KIARA COSTA SENA[1]
(coautora)
ANA LETICIA ANARELLI ROSATI LEONEL [2]
(orientadora)
RESUMO: O presente trabalho aborda questões relacionadas à tipificação do crime de stalking, pois apesar de ser algo bem recente no Brasil, a existência deste crime é muito antiga em grande parte dos países desenvolvidos. As primeiras legislações sobre o tema datam de mais de 30 anos atrás, na década de 1990, quando houve a necessidade de nomear o tipo de perseguição que pessoas da mídia sofriam dos seus fãs. Somente a partir dos anos 2000 que o tema se volta para o contexto das relações íntimas. O estudo em pauta terá foco na análise de produções acadêmicas e materiais literários em relação ao conjunto de teorias, analisando-se a concepção do tema oferecida pela doutrina abalizada sobre o assunto. Para isso, usa-se livros, periódicos, teses, dissertações, relatórios de pesquisas e mídias eletrônicas.
Palavras-chave: Stalking; direito civil e stalking; stalking ordenamento jurídico.
1 INTRODUÇÃO
No contexto brasileiro, em 31 de março de 2021 foi publicada a Lei 14.132, que altera o Código Penal para incluir o art. 147-A, tipificando o crime de perseguição (stalking), o qual, ainda que inove o ordenamento jurídico com um tipo penal especifico, coloca em evidência algo que a doutrina (nacional e estrangeira) já debate há tempos.
Com a intenção de estabelecer uma previsão legal para o crime de perseguição (stalking),
a Lei n.º 14.132/2021 acrescentou, então, o artigo 147-A ao Código Penal:
Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.
Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:
I – contra criança, adolescente ou idoso;
II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do §2º-A do art. 121 deste Código;
III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.
§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.
§ 3º Somente se procede mediante representação.
O ato de perseguição acontece com muita frequência em situações de violência doméstica e familiar contra a mulher. No entanto, o tipo penal previsto no art. 147-A não restringiu sua aplicação ao ambiente familiar, podendo ser aplicado em qualquer local e sob qualquer contexto de relação entre as partes.
Como já assinalado, o Código Penal buscou suprir uma lacuna na legislação penal brasileira, especialmente pelo crescente número de casos de stalking e a sensação geral de impunidade para a referida conduta. Assim, a lei ampara crianças, idosos e, em especial, mulheres, suas maiores vítimas, que sofrem com relacionamentos abusivos, inveja, vingança, obsessão, preconceito, assédio ou não aceitar o fim de um relacionamento e que, em muitos casos, pode acabar em morte.
Destaque-se que esse tipo de conduta já existia antes da tipificação legal mencionada. Porém, mostrava-se ineficaz em grande parte das vezes, o que acabou gerando denúncias sem soluções e penalizações. Mesmo porque, se não houvesse agressão, o fato de perseguir alguém não configuraria o crime. [3]
Assim, ressalta a importância da tipificação dessa conduta criminosa, que teve um grande avanço referente às denúncias, podendo suscitar um aumento ao dobro, significando o cumprimento positivo os objetivos que foram criados. Pode-se dizer, em princípio, que a criação do tipo penal específico pode trazer uma maior segurança às mulheres, já que os perseguidores responderão, de fato, pela prática do crime.
Isso porque, de contravenção penal, torna-se um delito mais grave, protegendo o bem jurídico de tutela da privacidade e intimidade da vítima, com o objetivo de resguardar o fundamento da dignidade humana, base da nossa Constituição Federal de 1988.
2 CONCEITO DE STALKING E PERSEGUIÇÃO
O stalking é conceituado por Jorge Trindade (2010, p. 5-6) como uma “constelação de condutas que podem ser muito diversificadas, mas envolvem sempre uma intrusão persistente e repetida por meio da qual uma pessoa procura impor à outra, mediante contatos indesejados, às vezes ameaçadores, gerando insegurança, constrangimento, e medo na vítima”.
Trata se de um crime com intuito de controlar a vida da vítima, por meio de diversos mecanismos, como ligações, mensagens, frequência nos mesmos lugares de lazer, permanência na porta da casa, escola ou trabalho da vítima, entre outros (JESUS, 2008).
O comportamento de perseguição sempre existiu; não se trata de uma conduta nova, mas, muitas vezes, pode ser confundida como um ato romântico ou de preocupação, surgindo frequentemente no âmbito de relações amorosas (MATOS; GRANGEIA; FERREIRA; AZEVEDO, 2012), daí a dificuldade, por vezes, em distinguir entre o romântico e o obsessivo.
No entanto, o stalking é uma forma de violência de comportamentos de assédio persistente, perpetrados por uma pessoa que, de modo obsessivo, persegue outra, com a qual insiste em manter uma relação com propósitos específicos contra a vontade da vítima (GRANGEIA; MATOS, 2012; PIRES; SANI; SOEIRO, 2018).
Assim, a conduta criminosa também tem como base a ausência de concordância da vítima com a situação de fato que ocorre na dita perseguição. Neste ponto que se distingue um ato de afeto com um ato de perseguição.
2.1 TIPOS DE STALKING
Ao longo das últimas décadas, vários pesquisadores tentaram criar uma tipologia de stalking. Entre os tipos existentes os mais conhecidos são os de Mullen, Pathe, Purcell e Stewart (1999, 2000 e 2006), que distinguem cinco perfis de stalkers com base em traços como padrões comportamentais, motivações e personalidade.
Esses perfis foram nomeados de buscador de intimidade, o qual não tem histórico de relação prévia com a vítima, mas deseja este relacionamento e acredita que ambos estejam destinados a ficarem juntos; (2) pretendente incompetente, cujo perfil predominante é um homem socialmente incompetente que, apesar de estar apaixonado pela vítima, está apenas em busca de um encontro casual ou sexual, não uma alma gêmea como no caso anterior; (3) perseguidor rejeitado, o qual carrega sentimentos de afeição, derivados do desejo de reconciliar-se com a vítima, e vingança, não aceitando o término do relacionamento prévio com a mesma; (4) perseguidor rancoroso, que busca vingança pela rejeição sofrida ou pela vítima ter ferido seu ego de alguma forma, perseguindo-a com o propósito de intimidá-la para reconquistar algum sentimento de poder e controle; e, por fim, (5) perseguidor predatório, que costuma permanecer anônimo a princípio e engaja em comportamentos de vigilância e perseguição da vítima geralmente com o objetivo de atacá-la em um futuro próximo, a agressão sexual sendo a finalidade mais comum. Os agressores deste fenômeno na maioria das vezes são do sexo masculino
Pode-se perceber que os casos de stalking com maior destaque na mídia é envolvendo pessoas famosas. Mas não se limita a estes casos. Na maioria das vezes, o stalking é alguém que já tem um nível de familiaridade ou intimidade com a vítima. A literatura aponta que, de fato, os maiores agressores do fenômeno, além de serem homens, constituíam, na maior parte, conhecidos da vítima ou ex-companheiros do que, como poderia assumir o senso comum, desconhecidos (Matos et al., 2012).
Dessa forma, vê-se que há diversas motivações que podem levar à prática do crime que, conforme se vê a seguir, pode trazer efeitos bastante prejudiciais à vida da vítima, ferindo-lhe sua dignidade.
3 CONSEQUÊNCIAS DO STALKING
As consequências que as vítimas de stalking sofrem causam alterações em seu estilo de vida (Amar, 2006; Dressing, Kuehner, & Gass, 2005; Hall, 1998; Tjaden & Thoennes, 1998) e impactam na saúde física (Kuehner, Gass, & Dressing, 2007) e mental, tendo reações de “medo, hipervigilância, desconfiança e sentimentos de abandono ou falta de controle” (Matos et al., 2012, pp. 162). Relaciona-se a sintomas e distúrbios psiquiátricos, principalmente sintomas depressivos, ansiosos e traumáticos (Blaauw, Winkel, Arensman, Sheridan, & Freeve, 2002; Mechanic, Uhlmansiek, Weaver, & Resick, 2002; Nicastro, Cousins, & Spitzberg, 2000; Pathé & Mullen, 1997; Purcell, Pathé, & Mullen, 2005, citados por Kuehner et al., 2007; Kamphuis & Emmelkamp, 2001).
Considerando o enorme impacto desta experiência, o stalking já foi descrito como “terrorismo psicológico” (Hall, 1998, p. 133) e comparado a um desastre de avião em relação ao nível de seus efeitos traumáticos (Kamphuis & Emmelkamp, 2001).
O trauma trazido pelo stalking decorre de comportamento humano, no entanto. E, como já dito, é inicialmente identificado como um comportamento humano persecutório, então, desenvolvido pelo agressor de maneira obsessiva e insidiosa, através de condutas violentas contra a pessoa, com interesse de passar a controlar a vida da sua vítima.
Considerado uma forma de terrorismo psicológico (HALL, 1998 apud MATOS et al., 2011), o stalking traz, portanto, inúmeros prejuízos à saúde física e mental e ao estilo de vida da vítima como medo, desconfiança, hiper vigilância, sentimento de abandono e sensação de falta de controle (PATHÉ; MULLEN; PURCELL, 2001). Pesquisas mostram que 88% das vítimas ficam mais cautelosas, 52% se assustam com mais facilidade, 41% reagem com paranoia e 27% afirmam ter ficado mais agressivas (HALL, 1998 apud CARVALHO, C.S.S., 2011). A incidência de psicopatologias em vítimas de stalking é bastante elevada (MATOS et al., 2011), sendo mais comumente observados transtorno de estresse pós-traumático, outros transtornos de ansiedade e depressão (PATHÉ; MULLEN; PURCELL, 2001).
Mais de 80% das vítimas costumam manifestar um aumento da ansiedade em resposta à perseguição, sendo que um terço apresenta os critérios de diagnóstico para transtorno de estresse pós-traumático (ex.: lembranças intrusivas, excitação excessiva, distúrbios do sono, hiper vigilância e comportamentos de esquiva), um quarto relata ter considerado ou tentado o suicídio, e um quarto aumenta o consumo de álcool e tabaco ou recorre à automedicação para aliviar os sintomas do estresse (PATHÉ; MULLEN; PURCELL, 2001).
Como consequência do stalking, várias vítimas são forçadas a alterar sua rotina, abandonar o emprego ou a escola, evitar atividades sociais e mudar a aparência física (PATHÉ; MULLEN; PURCELL, 2001). Podem ainda ter prejuízos materiais, decorrentes da necessidade de aquisição ou reforço de medidas de segurança, restauração de bens danificados pelo stalker, e gastos com honorários advocatícios e custas processuais (BREWSTER, 1998 apud MATOS et al., 2011)
O stalking é um tipo de comportamento tão assustador que pode causar pânico, gerando pensamentos como o de suicídio, perturbações e ansiedades nas vítimas, por não saber o que vai acontecer exatamente e o momento em que sofrerão os ataques (APAV, 2020). Além das consequências emocionais, psicológicas e físicas para a vítima (SANI; CARRASQUINHO; SOEIRO, 2018), o stalking também traz consequências para familiares e amigos, que se afastam do convívio social, alteram rotinas e comportamentos para evitar ataques e conquistar uma maior segurança pessoal (BUDD; MATTINSON; MYHILL, 2000; APAV, 2020).
Por tudo isso, não havia como a seara jurídica não dedicar maior atenção ao tema, razão pela qual surge e se impõe a nova tipificação legal.
4 TIPIFICAÇÃO DA LEI
No Brasil, até poucos anos atrás, o estudo dessa área era tão precário que sequer apresentavam resultados em português a pesquisas em navegadores, e no âmbito do Direito Penal brasileiro, tais condutas sequer eram conhecidas pela quase totalidade dos acadêmicos.
A área tornou-se mais relevante devido a repercussão de diversos casos ocorridos com celebridades, e ao cyberstalking devido a popularização da tecnologia e por sua adoção generalizada nos mais diversos segmentos da vida dos cidadãos. Isso porque as condutas praticadas pelo stalker (perseguidor) são muito diversificadas, podendo ser aparentemente inofensivas, rotineiras ou triviais, como telefonar frequentemente ou mandar muitas mensagens, e até mesmo “românticas”, como oferecer vários presentes, enviar flores, fazer demonstrações públicas de afeto, ou intimidadoras, como fazer ameaças e ofensas (GRANGEIA; MATOS, 2012)
Um bom exemplo é retratado na série ‘YOU’, de 2018, da plataforma Netflix, que retrata a história de Joe, gerente de uma livraria, que em um dos seus dias de trabalho, atende Beck uma escritora, que deseja comprar um livro. A partir desse instante, Joe começa a procurar informações para conhecer Beck, pela internet, acessando todas as suas redes sociais, contatando os amigos que ela possui, e acompanhando os lugares que ela frequenta, o que ela lê, onde ela está, os check-in, e em atualizações.
Em determinado momento, Joe descobre, por meio de uma foto postada em uma rede social, o local onde Beck mora e, assim, começa a manipular encontros, que parecem ser por acaso, ou seja, Joe torna-se um stalker de Beck. No começo Beck sente-se lisonjeada com esses encontros casuais, com o gostar dos mesmos lugares etc., mas depois isso acaba transtornando-a de tal forma porque Joe não a deixa um minuto em tranquilidade. Ela já não tem mais liberdade, privacidade. Ou intimidade.
Apesar de se tratar de uma série, a situação é muito mais comum do que parece aos nossos olhos, porque muitas pessoas sofrem essa perseguição.
Havia muitos crimes anteriormente em nosso sistema legal que eram semelhantes ao que agora é conhecido como perseguição. Os agentes que praticassem esses comportamentos ilícitos específicos seriam considerados criminosos e seriam punidos pelo sistema. O agente poderia ser indiciado por ofensas à integridade física, coação, ameaça, violação da privacidade e assédio sexual. Eles também poderiam ser punidos se cometerem esses crimes em uma disputa entre si. Acusações adicionais não relacionadas aos comportamentos considerados criminosos à época também foram deixadas de fora.
A perseguição é considerada uma forma de assédio, intimidação ou violência. Envolve perseguição contínua de uma pessoa-alvo. Existem vários comportamentos que devem ser observados ao determinar se alguém está perseguindo alguém; estes incluem perseguir alguém persistentemente, alvejar alguém contextualmente e impactar a vítima. Além disso, o stalking pode levar a outras formas de violência, como violência sexual, física e até assassinato (MATOS et al., 2011). Se alguém está perseguindo alguém ou não depende de ações isoladas ou consistentes; se estes não estiverem presentes, então o comportamento não é considerado stalking (JAMES; FARNHAM 2003).
Como comumente relatado em canções de artistas, como a canção Every Breath You Take do cantor Sting, de 1983, que afirma que cada passo, movimento, respiro, sorriso e palavra da sua amada vítima estariam sendo observados, já que ela não conseguia perceber que pertencia a ele. Ou na canção Stan do cantor Eminem, que conta a saga de Stan, seu stalker, que reclamava a falta de resposta a duas cartas enviadas, contendo números de celular, pager e telefone residencial no rodapé, dizia-se o maior fã, com nome tatuado no peito e paredes cobertas de cartazes, e acabou por atirar-se bêbado de uma ponte, levando consigo a namorada grávida, presa no porta-malas do carro. Na música Animals de 2014, do grupo Maroon 5, interpretada pelo cantor Adam Levine, ele afirma que anda caçando uma moça que pensava que podia se esconder, e deveria saber que podia farejá-la a milhas de distância como fazem os animais.
Já a cantora Adele confessa, em sua música Hello de 2015, que ligou, sem êxito, cerca de mil vezes para o ex, tentando se desculpar. Já no contexto brasileiro esses acontecimentos são comumente relatados pelos compositores do gênero sertanejo como na canção Delegada de 2009, interpretada por João Neto e Frederico com a participação da dupla Fernando e Sorocaba e composta pelo cantor Fernando Assis conhecido artisticamente como Sorocaba, em que ele relata estar sendo perseguido por uma cyberstalker que se achava a delegada da paixão. E na música Vidinha de Balada de 2017, a dupla Henrique e Juliano compartilha que foi sem aviso a casa de uma “ficante” e disse para desculpar a visita, mas vinha para dizer que a queria, e se ela não o quisesse ia ter que querer, porque ia namorar ele sim, e aí dela se reclamasse, porque daí ia ter que casar também . [4]
Essas ações obsessivas deixam as vítimas em constante estado de ansiedade ou sob o domínio permanente do medo. A pesquisa Stalking in America: Finding From the National Violence Against Women Survey publicada em abril de 1998 já apontavam que uma a cada doze mulheres e um a cada quarenta e cinco homens já sofreu stalking na vida. Mais recentemente, em 2009, o National Crime Victimization Survey elevou esses números para uma a cada seis mulheres e um a cada dezenove homens. E uma pesquisa de 2015, apontou que num período de doze meses, quatorze a cada mil pessoas são vítimas de stalking nos EUA, e esse percentual sobe para trinta e quatro a cada mil, se forem pessoas separadas ou divorciadas.
Segundo estatísticas de diversas pesquisas o tempo médio que uma pessoa sofre com tal ato é de 1,8 anos e cerca de trinta por cento das perseguições terminam com algum tipo de violência. E nessas pesquisas apenas eram considerados os casos de stalking, que é uma modalidade mais complicada de ser cometida que o cyberstalking.
Apenas na pesquisa do National Crime Victimization Survey já apontava que um a cada quatro casos de stalkign incluíam o uso de métodos informáticos. Pois com o surgimento dos computadores domésticos e dos smatphones, cada usuário de um dispositivo passou a ser um stalker em potencial, aumentando muito tais números.
Devido a discussão tardia sobre esse tema no Brasil, a maioria das leituras mais aprofundadas sobre ele são obras da década de 1990 e início dos anos 2000, pois foi nesse momento histórico que o mundo acadêmico internacional debateu entusiasmadamente a existência dessa, até então, nova realidade social, e a necessidade de regulamentação.
Há muito tempo há relatos de vítimas que sofrem desse problema, mas não foi possível vinculá-lo a um termo específico. No entanto, o rastreamento tornou-se objeto de pesquisas científicas há apenas alguns anos; portanto, não deve ser entendido como um fenômeno recente, mas como um novo método comportamental (SPITZBERG; CUPACH, 2003).
Hoje entende-se, que legislações para tais problemáticas são importantes sob o risco de, em não existindo, permitir-se crescente impunidade. Esse é um tema complexo e interdisciplinar, englobando a criminologia, psiquiatria, psicologia, antropologia, sociologia e filosofia do direito e pura.
Pelo fato de a produção de obras bibliográficas científicas específicas sobre o assunto só terem se iniciado no Brasil em 2017, tendo diversos movimentos nacionais pedindo o veto total ou parcial da lei, ela foi aprovada e sancionada em 31 de março de 2021, entrado em vigor na própria data de publicação.
5 DEFINIÇOES DO TERMO OBJETO DA LEI
O projeto de lei inicialmente era “perseguição obsessiva”, porém, alterou para simplesmente “perseguição”, baseado no argumento de que: “Essa emenda decorre de sugestão da Associação dos Magistrados Brasileiros, segundo a qual a utilização de termos próprios da psicologia, como a obsessão, na descrição do tipo pode levar a imprecisões terminológicas e limitar o alcance da norma aos casos em que for, de fato, verificada a existência da neurose no comportamento do agente.”.
De acordo com a palavra “obsessiva” a ideia era ser reprimenda não a conduta de perseguição simplesmente, mas sim do insistente ato de importunar alguém de modo exagerado, prejudicando determinados valores. Porém, a expressão “obsessiva” poderia ter sido acrescentada de outras formas, como “insidiosa” ou similar, que facilitariam o entendimento da gravidade da conduta.
A retirada do termo “obsessão” não muda em termos práticos, porque a preocupação era afastar do tipo a discussão acerca da incapacidade de compreender o caráter ilícito da conduta em seu viés psiquiátrico, isso permanece inserido na análise da culpabilidade penal.
Assim, é inofensivo retirar a “obsessão” do debate, pois, ainda que excluído do tipo (onde possivelmente seria prescindível), permanece na culpabilidade, podendo igualmente ensejar inimputabilidade em situação de incapacidade. Nesse sentido, identificado transtorno mental capaz de afastar a compreensão da ilicitude, não haverá crime propriamente dito.
O termo obsessão não necessariamente provoca patologia suficiente para impedir a compreensão da natureza ilegal do comportamento. Pelo contrário, na maioria dos casos, o termo, em seu uso técnico ou atual, significa apenas um estado capaz de influenciar o comportamento de um agente sem comprometer a legitimidade de sua presença no polo passivo da conduta criminosa.
Em português, "perseguir" significa o verbo "seguir", prefixado com "per". Este prefixo é de origem latina e significa "através, acima, muito". Em um contexto específico, é melhor significar algo como "excessivo". Portanto, perseguição é equivalente a: “seguir demais”.
De acordo com o Dicionário Michaelis, é um verbo com múltiplos significados. Mas, essencialmente, sua definição pode ser rastreada até a sociedade material. Definições atômicas como "seguir ou ficar para trás", "companheirismo de grupo", "escolta", "seguir invisível",
"Passar de um ponto a outro", "andar em determinada direção" e até "seguir um caminho ou um caminho" estiveram na consciência de gerações.
A primeira definição léxica do verbo perseguir, mantém a lógica material, apontando como sendo o ato de “correr no encalço de”. Mas definições mais abrangentes aparecem em segundo plano, como “buscar conquistas e realizações” e “causar aborrecimento, importunar, incomodar”.
6 BEM JURÍDICO TUTELADO
Parece provável que, aos olhos da sociedade, o gênero pareça tratar de crimes necessariamente relacionados à violação de bens jurídicos existentes, e que exija necessariamente a presença física de agentes, que devem representar a virtualidade de rostos anacrônicos. Nesse sentido, a classificação de assédio informático encoberto acaba ficando aquém.
A legislação criminal deve usar verbos bem pensados para explicar o comportamento relacionado ao crime à sociedade com delineamento claro, especialmente em uma época em que as realidades materiais e imateriais são misturadas.
A perseguição ocorre em ambientes físicos, onde os maiores problemas estão relacionados a intervenções disruptivas que prejudicam o corpo da vítima. O assediado recebe presentes, identifica o perseguidor nos lugares que frequenta, recebe cartas e muito mais. Com o evoluir das tecnologias, as relações humanas foram se desmaterializando, e se potencializando, por meio de mecanismos de comunicação à distância e construções de segundas personalidades, agora virtuais.
A introdução de bens jurídicos adicionais é necessária porque novos valores surgiram ou valores clássicos foram revisitados e receberam uma roupagem diferente. O que antes era apenas liberdade de ir e vir e pensar, ganhou viés computacional a partir da liberdade de navegação, criação de mídia nas redes sociais, construção de personalidades alternativas, acesso a sistemas e arquivos, e muito mais.
À medida que as pessoas começam a usar as redes sociais para controlar a exposição a diferentes partes de suas vidas privadas, até criam avatares e alteram os egos de ter sua própria fama e reputação virtual. Outros itens se tornam relevantes
No contexto brasileiro uma obra recente, mas de destaque, é o livro Stalking e Cyberstalking – Lei N°. 14.132/2021 (Crime de Perseguição), publicado na data do dia primeiro de janeiro de 2022 pela editora Cronus, do autor Ernesto Coutinho Júnior, que coloca a obra agora como uma ferramenta essencial e indispensável para o operador jurídico, mostrando de forma clara, objetiva, simples, dinâmica, e ao mesmo tempo, aprofundada e extremamente atual, pois foi cuidadosamente pesquisado e estudado de forma diferenciada, tendo como principal virtude ser completo, pois este livro apresenta o stalking e o cyberstalking, no âmbito social e jurídico. A obra abrange as áreas da Psiquiatria, Psicologia, Criminologia, Sociologia, História e Filosofia do Direito, e nela encontramos os conceitos de stalking e cyberstalking, teorias acerca de perfis de stalkers, conduta e análise de risco, noções de vitimologia, aspectos psicológicos entre outros. O texto ainda traz, a análise detalhada do crime de perseguição, tipo penal inserido no ordenamento jurídico pela Lei nº 14.132/2021. Prometendo corresponder às expectativas por seu conteúdo insólito, e se mostrando essencial para os profissionais do direito que buscam uma visão abrangente da matéria, servindo como fonte para dinamizar o processo do conhecimento avançado a toda a família forense.
Outra obra muito prestigiada, é o livro Stalking e Cyberstalking publicado na data do dia primeiro de janeiro de 2021 pela Editora Juspodivm, da autora Ana Lara Camargo Castro, que também já tem outra publicação na área em parceria com o autor Spencer Toth Sidow publicada na data do dia primeiro de janeiro de 2017 pela Editora D’Plácido, com o título: Stalking e Cyberstalking: Obsessão, Internet, Amedrontamento. Na obra mais recente ela traz uma análise detalhada do crime de perseguição, teorias acerca de perfis de stalkers, noções de vitimologia e instrumentos práticos como um diário de incidentes denominado de log, questionário para identificar vitimização nomeado como Stalquiz, inclusive com viés específico em violência de gênero e formulário de avaliação de risco catalogado como Stalkômetro.
Este livro é considerado pioneiro em apresentar o stalking e o cyberstalking, sob óptica crítica e reflexiva, abrangendo nuances de diversas facetas desse fenômeno social e jurídico. A obra é fruto de parceria intelectual há muito consolidada entre os autores, que se conheceram na University State of New York, nos Estados Unidos, durante projetos individuais acadêmicos. Promotora de Justiça e Advogado Criminalista que compartilham, conciliam e complementam suas visões sociojurídicas de modo ousado e criativo. Além disso, será possível compreender os modelos estadunidense, inglês e português, bem como as especificidades dos ambientes militares e universitários.
O texto contempla, ainda, a análise detalhada do crime de perseguição, tipo penal inserido no ordenamento jurídico pela Lei 14.132/2021. Embora direcionada aos operadores do Direito, diante da multidisciplinariedade de abordagens, o livro interessa a público variado nas áreas de saúde, educação, assistência social, medicina, relações internacionais e ciências sociais e políticas. A expectativa é instigar, promover reflexão, ampliar o debate nacional, auxiliar vítimas e familiares, e contribuir para o avanço civilizatório nas relações digitais.
A obra Stalking a Responsabilidade Civil e Penal Daqueles que Perseguem Obssesivamente do autor Bruno Bottiglieri, publicada na data do dia vinte e oito de junho de 2018, busca evidenciar todos os elementos e requisitos para tutelar os interesses das vítimas das insistentes perseguições, responsabilizando civil e criminalmente os perseguidores. A obra conta ainda com estatísticas internacionais sobre a incidência do fenômeno no mundo, políticas criminais internacionais, relatos de vítimas e perseguidores, análises de perfis clínicos de perseguidores, a exposição dos danos á saúde experimentados pelas vítimas e o estudo pratico das poucas decisões judiciais disponíveis sobre o tema.
Mais uma obra do tema é o livro Stalking: Atos Persecutórios Obsessivos ou Insidiosos publicado na data do dia primeiro de abril de 2017, pela editora Casa do Direito, dos autores Mário Luiz Ramidoff e Cesare Triberti, que tem o objetivo de trazer à discussão uma nova maneira de violência contra a pessoa, realizada a partir de desvios associativos e psicossociais do agente a quem se atribui a prática dessas condutas consideradas delituosas, e, atualmente, potencializada, pelas inúmeras formas tecnológicas que facilitam a comunicação humana. Por isso mesmo, a obra se inicia com a abordagem de inúmeros casos de ameaça e de violência perpetrados contra a pessoa, em razão mesmo dos desvios associativos e psicossociais do agente que se vale da convivência familiar, comunitária e social, para, assim, constranger, perseguir, vulnerabilizar, e, por fim, tornar cativa a vítima, tomando-a, por assim dizer, como “sua” propriedade, enfim, como “seu” objeto, e, como seu objetivo de persecução.
6 CONCLUSÃO
O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise de como o crime de stalking está se adequando no ordenamento jurídico brasileiro. Dada à importância do assunto, torna-se necessário o desenvolvimento de formas de conscientização da importância de se ter tal conduta tutelada pelo direito penal. Ainda assim, sabe-se que o tema demanda maiores considerações, que não caberiam no presente trabalho, dada a sua limitação física.
Ainda assim, não se pode perder de vista que os registros e características desse crime remontam há muitos anos ao redor do mundo. Não apenas arquivos, mas casos de assédio, desde os mais simples (resolvidos com uma simples denúncia do assediador) até os mais complexos (infelizmente, o desfecho do caso pode ser fatal para a vítima). Falar em assédio não é um fato simples e efêmero, mas envolve a necessária avaliação de seu caráter multifacetado. Por isso, acredita-se que a partir do momento em que o comportamento do assediador atinge o patamar de atentado a interesses legítimos, a vítima realmente deve se socorrer do direito penal.
Portanto, a inclusão dessa norma em nosso Código Penal permitirá, assim se espera, atingir o objetivo da prevenção integral, pois servirá de alerta à comunidade. Além de criar certo senso de proteção, trata-se de suprimir a representação, encerrar a perseguição, respeitar a privacidade que as vítimas desejam e a proteção constitucional
Lado outro, é importante a facilitação ao acesso à proteção penal da vítima. Deve haver canais de denúncia específicos para o processo de habilitação criminal e proteção mais efetiva, para conseguir mais celeridade em relação à proteção e até mesmo as situações mais complexas, bem como a sensação de punibilidade do agente agressor.
Além disso, o desconhecimento do crime faz com que os assediadores continuem sua prática, havendo sim a necessidade de aumentar o conhecimento e a informação sobre esse fenômeno na esfera judicial.
REFERÊNCIAS
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TRINDADE, Jorge. Stalking: a perseguição implacável. In: TRINDADE, Jorge. Manual de psicologia jurídica: para operadores do direito. 7. ed. rev., atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014. p. 239-244
You. Série. Greg Berlanti e Sera Gamble. Estados Unidos (EUA): Netflix, 2018.
[2] Doutora e Mestre em Direito Público pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), pós-graduada em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional pela Universidade Potiguar (UNP) e pós-graduada em Direito Civil pela Universidade Federal do Piauí (UFPI). Professora do Centro Universitário Santo Agostinho e consultora Jurídica Especial de Gabinete do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí.
[3]APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRAVENÇÃO PENAL DE PERTURBAÇÃO DA TRANQUILIDADE. REVOGAÇÃO EXPRESSA PELA LEI N. 14.132/21. ABOLITIO CRIMINIS OU APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONTINUIDADE NORMATIVA-TÍPICA A DEPENDER DO EXAME DO CASO CONCRETO. STALKING. RECONHECIMENTO DA ABOLITIO CRIMINIS PARA UM DOS RÉUS E DA CONTINUIDADE NORMATIVA-TÍPICA PARA O OUTRO. REFORMA PARCIAL DA SENTENÇA. 1) A revogação expressa do art. 65 da LCP prevista na Lei nº 14.132/21 não significa, por si só, que a abolitio criminis passou a ser a regra para todas as situações que estavam previstas na contravenção penal, mas é preciso distinguir as situações práticas e analisá-las com acuidade, fazendo-se imperioso observar se se existe a continuidade do ilícito anterior em comparação com o novo dispositivo penal. 2) No caso concreto, a conduta do apelante Zedequias da Costa Pires não se amolda ao novo tipo penal de perseguição, diante da inexistência de comprovada reiteração de atos, razão pela qual inarredável o reconhecimento da abolitio criminis, acarretando a extinção da punibilidade do agente, bem como cessando os efeitos penais decorrentes da r. sentença condenatória quanto ao cometimento da contravenção do art. 65 do decreto-lei n. º 3.688/41. Mantém-se, contudo, a sentença condenatória pelo cometimento do crime de ameaça. 3) A conduta da apelante Adria Costa Moreira, ao contrário daquela atribuída ao corréu ZEDEQUIAS, se amolda ao novo tipo penal de stalking, diante da existência comprovada reiteração de atos contra a vítima (havendo perseguição), o que atrai a aplicação do princípio da continuidade normativo-típica. Sentença mantida. 4) Recurso do apelante Zedequias da Costa Pires conhecido e parcialmente provido para, em reforma parcial a sentença, acolher a preliminar suscitada e declarar a extinção da punibilidade pela ocorrência da abolitio criminis em relação a contravenção penal de perturbação da tranquilidade em decorrência da inserção do artigo 147-A do CP, mantendo, contudo, sua condenação pelo crime de ameaça (art. 147, do CP). 5) Recurso da apelante Adria Costa Moreira conhecido e não provido, mantendo sua condenação pelo cometimento da contravenção de perturbação da tranquilidade (art. 65 do decreto-lei n. º 3.688/41) eis que se amolda ao novo tipo penal de stalking(TJ-AP - APL: XXXXX20208030002 AP, Relator: MÁRIO MAZUREK, Data de Julgamento: 30/06/2021, Turma recursal)
[4] Não só na música, mas na vida dos famosos os stalkings estão presentes, como no caso da apresentadora Ana Hickmann que foi atacada por um fã que tentava a todo custo ter intimidade com ela, mantendo varias contas nas redes sociais a fim de ganhar sua atenção, acompanhando todos os passos da famosa acabou se hospedando no mesmo hotel e atacando, tendo uma luta corporal com seu assessor e vindo a óbito.
Discente do nono período de Direito do Centro Universitário Santo Agostinho – UNIFSA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NUNES, ana carla feitosa. Crime de stalking: a tipificação no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 09 nov 2022, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59901/crime-de-stalking-a-tipificao-no-ordenamento-jurdico-brasileiro. Acesso em: 24 dez 2024.
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