LUIZ FRANCISCO DE OLIVEIRA[1]
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar o instituto da legitima defesa putativa (ficta) como causa de exclusão da culpabilidade do agente e os seus elementos de caracterização. O que diferencia a legitima defesa real da putativa é a inexistência da fática da agressão em relação ao agente que pratica a ação. A legitima defesa putativa recai sobre a culpabilidade do agente, o fato é típico e antijurídico, verifica-se sua forma dolosa de praticar o delito, porém, na ausência da culpabilidade, o fato não é punido, a doutrina admite que desde que o agente se supõe, erroneamente, na situação de quem legitimamente se defende, não existe dolo e o fato fica impune por ausência de culpabilidade. Verifica-se, assim, que a legítima defesa putativa ocorre quando alguém erradamente se julga diante de uma agressão injusta, atual ou iminente, e, imaginando estar amparada por lei, reage, supondo defender-se ou encontrar-se na defesa de terceiro. A escolha do tema se justifica pelo seu grau de complexidade de como a legitima defesa putativa pode ser caracterizada e aplicada no direito penal brasileiro e ainda pelo o tema ser bastante polêmico, haja vista a falsa certeza de uma agressão injusta provocar lesão ao bem jurídico de um indivíduo, lesão essa que se não houvesse esse instituto seria a conduta punida.
Palavras passe: legitima defesa putativa. Culpabilidade do agente. Fato típico e antijurídico. Exclusão de culpabilidade.
ABSTRACT: The present work aims to analyze the institute of putative (ficti) legitimate defense as a cause of exclusion of the agent's culpability and its characterization elements. What differentiates the real legitimate defense from the putative one is the inexistence of the fact of the aggression in relation to the agent who performs the action. The putative legitimate defense falls on the agent's culpability, the fact is typical and unlawful, there is a willful way of committing the crime, however, in the absence of culpability, the fact is not punished, the doctrine admits that as long as the agent it is wrongly assumed, in the situation of those who legitimately defend themselves, that there is no malice and the fact goes unpunished due to the absence of culpability. It appears, therefore, that putative self-defense occurs when someone wrongly judges himself in the face of an unjust, current or imminent aggression, and, imagining that he is supported by law, reacts, supposing himself to defend himself or find himself in the defense of a third party. The choice of topic is justified by its degree of complexity of how the putative legitimate defense can be characterized and applied in Brazilian criminal law and also because the topic is quite controversial given the false certainty that an unjust aggression causes damage to the legal good of a individual, an injury that, if there were no such institute, the conduct would be punished.
Keywords: legitimate putative defense. Agent culpability. Typical and unlawful fact. Exclusion of guilt.
INTRODUÇÃO
O Código Penal traz o instituto da legítima defesa, que nada mais é do que o direito de todo e qualquer cidadão de reagir diante de uma agressão injusta, atual ou iminente, podendo usar dos meios necessários para repeli-la. Estamos diante da legítima defesa real, ou propriamente dita.
No presente artigo estudaremos sobre a legítima defesa putativa, que é constituída pelas ações dos agentes que reagem a essa agressão supostamente injusta quando se imaginam em situação de legitima defesa. De plano, observa-se que a agressão só existia na imaginação do agente!
São relevantes ao estudo da legítima defesa putativa os pressupostos da legítima defesa, quais sejam os elementos objetivos (existência de agressão injusta, atual ou iminente, moderação no uso dos meios necessários); e o elemento subjetivo (vontade do agente em se defender).
A legítima defesa putativa está inserida entre as descriminantes putativas, previstas no artigo 20, §1º, do Código Penal. As descriminantes putativas são divididas, doutrinariamente, entre as que ocorrem em relação a pressuposto fático de uma excludente de ilicitude, e, quando relacionadas ao limite ou a existência de uma causa de justificação. No que se trata das descriminantes putativas fáticas, existe divergência doutrinária entre os juristas que adotam as diferentes teorias da culpabilidade, limitada ou extremada. A teoria limitada da culpabilidade é adotada expressamente pelo Código Penal, conforme se observa no item 17 da exposição de motivos da parte geral.
A legítima defesa putativa, assim como todas as outras descriminantes putativas, se constitui por erro que existirá em relação aos pressupostos fáticos, a existência, ou os limites de uma excludente de ilicitude. Destarte, em relação a essa divisão quanto à incidência do erro nas descriminantes putativas, o erro sobre pressuposto fático de uma causa de justificação ocorre quando o sujeito se imagina na presença de uma situação de fato caracterizadora de uma excludente, como a agressão injusta na legítima defesa, por exemplo. Por sua vez, quando o agente imaginar que sua conduta é autorizada por uma excludente de ilicitude, que na verdade não existe, como no caso do sujeito que imagina estar em vigor norma autorizadora da eutanásia, por exemplo, temos o erro quanto à existência de uma causa justificadora. E por último, verifica-se o erro quanto aos limites de uma excludente de ilicitude quando o agente imagina estar autorizado a defender-se com uma força, que na verdade não pode. Podemos citar o exemplo do homem que mata sua esposa ao flagrá-la em adultério, imaginando que, assim agindo, está defendendo legitimamente sua honra.
O presente artigo cientifico tem como objetivo esclarecer como se determina o instituto da legítima defesa ficta observando seus elementos e a teoria da culpabilidade limitada, no ordenamento jurídico brasileiro, através de conceitos, definições e quesitos com intenção de que a mesma se configure.
1 ELEMENTOS DE CARACTERIZAÇÃO DA LEGITIMA DEFESA FICTA.
Legítima defesa putativa é a também denominada legítima defesa ficta. A situação de perigo existe tão somente no imaginário daquele que supõe repelir legitimamente um injusto. Constitui descriminante putativa ou seja, o agente “supõe a ocorrência de uma excludente de criminalidade que, se existisse, tornaria sua ação legítima. Por conseguinte, a ação do que se supõe agredido é revestida de antijuridicidade, em divergência daquele que age em legítima defesa real. Segundo Bitencourt, “o fato praticado sob a suposição errônea de uma causa de justificação continua, pois, sendo um fato doloso”. (BITENCOURT, 2009).
Conforme discorrido acima, a legítima defesa é instituto que exclui a antijuridicidade da ação daquele que repele a agressão injusta. Diferentemente, a legítima defesa putativa, por constituir erro sobre a situação fática, pode ser causa justificante através da eliminação da culpabilidade do agente ou causa de diminuição de pena.
A agressão injusta deverá ser real, efetiva e concreta. Pode acontecer, contudo, que o agente tenha uma percepção equivocada acerca da existência ou atualidade da agressão injusta e creia, erroneamente, que se encontra em uma situação de legítima defesa, dando lugar a uma legítima defesa putativa. Ocorre legítima defesa putativa quando alguém se julga, erroneamente, diante de uma agressão injusta, atual ou iminente, encontrando-se, portanto, legalmente autorizado a repeli-la. A legítima defesa putativa supõe que o agente atue na sincera e íntima convicção da necessidade de repelir essa agressão imaginária (legítima defesa subjetiva). (BITENCOURT, 2012, p. 159).
No artigo 25 do Código Penal constam as hipóteses que admitem a legitima defesa, sendo que são os mesmos elementos da sua forma putativa. Como explicado anteriormente, o agente atua na sincera e íntima convicção da necessidade de repelir essa agressão imaginária.
Segundo o Art. 25 “Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. No art 20 é caracterizada a conduta na sua forma putativa. Senão vejamos:
Art. 20- O erro sobre elemento constitutivo do tipo legal de crime exclui o dolo, mas permite a punição por crime culposo, se previsto em lei
§ 1º - É isento de pena quem, por erro plenamente justificado pelas circunstâncias, supõe situação de fato que, se existisse, tornaria a ação legítima. Não há isenção de pena quando o erro deriva de culpa e o fato é punível como crime culposo.
Assim ao delimitar o círculo de proteção do acusado o legislador positivou a forma putativa para delitos cometidos sob a jurisdição brasileira, baseada na teoria da culpabilidade militada.
A análise do art. 25 do Código Penal revela a dependência da legítima defesa aos seguintes requisitos cumulativos:(1) agressão injusta; (2) atual ou iminente; (3) direito próprio ou alheio; (4) reação com os meios necessários; e (5) uso moderado dos meios necessários.
Agressão injusta: Agressão injusta é a de natureza ilícita, isto é, contrária ao Direito. Pode ser dolosa ou culposa. É obtida com uma análise objetiva, consistindo na mera contradição com o ordenamento jurídico. Não se exige, para ser injusta, que a agressão seja prevista como infração penal. Basta que o agredido não esteja obrigado a suportá-la. (BITENCOURT, 2012, p. 158).
Agressão atual ou iminente: Atual é a agressão que está acontecendo, isto é, que ainda não foi concluída; iminente é a que está prestes a acontecer, que não admite nenhuma demora para a repulsa. Agressão iminente não se confunde com agressão futura. A reação do agredido para caracterizar a legítima defesa pode ser preventiva ante uma agressão injusta iminente, estando orientada, prioritariamente, a impedir o início da ofensa, mas pode destinar-se a evitar, ante uma agressão injusta atual, a sua continuidade, como objetivo de impedir que se produza um dano maior ao bem jurídico. (BITENCOURT, 2012, p. 159).
Agressão a direito próprio ou alheio: Qualquer bem jurídico pode ser protegido pelo instituto da legítima defesa, para repelir agressão injusta, sendo irrelevante a distinção entre bens pessoais e impessoais, disponíveis e indisponíveis. Considerando, porém, a titularidade do bem jurídico protegido por esse instituto, pode-se classificá-lo em: próprio ou de terceiro, que autorizam legítima defesa própria, quando o repelente da agressão é o próprio titular do bem jurídico ameaçado ou atacado, e legítima defesa de terceiro, quando objetiva proteger interesses de outrem. .(BITENCOURT, 2012, p. 159).
Reação com os meios necessários: Meios necessários são aqueles que o agente tem à sua disposição para repelir a agressão injusta, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem, no momento em que é praticada. A legítima defesa não é desforço desnecessário, mas medida que se destina à proteção de bens jurídicos. Não tem por fim punir, razão pela qual deve ser concretizada da forma menos lesiva possível.
O calor do momento da agressão, todavia, impede sejam calculados os meios necessários de forma rígida e matemática. Seu cabimento deve ser analisado de modo flexível, e não em doses milimétricas. A escolha dos meios deve obedecer aos reclamos da situação concreta de perigo, não se podendo exigir uma proporção mecânica entre os bens em conflito. (LINHARES, 1994. p. 344).
Uso moderado dos meios necessários: Há necessidade de moderação e proporcionalidade dos meios utilizados na defesa do bem jurídico. Na verdade, embora se reconheça a legitimidade da reação pessoal, nas circunstâncias definidas pela lei, o Estado exige que essa legitimação excepcional obedeça aos limites da necessidade e da moderação. A configuração de uma situação de legítima defesa está diretamente relacionada com a intensidade e gravidade da agressão, periculosidade do agressor e com os meios de defesa disponíveis. No entanto, não se exige uma adequação perfeita, milimetrada, entre ataque e defesa, para se estabelecer a necessidade dos meios e a moderação no seu uso. (BITENCOURT, 2012, p. 160).
A agressão injusta deverá ser real, efetiva e concreta. Pode acontecer, contudo, que o agente tenha uma percepção equivocada acerca da existência ou atualidade da agressão injusta e creia, erroneamente, que se encontra em uma situação de legítima defesa, dando lugar a uma legítima defesa putativa. Ocorre legítima defesa putativa quando alguém se julga, erroneamente, diante de uma agressão injusta, atual ou iminente, encontrando-se, portanto, legalmente autorizado a repeli-la. A legítima defesa putativa supõe que o agente atue na sincera e íntima convicção da necessidade de repelir essa agressão imaginária (legítima defesa subjetiva). (BITENCOURT, 2012).
Os elementos caracterizadores da legitima defesa putativa são os mesmos da legitima defesa real mudando-se apenas que na legitima defesa ficta o agente age sobre um erro justificável pelas circunstâncias da situação fática, como explicado no parágrafo anterior.
2 A LEGITIMA DEFESA PUTATIVA EM RELAÇÃO A TEORIA DA CULPABILIDADE LIMITADA
A teoria limitada da culpabilidade é muito semelhante à teoria estrita da culpabilidade. A diferença reside no erro quanto às causas de justificação ou discriminantes putativas. Na teoria estrita da culpabilidade, essa espécie de erro sempre excluirá a consciência da antijuridicidade, ou seja, sempre será erro de proibição. Na teoria limitada, o erro quanto às discriminantes putativas, dependendo do caso, será equiparado ao erro de tipo, excluindo o dolo, ou erro de proibição, excluindo a culpabilidade. Se o erro for quanto aos limites da causa de justificação teremos erro de proibição; se for quanto à existência da justificadora que autoriza a ação típica, temos a equiparação ao erro de tipo. Dizemos que o erro sobre as discriminantes putativas fáticas se equipara ao erro de tipo porque o dolo não é excluído. No mesmo sentido de que o agente não tem sua vontade dirigida à produção do resultado, mas porque do mesmo modo que os elementos objetivos da justificação compensam o desvalor do resultado, os elementos operam com igual consequência no que concerne ao elemento subjetivo. (SERRA, 1991. p. 83).
Os partidários da teoria limitada da culpabilidade fundamentam-na em uma razão de política criminal. Von Weber dá o seguinte exemplo: pode-se afirmar que um soldado que mata um camarada, por confusão com o inimigo, teve resolução de cometer um delito de homicídio? Deve ele, então, responder pelo crime na forma culposa, em virtude da inexistência do dolo. Essa teoria é a adotada no Direito Positivo brasileiro.
A doutrina distingue o erro de tipo em erro de tipo invencível (escusável, justificável, inevitável) e erro de tipo vencível (inescusável, injustificável, evitável). E como leciona Rogério Greco,
ocorre o erro de tipo invencível quando o agente, nas circunstâncias em que se encontrava, não tinha como evitá-lo, mesmo tomando todas as cautelas necessárias. Já em relação ao erro de tipo vencível ou inescusável, sustenta o renomado autor que este se configura naquelas situações em que, se o agente tivesse atuado com maior diligência, com maior cautela, poderia ter evitado o resultado danoso. (GRECO, 2017, p. 407).
Sendo invencível o erro de tipo, não só o dolo estará excluído, como também o agente nunca será responsabilizado a título de culpa. Já, por outro lado, sendo vencível o erro de tipo, isto é, se o resultado pudesse ter sido evitado caso o agente tivesse atuado com maior diligência, este só responderia a título culposo, caso seja possível sua responsabilização a título culposo, uma vez que nem todos os crimes do ordenamento admitem a modalidade culposa.(GRECO, 2017, p.407).
O erro de proibição subdivide-se em: (i) direto; (ii) indireto; e (iii) mandamental. Será erro de proibição direto aquele que recai sobre conteúdo proibitivo de uma norma penal, isto é, quando alguém, por erro inevitável, realiza uma conduta proibida, seja por desconhecer a norma proibitiva, ou por conhecê-la mal, ou, ainda, por não compreender o seu verdadeiro âmbito de incidência. Já o erro de proibição mandamental é aquele que incide sobre o mandamento contido nos crimes omissivos, sejam estes crimes omissivos próprios ou impróprios. (BITENCOURT, 2010).
Por sua vez, erro de proibição indireto é aquele em que o agente erra por supor, erroneamente, estar acobertado por uma causa de justificação inexistente, ou, ao menos, acerca dos limites de uma causa existente. Esse erro de proibição indireto é aquele que mais se relaciona com o erro de tipo permissivo, constante das descriminantes putativas. A existência desse tipo de erro de proibição é a principal consequência da adoção da Teoria Limitada da Culpabilidade pelo ordenamento jurídico brasileiro. (BITENCOURT, 2010).
Para os finalistas ortodoxos, o erro quanto às causas de justificação será sempre hipótese de erro de proibição, ou seja, excluir-se-á sempre a culpabilidade, conforme os postulados da teoria estrita da culpabilidade. (WELZEL, 1997).
Apesar de Bitencourt levantar a hipótese de que as descriminantes putativas poderiam ser uma terceira espécie de erro, o autor deixa bem claro que o erro sobre as causas de justificação, em seu entendimento, é sempre hipótese de erro de proibição, ao afirmar que “(...) o erro de tipo permissivo não exclui o dolo de tipo, que permanece íntegro. Apenas, afasta a culpabilidade dolosa, se for evitável, e igualmente, a culposa, se for inevitável”. (BITENCOURT, 2010).
Logo, percebe-se que o posicionamento de Bitencourt encontra-se em consonância com a teoria estrita ou rigorosa da culpabilidade.
Já os autores que se filiam à teoria limitada da culpabilidade afirmam que as descriminantes putativas podem ser erro de tipo (quando o erro incide sobre a situação de fato, que se existisse, seria acobertada por uma causa de justificação) ou erro de proibição (quando o erro incide sobre os limites ou a existência de uma causa de justificação). Para Santos (2004, p. 227), a legislação brasileira disciplina o erro de tipo (art. 20, CP), o erro de tipo permissivo (art. 20, § 1º, CP) e o erro de proibição (art. 21, CP) segundo os critérios da teoria limitada da culpabilidade.
3 EXCESSO NA LEGITIMA DEFESA FICTA E A SUA PUNIBILIDADE.
A lei exige que a intensidade com que o agredido repele a agressão seja moderada. Faz-se necessário que exista justa proporcionalidade entre a agressão e a reação, muito embora não se exige proporcionalidade absoluta.
Quanto aos meios necessários, quaisquer que sejam os instrumentos ou armas, e ate mesmo a força muscular podem ser empregados para ameaçar, ferir, ou mesmo matar o agressor. No entanto, empregar o meio além do que preciso para repelir a lesão ao bem jurídico que se quer defender faz desaparecer a legitima defesa ou fará surgir o excesso, conforme explica Bruno Anibal (1967, p. 366).
O que caracteriza, em geral, a medida da repulsa é a violência da agressão, mas na proporcionalidade entre o ataque e a defesa, não se pode deixar de tomar em consideração o valor do bem ameaçado, as circunstancias em que atua o agente e os meios de que no momento podia dispor. Mas, afinal, o que o direito permite ou mesmo requer é que o bem seja defendido por todos os meios necessários, empregando, porém, esses meios com a devida moderação. A legitima defesa não deve vir a ser oportunidade para que o agredido exerça sobre o agressor atos de violência ou vingança, aquilo a que ele visa é simplesmente estender sobre o bem em perigo (a vida no caso) uma proteção eficaz e proporcional.
Entende-se, também, que, diante de uma agressão ou ameaça injusta de agressão, o agredido provavelmente estará em estado de perturbação mental de tal modo que não se poderá exigir uma proporção absoluta ou racional entre a defesa e a agressão.
A apreciação deve se feita objetivamente, mas sempre, de caso em caso, segundo um critério de relatividade ou um cálculo aproximativo. Não se trata de pesagem em balança de farmácia, mas de uma aferição ajustada as condições de fato do caso vertente. Não se pode exigir uma perfeita equação entre o quantum da reação e a intensidade da agressão desde que o necessário meio empregado tinha que acarretar, por si mesmo, inevitavelmente, o rompimento da dita equação um meio que, prima facie, pode parecer excessivo, não será tal se as circunstancias demonstrarem a sua necessidade in concreto. Assim, quando um indivíduo franzino se defende com arma de fogo contra um agressor desarmado, mas de grande robustez física, ainda assim, não fica elidida a defesa. (HUNGRIA, 1958, p. 302)
Deste modo, a proporcionalidade deve ser relativizada devendo atender as condições pessoais do agente e agressor e os meios que dispunha no momento, e não os meios que poderia abstratamente se utilizar.
No momento do ataque, a perturbação de animo que torna conta do agente o impede de pensar com precisão se seus golpes serão capazes ou não de afastar a injusta agressão. A sua vontade é de defender-se, e não de cometer um crime. Isto porque o excesso culposo na legítima defesa resulta na responsabilidade do autor pela prática do crime na modalidade culposa, caso haja previsão legal da modalidade culposa para o crime.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo procurou demonstrar a importância e aplicação da legitima defesa putativa. Buscando a evolução histórica do instituto, analisou-se a sua evolução e desenvolvimento desde os primórdios da existência humana até os dias atuais.
Leis e religiões existem onde as pessoas vivem em grupos organizados. Portanto, inferir a lei é definitivamente mais relevante do que a ciência. O objetivo da lei é ser justo, razoável e resolver conflitos de direitos conflitantes. Com esse objetivo em mente, o Estado, como guardião dos legítimos interesses da sociedade e provedor do bem-estar social, capacita os indivíduos a agir em situações específicas para proteger bens legítimos que são ou podem ser objeto de agressão ilícita. O comportamento de um indivíduo nesta situação é típico, mas não ilegal. Ou ainda pode ser típico e ilegal, mas agir inocentemente, como em legítima defesa putativa.
Para o entendimento da legítima defesa putativa como excludente de culpabilidade, foi exposto no trabalho de maneira sucinta a teoria limitada da culpabilidade que o erro quanto às discriminantes putativas, dependendo do caso, será equiparado ao erro de tipo, excluindo o dolo, ou erro de proibição, excluindo a culpabilidade. Se o erro for quanto aos limites da causa de justificação teremos erro de proibição; se for quanto à existência da justificadora que autoriza a ação típica, temos a equiparação ao erro de tipo.
Por fim, a legítima defesa ficta se constitui na ação de um agente que se imagina diante de motivos que justificam a legítima defesa. Dessa forma, configura-se uma discriminante putativa, que deve ser analisado à luz da teoria limitada da culpabilidade, por meio da adoção explícita do código penal, ou seja, se o agente agiu de forma equivocada, no que diz respeito à presunção fática de exclusão (legítima defesa), se escusável a culpabilidade será excluída, e se inescusável, responderá na forma culposa, se existir essa previsão no tipo penal.
REFERÊNCIAS
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HOFFBAUER, Nelson Hungria. A legítima defesa putativa. Rio de Janeiro: Livraria Jacinto, 1936.
HUNGRIA, Nelson. Comentários ao Código Penal. 2ª edição, Volume I, Tomo 2º. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1953.
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LEAL, Saulo Brum. Júri Popular. 4 Ed. Porto Alegre, 2001.
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MARQUES, Heitor Romero et al. Metodologia da pesquisa e do trabalho científico. 2.ed. Campo Grande: UCDB, 2006.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal, 4ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.
SERRA, Teresa. Problemática do erro sobre a ilicitude. Coimbra: Almedina, 1991.
TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios básicos de Direito Penal. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2001.
WELZEL, Hans. Derecho penal alemán: parte general. Santiago: Editorial Juridica de Chile, 1997.
[1] Doutorando em Direito Público pela UNISINOS. Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela UFT/ESMAT. Professor de Direito da UNITINS. Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado do Tocantins. . E-mail: [email protected]
Graduando em direito pela Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MARTINS, ARY MAGNO SOARES. A legítima defesa putativa (ficta) como forma de excludente de culpabilidade e seus elementos de caracterização a luz do direito penal brasileiro. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 nov 2022, 04:06. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/59999/a-legtima-defesa-putativa-ficta-como-forma-de-excludente-de-culpabilidade-e-seus-elementos-de-caracterizao-a-luz-do-direito-penal-brasileiro. Acesso em: 24 dez 2024.
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