorre em duas grandes etapas: a licitação e o contrato, que é decorrência imediata daquela.
O Sistema de Registro de Preços, contudo, modificou essa sistemática na medida em que o vencedor da licitação não assina imediatamente contrato com a Administração.
Antes do contrato, há a pactuação da ata de registro de preços, em que o vencedor do certame registra o seu preço, obrigando-se a oferecer à Administração, de acordo com a demanda dela, o objeto licitado.
O prazo de vigência da ata de registro de preços será de 1 (um) ano e poderá ser prorrogado, por igual período, desde que comprovado o preço vantajoso.
A ata de registro de preços não é contrato, mas sim instrumento obrigacional unilateral sem a necessária contraprestação por parte do ente público, própria dos contratos resultantes das licitações comuns.[8]
Fala-se de instrumento de cunho unilateral porque, frise-se, a Administração não está obrigada a firmar o contrato, e apenas o fará de acordo com a sua demanda.[9]
4 A ADESÃO À ATA DE REGISTRO DE PREÇOS
O Decreto Federal n. 7.892/2013, que regulamentou o registro de preços no âmbito da Administração Pública federal, introduziu a possibilidade da ata de registro de preços ser aproveitada por outros órgãos ou entidades da Administração Pública que não participaram do certame.[10]
Nas palavras de Fernandes, “[...] esse procedimento vulgarizou-se sob a denominação de carona que traduz em linguagem coloquial a ideia de aproveitar o percurso que alguém está desenvolvendo para concluir o próprio trajeto, sem custos”.[11]
O tema foi regulamentado pela Lei n. 14.133/2021, em seu art. 86, que possibilita que os órgãos e entidades poderão aderir à ata de registro de preços na condição de não participantes, desde que apresentem justificativa da vantagem da adesão, inclusive em situações de provável desabastecimento ou descontinuidade de serviço público, demonstrem que os valores registrados estão compatíveis com os valores praticados pelo mercado e que haja prévias consulta e aceitação do órgão ou entidade gerenciadora e do fornecedor.
A adesão estará limitada a órgãos e entidades da Administração Pública federal, estadual, distrital e municipal que, na condição de não participantes, desejarem aderir à ata de registro de preços de órgão ou entidade gerenciadora federal, estadual ou distrital.
Além disso, a adesão não poderá exceder, por órgão ou entidade, a 50% (cinquenta por cento) dos quantitativos dos itens do instrumento convocatório registrados na ata de registro de preços.
Para os agentes administrativos, a adesão à ata de registro de preços é prática extremamente cômoda, porquanto oferece oportunidade de contratação sem promover a licitação.
Do ponto de vista do órgão aderente, “pegar carona” é algo muito prático. Além de acelerar o processo de contratação, ele fica desobrigado da tarefa de planejar e enfrentar um processo licitatório, com todos os custos, retardos e desgastes que lhe são inerentes.
Sua utilização é justificada na economia que pode proporcionar ao erário, pois ao estender a melhor proposta obtida por um ente da Administração aos outros, estes poderão dirigir seus esforços na consecução de suas atividades-fim, no escopo de satisfazer o interesse público.
CONCLUSÃO
O Sistema de Registro de Preços é uma ferramenta que possibilita o gerenciamento de estoques, o controle de qualidade, a não necessidade de reserva orçamentária e a não realização de licitações para a aquisição do mesmo objeto no decorrer do exercício financeiro.
Por meio dele, é realizado um conjunto de procedimentos para registro formal de preços relativos à prestação de serviços e aquisição de bens para contratações futuras. Em seguida, é assinado um documento, denominado ata de registro de preços, que estabelece a possibilidade de contratação futura, em que se registram os preços, fornecedores e condições a serem praticadas.
Essa possibilidade é justificada na medida em que se evita a repetição de licitações e, consequentemente, há diminuição de custos e tempo para que a Administração Pública possa focar os seus esforços na consecução de suas atividades fim.
O procedimento de adesão à ata de registro de preços é, à vista de todo o exposto, compatível com o ordenamento jurídico pátrio pois, enquanto instrumento da Administração Pública gerencial, permite que seja realizado o controle da quantidade e da qualidade das contratações realizadas pelo Estado.
REFERÊNCIAS
DAYRELL, Carlos Leopoldo. Das Licitações na Administração Pública. Rio de Janeiro: Forense, 1973.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013.
FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Carona em sistema de registro de preços: uma opção inteligente para redução de custos e controle. O Pregoeiro, v. 3, out. 2007. Disponível em: <http://www.jacoby.pro.br/Carona.pdf>. Acesso em 10 set. de 2022.
GUIMARÃES, Edgar Guimarães. NIEBUHR, Joel de Menezes. Registro de preços. Aspectos práticos e jurídicos. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012.
LEÃO, Eliana Goulart. O sistema de registro de preços: uma revolução nas licitações. Brasília: Brasília Jurídica, 2001.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 37ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
NOTAS:
[1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2013, p. 370.
[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 15. ed. São Paulo: Dialética, 2012, p. 11-2.
[3] Decreto n. 4.536/1922, art. 49.
[4] DAYRELL, Carlos Leopoldo. Das Licitações na Administração Pública. Rio de Janeiro: Forense, 1973, p. 15.
[5]MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 37ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 357.
[6] GUIMARÃES, Edgar Guimarães. NIEBUHR, Joel de Menezes. Registro de preços. Aspectos práticos e jurídicos. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 28.
[7] GUIMARÃES, Edgar Guimarães. NIEBUHR, Joel de Menezes. Registro de preços. Aspectos práticos e jurídicos. 2. ed. Belo Horizonte: Fórum, 2013, p. 30.
[8] LEÃO, Eliana Goulart. O sistema de registro de preços: uma revolução nas licitações. Brasília: Brasília Jurídica, 2001, p. 112.
[9] Lei n. 14.133/2021, art. 83. A existência de preços registrados implicará compromisso de fornecimento nas condições estabelecidas, mas não obrigará a Administração a contratar, facultada a realização de licitação específica para a aquisição pretendida, desde que devidamente motivada.
[10] Decreto Federal n. 7.892/2013, art. 22. Desde que devidamente justificada a vantagem, a ata de registro de preços, durante sua vigência, poderá ser utilizada por qualquer órgão ou entidade da administração pública federal que não tenha participado do certame licitatório, mediante anuência do órgão gerenciador.
[11] FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Carona em sistema de registro de preços: uma opção inteligente para redução de custos e controle. O Pregoeiro, v. 3, out. 2007. Disponível em: <http://www.jacoby.pro.br/Carona.pdf>. Acesso em 10 set. de 2022.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, ELIOS MATTOS DE ALBUQUERQUE. Aspectos do sistema de registro de preços Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 out 2022, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59515/aspectos-do-sistema-de-registro-de-preos. Acesso em: 24 dez 2024.
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