Resumo: Este artigo tem por objetivo geral averiguar o papel da sociedade civil no controle da Administração Pública à luz do princípio da moralidade. Assim, tem-se como objetivos específicos apresentar o conceito e os princípios que norteiam a Administração Pública; abordar as formas de controle da Administração Pública; destacar os mecanismos de controle social da Administração Pública e a importância da sociedade civil na fiscalização da tomada de decisão dos gestores públicos para assegurar a moralidade administrativa. A pesquisa classifica-se como qualitativa, descritiva e bibliográfica. A hipótese levantada no artigo é de que uma considerável participação da sociedade civil no controle externo dos atos praticados pela Administração Pública poderá proporcionar uma efetividade e lisura para o desempenho das funções governamentais essenciais a sociedade em geral. Inicia-se o artigo pela abordagem dos aspectos conceituais e principiológicos da Administração Pública, passando, em um segundo momento, para a questão do controle da Administração Pública e, por fim, chegando a abordagem do controle social da Administração Pública. O resultado obtido dá conta da importância que a fiscalização externa dos atos da Administração Pública possui para que a transparência e a juridicidade dos atos administrativos sejam garantidas de maneira ampla.
Palavras-chaves: Controle Social. Gestão Pública. Moralidade Administrativa. Participação Social.
Abstract: The general objective of this paper is to investigate the role of civil society in controlling the Public Administration in light of the principle of morality. Thus, it has as specific objectives to present the concept and principles that guide the Public Administration; to address the forms of control of the Public Administration; to highlight the mechanisms of social control of the Public Administration and the importance of civil society in overseeing the decision making of public managers to ensure administrative morality. The research is classified as qualitative, descriptive and bibliographical. The hypothesis raised in the paper is that a considerable participation of civil society in the external control of the acts performed by the Public Administration can provide effectiveness and smoothness to the performance of governmental functions that are essential to society in general. The paper begins by approaching the conceptual and principle aspects of the Public Administration, moving on, in a second moment, to the issue of control of the Public Administration and, finally, arriving at the approach of social control of the Public Administration. The result obtained shows the importance that the external inspection of the Public Administration's acts has for the transparency and legality of administrative acts to be broadly guaranteed.
Keywords: Social Control. Public Management. Administrative Morality. Social Participation.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: ASPECTOS CONCEITUAIS E PRINCIPIOLÓGICOS; 2.1. Princípios expressos norteadores da Administração Pública; 3. CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA; 3.1 CONCEITO; 3.2 CONTROLE INTERNO; 3.3 CONTROLE EXTERNO; 4. CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA; 4.1. CONTROLE SOCIAL: DIREITO À INFORMAÇÃO, TRANSPARÊNCIA E PARTICIPAÇÃO SOCIAL; 4.2. MECANISMOS DE EXERCÍCIO DO CONTROLE SOCIAL; 4.3. ASPECTOS CRÍTICOS DA PARTICIPAÇÃO SOCIAL NA GESTÃO DA COISA PÚBLICA E O PRINCÍPIO DA MORALIDADE; 5. CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.
Ao longo das últimas décadas a Administração Pública brasileira sofreu significativas mudanças em sua forma de atuação, principalmente por ter migrado do modelo burocrático, que centralizava inúmeras atividades no poder do Estado, para o modelo gerencial, com vistas a assegurar uma eficiência de fato.
Dentre as alterações sofridas no âmbito da Administração Pública ganha destaque as formas de controle, pois o modelo gerencial busca, como dito, aumento de eficiência, e clama mecanismos de controle dos atos praticados pelos gestores públicos, buscando assegurar o bem-estar coletivo.
O constituinte, no afã de assegurar mecanismos de controle, estabeleceu competências mas, sobretudo, consagrou princípios norteadores da Administração Pública, em todas as suas searas. Trata-se dos princípios elencados no caput do artigo 37 da CRFB/88, quais sejam, o princípio da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Não é demais ressaltar que quando práticas ímprobas se instauram na Administração Pública, há um comprometimento do bem-estar coletivo. Por isso, a doutrina pátria aponta ser a probidade intrinsecamente relacionada ao princípio da moralidade, e clama dos agentes públicos uma atuação ética. Desta forma, se distingue da moral comum, pois possui cunho jurídico, podendo inclusive levar à invalidação de atos praticados em sua inobservância.
Em que pesem as mudanças para assegurar aumento de transparência na Administração Pública, alguns problemas ainda persistem, a exemplo da corrupção, da prática de atos de improbidade, dentre outros fatos que comprometem a eficiente gestão da coisa pública e reflete na sociedade.
Nesse cenário os mecanismos de controle da Administração Pública nos âmbitos interno e externo. Por exemplo, tem-se o controle administrativo, que é posto em prática pelo Executivo e por órgãos administrativos dos Poderes Legislativo e Judiciário, levando-se em conta os aspectos de legalidade e mérito do ato administrativo, seja por iniciativa própria, seja mediante provocação.
Porém, uma forma de controle ainda é mitigada. Trata-se do controle externo exercido pela sociedade, também denominado de controle social, exercido por meio da fiscalização e de denúncias em relação a irregularidade, que assim como as demais formas é importante para assegurar uma eficiente gestão e, em caso de atos que afrontem a moralidade administrativa, a responsabilização dos agentes.
Portanto, pauta-se o artigo na seguinte indagação: como a sociedade civil pode atuar no controle da Administração Pública Brasileira para que a tomada de decisão dos gestores públicos seja balizada no princípio da moralidade, tendo em vista o previsto na CRFB/88?
Para responder ao problema de pesquisa, tem-se como objetivo geral averiguar o papel da sociedade civil no controle da Administração Pública à luz do princípio da moralidade. E, como objetivos específicos busca-se apresentar o conceito e princípios que norteiam a Administração Pública; abordar as formas de controle da Administração Pública; destacar os mecanismos de controle social da Administração Pública e a importância da sociedade civil na fiscalização da tomada de decisão dos gestores públicos como instrumento para assegurar a moralidade administrativa.
Destarte, no que diz respeito aos métodos, a pesquisa se classifica como qualitativa, descritiva e bibliográfica, pois se busca na doutrina, legislação, artigos, dentre outras fontes, elementos para a compreensão do tema.
A hipótese levantada no artigo é de que uma efetiva participação da sociedade civil no controle externo dos atos praticados pela Administração Pública poderá proporcionar uma efetividade e lisura para o desempenho das funções governamentais essenciais a sociedade em geral.
O estudo do tema se justifica pela pertinência do mesmo para a sociedade civil, em especial no que diz respeito a fiscalização dos atos da Administração Pública em geral.
Inicia-se o artigo pela abordagem dos aspectos conceituais e principiológicos da Administração Pública, passando, em um segundo momento, para a questão do controle da Administração Pública e, por fim, chegando a abordagem do controle social da Administração Pública.
Por fim, o resultado obtido dá conta da importância que a fiscalização externa dos atos da Administração Pública possui para que a transparência e a lisura sejam garantidas de maneira ampla.
2.ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: ASPECTOS CONCEITUAIS E PRINCIPIOLÓGICOS
A Administração Pública, como preleciona Furtado (2010), tem importância pelo fato de que toda a atividade administrativa se desenvolve, direta ou indiretamente, por meio da atuação de órgãos ou entidades públicas. Isso se deve porque o Estado moderno, de feição social e cooperativa, é chamado a interferir em todas as áreas da sociedade, ainda que em algumas o faça de forma menos intensa.
Não destoa desse entendimento as lições de Silva (2015), que ao abordar o conceito de Administração Pública defende tratar-se do conjunto de meios institucionais, financeiros, materiais e humanos preordenados à execução das decisões políticas, ou seja, é subordinada ao poder político, sendo o meio para atingir fins definidos.
Moraes (2016), por sua vez, afirma que a Administração Pública pode ser vista, subjetivamente, como o conjunto de órgãos e pessoas jurídicas que, por atribuição legal, exercem a função administrativa do Estado; e, objetivamente, é a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para executar os interesses coletivos.
Já Furtado (2010) apresenta o conceito de Administração Pública a partir dos sentidos orgânico e funcional. Assim, do ponto de vista orgânico, a Administração engloba as diversas unidades administrativas (órgãos e entidades) incumbidas de cumprir os fins do Estado, incluídos aqueles afetos às funções legislativas ou judiciais.
Di Pietro (2019) também apresenta uma divisão no conceito de Administração Pública analisando-a dos pontos de vista subjetivo e objetivo. Em sentido subjetivo, formal ou orgânico, a Administração Pública designa os entes que exercem a atividade administrativa; abarca pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa; e em sentido objetivo, como já mencionado alhures, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incube, predominantemente, ao Poder Executivo.
Em suma, para a supracitada autora, a Administração Pública, em sentido subjetivo, é as pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos que exercem a função administrativa; e, no sentido objetivo, é a atividade administrativa exercida por aqueles entes.
Nesse ponto é que ganha relevo os princípios norteadores da Administração Pública, que se encontram elencados no caput do art. 37 da Constituição Federal de 1988. Dessa forma, todos os administradores, servidores públicos, órgãos, entidades, enfim, todos que participam de forma direta ou indireta com a Administração Pública devem agir conforme os princípios estabelecidos no texto constitucional. E, para assegurar a correta gestão, organização e execução dos atos, o constituinte cuidou de estruturar a Administração Pública de forma a possibilitar a mais eficiente possível gestão da coisa pública, a distinguindo em Administração Direta e Indireta, como se passa a abordar no próximo tópico.
Os conceitos principiológicos supracitados contribuem, sem sombra de dúvidas, para a moralidade da Administração Pública. A participação social efetiva nos atos praticados pela Administração Pública produz uma sensação de controle externo constante, fazendo com que atos temerários e irregulares sejam evitados ou minimizados.
2.1 Princípios expressos norteadores da Administração Pública
A Constituição Federal de 1988 apresenta, no caput do art. 37, cinco princípios norteadores da Administração Pública, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Vale lembrar que os quatro primeiros foram tratados no texto original da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, ao passo que o princípio da eficiência foi introduzido posteriormente, pela Emenda Constitucional nº 19/98.
O princípio da legalidade é uma diretriz fundamental para a própria Administração Pública, cuja validade das condutas administrativas depende da obediência fidedigna deles, como observa Carvalho Filho (2019), entendimento do qual comunga Justen Filho (2016, p. 29), para quem a “atividade administrativa é um conjunto de ações dirigidas à satisfação de necessidades coletivas e à promoção dos direitos fundamentais que se desenvolve sob a égide da legalidade”.
Na mesma senda leciona Mello (2014, p. 978), para quem, no “Estado de Direito a Administração só pode agir em obediência à lei, esforçada nela e tendo em mira o fiel cumprimento das finalidades assinadas na ordenação normativa”, ou seja, toda e qualquer conduta que a Administração Pública pretenda exercer deve estar descrita em lei, mas não só descrito o tipo de conduta, mas na maioria delas a lei ainda traz a forma e o procedimento que ela deve ser feita.
Isso se deve porque a legalidade abrange a concepção de democracia republicana (JUSTEN FILHO, 2016), ou seja, não só deve obedecer à lei específica ao assunto em que a conduta está vinculada, como também, em ordem direta a Constituição.
Desse modo, vê-se que a inobservância da norma imputa em conduta ilícita bem como apuração de responsabilidade e possível punição. Assim, o agente público ao emanar um ato advindo da esfera pública tem a responsabilidade de se pautar nas diretrizes da legalidade. Contudo, a legalidade não é o único princípio limitador da discricionariedade. Tem-se, ainda, a moralidade.
Quanto ao princípio da impessoalidade a doutrina nacional apresenta várias interpretações. A impessoalidade, por si só, “traduz a ideia de que a Administração tem que tratar a todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas [...]" (MELLO, 2014, p. 104).
No entender de Silva (2015, p. 667), "os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário [...]”. Assim, o administrado, ao possuir qualquer questionamento, deve se dirigir ao órgão de onde originou o ato ou provimento e, não ao agente público, que investido de poder, emanou a ordem.
Já Meirelles (2016, p. 81), ao definir o princípio da impessoalidade, associou-o ao princípio do interesse público, afirmando que “o administrador fica impedido de buscar outro objetivo ou de praticá-lo no interesse próprio ou de terceiros”, ou seja, administrador fica vinculado a perseguir a finalidade da função administrativa, o próprio interesse público primário.
Não obstante, o que realmente a Constituição Federal de 1988 objetiva ao consagrar o princípio da impessoalidade é afastar as condutas de ordem pessoal do administrador público da função administrativa, ou seja, “[...] atuações geradas por antipatias, simpatias, objetivos de vingança, represálias, nepotismo, favorecimentos diversos, muito comuns em licitações, concursos públicos, exercício do poder de polícia [...]” (MEDAUAR, 2018, p. 151). É, pois, no Estado Democrático de Direito, um limitador à discricionariedade administrativa.
O terceiro princípio previsto no caput do artigo 37 da CRFB/88 é o da moralidade que, em especial, interessa ao presente estudo. O princípio da moralidade está intimamente ligado ao princípio da legalidade, eis que a conduta imoral do administrador geralmente reflete na violação de algum dispositivo legal. Foi na intenção de inibir o administrador a prática de condutas que visassem somente o seu interesse pessoal dentro da Administração Pública, que a Constituição Federal em seu art. 37, § 4º previu sanções aos que cometessem atos de improbidade administrativa, o que foi regulado posteriormente pela Lei nº 8.429/1992.
Porém, como observa Marinela (2016), a moralidade administrativa não se confunde com a moral comum, ou seja, é de cunho jurídico e exatamente por isso merece reprovação do ordenamento jurídico, com a responsabilização do gestor público que age em desconformidade com a moralidade. E assim acrescenta:
O princípio da moralidade administrativa não se confunde com a moralidade comum. Enquanto a última preocupa-se com a distinção entre o bem e o mal, a primeira é composta não só por correção de atitudes, mas também por regras de boa administração, pela ideia de função administrativa, interesse do povo, de bem comum. Moralidade administrativa está ligada ao conceito de bom administrador (MARINELA, 2016, p. 84).
Sob esta ótica, vê-se que o princípio da moralidade está vinculado à conduta do administrador público, o que Silva (2015, p. 668) define como “[...] conjunto de regras de conduta extraídas da disciplina geral da Administração”, pois aduz que “[...] o cumprimento imoral da lei, no caso de ser executada com intuito de prejudicar ou favorecer deliberadamente alguém” não serve à Administração Pública.
Assim, denota-se que a moralidade administrativa só é respeitada quando o administrador público se abstém do interesse pessoal e visa somente o interesse coletivo, o que está relacionado, por conseguinte, ao princípio da impessoalidade.
Dando seguimento, tem-se o princípio da publicidade que, no Estado Democrático de Direito, tem por finalidade tornar o “governo do poder público em público” (BOBBIO, 1986, p. 84). Isso se deve porque a democracia, por si, necessita da publicidade para que os administrados possam exercer o controle da conduta de seus governantes; não havendo mais espaço para o exercício do poder do Estado por meio de segredos (ressalvados os casos de sigilo), ou seja, sem conhecimento dos administrados.
Dessa forma, a Constituição Federal de 1988 transformou a obscuridade dos atos da Administração Pública em atos públicos ao prever a publicidade como princípio que rege a função administrativa, como exemplifica Medauar (2016, p. 159):
[...] Um dos desdobramentos desse princípio encontra-se no inc. XXXIII do art. 5º, que reconhece a todos o direito de receber; dos órgãos públicos, informações do seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral. O preceito é bem claro: o acesso a informações provindas dos órgãos públicos incide não somente sobre matérias de interesse do próprio indivíduo, mas também sobre matérias de interesse coletivo e geral.
Portanto, a publicidade “vigora para todos os setores e todos os âmbitos da atividade administrativa” (MEDAUAR, 2018, p. 161), e tem por objetivo proporcionar aos indivíduos o direito ao acesso à informação sobre os atos públicos bem como a expedição de documentos entre outras atividades da Administração Pública.
Por último, tem-se o princípio da eficiência, que passou a compor o rol do artigo 37 da CRFB/88, a partir da Reforma Administrativa implementada pela Emenda Constitucional nº 19/1998, pois não constava do texto original da Constituição.
Medauar (2018, p. 161), ao tratar do princípio em comento, observa:
[...] liga-se à ideia de ação, para produzir resultado de modo rápido e preciso. Associado à Administração Pública, o princípio da eficiência determina que a Administração deve agir, de modo rápido e preciso, para produzir resultados que satisfaçam as necessidades da população.
A eficiência contrapõe-se a lentidão, a descaso, a negligência, a omissão. O princípio da eficiência vem suscitando entendimento errôneo no sentido de que, em nome da eficiência, a legalidade será sacrificada. Os dois princípios constitucionais da Administração devem conciliar-se, buscando esta atuar com eficiência, dentro da legalidade.
Desta feita, o princípio da eficiência tem como núcleo principal a prestação de serviço público com perfeição, para que haja a redução do desperdício de verba pública, com base na “produtividade e a economicidade” (MARINELA, 2016, p. 41).
Em suma, a Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, caput, consagra princípios expressos que devem nortear a Administração Pública, dentre os quais se encontra o princípio da moralidade, ao lado da legalidade, impessoalidade, publicidade e eficiência. E, com vistas a assegurar a responsabilização dos agentes públicos que agem em desconformidade com o princípio da moralidade é que o constituinte também determinou, no § 4º, do art. 37 do texto constitucional vigente a punição pelos atos de improbidade administrativas, nos termos da legislação própria.
O princípio da moralidade se mostra com um objeto de desejo dentro de uma Administração Pública ilibada e sem casos de corrupção. Todavia, para que esse princípio possa adquirir um outro patamar de aplicabilidade, é deveras fundamental a participação social na fiscalização dos atos praticados pela Administração Pública.
Resta evidente, do até aqui exposto, que a moralidade é um dos princípios consagrados expressamente no texto constitucional, que deve nortear toda a atividade do gestor público, justificando instrumentos de controle da Administração Pública, como se passa a expor na próxima seção.
3.CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Como apontado na seção anterior, a Constituição Federal de 1988 apresenta, no caput do art. 37, cinco princípios norteadores da Administração Pública, quais sejam, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e transparência. E o princípio da moralidade possui significativo relevo, ao passo que exige uma postura ética dos gestores públicos, justificando a responsabilização quando praticados atos ímprobos.
Outrossim, não se pode ignorar que o administrador público possuir o poder-dever discricionário para a tomada de decisão sobre sua conduta quando dela houver mais de uma possibilidade, a conduta discricionária somente será válida se consistir na adequação da conduta adotada, pelo administrador, junto à finalidade que a lei impunha de tal ato, para que seja legítima (CARVALHO FILHO, 2019). Não obstante, além de observar as disposições legais expressas, o gestor público também deve pautar suas ações nos princípios constitucionais.
Isso se deve porque, como leciona Oliveira (2020), toda atividade administrativa, todos os seus princípios, todos os freios, toda a sua organização e alteração podem ser resumidos no respeito à dignidade humana. Ou, na dignidade do administrado, do cidadão, do servidor e do administrador público, e na abertura à participação comunitária, é que se encontra a justificativa para um controle efetivo dos atos praticados pelos gestores públicos, que devem conduzir seus atos em prol dos anseios sociais, principalmente porque a consecução do bem comum é o objetivo máximo do Estado Democrático de Direito.
Destarte, passa-se então a averiguar o conceito de controle da Administração Pública, objeto do próximo tópico.
O controle da Administração Pública é, em resumo, o conjunto de mecanismos destinados a orientar, revisar e corrigir a atividade administrativa. O controle da Administração Pública pode ser dividido, em relação ao órgão que o exerce, em administrativo, legislativo e judicial. No estudo a ênfase será focada no controle da função administrativa do Estado, haja vista a impossibilidade de se explorar todas as classificações apresentada pela doutrina.
Anote-se que o controle administrativo é executado pelo Poder Executivo e por órgãos administrativos do Legislativo e do Judiciário, levando-se em conta os aspectos de legalidade e mérito, por iniciativa própria ou mediante provocação.
O controle realizado pelo Executivo é aquele em que o próprio órgão ou Poder realiza sobre as atividades que realiza. É, pois, uma forma típica de controle interno, com os mesmos fundamentos apresentados acima sobre este controle (FURTADO, 2010).
Já o controle legislativo é aquele exercido pelo Poder Legislativo, no âmbito de todos os entes federados, em face dos demais Poderes e sobre a sua própria administração. Entende-se que este controle pode ser desmembrado em duas partes: o controle político e o controle financeiro-orçamentário.
Segundo Medauar (2016), o controle político compete exclusivamente ao Congresso Nacional e a suas duas casas: a Câmara dos Deputados e o Senado, além das comissões permanentes e temporárias e tem como objetivo a preservação e o equilíbrio das instituições democráticas do país, faz parte dos freios e contrapesos que caracteriza o Estado Democrático.
Já o controle judicial é o controle realizado somente em relação à legalidade e está restrito à observância do ato e sua conformidade com os regramentos legais e com a Constituição Federal (CARVALHO FILHO, 2019).
Anote-se que o controle realizado pelo Poder Judiciário na sua atividade judicante sobre todos os órgãos e Poderes e tem como base o comando Constitucional contido no art. 5º, inciso XXXV, pois “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” (BRASIL, 1988).
Verifica-se, do aqui exposto, que o controle da Administração Pública nada mais é que a atuação do Estado, em sentido amplo, na fiscalização direta ou indireta dos atos praticados pelos gestores públicos, com vistas a assegurar o bem-estar coletivo e a ilibadas práticas na gestão da coisa pública.
O controle rígido dos atos praticados pela Administração Pública possui correlação direta e dissociável com a moralidade. Quanto mais significativo for o controle externo com a participação social, mais efetivo será o grau de moralidade na estrutura do Poder Público e nas suas relações internas e externas.
Inicialmente, vale ressaltar que a divisão em controle interno e externo da Administração Pública leva em consideração a extensão do controle. Assim, o controle interno se dá quando se realiza por entidade ou órgão que seja responsável pela atividade objeto do controle, no âmbito da própria administração.
Como observa Medauar (2018), o controle interno é o realizado no âmbito de cada Poder, não se confundindo com controle exercido pelo Poder Executivo, pois também é controle interno o realizado no âmbito do Judiciário, do Legislativo, do Ministério Público e do Tribunal de Contas.
Portanto, quando o Tribunal de Justiça de um Estado-membro realiza o controle de atos praticados pelo Presidente do órgão, está realizando o controle interno. Inobstante, é preciso compreender que a atividade administrativa e o seu controle interno não se limita aos atos praticados pelo Poder Executivo.
Desta forma, e como salienta Carvalho Filho (2019), o controle interno se dá quando se realiza por entidade ou órgão que seja responsável pela atividade objeto do controle, no âmbito da própria administração. Com isso, o controle interno é o realizado no âmbito de cada Poder, não se confundindo com controle exercido pelo Poder Executivo, pois também é controle interno o realizado no âmbito do Judiciário, do Legislativo, do Ministério Público e do Tribunal de Contas.
Nesse sentido esclarece Marinela (2016, p. 1212), que assim conceitua o controle interno:
Tem-se por controle interno todo aquele realizado pela entidade ou órgão responsável pela atividade controlada, no âmbito de sua própria estrutura. Como exemplo têm-se: o controle realizado pelo Poder Executivo sobre seus serviços ou agentes; o controle exercido por um órgão ministerial sobre os vários departamentos administrativos que o compõem, isso porque todos integram o mesmo Poder Executivo; e o controle interno exercido pelas Corregedorias sobre os servidores do Judiciário. O controle interno dispensa lei expressa, porque a Constituição, no art. 74, dispõe que os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário devem manter de forma integrada sistema de controle interno.
Resta evidente, portanto, que o controle interno se diferencia do externo por ser realizado pelo mesmo órgão ou entidade, mas se estende a todos os Poderes, não se limitando ao Executivo. Contudo, é sempre exercido internamente, sem ingerência de outro Poder.
Um controle interno com independência e força de fiscalização é indispensável para que a moralidade almejada dos atos praticados seja alcançada. Assim, o controle interno deve possuir uma estrutura própria e diversa do segmento da Administração Pública que fiscaliza.
Assim como os atos administrativos sofrem o controle do Poder, no âmbito em que foi realizado é também possível a realização do controle externo. Este é caracterizado quando um órgão estranho de onde a conduta se originou, a fiscaliza. Como exemplo tem-se apreciação das contas de órgãos e entidades do Poder Executivo pelo Tribunal de Contas, ou quando o Judiciário é provocado a se pronunciar sobre a legalidade do afastamento de um servidor público.
Portanto, o que distingue o controle externo do controle interno, visto no tópico anterior, é exatamente a possiblidade, consagrada em lei, de que um órgão fiscalize, acompanhe a prática de atos no âmbito de outro Poder, sem que isso signifique afronta à autonomia, à independência. Mantem-se a separação de Poderes, mas há a possibilidade de revisão dos atos por outro órgão.
Ao abordar o controle externo da Administração Pública, Marinela (2016, p. 1213) assim o define:
O controle externo é o que se realiza por órgão estranho à Administração responsável pelo ato controlado, criado por Lei ou pela Constituição Federal e destinado a tal tarefa. Assim, são exemplos de controle externo da administração pública: a apreciação das contas pelos Tribunais de Contas; a anulação de determinado ato administrativo por decisão judicial, a sustação de ato normativo do Executivo pelo Legislativo, entre outros (MARINELA, 2016, p. 1213).
Contudo, o controle externo não se limita aos Poderes Legislativo, Judiciário e Executivo. Ele também pode ser realizado pela sociedade, por meio de fiscalizações, denúncias e audiências públicas e etc. Portanto, o controle externo social é um mecanismo de controle, em que qualquer pessoa possui legitimidade para questionar a legalidade de um ato e propugnar por sua validade.
Um exemplo do controle externo exercido pela sociedade é aquele previsto no art. 31, § 3º, da Constituição Federal, determinando que as contas do município fiquem por sessenta dias à disposição dos cidadãos (BRASIL, 1988), para que possam examinar, apreciar e até questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.
A modalidade de controle em comento é também trabalhada por Marinela (2016, p. 1213), que trata do controle externo realizado pela sociedade nos seguintes termos:
[...] o controle externo popular é a forma de controle dos atos administrativos através da qual qualquer pessoa pode, na qualidade de cidadão, questionar a legalidade de determinado ato e pugnar pela sua validade. Um bom exemplo está previsto no art. 31, § 3º, da CF, determinando que as contas dos Municípios (Executivo e Câmara) fiquem, durante 60 dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, podendo questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei. Outro exemplo está na obrigatoriedade de realização de audiências públicas para discutir o plano plurianual e determinadas licitações de grande porte ou relevante interesse social.
Percebe-se, portanto, que o controle da Administração é amplo, podendo ser realizado internamente, no âmbito do mesmo Poder que praticou o ato administrativo, ou externamente, ganhando relevo, nesse cenário, o controle social, como se passa a expor.
4.CONTROLE SOCIAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
4.1 Controle social: direito à informação, transparência e participação social
A atividade administrativa dos entes federais possui inegável importância para a sociedade. Ocorre que nem sempre os atos administrativos são pautados na moralidade, justificando, como já apontado, o exercício de um controle interno e externo. Contudo, o controle social ainda é pouco debatido e, não raras vezes, o administrado sequer conhece os mecanismos para a fiscalização da gestão pública e para a participação em uma eficiente gestão.
Anote-se que o controle social, assim como ocorre com o controle das políticas públicas, é conhecido como uma modalidade de “novos controles”, pois não estão previstos nas espécies clássicas, tradicionais de controle da Administração Pública, tal como ocorre com o controle interno e externo, jurisdicional e legislativo, por exemplo.
Ao tratar do conceito de controle social, Tavares e Romão (2021), afirmam que nos últimos anos muitos são os instrumentos que asseguram o controle social da gestão pública, compreendido como a efetiva participação estatal no controle das políticas públicas, da gestão da coisa pública e que, por isso, assegura a confiança mútua.
A Corregedoria Geral da União, ainda em 2012, emitiu uma cartilha denominada “Controle Social: Orientações aos cidadãos para participação na gestão pública e exercício do controle social”. Esta traz a conceituação do controle social e os seus objetivos, nos seguintes termos:
O controle social, entendido como a participação do cidadão na gestão pública, é um mecanismo de prevenção da corrupção e de fortalecimento da cidadania. No Brasil, a preocupação em se estabelecer um controle social forte e atuante torna-se ainda maior, em razão da sua extensão territorial e do grande número de municípios que possui. Assim, o controle social revela-se como complemento indispensável ao controle institucional, exercido pelos órgãos fiscalizadores. Para que os cidadãos possam desempenhá-lo de maneira eficaz, é necessário que sejam mobilizados e recebam orientações sobre como podem ser fiscais dos gastos públicos. Nesta cartilha são discutidos temas como democracia participativa, as formas e mecanismos de controle do planejamento e da execução das ações do governo, o direito à informação e ao exercício de prerrogativas que permitam ao cidadão contribuir para a correta aplicação do dinheiro público (BRASIL, 2012, p. 09).
Cristóvam, Mezzaroba e Pereira (2021a), por sua vez, ressaltam que o Estado vem assegurando, ao longo dos últimos anos, mecanismos para que a sociedade participe da gestão pública. E citam a transformação digital como evidente exemplo da ampliação dos mecanismos de controle social da Administração Pública.
Bitencourt e Pase (2019) ressaltam, ainda, com o aumento da participação social no controle da Administração Pública, a consequência imediata é o amadurecimento do Estado e, consequentemente, a democracia participativa resta fortalecida.
Desta feita, o controle social é promovido pela sociedade civil e se efetiva através da atuação de pessoas e instituições que estão fora da estrutura governamental, ou seja, que não integra nenhum Poder, nenhum órgão.
A participação da sociedade na gestão pública, que pode se oferecer de forma individualizada ou coletiva, tem inúmeras finalidades, dentre elas a prevenção da corrupção, a observância dos princípios constitucionais, a devida destina dos recursos públicos, a revisão de contas públicas, dentre outras.
Não se pode ignorar, nesse contexto, que a Constituição Federal de 1988, ainda que não tenha utilizado a expressão “controle social”, assegurou vários mecanismos para que o cidadão participe da gestão da coisa pública, dentre os quais se pode citar, ilustrativamente, o acesso à informação (art. 5º, XIV e XXXIII, da CRFB/88); o mandado de injunção (art. 5º, LXXI, da CRFB/88); a ação popular (art. 5º, LXXIII, da CRFB/88); direito de o contribuinte examinar a legitimidade das contas municipais (art. 31 da CRFB/88); legitimidade do cidadão para fazer denúncias junto ao TCU (art. 74, §2º, da CRFB/88); direito de participação do usuário na Administração Pública direta e indireta (art. 37, § 3º, da CRFB/88) com o direito de reclamação; acesso a registros administrativos e atos do governo e representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na Administração Pública, dentre outros (BRASIL, 1988).
Além da Constituição Federal de 1988 – CRFB/88, também a legislação infraconstitucional possibilita mecanismos para o controle da Administração Pública pela sociedade, como ocorre na Lei de Licitações, que possibilita a qualquer cidadão requerer da Administração informações quanto às obras e preços unitários de cada execução. É um explícito exemplo de como a sociedade pode participar fiscalizando a destinação de recursos públicos (BITENCOURT; PASE, 2019).
Já Pereira, Cristóvam e Mezzaroba (2021b) apontam a importância da reclamação do usuário de serviços públicos como importante instrumento de controle social da Administração Pública. Ressaltam os autores que:
A Lei nº 13.460, promulgada em 26 de junho de 2017, na parte em que dispõe acerca da “participação, proteção e defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública”, visa regulamentar os arts. 37, § 3º, inciso I, e 175, parágrafo único, inciso II, ambos da Constituição da República de 1988. Trata-se de um importante marco no ordenamento jurídico pátrio no que toca aos direitos dos cidadãos, não apenas pela perspectiva da defesa na prestação de serviços públicos, mas, sobretudo, por disciplinar mais uma forma de atuação (ou “participação”) daqueles na Administração Pública brasileira, em seus diferentes níveis (PEREIRA; CRISTÓVAM; MEZZAROBA, 2021b).
Sabioni, Ferreira e Reis (2018) concluem que a participação social no controle social da Administração Pública proporciona eficiência e eficácia na atuação dos gestores públicos, o que justifica e motiva o aumento de ingerência dos indivíduos, de forma individual e também por meio de organizações, na gestão pública.
Portanto, não há como negar que o constituinte e também o legislador se preocuparam em assegurar meios para que os cidadãos exerçam o controle social, o que reforça a importância da informação e da transparência das informações atinentes a atividade da Administração Pública.
O direito fundamental à informação está previsto no art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal, o qual garante a todos o direito de receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, ressalvadas a garantia de sigilo daquelas que sejam imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado.
Por conseguinte, a Constituição Federal de 1988 – CRFB/88 estabelece como regra o acesso à informação e o sigilo em situações de exceção. Percebe-se, dessa maneira, que o legislador constituinte preceitua o amplo acesso à informação pelo cidadão, sejam elas de interesse particular ou de interesse coletivo, ressalvando-se apenas as imprescindíveis à segurança do Estado e da sociedade.
A Constituição Federal preceitua, também, em seu artigo 37, II, § 2º que a lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no artigo 5º, X e XXXIII.
A lei de acesso à informação, também conhecida como LAI ou Lei nº 12.527/2011, foi publicada em 18 de novembro de 2011, estabelecendo sua entrada em vigor após decorridos 180 dias dessa data. Trata-se de uma lei federal e, portanto, aplica-se à União, Estados, Distrito Federal e Municípios. A lei é expressa quanto aos órgãos que estão submetidos a cumprir as suas ordens e, conforme inteligência do art. 1º, parágrafo único, subordinam-se ao regime da lei os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público; as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Ainda quanto à aplicação, a lei informa que, no que couber, as entidades privadas sem fins lucrativos que recebam, para a realização de ações de interesse público, recursos públicos diretamente do orçamento ou mediante subvenções sociais, contrato de gestão, termo de parceria, convênios, acordo, ajustes ou outros instrumentos congêneres estão sujeitas à sua disciplina.
Cumpre destacar que a LAI possui como escopo garantir a concretização do direito fundamental à informação, norteado pelos valores da democracia, publicidade e transparência. Adiante, consagra o princípio da transparência, que não se refere apenas à disponibilização de dados e informações, ele vai além, pois as informações devem ser cristalinas e acessíveis a sociedade, por meio de portais de transparência.
O Estado Democrático de Direito atribui a posição de partícipe ao cidadão. Portanto, a gestão antes fundada na verticalização e distanciamento em relação ao cidadão, dá lugar à horizontalização e, consequentemente, ao aumento da participação da sociedade.
O acesso à informação, o respeito aos direitos fundamentais, bem como a transparência na gestão do interesse público passam a ser observados. O cidadão ganha destaque e o diálogo e debates entre a população e o administrador público são recorrentes, o exercício das competências discricionárias não mais é realizado de forma unilateral pela Administração Pública.
Outrossim, a ordem constitucional não mais prestigia manifestações unicamente verticais e unilaterais de gestão administrativa, o princípio da transparência associa-se à ideia de democracia, uma vez que possui como objetivo legitimar as ações da Administração Pública por meio do debate e influência direta dos cidadãos na gestão pública.
Ademais, o art. 37 da Constituição Federal de 1988 evidencia, como um de seus princípios, a publicidade, a qual é responsável por instrumentalizar o princípio da transparência. O conceito de transparência, entretanto, não se restringe a simples disponibilização de informações, é necessário que canais de participação do cidadão sejam abertos e influam na elaboração e tomada de decisão da Administração Pública.
Não bastasse isso, a transparência está consagrada no art. 5º da Lei de Acesso à Informação, o qual preceitua que: É dever do Estado garantir o direito de acesso à informação, que será franqueada, mediante procedimentos objetivos e ágeis, de forma transparente e em linguagem de fácil compreensão.
Dessa forma, a lei garante que o cidadão tenha acesso à informação, que deve ser fornecida pelo Estado e o descumprimento do dever de garantia à informação pode ser combatido por via administrativa ou judicial. E a informação, por sua vez, resguarda a transparência. Portanto, não há como ignorar que o papel do cidadão, na gestão da coisa pública, é fundamental, sendo importantes os mecanismos de exercício do controle, objeto do próximo tópico.
4.2 Mecanismos de exercício do controle social
Como visto no tópico anterior, controle social se encontra, ainda que implicitamente, consagrado em inúmeros dispositivos na Constituição e também em legislação infraconstitucional. Isso se deve porque a Constituição Federal de 1988 foi responsável por evidenciar o cidadão partícipe na elaboração das políticas públicas.
Um mecanismo de exercício do controle social se evidencia no planejamento orçamentário. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 174 informa que “como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado” (BRASIL, 1988).
Depreende-se, dessa forma, que é dever do Estado a função de fiscalizar, incentivar e planejar. Assim, o Estado deve planejar as suas políticas públicas juntamente com a sociedade, pois ninguém seria mais capacitado que os indivíduos para identificar e apontar as necessidades.
Não é demais ressaltar que a Constituição estabeleceu três instrumentos do planejamento, previstos no artigo 165, quais sejam, o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias e os orçamentos anuais da Administração Pública.
O plano plurianual, também conhecido como PPA, é regulamentado pelo Decreto nº 2.829, de 29 de outubro de 1998, o qual configura um plano de médio prazo. Conforme cartilha da Controladoria Geral da União, o plano plurianual apresenta critérios de ação e decisão que devem orientar os gestores públicos (Diretrizes); estipula os resultados que se busca alcançar na gestão (Objetivos), inclusive expressando-os em números (Metas) e delineia o conjunto de ações a serem implementadas (Programas).
O plano plurianual é responsável por definir as políticas públicas do Governo Federal pelo período de quatro anos e a forma, os caminhos para que as metas e objetivos perseguidos sejam alcançados.
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 165, § 1º estabelece que:
§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada (BRASIL, 1988).
Portanto, a participação da sociedade na elaboração do PPA é de significativo relevo, principalmente em um país de dimensão continental, como realidades diversas e, consequentemente, com aspirações que se norteiam pela regionalidade.
O artigo 165, §2º da Constituição Federal traz que:
§ 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento (BRASIL, 1988).
Por conseguinte, tem-se a Lei Orçamentária Anual, também conhecida como LOA, é elaborada pelo Executivo e é responsável por disciplinar as atuações do Governo Federal, ela estima as receitas e fixa as despesas do Governo para ano subsequente. As despesas públicas devem ser executadas dentro do Orçamento. Na elaboração da LOA, o Congresso possui o papel de avaliar a proposta elaborada pelo Executivo.
Em relação à lei orçamentária anua a Constituição Federal de 1988 dispõe que a lei orçamentária compreenderá o orçamento fiscal, orçamento de investimento e ainda o orçamento da seguridade social, senão vejamos:
§ 5º A lei orçamentária anual compreenderá:
I - o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;
II - o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III - o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações instituídos e mantidos pelo Poder Público (BRASIL, 1988).
Ainda, quanto aos instrumentos de controle social no país, devem ser ressaltados os Conselhos de Política Púbica, os observatórios sociais, a audiência pública e a consulta, por exemplo. E, embora não seja o objetivo deste estudo esgotar a análise dos mecanismos, é relevante apontar a forma de atuação e como podem contribuir para o controle social.
O termo observatório está sendo empregado desde a década de 1990 e possui atuação no campo social e político. Os observatórios são conceituados como instituições independentes e possuem atribuições voltadas para o controle de gastos da Administração Pública. Para tanto, os observatórios realizam pesquisas e estabelecem conexões para que os princípios constitucionais da administração pública, legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência sejam observadas.
A corrupção e favorecimentos impulsionaram a criação dos observatórios, os quais procuram controlar os gastos e fiscalizar as contas públicas, baseados na ética e justiça social. A credibilidade das instituições públicas está abalada no cenário nacional, o que colabora para que a observação e o monitoramento dos gastos públicos pelos observatórios.
Quanto aos valores estão a cidadania, o comprometimento com a justiça social, atitude ética e proativa e ação preventiva e visão de longo prazo.
Em relação ao seu objetivo, o site do observatório social do Brasil informa o fomento e apoio a consolidação do sistema de controle social, além da disseminação de ferramentas de educação fiscal e inserção da micro e pequena empresa no rol de fornecedores de prefeituras municipais.
Como objeto de atuação o Observatório Social do Brasil estabelece que ações de educação para a cidadania fiscal e controle social focadas no presente, a atuação é preventiva e em tempo real, de forma a contribuir para a eficiência da gestão pública, por meio da vigilância social da execução orçamentária em conjunto com os órgãos oficiais controladores.
Resta evidente a relevância dos observatórios que, ao lado de outros mecanismos, previstos ou não na legislação, são meios de participação social e, consequentemente, de controle social da Administração Pública.
4.3 Aspectos críticos da participação social na gestão da coisa pública e o princípio da moralidade
Após a promulgação da Constituição de 1988, como observado na Seção 01, propugna-se uma aproximação do cidadão ao Poder Público. Dessa forma, a democracia participativa é enaltecida e o controle direto dos cidadãos no processo de tomada de decisão e gestão da Administração Pública ganha destaque.
A concretização do Estado Democrático de Direito pressupõe a existência de uma Administração Pública que garanta o diálogo efetivo entre os governantes e governados, com a adoção de medidas práticas e vinculadas, nesse contexto de democracia o que se pretende é que o cidadão passe a ser partícipe das decisões políticas, constatadas em todos os níveis de atuação do Estado, seja cooperando, fiscalizando ou acompanhando e não somente um cidadão mero destinatário das atuações estatais.
A Administração Pública deve privilegiar a participação social no planejamento e gestão do interesse público secundário com o intuito de conferir legitimidade às políticas públicas e consequente concretização de direitos fundamentais sociais.
Entretanto, a doutrina administrativista não reconhece a participação social na gestão da Administração Pública.
Nesse sentido leciona Justen Filho (2016, p. 110):
No Brasil, em especial, é imperioso destacar a necessidade de revisão do direito administrativo, que ainda está entranhado de concepções não democráticas, provenientes do passado. A Constituição Federal de 1988 coroou um lento processo de aperfeiçoamento democrático da nação brasileira. Consagrou um Estado Democrático de Direito, proscrevendo definitivamente perspectivas de legitimação carismática.
Apesar disso, a atividade administrativa estatal continua a refletir concepções personalistas de poder, em que o governante pretende imprimir sua vontade pessoal como critério de validade dos atos administrativos e invocar projetos individuais como fundamento de legitimação para a dominação exercitada. A concepção de um Estado Democrático de Direito é muito mais afirmada (semanticamente) na Constituição do que praticada na dimensão governativa. Isso deriva da ausência de incorporação, no âmbito do direito administrativo, de concepções constitucionais fundamentais. É a visão constitucionalizante que se faz necessária para o direito administrativo brasileiro, o que importe a revisão dos conceitos pertinentes do chamado regime de direito público.
A Constituição de 1988 consagrou o Estado Democrático de Direito, como dito. No entanto, a cultura política e histórica brasileira, a qual é caracterizada pela apropriação privada da esfera pública, patrimonialismo, clientelismo, privilegia poucos grupos, o que impacta diretamente a efetivação da democracia brasileira.
A participação da sociedade pode ser entendida no sentido de controle da ação administrativa estatal, gestão administrativa e fiscalização da atuação administrativa. O cidadão, como já dito, deveria estar presente em todos os níveis de atuação do Estado, seja acompanhando, cooperando ou fiscalizando.
O planejamento, o orçamento participativo e experiências de conselhos, os quais são formados por pessoas da sociedade são responsáveis por acompanhar diretamente e controlar as ações da Administração Pública. Existem inúmeros Conselhos, entre eles: Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, Conselho Nacional de Educação, Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, CONANDA. Os conselhos estão diretamente atrelados às experiências de controle social da Administração Pública.
O Conselho Nacional de Educação, por exemplo, tem como missão e objetivo principal criar mecanismos e alternativas dentro das instituições para proporcionar a participação da sociedade no desenvolvimento e no aprimoramento contínuo da educação.
Ocorre que, conforme evidenciado por Justen Filho (2016), a participação ativa da sociedade junto à Administração Pública encontra óbices, tanto em relação às estruturas das instituições políticas, bem como aos aspectos culturais da sociedade.
É importante trazer à discussão os ensinamentos de Restrepo (2017). Para o doutrinador, a realidade é revelada como uma encriptação do poder, cuja operacionalização se efetiva por meio do Direito, o qual oferece sustentação a um simulacro de Estado de Direito.
O autor esclarece, também, que na encriptação a linguagem é erguida como uma parede sanitária para manter os sistemas de transcendência seguros contra a infecção do bárbaro, do marginalizado, para manter as pessoas “ocultas” fora dos limites da linguagem e é este o espírito oligárquico (RESTREPO, 2017).
Dessa forma, muitas vezes os cidadãos são considerados pessoas “ocultas”, porque eles estão em situação de vulnerabilidade econômica, juridicamente desprotegidos, frágeis e totalmente excluídos.
A criptografia assegura a permanência de um sistema predatório e garante a destruição da democracia em seu nome, com todos os malefícios decorrentes do termo: colonização, fome, guerras, violência de gênero, expropriação legal, racismo e o império do capital. O principal objetivo da encriptação é impedir a realização da verdadeira democracia por meio do ofuscamento do significado de todo sistema de comunicação.
A encriptação, segundo o autor, não é somente uma manobra para atrapalhar a linguagem, mas o cerne operacional do poder como dominação. A encriptação é o problema central da política. A criptografia, então, não serve somente ao propósito de derrubar a democracia, mas também destrói a política à medida que ela a privatiza para o único domínio de especialistas (RESTREPO, 2017).
O autor também ensina que a criptografia do poder aparece quando os criadores de línguas qualificadas (juízes, promotores, sábios) se tornam porta-vozes do poder como dominação, que projetam liturgias de poder com a intenção de submeter os intérpretes da linguagem (as pessoas “comuns”) a uma realidade fixa e impenetrável (RESTREPO, 2017).
Resta cristalino que o direito é utilizado como ferramenta para atender interesses, o domínio desta ferramenta é restrito a uma parcela da população, a desigualdade no alcance dessa linguagem é notória. Isso acontece, pois, a desigualdade socioeconômica, cultural é visível e assola a maioria da população, sendo este um entrave à concretização da justiça social.
É notável que apesar de a Constituição Federal de 1988 enaltecer a participação do cidadão na atuação da Administração Pública, são poucos os que possuem domínio técnico e também linguístico capazes de entender e participar de forma isonômica e ativa junto aos gestores públicos.
Dessa forma, é preciso concretizar o acesso isonômico aos direitos básicos à sociedade e além disso romper com a neutralização da desigualdade, pois apesar de o ordenamento jurídico trazer a igualdade como um de seus princípios, como o faz a Constituição de 1988, há inegavelmente grupos privilegiados, que utilizam o ordenamento jurídico como forma de continuarem a possuir domínio e vantagens em detrimento dos demais.
O ordenamento jurídico inclui formalmente, no plano teórico a população, entretanto as pessoas são invisíveis no cenário político, cultural, econômico, o que impede a efetivação de um Estado realmente democrático e de direito. Entende-se, dessa forma, que o ordenamento jurídico garante semanticamente direitos à maioria das pessoas, mas, concretamente, seu exercício e efetividade estão ligados à minoria, já privilegiada. No mesmo sentido, Moreira Neto (2019, p. 44) ensina que:
Não deixa de ser intrigante como é que, em plena Era das Comunicações, que tornou possível a divulgação das mensagens políticas a todo povo e lhe possibilitou um melhor conhecimento de seus representantes, o que em tese tornaria mais realizável e mais perfeita a democracia, tem crescido a despreocupação real com os interesses públicos, o oportunismo político e a demagogia, quando não a corrupção, para horror e desprezo dos cidadãos. Nesse clima, os eleitores votam cada vez menos e os políticos perdem, cada vez mais, o respeito dos concidadãos. A própria atividade política passa a ser considerada suja pelo homem comum, alijando-se da prática democrática e ensimemando-o em seus interesses privados, sobre os quais se sente capaz de exercer, enfim maior controle.
A democracia, na realidade, pelo menos na percepção de grandes contingentes da cidadania frustrada, não tem evoluído muito além de um ritual periódico que substitui um grupo de interesses por outro no comando político do Estado.
O poder, na verdade, está mascarado pelo próprio texto jurídico, pois ele informa os interesses que devem ser reconhecidos previamente como legítimos e os sujeitos que têm de ser reconhecidos pelo ordenamento jurídico.
A Administração Pública, permeada por uma cultura personalista, acarreta a crise das instituições políticas, a sociedade ainda é vista como sociedade de mercado. A manipulação pela classe dominante, seja política, econômica, ocorre por meio dos jogos de linguagem, que possuem como objetivo excluir a sociedade das discussões políticas e jurídicas e da tomada de decisões.
Pode-se falar, assim, que o direito moderno apesar de preceituar a igualdade formal, possui seu conteúdo e interpretação norteados pelo discurso liberal, o qual preceitua que o sujeito de direitos e liberdades é aquele que possui poder econômico, a lógica do mercado e consumismo imperam. O poder econômico de uma sociedade consumista e capitalista e a consequente influência no meio ambiente são determinantes para os desastres ambientais que veem ocorrendo.
Percebe-se que há um simulacro, em que o grupo dominante se vale de um discurso democrático de direito e soberania popular para que os seus atos sejam legitimados. Dessa forma, as elites dominantes conseguem se manter no poder e afastar a sociedade das decisões, pela representação.
Restrepo (2017) afirma que o direito encripta os poderes econômicos, os quais impedem a legitimidade da sociedade em geral e para que a democracia real possa ocorrer, é trazido o conceito da desencriptação do poder.
A desencriptação surge como uma ferramenta que pretende elucidar o discurso liberal que se encontra no ordenamento jurídico, a ênfase é atribuída ao alcance do real e efetiva democracia, na qual o povo ganha destaque. Desse modo, é possível refletir que, independentemente da crença em um pluralismo total e sem exclusões, é urgente a necessidade de se trazer à tona essas formas de exclusão, ao invés de ocultá-las.
O direito não deve ser pensado de modo a se basear no modelo ilusório de igualdade, pelo contrário, o direito deve ser instrumento de uma democracia real (aquele que traduz uma participação direta e ativa da sociedade como um todo), que seja capaz de evidenciar as diversidades, exclusões, pluralidades de conflitos imanentes à sociedade com tanta diversidade e desigual como a brasileira.
A encriptação do poder, para o Restrepo (2017), possui como principal objetivo o impedimento da realização da mais pura democracia, por meio do ofuscamento do significado de todo sistema de comunicação. A encriptação, ainda, utiliza o poder como instrumento de dominação.
Doutro norte, é possível afirmar que apesar de o Estado Democrático preceituar a importância da participação popular na tomada de decisões e controle da Administração Pública, o Direito Administrativo não regulamenta a participação como gestão administrativa.
Depreende-se que o ordenamento jurídico garante semanticamente direitos à maioria das pessoas, mas, concretamente, seu exercício e efetividade estão ligados à minoria, o que contraria expressamente o princípio democrático.
O exercício do controle social pela sociedade na Administração Pública só é possível se constatada a efetiva atuação da participação popular. É necessário que a cultura personalista, com caráter autoritário, existente na história do poder do Brasil dê lugar a uma cultura que prioriza não só no aspecto formal a participação ativa da população. As desigualdades de classe, financeiras, educacionais devem ser reduzidas para que o debate e a participação tenham relevo.
A Administração Pública, permeada por uma cultura personalista acarreta a crise das instituições políticas, a sociedade ainda é vista como sociedade de mercado. A manipulação pela classe dominante, seja política, econômica, ocorre por meio dos jogos de linguagem, que possuem como objetivo excluir o povo das discussões políticas e jurídicas.
Essa exclusão é evidenciada pela impossibilidade de o cidadão atuar de forma efetiva na gestão administrativa. Os manuais de Direito Administrativo apontam a participação popular somente como instrumento de controle da Administração Pública. Assim:
Quanto aos chamados controles sociais ou controles não institucionalizados, tais como as manifestações de entidades da sociedade civil, as manifestações dos partidos políticos, os abaixo-assinados, as passeatas, a imprensa falada, escrita e televisiva, as cartas à imprensa, embora tais atuações não culminem em medidas por si próprias, podem contribuir, pela repercussão, para o aprimoramento da Administração. Tais manifestações deveriam sobretudo, exigir atuações mais efetivas dos entes institucionais de controle.
A descrença generalizada a respeito dos mecanismos de controle sobre a Administração que levaria ao imobilismo ou niilismo, deve ser substituída justamente por mais estudos e debates sobre o tema, na busca de maior efetividade dos controles, inclusive com a criação de novos mecanismos ou a melhoria dos atuais. (MEDAUAR, 2018, p. 413).
Ainda quanto à regulamentação da participação popular como controle:
Controle externo popular – É o previsto no art. 31, §3º, da CF, determinando que as contas do Município (Executivo e Câmara) fiquem, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte para exame e apreciação, podendo questionar-lhes a legitimidade nos termos da lei. A inexistência de lei específica sobre o assunto não impede o controle, que poderá ser feito através dos meios processuais comuns, como o mandado de segurança e a ação popular. (MEIRELLES; ALEIXO; BURLE FILHO, 2014, p. 756).
Semelhante são os ensinamentos de Di Pietro (2019, p. 797):
Embora o controle seja atribuição estatal, o administrado participa dele à medida que pode e deve provocar o procedimento de controle, não apenas na defesa de seus interesses individuais, mas também na proteção do interesse coletivo. A Constituição outorga ao particular determinados instrumentos de ação a serem utilizados com essa finalidade. É esse, provavelmente, o mais eficaz meio de controle da Administração Pública: o controle popular.
A Emenda Constitucional nº 19/98 inseriu o §3º no artigo 37 prevendo lei que discipline as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente: I- as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimento ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços; II – o acesso dos usuários a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, observado o disposto no artigo 5º, X e XXXIII; III – a disciplina da representação contra o exercício negligente ou abusivo de cargo, emprego ou função na administração pública. (DI PIETRO, 2013, p. 797).
É importante que sob o paradigma de Estado de Direito Democrático, a Administração Pública esteja balizada por princípios e instituições que primam pelo bem comum, com o fortalecimento dos atores sociais (participação popular) no momento de tomada de decisões em conjunto com o gestor público. Quanto à importância da participação popular:
O agente estatal é um servo do povo e seus atos apenas se legitimam quando compatíveis com o direito. Toda a disciplina da atividade administrativa tem de ser permeada pela concepção democrática, que sujeita o administrador à fiscalização popular e à comprovação da realização democrática dos direitos fundamentais.
É indispensável ampliar o instrumental de controle democrático, indo muito além dos institutos do direito de informação e do direito de petição. É imperiosa instituir autoridades políticas e administrativas independentes, que sejam investidas de garantias contra os ocupantes do poder e que disponham de competência para fiscalizar a conduta de qualquer exercente de poder estatal. (JUSTEN FILHO, 2016, p. 1200).
Verifica-se, portanto, que muito ainda precisa ser feito para que os mecanismos de controle social sejam efetivos. Não obstante, é inegável que a sociedade exerce, no atual modelo de gestão administrativa, papel de suma importância. O gestor precisa estar ciente de que a transparência deve nortear as suas ações, ao mesmo tempo em que a sociedade deve se conscientizar do seu importante papel no que tange a gestão da coisa pública.
A Administração Pública, seja ela direta, indireta ou fundacional, está sujeita a controle. Existem diferentes tipos e formas de controle da atividade administrativa, sendo que, nas palavras de Meirelles (2016, p. 698), “variam segundo o Poder, órgão ou autoridade que o exercita ou o fundamento, o modo e o momento de sua efetivação”. Mas, independentemente da modalidade, o controle alcança todos os entes federados, ou seja, todas as esferas do Estado.
Alexandrino e Paulo (2017, p. 884-885), ao analisar o tema controle administrativo, o define como instrumentos disponibilizados pelo ordenamento jurídico para que a própria Administração Pública, sem prejuízo dos Podres Judiciário e Legislativo, de forma direta ou através de órgãos especializados, possa exercer a atividade fiscalizatória, de orientação e revisão dos atos administrativos, em todos os níveis da Federação (União, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) e em todos os poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário).
Nesse sentido, é a mais ampla forma de sindicância dos atos praticados pela Administração Pública, alcançando, também, as omissões, motivo pelo qual os autores supracitados destacam tratar-se de um poder-dever efetuado por todos os Poderes (ALEXANDRINO; PAULO, 2017).
Desta feita, o controle da Administração Pública é o poder de fiscalização que, a fim de evitar abusos de poder, arbítrios cometidos pelo Estado (seja em qualquer esfera) e controlar suas finanças, a atuação dos administradores e responsáveis por bens e valores públicos e líderes políticos, entre outros fatores, exercem os Três Poderes da República (Executivo, Legislativo e Judiciário) entre si próprios.
Destarte, percebe-se que o controle apresenta-se como uma forma de limitação da discricionariedade administrativa, ou seja, é ponto culminante do instituto no Estado Democrático de Direito. Desse modo, para que não haja o abuso ou a arbitrariedade do administrador, é que estão previstos na Constituição Federal de 1988 os limites da liberdade de atuação do administrador público, sob a ótica dos princípios implícitos e explícitos, que regem a Administração Pública, em especial o da moralidade.
Buscou-se, ao longo do artigo, refletir sobre a importância da participação da sociedade civil na gestão da coisa pública. Assim, pautou-se na averiguação dos principais meios de participação da sociedade na Administração Pública e, consequentemente, o exercício do controle externo.
Viu-se que a Administração Pública passou por uma significativa evolução, deixando de ser pautada na alta burocracia, para buscar mecanismos que assegurem o bem-estar coletivo. Assim, a importância dos princípios constitucionais expressos, norteadores da Administração Pública, consagrados no caput do art. 37 da Constituição da República de 1988, quais sejam, os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, com ênfase neste último, introduzido no texto constitucional por força da Emenda Constitucional n° 19/1998.
Constatou-se que os princípios são de suma importância, e que devem nortear a atividade do administrador público da Administração Pública Direta e Indireta, de todos os níveis da Federação - União, Estados, Distrito Federal e Municípios, e que funcionam, na verdade, com uma espécie de controle da função administrativa. Assim, a atividade do administrador público deve pautar-se no princípio da legalidade, de modo que somente poderá realizar aquilo que se encontra expressamente autorizado em lei.
Ainda, é a Administração Pública norteada pelo princípio da impessoalidade, o que visa obstar, em linhas gerais, quaisquer formas de discriminação, e pode ser concebido como a consagração da isonomia no âmbito administrativo.
No que toca o princípio da moralidade, constatou-se que se encontra intrinsecamente arraigada à noção de probidade, preconizando a responsabilidade daquele que agir em desconformidade com os ditames éticos e morais.
Nesse cenário, os atos administrativos, que são os meios pelos quais a Administração Pública atua sempre em consonância com o princípio da legalidade, princípio este que, no âmbito da Administração, aparece um pouco diferente se comparado com o particular, porque enquanto este pode fazer tudo o que a lei não proíbe, a Administração Pública somente pode realizar atos segundo o que está estabelecido na lei.
Portanto, embora o gestor público ter ampla liberdade para executar seus atos administrativos discricionários, não significa que esses atos não sejam passíveis de controle, principalmente porque a atuação do gestor público deve sempre pautar-se no interesse coletivo e no bem-estar da coletividade.
Constatou-se que o ordenamento jurídico brasileiro apresenta inúmeros instrumentos para a participação da sociedade na gestão da coisa pública, seja na CRFB/88, como o direito de informação, seja na legislação infraconstitucional, como a lei da transparência.
Não obstante, ainda é comum a análise apenas das formas tradicionais de controle da Administração Pública, centrando-se naquele realizado no âmbito interno, ou seja, pelo próprio poder que editou ou praticou determinado ato, seja no âmbito externo, como o controle de contas públicas exercida pelo Tribunal de Contas.
O controle social, portanto, ainda não é visto como efetivo instrumento de controle da Administração Pública, embora vários instrumentos, como a Observatório Social do Brasil, por exemplo, venham demonstrando a preocupação de se assegurar efetiva participação da sociedade na Administração Pública.
De fato, muito ainda precisa ser feito para fomentar o controle social, seja ampliando os mecanismos, seja fomentando a educação para que os indivíduos se conscientizem do seu papel na Administração Pública, e reconheçam que uma efetiva fiscalização exigirá que as informações sejam acessíveis, que haja transparência na gestão pública com dados de fácil acesso e compreensíveis aos cidadãos, que o gestor esteja pautado cada vez mais na busca do bem-estar dos administrados, que não desvie sua conduta da moralidade jurídica.
Destarte, conclui-se que o controle social existe e é talvez o mais importante. Contudo, a sociedade civil em geral ainda participa pouco da vida pública, pois há uma errônea concepção de que Administração Pública e sociedade estão dissociadas, resquício da gestão burocrática que perdurou por décadas. Há, portanto, a necessidade de se aproximar a gestão da coisa pública da sociedade e, consequentemente, fomentar formas de participação e controle social.
ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito administrativo descomplicado. 25. ed. São Paulo: Método, 2017.
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Bacharel em direito – Turma 2019/2 do Centro Universitário Católica do Tocantins – UniCatólica, e pós-graduando em direito e processo administrativo - - Turma VII 2021/2022 da Universidade Federal do Tocantins – UFT.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MASCARENHAS, Lucas Resende Rocha. Moralidade e o controle social: a importância da sociedade civil na administração pública Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 nov 2022, 04:36. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59846/moralidade-e-o-controle-social-a-importncia-da-sociedade-civil-na-administrao-pblica. Acesso em: 23 dez 2024.
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