ROSYVANIA ARAÚJO MENDES[1]
(orientadora)
RESUMO: Observa-se a liberdade religiosa como um dos direitos fundamentais da humanidade, como anuncia a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual somos signatários. Diante o exposto, é essencial a busca por políticas que tem como objetivo a efetivação dos direitos humanos, especialmente, o direito à liberdade de consciência e de crença, sendo urgente a ampliação destas politicas em um contexto social que a cada dia tende a aumentar o número de violações e potencializa-se o fundamentalismo religioso. O estudo teve como objetivo analisar a proteção da legislação no Direito brasileiro, frente à intolerância religiosa no Brasil. Como metodologia, o estudo caracteriza-se descritivo, a partir de uma revisão da da literatura. Os resultados do estudo evidenciaram que além do fortalecimento da proteção com os dispositivos vigentes, é necessário a ampliação da tipificação condutas contra as religiões de matrizes africana, criando novos institutos capazes de garantir ao cidadão a melhor forma de exercitar suas convicções religiosas e exercer seu direito de livre escolha religiosa. Observou-se que é necessário empreender esforços para ir além das sanções previstas para os crimes citados nesse estudo, buscando em primeiro lugar a manutenção da conscientização dos indivíduos intolerantes, bem como a imposição de sanções que visam não apenas o caráter punitivo, mas também, o educativo contra sujeitos que insistem na prática desses crimes.
Palavras-chave: Intolerância Religiosa. Direito Constitucional. Racismo Religioso. Direito Penal.
ABSTRACT: Religious freedom is observed as one of the fundamental rights of humanity, as announced in the Universal Declaration of Human Rights, of which we are signatories. In view of the above, it is essential to search for policies that aim to implement human rights, especially the right to freedom of conscience and belief, and it is urgent to expand these policies in a social context that tends to increase day by day. number of violations and religious fundamentalism is strengthened. The study aimed to analyze the protection of legislation in Brazilian law, against religious intolerance in Brazil. As a methodology, the study is descriptive, based on a literature review. The results of the study showed that in addition to strengthening protection with current provisions, it is necessary to expand the typification of conducts against religions of African origins, creating new institutes capable of guaranteeing citizens the best way to exercise their religious convictions and exercise their right. of free religious choice. It was observed that it is necessary to make efforts to go beyond the sanctions provided for the crimes mentioned in this study, seeking first to maintain the awareness of intolerant individuals, as well as the imposition of sanctions that aim not only at the punitive character, but also, the educational one against subjects who insist on the practice of these crimes.
Keywords: Religious intolerance. Constitutional right. Religious Racism. Criminal Law.
Desde os tempos antigos, a religião no Brasil é entendida como um dos pilares da sociedade, tendo grande importância como fator de construção de valores culturais e morais que noteiam as condudas dos indivíduos e grupos humanos. Assim, desde a Constituição Federal de 1891, o Brasil é considerado um Estado laico, portanto, está presente um pluralismo religioso em que todas as religiões devem ser respeitadas no seu espaço territorial.
Observa-se a liberdade religiosa como um dos direitos fundamentais da humanidade, como anuncia a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual somos signatários. A pluralidade, constituída por diversas raças, culturas e credos, é uma das maiores qualidades do Brasil. No entanto, apesar desta previsão de Estado Não confessional e plural, ainda é observada intolerância religiosa no país, principalmente no que tange as religiões de matrizes africana. Percebe-se que esta luta contra a intolerância religiosa é histórica. Geralmente, o prococeito é inerente a demonização dos cultos africanos e sua demonização, havendo clara ignorância do fato que, o demônio cristão não faz parte das divindades da afrorreligiosidade.
Diante o exposto, é essencial a busca por políticas que tem como objetivo a efetivação dos direitos humanos, especialmente, o direito à liberdade de consciência e de crença, sendo urgente a ampliação destas politicas em um contexto social que a cada dia tende a aumentar o número de violações e potencializa-se o fundamentalismo religioso no Brasil.
A aplicação do presente estudo, justiça-se em razão do crescente número de casos de intolerância religiosa no Brasil e principalmente, da deficiência do Estado brasileiro em combater essas práticas criminosas. Porquanto, busca-se esclarecer o seguinte problema de pesquisa: Diante os inúmeros casos de intolerância religiosa no Brasil, como a legislação penal tutela o direito fundamental de liberdade de consciência e de crença?
Assim, o presente estudo tem como objetivo analisar a proteção da legislação no Direito brasileiro, frente à intolerância religiosa no Brasil. Especificamente, busca-se apontar os principais entendimentos doutrinários quanto à proteção do direito de liberdade de consciência e de crença; Debater quanto a proteção legislativa contra o racismo religioso contra as religiões de matriz africana.
Como metodologia, o estudo caracteriza-se descritivo, a partir de uma revisão da da literatura que aborda quanto intolerância religiosa no Brasil e a discriminação das religões de matrizes Africanas.
O estudo está organizado por capítulos, no segundo capítulo é expresso quanto ao histórico das religiões de matriz africana no Brasil. Logo em seguida, no capítulo três é discutido quanto a discriminação, intolerância e racismo, apresentando suas classificações e diferenciações. No capítulo quatro é abordado quanto a liberdade religiosa no direito brasileiro e seus aspectos constitucionais. Já no capítulo cinco, são evidenciadas as principais normas que versam sobre o enfrentamento jurídico contra intolerância religiosa no país. Por fim, no capítulo seis são apresentadas as considerações finais.
2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA DAS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA NO BRASIL
Salienta-se que as religiões de matriz africanas foram trazidas pelos escravizados ao Brasil, sendo sua manutenção e presença aqui não só uma forma de professar uma religião, mas também uma forma de garantir seus valores e a cultura de um povo. Por meio dos navios negreiros que chegavam ao Brasil com homens capturados na África para ser escravizados, chegaram também força de trabalho que era usada forçosamente na construção e manutenção de diversas atividades, com isso, veio também as suas culturas e crenças, onde insere-se também as suas religiosidades.
Segundo Carneiro (2014) as religições estavam ligadas a florestas tropicais e/ou savana, ou mesmo suas estruturas aldeãs e comunitárias. Porém, com a dominação escravocrata, deu-se inicio a um processo de adaptação, onde os escravos eram obrigados a se integrar a um novo tipo de sociedade baseada na família patriarcal, no latifúndio, no regime de castas étnicas, que incluía até mesmo a mudança de nomes.
Conforme ensinamentos de Junior (2007) houve uma forte repressão contra a declaração de fé dos negros que vinham da Africa, inclusive repressão legal, conforme se observa:
O Código Criminal do Império de 1830, em uma tentativa de eliminar as referências culturais africanas, era pró-catolicismo, e em seu artigo 276 previa punição à “celebração, propaganda ou culto de confissão religiosa que não fosse a oficial. Tais limitações não abateram os escravos completamente, que encontravam maneiras de manter suas manifestações culturais às escondidas. Contudo, foi inevitável que as religiões de matrizes africanas sofressem impactos do contato com outras culturas - precisaram ser rearranjadas conforme o contexto e região em que se encontravam, o que resultou em sua fusão com diferentes doutrinas, e até mesmo na necessidade de identificação de suas entidades com os santos católicos (JUNIOR, 2007, pág. 18).
Após a proclamação da república em 1889 houve a separação da igreja e do Estado, havendo também a introdução do princípio da laicidade do Estado. Assim, o Brasil foi inserido em ideais de modernidade, implementando novas concepções morais.
Neste sentido, Montero (2006, pág. 16) afirma que nesse mesmo ano ocorreu a descriminização do culto às religiões de matrizes africanas, principalmente pela implementação o direito à liberdade de culto.
Houve um recuo do catolicismo na sociedade, a partir de um conflito em torno da autonomia de manifestações culturais de matriz não-cristã desejosas por se expressarem publicamente. As manifestações que primeiramente foram criminalizadas, demonizadas e tomadas como bruxaria e curandeirismo, tiveram as portas abertas para a possibilidade de seu reconhecimento como religiões oficializadas, o que possibilitou futuramente a descriminalização das religiões de matrizes africanas em razão do direito à liberdade de culto.
No entanto, o caráter de intolerância e as perseguições sempre se mantiveram, mesmo no Código Penal de 1890 já vigorava a intolerâncias, onde era passível de penalidade a capoeiragem, espiritismo e mesmo o curandeirismo. Já adentrando na década de 1920, foram surgindo termos como a macumba, candombe e magia negra, que eram perseguidos com base em critérios morais, relacionado os responsáveis por essas práticas ao mal. Dessa forma, os terreiros tornavam-se alvo de perserguições pode parte das autoridades policiais e até mesmo do judiciário.
Com o advento da Constituição Cidadã de 1988, continuou a vigorar o princípio da laicidade do Estado e implementou o incentivo à valorização e difusão das manifestações afro-brasileiras, considerando como patrimônio cultural.
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. § 1º O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afrobrasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional. 2º A lei disporá sobre a fixação de datas comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos nacionais. 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; II produção, promoção e difusão de bens culturais; III formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; IV democratização do acesso aos bens de cultura; V valorização da diversidade étnica e regional (BRASIL, 1988, pág. 27).
Baseado nos preceitos Constitucionais, o Código Penal Brasileiro reservou espaço para criminializar condutas preconceituosas no que tange a religição, conforme expressa o seu artigo 208:
Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso:
Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa.
Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência (BRASIL, 1940, pág 21).
De acordo com definição de Santos (2010) as principais religiões afro-brasileiras são o Candomblé e a Umbanada, que são praticadas em todos os estados do território nacional, mas também são encontradas com menos frequência em alguns estados, as religiões Babaçuê, o Batuque, Catimbó, Omolocô, Cabula, o Tambor de menina entre outras.
Apesar disso, no Brasil, diante do contexto da diversidade religiosa, a intolerância tem se mostrado como uma das faces do racismo que vigora na sociedade, Busca-se demonstrar no capítulo em tela que, a estigmatização das crenças de matrizes africanas é fato antigo, que apenas modernizou suas manifestações, mas jamais afastou-se do propósito de tentar desqualificar e exterminar a cultura negra da sociedade contemporânea (OLIVEIRA, 2017).
Conforme Machado (2013) há uma forte influência e importância das religiões de origem africana para a construção da identidade do brasileiro. No entanto, essas religiões vêm sendo massacradas pelo preconceito e discriminação. Em determinados momentos históricos chegaram a ser proibidas. As religiões de matriz africana se baseiam na crença, organização e culto aos Orixás. Assim, a forma de organização, estruturação e funcionamento da religião e dos espaços sagrados devem se amoldar ao culto professado.
De acordo com Ramos (2010) no Brasil, há uma diversidade de religiões de matriz africana que possuem como elementos de característicos a noção de comunidade, oralidade e força vital, garantindo papel de destaque e respeito aos anciãos. Assim como as demais religiões, as religiões de matriz africana possuem direitos garantidos no ordenamento pátrio, como à autodeterminação, auto-organização, ao livre funcionamento, de celebrar reuniões, sem necessidade de autorização do Estado, a fundar e manter espaços de culto, não ter suas atividades suspensas ou interditadas pela Administração Pública, confeccionar, adquirir e utilizar em quantidade suficiente os artigos e materiais necessários para os ritos e costumes (OLIVEIRA, 2010).
3 DISCRIMINAÇÃO, INTOLERÂNCIA E RACISMO
Conceituar essas manifestações criminosas que são direcionadas aos indivíduos que manifestam suas religiões de matrizes africanas é essencial para compreensão do fenômeno. Logo, a partir do debate sobre esses conceitos, é possível apontar soluções para o problema, apronfundando o debate quanto ao seu conceito e diferenciação entre ambos (FERNANDES, 2017).
A discriminação, significa a separação (dis = dividir e cerno = distinguir) portanto, a palavra relaciona-se com o tratamento diferenciado que alguns indivíduos ou grupos recebem. Por isso, diz-se que o termo não tem origens negativas, mas a consequência dessa discriminação poderá ser danosa. Desse modo, a discriminação existirár quando uam aprte da população receber trato desigual com relação ao conjunto dos demais cidadãos (NASCIMENTO, 2014).
Segundo Fassin (2008), o prococeito é geralmente o grande motivo da ocorrência de discriminação social. Frisa-se que, a noção de discriminação tem um componente coletivo. Ou seja, significa que o fundamento para o trato discriminatório diz respeito às marcas do sujeito e/ou do grupo ao qual ele está inserido, sexo, orientação sexual, religião, nacionalidade, eraça, deficiência entre outros. Nesse contexto, quando se fala em discriminação religiosa, é em razão do indivíduo professar determinado credo religioso que o torna vulnerável aos ataques de outros.
Quanto a intolerância, em seu sentido literal, pode ser compreendida como uma prática de não reconhecimento da veracidade do outro. No caso da intolerância religiosa, seria a a prática de não reconhecer a veracidade da religião de terceiros. A intolerância é indicativa de um ato de inflexibilidade e intransigência com relação a algo, falta de tolerância (OLIVEIRA, 2010).
Seguindo esse entendimento, Rocha (2022, pág. 4) esclarece que Intolerância religiosa configura-se como uma situação em que uma pessoa não aceita a religião ou a crença de outro indivíduo, indo contra os preceitos da própria Constituição Federal de 1988:
Sobre os princípios da laicidade na Constituição Federal de 1988, o seu Art. 5º, inciso VI, assegura liberdade de crença aos cidadãos: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: […] VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias” (BRASIL, 1988, pág. 8).
Salienta-se que a intolerância somente se faz presente quando há um poder político maior que deseja se sobressair a um’ poder menor. No caso das religiões, há aqueles com maior número de praticantes e outros com menor número de praticantes, como é o caso das religões afro. Por essa razão, diz-se que, a intolerância as vezes pode se aproximar do fenômeno do racismo na sociedade, pois uma das características principais do racismo é a de ser uma construção social hierárquica que se baseia na diferenciação dos seres humanos a partir da sua raça (DALLARI, 2009) .
Nota-se que o termo racismo religioso ainda está em construção, no entanto, percebe-se que tem sido caracterizado por preconceito ou ato de violência contra adeptos das religiões não convencionais. Principalmente aquelas de matrizes africanas que são os principais alvos de violência religiosa no Brasil (SILVA, 2013).
4 LIBERDADE RELIGIOSA NO DIREITO BRASILEIRO
Acredita-se que a liberdade religiosa possui estreitas ligações com o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Certos doutrinadores, como Jónatas Eduardo Mendes Machado, entende que esses princípios surgiram a partir da compressão cristã de mundo A concepção de dignidade encontra seu fundamento na circunstância de que o ser humano foi feito à imagem e semelhança de Deus e radica na capacidade de autodeterminação inerente à natureza humana (PIOVESAN, 2010).
4.1 LIBERDADE RELIGIOSA NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A Constituição Cidadã de 1988 em seu Título II consagra os direitos e garantias fundamentais, organizando-os em cinco capítulos, tais como direitos individuais e coletivos, direitos sociais, nacionalidade, direitos políticos e partidos políticos (RAMOS, 2010).
Assim, a liberdade religiosa é um direito fundamental resguardado por diversas Constituições vigentes em todo o mundo e, também por vários tratados internacionais de direitos humanos. Assim, esse direito é visto como de primeira dimensão ou geração, e sua importância é tanta, que foi inserido na Carta Maior do Brasil, onde assegura-se o direito da livre manifestação de qualquer religião (SARLET, 2012).
Diz-se que esse direito é tido como de primeira geração, por por nascer como liberdade oponível contra o Estado, como premissa para proteger o cidadão contra as intromissões do próprio Estado e garantir a autodeterminação dos cidadãos quanto à sua vida religiosa.
Segundo Bastos (2010) esta liberdade faz parte da própria vida do ser humano, e da sal condição de humano, portanto, Aqueles que optam por não ter religião são alcançados pela liberdade de consciência que lhes garante o direito de não adotar uma fé. A liberdade religiosa é também um direito natural, nasce com o homem, que pode ansiar por ter algo que lhe transcende a existência e buscar tal resposta na religião, e se caracteriza de forma que os governantes e o Estado devem respeitar seu valor.
Desse modo, além de não interferir , o Estado deverá facilitar o exercício de liberdade de crença, organização religisosa e culto, proporcionando medidas para a realização dessas manifestações.
5 O ESTADO DIANTE O ENFRENTAMENTO JURÍDICO CONTRA INTOLERÂNCIA RELIGIOSA
Diante os infortúnios da discriminação religiosa e suas vertentes, o Direito Penal, apesar de se tratar da ultima ration do direito, continua sendo a principal proteção contra esse tipo de conduta, punindo os que ainda insistem em atacar os praticantes de religões de matriz africana (CAIXETA, 2016). Assim, ante essa desordem social da discriminação, em seu artigo 140, o Código Penal de 1940 esclarece que constitui crime de injuria, ofender a dignidade ou decoro de terceiro, com penas de detenção de um a seis meses, ou a aplicação de multa. Além disso, expressa em seu § 2º do artigo supra, a figura da injúria real, quando envolver violência ou vias de fatos e por fim, a conduta mais gravosa, que é a injúria qualificada, ou seja, quando envolve elementos de raça, cor, etnia, religão ou condição de penssoa idosa ou com deficiência.
Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa. § 1º - O juiz pode deixar de aplicar a pena: I - quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria; II - no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. § 2º - Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes: Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa, além da pena correspondente à violência. § 3 o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)Pena - reclusão de um a três anos e multa (BRASIL, 1940, pág. 21).
Ressalta-se que diante essa tipificação, algumas condutas preconceituosas com religões de matriz africana, acabam por passar ilesas ou entendidas como mero discursos normais ou entendidos como simples críticas, o que acaba dificultando a responsabilidade de quem pratica atos de intolerância contra os praticantes dessas religiões.
Insta salienta que, relacionado ao presente artigo supracitado, na diferenciação da conduta de injuria qualificada com o crime de racismo, é oportuno assentar que o agente quando responde por injúrica, poderá valer-se do instituto da prescriação e mesmo da fiança. No crime de racismo esses institutos ficam afastados. No crime de injúria qualificada, é necessário observar o animus injuriandi, que resume se na votande de ofender a honra subjetiva de outra pessoa. Ou seja, o agente ofende apenas a vítima com palavras de cunho racista (OLIVEIRA, 2014).
Neste sentido, ressalta se que o crime de racismo está tipificado na Lei 7.716 de 1989 que tipifica crimes resultantes de preconceito, raça e etinia que expressa varias condutas assim relacionadas, cabendo destacar entre essas, a prevista em seu artigo 20. Nota-se que, em razão da gravidade da conduta, esta é punida com pena de reclusão de uma a três anos, conforme se observa: “ Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional. Pena: reclusão de um a três anos e multa”.
Conforme já mencionado, o crime de racismo é inafiáçavel e imprescritível, sujeito a pena de reclusão, conforme evidencia o art. 5º da Carta Maior do Brasil. “Art. 5°(…) XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei” (BRASIL, 1988).
Desta forma, para caracterização deste ultimo delito apresentado, nota-se que o agente deve objetivar ultrajar uma raça como um todo, a título de exemplo, poder ser uma comunidade religiosa como as de matriz africana ou mesmo uma comunidade negra, independentemente da religião.
Outro dispositivo que tipifica crime contra a liberdade religiosa, é o artigo 208 do Código Penal, que dispões sobre Ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo, configurado como escarnecimento de alguém em público por motivo de crença ou função religiosa.
Art. 208 - Escarnecer de alguém publicamente, por motivo de crença ou função religiosa; impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso; vilipendiar publicamente ato ou objeto de culto religioso: Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa. Parágrafo único - Se há emprego de violência, a pena é aumentada de um terço, sem prejuízo da correspondente à violência. (BRASIL,1940, pág. 52).
Na análise do artigo 208 do Código Penal, observa-se que o legislador foi omisso quanto alguma condutas, expressando apenas uma análise superficial de circunstância que configura crime. Além disso, em razão da gravidade da conduta, seria cabível uma pena mais servera para produzir efeitos inibidores, como é o caso da pena de reclusão, o que não ocorre com o dispositivo citado.
Nota-se que as religiões afro-brasileiras possuem um grande misticismo, algo importante para suas praticas. No entanto, estes elementos místicos, acabam sendo confundidos por terceiros como algo ligado ao satanismo, gerando mais preconceitos e ataques de violência.
É necessário a ampliação da tipificação condutas contra as religiões de matrizes africana, criando novos institutos capazes de garantir ao cidadão a melhor forma de exercitar suas convicções religiosas e exercer seu direito de livre escolha religiosa, de forma que não sofra com constrangimentos oriundos da impossibilidade de exercer sua fé, e ou seus rituais. Além disso, é preciso discorrer que, a maioria desses crimes supramencionados, são processados e juglados em Juizados Especiais Criminais, por se configurarem como infrações penais de menor potencial ofensivo, ou seja, as contravenções e/ou crimes que possuem penal máxima não superior a 2 anos cumulado ou não com multa. O que diminui as possibilidade de punições mais serveras frente a essa condutas reprováveis.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após o término do estudo, conclui-se que a liberdade religiosa no âmbito do Direito Pátrio, é considerada direito fundamental. Logo, percebe-se que dada a sua relevância, o ordenamento brasileiro considera essa liberdade inerente ao próprio ser humano, visto como um direito natural que nasce com o próprio homem.
Diante dessas previsões, o estudo apontou que apesar do legislador assegurar esse direito na Carta Maior, é na esfera penal que se tem as melhores garantias do respeito a essas previsões constitucionais, tendo em vista que, ainda é urgente a proteção contra a discriminação religiosa, pricipalmente contra aquelas inerentes a matrizes africanas que são as mais perseguidas e na maioria das vezes, estigmatizadas, sendo inclusive, vistas como seitas demoníacas.
Portanto, ressalta-se que é necessário empreender esforços para ir além das sanções previstas para os crimes citados nesse estudo, buscando em primeiro lugar a manutenção da conscientização dos indivíduos intolerantes, bem como a imposição de sanções que visam não apenas o caráter punitivo, mas também, o educativo contra sujeitos que insistem na prática desses crimes.
Por fim, espera-se que o estudo possa subsidiar dados para outros estudos correlacionados, e ainda, possa servir como fonte de pesquisa para o debate de políticas públicas que visem inibir a intolerância religiosa no Brasil.
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[1] Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional – UNITAU; Especialista em Docência do Ensino Superior e Direito Administrativo (FACIBRA). Professora do curso de Direito da Faculdade de Imperatriz - FACIMP, E-mail: [email protected]
Graduanda do curso de Direito da Faculdade de Imperatriz – FACIMP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Thais Lorrane Gomes dos Santos. Intolerância religiosa no Brasil: análise da legislação penal na proteção da inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença diante a discriminação das religiões de matriz africana. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 14 nov 2022, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59980/intolerncia-religiosa-no-brasil-anlise-da-legislao-penal-na-proteo-da-inviolabilidade-da-liberdade-de-conscincia-e-de-crena-diante-a-discriminao-das-religies-de-matriz-africana. Acesso em: 24 dez 2024.
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