LÍVIA HELENA TONELLA[1]
(orientadora)
RESUMO: A partir do momento em que o parto começou a ser institucionalizado, a mulher foi deixando de ter o controle sobre o seu corpo, começando a sofrer diversas formas de violência, antes, durante e após dar à luz. Nesse contexto, o presente artigo pretende abordar acerca da violência obstétrica sob o prisma do abuso sofrido pela influenciadora digital Shantal Verdelho, que sofreu essa violência de forma física, verbal, moral e psicológica. Partindo de uma cultura enraizada de que toda dor é inerente ao parto, a mulher, muitas vezes, sequer tem conhecimento de que está sofrendo uma grave violação dos seus direitos humanos fundamentais. Sendo um problema freqüente, como o ordenamento jurídico brasileiro enquadra a violência obstétrica e protege a mulher? Abordar acerca do assunto é de suma importância para, além de conscientizar e fomentar a idéia de respeito e parto humanizado, também destacar os direitos da mulher. Diante disso, como objetivo geral, busca-se entender o que é violência obstétrica, seu contexto histórico e suas formas de ocorrência, ao passo em que objetiva-se, especificamente, apontar qual é o seu tratamento legal, estudar a responsabilidade civil, seus elementos e diferença entre erro médico e erro do médico, apontar as políticas públicas que versam sobre o tema, bem como explanar sobre o caso Shantal Verdelho. Para a elaboração desse artigo, utilizou-se o método dedutivo, com técnica de pesquisa documental, bibliográfica. Conclui-se que a violência obstétrica, apesar de tão corriqueira, ainda não tem tipificação, sendo a legislação omissa acerca dessa prática.
Palavras-chave:parto; violência obstétrica; violência contra a mulher; violência de gênero.
INTRODUÇÃO
Entende-se a violência obstétrica como os abusos sofridos pela mulher, sejam eles físicos, psicológicos ou morais, com imposição de procedimentos invasivos, ocultação de informações, negação de ter o acompanhante, entre tantos outros fatores, como se esta não tivesse autonomia sobre o seu próprio corpo, violando os seus direitos, podendo ocorrer no período da gestação, durante o parto e até mesmo depois, quando ela está passando pelo período do puerpério.
Assim, o presente artigo pretende abordar acerca do assunto sob a ótica do ocorrido com a influenciadora digital Shantal Verdelho, que sofreu violência obstétrica no momento do parto da sua filha, tendo, entre alguns dos atos violentos, a aplicação da manobra de Kristeller, já proibida pela Organização Mundial de saúde, que consiste em pressionar o útero para forçar a saída do bebê, uma série de xingamentos e a tentativa de rasgar a sua região íntima para puxar a criança.
Embora a gravidez tenha que ser um momento especial, assim como o próprio parto e seu pós, esses momentos acabam se tornando um verdadeiro tormento quando a figura da mulher tem a sua integridade violada, sobretudo, pelo seu estado de fragilidade, e, por vezes, ela sequer tem conhecimento dos abusos que está sofrendo, seja pelo desconhecimento dos seus direitos, seja pela idéia espalhada de que toda dor no parto é normal e que o médico, bem como os demais profissionais da saúde, sempre sabem o que é melhor e o que deve ser feito.
Diante disso, como o ordenamento jurídico enquadra a violência obstétrica e de que maneira as mulheres estão amparadas contra os abusos sofridos?
Abordar acerca do referido tema é de suma importância, haja vista que a mulher, muitas vezes, não faz idéia sequer de que sofreu um abuso, tampouco da gravidade dele, não detendo poder sobre o seu próprio corpo, sendo ele tratado como se não a pertencesse. Assim, a denúncia dessa prática tão corriqueira acaba ficando cada vez mais inexistente, sendo necessário o debate aberto a respeito do tema, não somente para difundir um conhecimento tão atual, mas também, para compreender como a legislação brasileira se posiciona e como a mulher está protegida.
Desse modo, como objetivo geral, busca-se entender o que é violência obstétrica, seu contexto histórico e tipos, ao passo em que objetiva-se, especificamente, apontar como a legislação brasileira a enquadra, estudar a responsabilidade civil na violência obstétrica, apontar as políticas públicas no tocante ao assunto, bem como explanar sobre o caso Shantal Verdelho.
Metodologicamente, utilizou-se o método dedutivo, com técnica de pesquisa documental, bibliográfica. Estudou-se não somente o entendimento dos doutrinadores da área, mas também, o posicionamento dos tribunais superiores sobre a violência obstétrica e dos demais dispositivos legais pertinentes ao assunto, a citar, o Código Penal, Código Civil, Constituição Federal e os projetos de lei que versam sobre a matéria.
No primeiro capítulo, será explanado o conceito de violência obstétrica, seus aspectos históricos, como houve a mudança dos partos realizados pelas parteiras para o processo de institucionalização desse momento, bem como as formas dessa violência, que pode ser verbal, física, psicológica e sexual.
No segundo capítulo, tem-se a sua abordagem jurídica no Brasil, estudando como a legislação brasileira trata do assunto, as omissões legislativas e os projetos de lei existente, com um breve apontamento do posicionamento dos tribunais superiores.
Posteriormente, no terceiro capítulo, será estudada a responsabilidade civil na violência obstétrica e todas as suas nuances, abrangendo como diferenciar a responsabilidade civil objetiva e subjetiva, seus elementos, a responsabilidade civil do Estado e dos agentes de saúde da rede do Sistema Único de Saúde, a diferença entre erro médico e erro do médico e a violência obstétrica como forma de violação dos direitos fundamentais da mulher. Por fim, no último capítulo, explicitar-se-á o caso da influenciadora digital Shantal Verdelho e as políticas públicas de enfrentamento à violência obstétrica.
1. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
Entende-se a violência obstétrica como toda forma de violência sofrida pela mulher, durante ou após o parto. Ocasião em que está muito fragilizada e deixa de ser a figura principal desse momento. Seu corpo, em contexto de violência obstétrica, passa a ser tratado como se não lhe pertencesse, seja com imposição de práticas invasivas e até proibidas, seja desrespeitando a sua vontade, seja ouvindo xingamentos e afins. Esses abusos, portanto, podem se dar de variadas formas, todas elas sendo extremamente vexatórias, humilhantes e traumáticas.
Nesse contexto, ela é entendida como:
[...] intervenção institucional indevida, não autorizada ou sequer informada, até mesmo abusiva, sobre o corpo ou processo reprodutivo da mulher, que violam sua autonomia, informação, liberdade de escolha e participação nas decisões sobre o seu próprio corpo. (MARIANI e NASCIMENTO, 2016, p. 51)
É a própria desumanização do corpo da mulher, mais uma vez objetificado como se nada fosse, tirando de si a autonomia de vontade e o seu poder de decisão. Como sabido, a violência obstétrica é reconhecida como uma violência de gênero, uma vez que somente a figura da mulher pode passar por uma gestação e, consequentemente, dar à luz a um bebê, sendo ela, portanto, o único sujeito passivo desse crime.
Reconhecer e compreender que sofreu violência obstétrica segue sendo uma matéria complicada, isso porque ela é cometida, na maioria das vezes, por algum profissional que todos julgam ser qualificados para tal, e qualquer dor física é vista como normal e inevitável, assim como qualquer procedimento imposto pelo médico é tido como certo, por exemplo.
Por outro lado, é importante esclarecer que a violência obstétrica pode ser cometida por outras pessoas além do médico, pois, além da violência poder restar configurada pela própria negligência estatal, ela também pode partir de qualquer profissional ou pessoa que tenha algum envolvimento com a situação, ou seja, técnicos de enfermagem, algum parente da gestante e etc.
Segundo AGUIAR:
[...] a violência dentro dos serviços de saúde de uma forma geral é identificada a um mau atendimento que inclui: fala grosseira, negligência, abandono, ofensa moral; não ter paciência, gritar, empurrar; não dar informações ao paciente e tratá-lo com indiferença; fazer algum procedimento ou exame sem consentimento, inadequado ou desrespeitosamente; discriminação por condição social ou cor e a violência física. (AGUIAR, 2010, p. 149)
Nota-se, assim, que a violência obstétrica se configura de diferentes formas, é uma violação aos direitos da mulher e do seu bebê, é o desrespeito ao seu corpo e sua vida, é, até mesmo, a aplicação de procedimentos dolorosos que ela sequer sabe que estão sendo feitos ou que aceite apenas porque foi levada a pensar que ele era necessário, por medo, como no caso dos médicos que forçam a paciente a se submeter a uma cirurgia de cesárea, porque, caso contrário, o bebê pode morrer.
1.1. Aspectos históricos
Antigamente, os partos eram realizados por uma parteira ou curandeira, comumente no próprio domicílio da mulher, com seus parentes à sua volta e ela tendo total autonomia sobre o seu corpo e seus movimentos. Assim, essa era uma atividade de realização quase exclusiva da mulher, preferido até mesmo pela gestante, visto que encontrava na pessoa da parteira uma confiança e segurança pelo parto humanizado.
No final do século XVI, essa profissão contou com grande mudança, quando começou a ser utilizado o fórcipe obstétrico, equipamento que passou a incluir o homem nessa atividade, não apenas pela consideração do parto como algo técnico e científico, mas também, pelo fato das parteiras não terem condições financeiras de adquirir esse mesmo equipamento, tendo em vista que as mulheres sempre foram colocadas em posição de inferioridade face ao homem, até mesmo no quesito econômico (NAGAHAMA e SANTIAGO, 2005, p. 655).
Desse modo, o parto passou a ter um caráter intervencionista, e, apesar das parteiras não concordarem com isso, estas tiveram que começar a aceitar a presença de um cirurgião para supervisionar o procedimento, após a sua devida regulamentação, como uma estratégia da igreja e também estatal (NAGAHAMA e SANTIAGO, 2005, p. 655).
Logo, as parteiras, que era quem ajudava as mulheres a darem à luz, perderam o seu espaço para os homens, por serem consideradas inaptas para com as novas técnicas, não terem condições de adquirir o fórcipe, assim como discordarem do fato da mulher perder o protagonismo desse momento e serem tratadas como o médico bem achar melhor.
É certo que, apesar de ter sido assim durante um longo período da história, o avanço da medicina trouxe inúmeras benesses, como a diminuição da mortalidade da mãe e do bebê, uma vez que nem todo parto era possível ser feito em casa sem uma intervenção médica.
Por outro lado, ao passo em que trouxe esses benefícios, a mulher também deixou de ser a figura central e ter domínio sobre si, haja vista que os procedimentos se tornaram cada vez mais invasivos, muitas vezes, desnecessários, retirando dela o direito de opinar sobre esse momento tão importante.
Nessa vertente, a ideia do parto passou a ser modificada:
[…] o discurso médico da metade do século 19 relativo à obstetrícia caracterizou-se pela defesa da hospitalização do parto e da criação de maternidades. O parto deixou de ser privado, íntimo e feminino, e passou a ser vivido de maneira pública, com a presença e interferência de outros atores sociais. (NAGAHAMA e SANTIAGO, 2005, p. 656)
A violência contra a mulher é proveniente de uma estrutura cultural que coloca a figura feminina em posição de inferioridade em detrimento do homem, sendo considerada incapaz e de menor capacidade. Assim, ao passo em que a parteira passou a ter a sua intelectualidade questionada, a gestante tinha o seu corpo visto como um objeto que não fosse seu, deixando de ter autonomia sobre ele.
Posto isso, Pinafi explica:
A violência contra a mulher é produto de uma construção histórica — portanto, passível de desconstrução — que traz em seu seio estreita relação com as categorias de gênero, classe e raça/etnia e suas relações de poder. Por definição, pode ser considerada como toda e qualquer conduta baseada no gênero, que cause, ou seja, passível de causar morte, dano ou sofrimento nos âmbitos: físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública quanto na privada. (PINAFI, 2007, p. 01)
Desse modo, a violência obstétrica é uma violência de gênero, isso porque o Decreto nº 1973, de 1º de agosto de 1996, que promulgou a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, tratou de reconhecer, em seu art. 1º, como violência contra a mulher, ‘‘qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada.’’.
1.2 Tipos de Violência Obstétrica
Há várias formas de violência obstétrica, sendo, a mais comum delas, a violência física, que resta caracterizada por todo ato que viole a integridade física da mulher, lhe cause algum desconforto e seja realizado sem o seu consentimento.
Um famoso grande exemplo da violência obstétrica física é a realização da episiotomia, uma incisão na região íntima da mulher, com o ensejo de auxiliar na hora de retirar o bebê. Ocorre que, além de não ser um procedimento permitido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), a episiotomia, muitas vezes, é feita sem a anuência da paciente e anestesia, sendo considerada uma prática violenta, cuja ocorrência deve ser devidamente justificada e anotada em prontuário.
A situação é tão crítica e cruel que, comumente, os médicos dão um ponto extra na região aberta, de maneira bárbara, o que popularmente é conhecimento como ‘‘ponto do marido’’, como se o corpo da mulher tivesse a função de satisfazer o homem, com o objetivo de deixar a vagina mais apertada, trazendo danos físicos e psicológicos irreparáveis para a mulher, que ficará sofrendo, por exemplo, com dores na penetração.
Ademais, é direito da gestante escolher a posição que vai parir, entretanto, a imposição de estar sempre deitada também é apenas mais uma das tantas violências sofridas. A própria OMS elucida que a parturiente deve ter a liberdade de escolha, não podendo o profissional da saúde lhe obrigar a ficar em qualquer uma que não seja a optada por ela. A posição de deitar com as pernas abertas suspensas por um equipamento, inclusive, é igualmente proibida e desumana.
A violência obstétrica também pode ser sexual, em caso de exame de toque em excesso sem necessidade, verbal e moral quando há xingamentos e falas vexatórias, bem como psicológica, que causa insegurança e medo, como nos casos em que é imposto um procedimento invasivo sob a justificativa de ser crucial, fazendo a parturiente aceitar calada por medo ao se sentir numa posição de inferioridade.
Observa-se, assim, que várias são as formas de violência obstétrica, podendo ocorrer mais de uma delas ao mesmo tempo.
2. ABORDAGEM JURÍDICA NO BRASIL
Apesar de ser um fato corriqueiro, o Brasil não possui uma legislação federal específica para tratar da violência obstétrica, do mesmo modo que não há tipificação acerca da matéria no Código Penal brasileiro. Entretanto, cumpre salientar que, embora não haja tratamento próprio no ordenamento jurídico pátrio, será aplicada a legislação geral para punir os referidos atos danosos contra a mulher.
Dessa maneira, ainda que não tenha tipificação própria, a violência obstétrica continua sendo uma conduta antijurídica, ilícita e culpável, é uma violência contra a mulher, de modo que, para tratar da matéria, os dispositivos aptos se encontram dispostos no Código Penal, na Constituição Federal, no Código Civil, Código de Defesa do consumidor, nas resoluções que regulam a medicina e em leis diversas, como a Lei nº 11.108/2005, que garante às parturientes o direito ao acompanhante.
2.1 Legislação brasileira acerca da violência obstétrica
Conforme explicitado no tópico anterior, não há um regramento específico acerca da matéria, entretanto, pode-se mencionar diversos projetos de lei que tramitam em prol da defesa das gestantes, e isso se justifica porque ainda se faz necessário um olhar maior e realmente direcionado ao assunto, que reconheça a violência obstétrica e propicie uma garantia real do direito da mulher e do bebê que ela está dando à luz.
O primeiro Projeto de Lei (PL) para reconhecer a violência obstétrica foi o de nº 7.633/2014, que a caracteriza, em seu art. 13, como:
Art. 13 – Caracteriza-se a violência obstétrica como a apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres pelos(as) profissionais de saúde, através do tratamento desumanizado, abuso da medicalização e patologização dos processos naturais, que cause a perda da autonomia e capacidade das mulheres de decidir livremente sobre seus corpos e sua sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres. (BRASIL PROJETO DE LEI Nº 7.633/2014)
Ressalte-se que o parágrafo único do mesmo dispositivo legal também reconhece a violência nos casos de abortamento. Do mesmo modo, a proposta legislativa em comento destaca em seu art. 3º, inciso II, a utilização de práticas menos invasivas como um dos princípios da assistência humanizada, o que se mostra primordial, visto que, na prática, muitas vezes uma mulher é submetida a uma cesariana sem sequer compreender os motivos de tal ato.
No tocante à própria cirurgia cesariana, o art. 14 deste mesmo dispositivo também elucida condutas que se consideram violência obstétrica, entre as quais, além de uma cesariana desnecessária e sem a informação dos seus riscos reais, tem-se também a sua realização apenas por conveniência médica, norteada por comentários constrangedores, a banalização de suas dores e até mesmo negar-lhe um acompanhante (que já possui regulamentação, através da Lei nº 11.108/2005) e até mesmo atendê-la de porta aberta, ferindo a sua privacidade.
Igualmente, tem-se também o Projeto de Lei nº 7.867/2017 (apensado ao Projeto de lei nº 7.633/2014), que entende, em seu art. 3º, a violência obstétrica como toda conduta praticada por ‘‘membro da equipe de saúde, do hospital ou por terceiros, em desacordo com as normas regulamentadoras ou que ofenda verbal ou fisicamente as mulheres gestantes, parturientes ou puérperas’’.
Aliado a isso, tramita também o Projeto de lei nº 8.219/2017 (apensado ao Projeto de lei de nº 7.867/2017), que define essa forma de violência em seu art. 2º como ‘‘a imposição de intervenções danosas à integridade física e psicológica das mulheres nas instituições e por profissionais em que são atendidas, bem como o desrespeito a sua autonomia. ’’
Entre os mais recentes, observa-se o Projeto de lei nº 878/2019, que também segue em apenso ao Projeto de lei nº 7.633/2014, que prevê, além do plano individual de parto, seu direito à informação sobre os detalhes da sua saúde e do seu filho, até mesmo para um melhor direcionamento das suas escolhas, o que lhe garante a autonomia sobre o seu momento.
Outros projetos de lei do ano-calendário de 2019 que também discutem os direitos das gestantes são os de nº 2.963/2019, 3.635/2019 e 3.310/2019, que visam reforçar a autonomia da mulher e lhe assegurar o direito de escolha sobre os procedimentos do seu parto.
No que concerne à caracterização da violência obstétrica, o supracitado Projeto de Lei elucida, em seu art. 13, como violência ‘‘a como a apropriação do corpo e dos processos naturais relacionados à gestação, pré-parto, perda gestacional, parto e puerpério’’ que causem a perda da sua autonomia, ratificando o mesmo já preceituado no art. 13 do Projeto de Lei que versa sobre a mesma matéria em 2014, outrora mencionado.
A título de conhecimento, é imprescindível mencionar que o Código Penal, embora omisso no que diz respeito à violência obstétrica, pode ter esse crime enquadrado em outras condutas já previstas no ordenamento. Assim, observa-se a tipificação do crime de lesão corporal, disposto no art. 129 do CP e lesão corporal de natureza grave, consoante art. 129, §1º, IV, se ocorre à aceleração do parto.
Além da lesão corporal, a conduta pode se enquadrar no crime de homicídio (art. 121 do CP), injúria (art. 140 do CP), quando há os comentários humilhantes, por exemplo, como a famosa frase escutada pela gestante na hora de parto ao queixar-se de dor, qual seja, ‘‘na hora de fazer, não estava reclamando’’, bem como no crime de constrangimento ilegal (art. 146 do CP).
2.2 Violência obstétrica nos tribunais superiores
Ao ser pesquisado o termo de ‘‘violência obstétrica’’ nos tribunais superiores, os resultados ainda são relativamente pequenos. Essa quantidade se explica pela própria omissão do ordenamento jurídico brasileiro em conceituá-la, embora seja uma violência tão recorrente, fato este que mostra apenas reforça a necessidade da sua tipificação.
Em análise, pesquisando também por nomes de formas específicas de violência obstétrica, como a episiotomia, manobra de Kristeller e até mesmo a violação ao direito ao acompanhante na hora do parto, pode-se observar que uma das maiores queixas de violência obstétrica é a episiotomia, procedimento extremamente invasivo e severo, cuja realização só deve ser feita em casos de necessidade e com a devidamente justificativa anotada em prontuário.
Para melhor demonstrar o referido, observe-se o referido julgado:
APELAÇÕES CÍVEIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS. ERRO MÉDICO. DIAGNÓSTICO. RETO-VAGINAL. FALHA. EPISIOTOMIA. FÍSTULA COMPLICAÇÕES. NECESSIDADE DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO. DEVER DE INDENIZAR EVIDENCIADO. CERCEAMENTO DE DEFESA INOCORRENTE. LEGITIMIDADE PASSIVA DO HOSPITAL.
QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS MORA. MORAIS E ESTÉTICOS. JUROS DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. Preliminar de cerceamento de defesa rejeitada. Afigura-se prescindível a realização de nova perícia médica quando a prova já realizada é suficientemente esclarecedora. O mero descontentamento da parte com o resultado da perícia exame não autoriza a realização de novo 2. O hospital demandado, na qualidade de prestador de serviços, mesmo que a médica não tenha relação de vínculo empregatício, é parte legítima e responde objetivamente pelos danos causados aos consumidores. Contudo, a responsabilidade do médico, profissional liberal, é apurada mediante a verificação da culpa, nas modalidades de negligência, imperícia e imprudência, na esteira do art. 14, §4 2, do CDC, cabendo ao autor comprovar os requisitos da responsabilidade civil, que são o ato ilícito culposo, o dano e o nexo causal entre o ato e o dano causado. 3. Caso em que a prova documental coligida ao caderno processual, corroborada pela conclusão pericial e demais elementos, demonstram a presença do nexo causal entre a falha no atendimento pós-parto da autora e ocorrência de fístula reto-vaginal decorrente do resultado da episiotomia, não identificada no momento inicial. 4. Situação que agravou o quadro infeccioso da autora, necessitando nova internação e realização de procedimento cirúrgico posterior. 5. Dano moral caracterizado. Agir negligente da ré que ultrapassa o mero dissabor. Quantum indenizatório fixado em observância às peculiaridades do caso e com o fim de assegurar o caráter repressivo e pedagógico da indenização, sem constituir-se elevado bastante para o enriquecimento indevido da parte autora. 6. Valor dos danos morais e estéticos mantido, especialmente considerando o risco à saúde da autora, decorrente do erro do diagnóstico e ausência de tratamento eficaz. Danos estéticos evidenciados pela presença de cicatriz e arbitrados em conjunto com os danos morais. 8. Juros de mora que incidem desde a citação, uma vez que se trata de relação contratual a entretida pelas partes. Inteligência do art. 405 do CCB. 9. Honorários advocatícios fixados com base no art. 85, § 2°, do CPC, vez que se trata de ação de cunho condenatório, e considerando o longo tempo de tramitação (demanda ajuizada em 2014) e a intensa produção de provas, demandando considerável labor do profissional. Pedido de redução rejeitado. Majoração decorrente da sucumbência recursal (art. 85, § 11). PRELIMINARES DESPROVIDOS. (TJ-RS - AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2085694 - RS (2022/0067620-5), Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze, Data de Julgamento: 15/06/2022 Data de Publicação: 21/06/2022)
Restou comprovado o nexo causal entre a episiotomia e a fístula reto-vaginal e a necessidade de nova internação da autora para reparação do prejuízo causado. Por tratar-se de responsabilidade civil objetiva do hospital, a comprovação de sua culpa não se faz necessária.
Em análise de outros julgamentos, observa-se que é entendimento jurisprudencial o direito da mulher à devida indenização, nos casos de violência obstétrica, mas até mesmo o resultado das buscas demonstra o quanto a matéria ainda carece de atenção.
3. RESPONSABILIDADE CIVIL NA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA
A responsabilidade civil pode ser considerada independente da responsabilidade penal. Ela é compreendida como:
[...] um dever jurídico sucessivo que surge para recompor o dano decorrente da violação de um dever jurídico primário. Destarte, toda conduta humana que, violando dever jurídico originário, causa prejuízo a outrem, é fonte geradora de responsabilidade civil. (GONÇALVES, 2018, p. 24)
Desse modo, significa que uma pessoa não pode se eximir de reparar os danos causados, tampouco ignorar os desvios de suas condutas que são contrárias à lei. Nesse sentido, Tartuce defende que:
O ato ilícito é o ato praticado em desacordo com a ordem jurídica violando direitos e causando prejuízos a outrem. Diante da sua ocorrência, a norma jurídica cria o dever de reparar o dano, o que justifica o fato de ser o ato ilícito fonte do direito obrigacional. (TARTUCE, 2014, p. 35)
Nos moldes do Código Civil, a teoria da culpa tem sua previsão no art. 186, onde dispõe que ‘‘Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito’’. No âmbito da violência obstétrica, resta caracterizada quando é negado a uma parturiente, por exemplo, um remédio para aplacar a sua dor.
Nessa mesma linha de pensamento, Diniz assegura a responsabilidade civil:
[...] como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal. (DINIZ, 2012, p. 50)
Dessa maneira, cujo objetivo é reparar o dano causado, a responsabilidade pode ser subjetiva ou objetiva, e ambas as modalidades serão abordadas nos subtópicos que seguem.
3.1 Violação dos Direitos Fundamentais
A violência obstétrica, sem dúvida, é uma forma de violação dos direitos humanos da mulher e dos seus direitos e garantias fundamentais, uma vez que, embora garantidos pela Constituição Federal, na prática, o que se observa é a sua constante violação.
Nesse sentido, NAZÁRIO e HAMMASRSTRON (2014, p. 4) acertadamente explicam que ‘‘A Constituição Federal garante à mulher os mesmos direitos e deveres dado ao homem, mas apesar da mulher ter conquistado seu espaço diante da sociedade, ainda é vítima das mais variadas formas de violência’’.
Os direitos fundamentais possuem o ensejo de propiciar dignidade, e prover a devida proteção da mulher não apenas face à sociedade, mas também, proteção à luz do poderio do Estado. Nesse sentido, a Constituição Federal estabelece, em seu art. 1º, III, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
Na ótica do presente objeto de estudo, a violência obstétrica é uma violação aos direitos fundamentais da mulher, quando esta tem a sua liberdade de posição e locomoção cerceada, quando não detém o conhecimento acerca do seu estado de saúde e do seu filho, quando lhe é imposto uma cesárea como única via, quando realizam em seu corpo um procedimento invasivo sem necessidade, entre tantas outras formas de violência.
Trazendo à baila a episiotomia e a Manobra de Kristeller, cumpre destacar o inciso III, do art. 5º da CF, que preceitua que ‘‘Ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante.’’, o que reforça não só a humanização do seu atendimento como uma necessidade, mas sim, como um direito fundamental.
Nessa senda, destaca-se também a violação do art. 196 da CF:
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL)
É direito da mulher uma assistência digna e respeito às suas vontades, porém, o que se observa, é a violação da sua autonomia da vontade, perpetrada por uma construção histórica de que a figura feminina é uma simples peça de pouca valia.
3.2 Elementos da responsabilidade civil
A responsabilidade civil pode ser objetiva e subjetiva. No que concerne à objetiva, esta não se faz necessária a comprovação de culpa, ao passo em que a responsabilidade civil subjetiva exige que seja comprovada a culpa do agente, ou seja, se a conduta foi dolosa ou culposa.
A responsabilidade civil objetiva dos hospitais, por exemplo, lastreia-se na sua obrigatoriedade de prover condições dignas para que seja realizado o parto, como instalações devidas e aparelhos adequados. A responsabilidade, nesse caso, independe da existência de culpa, pois prover essas condições mínimas é um dever estatal, previsto na Constituição Federal.
No concernente aos seus elementos, tem-se a conduta do agente, que pode ser uma ação ou omissão, a culpa, em uma conduta dolosa ou culposa, dano e o nexo de causalidade. A começar pela conduta do agente, CAVALIERI FILHO (2012, p. 36) a explica como ‘‘o comportamento humano voluntário que se exterioriza por meio de uma ação ou omissão, produzindo conseqüências jurídicas’’. É a prática do agente, seja o ato de cometer determinado ilícito, seja a omissão em não fazer aquilo que deveria ter feito por sua obrigação legal.
Por outro lado, cumpre ressaltar que esse fazer ou não fazer tem que ser algo controlável, não podendo o agente controlar aquilo que foge do seu controle. Nessa vertente, GONÇALVES (2018, p. 70) defende que ‘‘essencial é que a ação ou omissão seja, em abstrato, controlável ou dominável pela vontade do homem’’, haja vista que, caso assim não seja, não se pode falar propriedade de ser um caso de responsabilidade civil.
A culpa, considerada apenas na responsabilidade civil subjetiva, é a vontade ou não do agente em chegar a determinado resultado. A culpa pode ser dolosa, quando o agente tinha a intenção, ou culposa, quando o resultado causado não foi intencional, mas que se alcançou pela sua negligência ou imperícia.
Aliado a isso, tem-se dois outros grandes elementos, o dano e o nexo de causalidade. O dano é o prejuízo, é o malefício acarretado na vítima. Sem ele, não há responsabilidade civil, afinal, se nada foi lesado, não haveria, portanto, algo a ser reparado, esse prejuízo é inexistente. Acerca disso, CAVALIERI FILHO (2012, p. 77) destaca que ‘‘encontra-se no centro da regra de responsabilidade civil. O dever de reparar pressupõe o dano e sem ele não há indenização devida’’.
Uma vez comprovado o dano, é primordial, por conseguinte, restar comprovado também o nexo de causalidade, que é o liame que comprova que a conduta do agente, omissiva ou comissiva, com dolo ou culpa, que deu causa ao dano. Para RIZZARDO (2015, p. 67), esse liame é a ‘‘relação verificada entre determinado fato, o prejuízo e um sujeito provocador’’. Quando se fala, então, de responsabilidade civil, é de suma importância uma análise minuciosa desses elementos e da sua ligação, para que possa restar comprovada ou não a sua existência.
3.3 Responsabilidade civil dos médicos: erro médico x erro do médico
Embora sejam termos amplamente confundidos, cumpre destacar a diferença entre eles. Entende-se por erro médico como o equívoco cometido por qualquer profissional da saúde, não apenas a figura do médico em si. Por outro lado, o erro do médico é aquele cometido exatamente pelo médico.
No caso da violência obstétrica, o erro médico, qual seja, a conduta inadequada, pode partir de um enfermeiro, técnico de enfermagem ou qualquer outro agente de saúde que esteja atendendo a parturiente, até mesmo do próprio hospital, se este faltar com as suas obrigações, como a falta de um leito onde a gestante acaba tendo o seu filho numa cadeira na recepção.
3.4 Responsabilidade civil do Estado em razão da violência obstétrica cometida por médico ou agentes de saúde da rede do sistema único de saúde
Compreende-se como dever do Estado garantir a saúde de todos, estando essa obrigação disposta no art. 196 da Constituição Federal. Quando este dever não é cumprido, fala-se, portanto, de uma violação, e aplica-se a responsabilidade civil objetiva, que independe da culpa do agente causador.
A respeito disso, observe-se a previsão no art. 37, §6º da CF:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa. (BRASIL, CONSTITUIÇÃO FEDERAL)
Assim, o Estado precisa indenizar a vítima pelos prejuízos causados, sem que seja necessária a comprovação da sua culpabilidade no malefício. O mesmo ocorre quando se trata dos médicos ou agentes de saúde que exercem suas atividades na rede do Sistema Único de Saúde (SUS), uma vez que estes se tratam de servidores públicos.
Desse modo, quando ocorre a violência obstétrica, o Estado responderá por eles, também com a responsabilidade civil objetiva, não sendo necessário comprovar a culpa, o que significa que a vítima não litigará diretamente contra o servidor, mas sim, contra o Estado.
4. ENFRENTAMENTO DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA E POLÍTICAS PÚBLICAS: CASO SHANTAL VERDELHO
No ano-calendário de 2010, um estudo realizado pelo SESC, em parceria com a Fundação Perseu Fasano, identificou que 1 a cada 4 mulheres no Brasil sofrem alguma forma de violência obstétrica (HAMERMULLER e UCHÔA, 2018).
Áudios e vídeos vazados em dezembro de 2021, da influenciadora Shantal Verdelho, alegaram que a mesma havia sido vítima de violência obstétrica. No respectivo áudio, entre tantas denúncias, a influenciadora destacou que o médico que realizou seu parto, além de ter quebrado o sigilo médico, anunciando em seu perfil do instagram qual havia sido o sexo do bebê, ainda comentou da sua parte íntima para outros, em comentários esdrúxulos, dizendo que ela havia ficado ‘‘arregaçada’’ e que isso era porque não havia feito episiotomia.
No mesmo áudio, ela narra que seu marido utilizou uma câmera Go Pro, durante o parto, e que, posteriormente, quando foi assistir com ele, se deparou sendo xingada durante todo o procedimento, com palavras de baixo calão, assim como viu o médico rasgando-a com a mão, sem necessidade, com raiva por ela não ter feito a episiotomia, transformando em um show de horrores para si e toda a sua família um momento que era a realização de um sonho.
Registraram-se diversas formas de violência obstétrica, além de verbal e física, tem-se também a psicológica, pressionando-a e lhe infringindo medo ao repetir que só faltava a episiotomia para nascer, mesmo sabendo que esse procedimento não era necessário.
Como se não fosse suficiente, apesar de ter mencionado diversas vezes que estava doendo, sua barriga foi pressionada com força, desde o começo, com a aplicação da manobra de Kristeller, que não é recomendada. Em vídeo disponibilizado ao programa Fantástico, observa-se a influenciadora queixando-se de dor pela pressão forte que fazem em sua barriga, enquanto o médico diz que ela só está meditando.
Em razão disso, a influenciadora digital requereu a instauração de um inquérito policial para que as condutas do médico fossem devidamente investigadas e o Ministério Público ficou no aguardo das respectivas investigações policiais para possível oferecimento de denúncia.
A violência obstétrica consiste numa grave desrespeito aos direitos da mulher, devendo ter um olhar mais direcionado e cuidadoso sobre o assunto e políticas públicas. No que diz respeito às medidas que devem ser tomadas, a Organização Mundial da Saúde (2014, p. 2-3) destaca a necessidade:
1. Maior apoio dos governos e de parceiros do desenvolvimento social para a pesquisa e ação contra o desrespeito e os maus-tratos [...] 2. Começar, apoiar e manter programas desenhados para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde materna, com forte enfoque no cuidado respeitoso como componente essencial da qualidade da assistência [...] 3. Enfatizar os direitos das mulheres a uma assistência digna e respeitosa durante toda a gravidez e o parto [...] 4. Produzir dados relativos a práticas respeitosas e desrespeitosas na assistência à saúde, com sistemas de responsabilização e apoio significativo aos profissionais [...] 5. Envolver todos os interessados, incluindo as mulheres, nos esforços para melhorar a qualidade da assistência e eliminar o desrespeito e as práticas abusivas. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2014, p. 2-3)
É necessário ter conscientização e humanização desse momento, a mulher precisa voltar a ter autonomia sobre o seu parto, precisa ter o conhecimento acerca dos seus direitos e os profissionais de saúde e todos os envolvidos devem respeitar. A violência obstétrica fere a sua dignidade, liberdade e até mesmo o seu direito à saúde.
As políticas públicas se fazem imprescindíveis e cumpre mencionar a Portaria de nº 569/2000, cujo objetivo, estabelecido em seu art. 1º, é ‘‘Instituir o Programa de Humanização no Pré-natal e Nascimento, no âmbito do Sistema Único de Saúde. ’’ De todo modo, vale lembrar que a violência obstétrica é um problema de ocorrência geral que a mulher necessita de amparo, seja na esfera pública ou privada.
CONCLUSÃO
Diante do exposto no presente artigo, observa-se que a violência obstétrica é uma forma de violação dos direitos da mulher, que pode ocorrer em momento anterior, durante ou após o parto, quando está no período do puerpério.
Várias são as formas dessa violência ocorrer, podendo essa agressão se dar de maneira física, moral, verbal, sexual e psicológica, sendo a física ainda mais comum pela aplicação do procedimento da episiotomia e da Manobra de Kristeller, ambas não recomendadas, sendo a primeira, inclusive, considerada violenta e invasiva.
Nota-se que, com o decorrer do tempo, o parto deixou de ter a figura da mulher como peça central e passou a ser um momento institucionalizado, o que acarretou o cerceamento da sua liberdade sobre a forma de ocorrer o nascimento do seu filho.
Em análise dos dispositivos legais, constata-se que, apesar de ser uma prática cada vez mais frequente, ainda não há, no ordenamento jurídico brasileiro, uma lei federal específica para tratar da matéria, existindo apenas projetos de lei que versam sobre o assunto. Logo, verifica-se que não há tipificação para a forma de violência em comento, sendo o Código Penal brasileiro omisso no que diz respeito à matéria, aplicando, portanto, normas gerais que se adequem ao caso na esfera cível, administrativa e penal, com vistas a coibir essa prática e punir aqueles que cometem a violência.
No que diz respeito ao entendimento dos tribunais superiores, nota-se que o termo violência obstétrica ainda é relativamente de poucos resultados, tendo-se em consideração a quantidade de mulheres que sofrem com isso. De todo modo, é entendimento pacificado o dever de indenizar civilmente as vítimas, numa forma de reparação pelos danos sofridos.
Por fim, conclui-se que se faz necessária não só a adoção de políticas públicas com o objetivo de divulgar e conscientizar sobre o que é violência obstétrica e quais os direitos da parturiente, mas também, a criação de uma lei específica sobre a matéria, para que a mulher tenha o devido amparo legal e o parto volte a ser um momento de sua autonomia.
REFERÊNCIAS
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[1] Doutora em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais pela Universidade Estadual de Maringá, Brasil (2021). Professora da Faculdade Serra do Carmo, Brasil.
Graduanda em Direito pela Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NARASMYM TORRES DE ASSUNçãO, . Violência obstétrica sob a ótica do caso Shantal Verdelho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2022, 04:18. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60041/violncia-obsttrica-sob-a-tica-do-caso-shantal-verdelho. Acesso em: 25 dez 2024.
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