RESUMO: O termo “direitos humanos” apresenta variadas conceituações advindas dos mais diversos juristas e autores nacionais e internacionais. O objetivo desse artigo é analisar, de maneira crítica, tais conceitos, seu discurso com base na Carta da Organização das Nações Unidas e sua relação com o princípio do desenvolvimento. O primeiro tópico abordou diversos conceitos do termo direitos humanos no âmbito nacional e global. O segundo, tratou do discurso único dos Direitos Humanos e a importância da Carta da ONU para tal. O terceiro, da relação dos direitos humanos com o direito ao desenvolvimento. O presente trabalho mostra, que, embora exista inúmeros conceitos de direitos humanos, não há motivos para desconsiderá-los e não os aplicar. No entanto, não se pode descartar os problemas apresentados que comprometem sua efetivação e importância na proteção das sociedades.
Palavras-chave: Direitos humanos; Conceito; Crítica; Desenvolvimento; ONU.
1 INTRODUÇÃO
Princípios ratificados internacionalmente com o objetivo de proteger e respeitar a pessoa humana, os direitos humanos garantem - a todos os indivíduos, independente de cor, raça, sexo, religião, língua, nacionalidade, opinião, estado, orientação sexual ou condição social - o direito à liberdade, vida, trabalho, propriedade, saúde, moradia e à educação.
Inúmeros serão os conceitos de direitos humanos apresentados neste artigo, no entanto, de maneira resumida, considerara-se eles como direitos e liberdades individuais de cunho civil e político, e liberdades e direitos sociais econômicos. Esses e outros direitos fundamentais são derivados dos três grandes princípios da Revolução Francesa (Igualdade, Liberdade e Fraternidade).
Em meados do século XX - a luta pela vida e pela liberdade em um contexto de pós-guerra, contra regimes opressores no âmbito econômico, social e político - faz emergir impulsos das mais variadas nações do mundo em busca do reconhecimento de garantias individuais e coletivas.
Assim, conclui-se que os direitos humanos decorrem dos princípios conhecidos e aplicados universalmente (liberdade, igualdade, fraternidade), garantindo o mínimo de uma vida digna à pessoa humana. Ele é aplicado em todas as sociedades, mesmo que não sejam aceitos em todas as nações e são considerados direitos naturais da pessoa humana. Devido a isso, mesmo que não legitimados em constituições, leis ou tratados, os direitos humanos devem ser exigidos por todos os cidadãos e podem ser aplicados contra todos os poderes, sejam eles legítimos ou não.
Com base nisso, fica proposto no presente artigo discorrer sobre o conceito de Direitos Humanos, seu discurso tendo como base a carta da ONU e sobre o direito humano ao desenvolvimento, este tema que tem em vista as discussões atuais ocasionadas pela globalização e pelos avanços tecnológicos que influenciam a sociedade. Para tanto, será analisado o desenvolvimento humano de acordo com o contexto social e histórico, objetivando-se entender como ele se deu na sociedade, levando-se em conta suas variáveis dentro da doutrina e na legislação brasileira.
2 CONCEITO DE DIREITOS HUMANOS
A Organização das Nações Unidas (ONU) definiu os Direitos Humanos como sendo uma garantia fundamental e universal que tem por objetivo a proteção dos indivíduos e grupos sociais contra as mais variadas ações e omissões daqueles que atentam contra a dignidade da pessoa humana.
O estudo do conceito de Direitos Humanos pode ser feito a partir de uma grande variedade de enfoques, disciplinas e perspectivas, levando-se em conta o fato de se tratar de uma ideia que pode ser aplicada nas mais diversas áreas da vida humana, visto sua inegável importância teórica e prática. No entanto, é necessário que se observe os posicionamentos de uma gama de autores, para que se chegue, então, a um entendimento pessoal do assunto em questão, visto que seu significado é resultado de um desacordo de entendimentos generalizado.
Para Maurice William Cranston (1973), por exemplo, o direito humano é moral universal, ou seja, é um direito que todas as pessoas devem ter nos mais variados lugares e tempos. Para Cranston, o direito humano é algo de que ninguém pode ser privado sem uma afronta grave à justiça, algo que é devido a cada ser humano simplesmente porque ele é humano. Logo, um conceito inicial de direitos humanos que será neste trabalho apresentado, é o de que se trata de um conjunto básico de direitos com vocação universal, que todos possuem pelo simples fato de serem humanos.
Norberto Bobbio (1991) discorre sobre esse problema ocasionado por esses diversos conceitos estabelecendo relação com a dignidade da pessoa humana, que é um dos valores universais sobre o qual se baseiam os direitos humanos. Discutindo essa temática, Viviana Bohórquez Monsalve e Javier Aguirre Román (2009) elaboram uma análise crítica sobre o desacordo e as apreensões quanto ao conceito da dignidade humana.
Existe ainda uma outra maneira de classificar os direitos humanos, que se subdivide em direitos humanos como direitos ou como processo e dinâmica social para a obtenção de direitos. A primeira concepção determina que o conteúdo básico e tradicional dos direitos humanos são os direitos em si mesmos, logo podem ser conceituados como o “direito a ter direitos” (Flores, 2009, p. 33). A segunda concepção, no entanto, determina que “os direitos humanos, mais que direitos ‘propriamente ditos’, são processos”; e isso significa que é o resultado sempre provisório das lutas para se ter acesso aos bens necessários para a vida.
Robert Alexy (1999) também apresenta uma definição de direitos humanos divergente das apresentadas até então neste presente artigo. Segundo ele, os direitos humanos englobam interesses e carências essenciais aos seres humanos, preenchem uma posição de prioridade no sistema jurídico, tem uma validade que existe independentemente da positivação pela norma jurídica, sua utilização depende de algum tipo de limitação no caso concreto e têm por titulares todo e qualquer ser humano.
Louis Henkin, em “The rights of man today”, determina que os direitos humanos compõem um termo de uso comum, porém categoricamente definido. Esses direitos são criados com o intuito de incluir as reivindicações morais e políticas que todos os seres humanos têm ou devem ter diante de sua sociedade ou governo; reivindicações estas identificadas como de direito e não apenas por amor, graça ou caridade.
Os direitos humanos devem ser estudados sistematicamente utilizando-se de um posicionamento interdisciplinar que analise todos os seus aspectos e não deixe de estudar o contexto histórico e social em que estão inseridos. Afinal, além dos aspectos normativos, os direitos humanos são resultado de lutas políticas e dependem de fatores históricos e sociais que são reflexos dos valores e ambições de cada sociedade, além de também necessitarem de um ambiente propício para que imponham respeito.
António Peres Luño (1995, p. 22) determina que há três tipos de conceito dos direitos humanos: a primeiro é a definição tautológica, que não apresenta nenhum novo elemento que caracterize tais direitos. Por exemplo, tem-se a definição segundo a qual os direitos humanos são todos aqueles que correspondem aos homens pelo simples fato de serem homens. No entanto, Carvalho Ramos (2005) afirma que todos os direitos são possuídos pelo homem ou por pessoas jurídicas, de forma que a definição supracitada põe fim à uma certa repetitividade do princípio.
O segundo conceito que Luño apresenta é o formal, que, ao não particularizar o conteúdo dos direitos humanos, põe barreiras a qualquer indicação sobre o seu regime jurídico especial. Essa definição estabelece que os direitos humanos pertencem a todos os homens e que não podem ser deles retirado, devido ao seu regime indisponível e sui generis. Para Jorge Miranda (1993, p. 9), a definição formal determina que “direitos humanos é toda posição jurídica subjetiva das pessoas enquanto consagradas na lei fundamental”.
O terceiro e último conceito é o finalístico ou teleológico, que afirma que os direitos humanos são essenciais para o desenvolvimento digno da pessoa humana. Esse conceito utiliza o objetivo ou fim para determinar o conjunto de direitos humanos. Para essa definição, Dalmo de Abreu Dallari (1998, p. 7) afirma que os direitos humanos se colocam como uma forma resumida de se referir aos direitos fundamentais da pessoa humana, estes que são fundamentais por permitirem que o ser humano exista, se desenvolva e participe plenamente da vida social e política.
Seguindo esse raciocínio, tem-se a definição de um pouco mais completa de direitos humanos elaborada por Gregório Peces-Barba:
“são faculdades que o direito atribui a pessoa e aos grupos sociais, expressão de suas necessidades relativas à vida, liberdade, igualdade, participação política ou social, ou a qualquer outro aspecto fundamental que afete o desenvolvimento integral das pessoas em uma comunidade de homens livres, exigindo o respeito ou a atuação dos demais homens, dos grupos sociais e do Estado, e com garantia dos poderes públicos para restabelecer seu exercício em caso de violação ou para realizar sua prestação” (PECES-BARBA, 1982, p. 7)
Adentrando um pouco mais nos conceitos de direitos humanos, pode-se citar o estabelecido por Peres Luño (1995, p. 48), que classifica os direitos humanos como o conjunto de faculdades e instituições que efetivam as exigências de dignidade, liberdade e igualdade humanas, as quais devem ser identificadas positivamente pelos ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais.
Existem diversas outras possibilidades de conceituação dos direitos humanos e tendo em vista isso, fica conhecido e determinado a existência de uma infinita gama de possibilidades, não podendo-se chegar à uma unidade no discurso.
3 O DISCURSO ÚNICO DOS DIREITOS HUMANOS E A CARTA DA ONU
A Carta da Organização das Nações Unidas (ONU) se coloca como um documento de suma importância no século XXI no que se refere ao reconhecimento e proteção dos Direitos Humanos do ser humano no mundo pós-guerra. Ela surgiu da necessidade de se evitar que as atrocidades e horrores cometidos durante o nazismo fossem revividos, evitando, assim, o sofrimento das gerações futuras
A supracitada Carta apresenta em seu corpo fundamentos para que se garanta a paz e a segurança internacional, priorizando a determinação das condições necessárias para que se efetive a justiça e o respeito às obrigações resultantes da assinatura dos tratados. A Carta ainda garante as condições necessárias ao progresso humano e social e à melhoria na qualidade de vida dos seres humanos.
Nesse contexto, o preâmbulo da carta preceitua, in verbis:
Faço saber, aos que a presente Carta de ratificação vierem, que, entre a República dos Estados Unidos e os países representados na Conferência das Nações Unidas sobre Organização Internacional, foi concluída e assinada, pelos respectivos Plenipotenciários, em São Francisco, a 26 de junho de 1945, a Carta das Nações Unidas, da qual faz parte integrante o anexo Estatuto da Corte Internacional de Justiça, tudo do teor seguinte:
CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS
NÓS, OS POVOS DAS NAÇÕES UNIDAS, RESOLVIDOS:
a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, que, por duas vezes, no espaço da nossa vida, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade, e a reafirmar a fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor do ser humano, na igualdade de direito dos homens e das mulheres, assim como das nações grandes e pequenas, e a estabelecer condições sob as quais a justiça e o respeito às obrigações decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional possam ser mantidos, e a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade ampla. E para tais fins: praticar a tolerância e viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos, e unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais, e a garantir, pela aceitação de princípios e pela instituição dos métodos, que a força armada não será usada a não ser no interesse comum, a empregar um mecanismo internacional para promover o progresso econômico e social de todos os povos. Resolvemos conjugar nossos esforços para a consecução desses objetivos. Em vista disso, nossos respectivos Governos, por intermédio de representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem seus plenos poderes, que foram achados em boa e em devida forma, concordaram com a presente Carta das Nações Unidas e estabelecem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas.
A Carta das Nações Unidas, que foi aberta à assinatura na Conferência de São Francisco, no estado da Califórnia, nos Estados Unidos da América na data de 26 de junho de 1945, fez surgir, jurídica e politicamente, a Organização das Nações Unidas (ONU). A carta foi assinada pelo Brasil na data de 21 de setembro de 1945, aprovada pelo Decreto Lei n. 7.935/1945 e promulgada pelo Decreto n. 19.841/1945.
Nesse contexto do final da Segunda Guerra foi criada, então, a ONU, com os objetivos de assegurar a paz, a segurança mundial, o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações e a promoção do progresso humano e social, assim como também a garantia de melhores padrões de vida para todas as sociedades.
Verifica-se que o objetivo principal da ONU é providenciar e incentivar o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para toda a população, sem fazer distinção por motivo de raça, sexo, língua ou religião.
Tendo em vista esse intuito principal, Leilane Serratine Grubba (2017) destaca que:
Fundada com o objetivo e a determinação dos povos em preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra, a Organização das Nações Unidas nasceu com alcance universal e, dessa forma, promulgou direitos humanos inerentes e universais a todos os povos e a todas as pessoas membros da família humana. Nesse sentido, a Declaração Universal de 1948 representa o reconhecimento global de que os direitos básicos e as liberdades fundamentais são inerentes a todos os humanos, inalienáveis e aplicáveis a todos, considerando-se que cada ser humano nasce livre e igual em dignidade e direitos. (GRUBBA, 2017, p. 40).
Foi após a aprovação da Carta das Nações Unidas que a ONU passou a oficialmente a ter espaço no plano jurídico e político.
Levando-se em consideração o seu propósito no plano global, torna-se importante destacar o seu artigo 1º, que regula sobre os seus principais objetivos, in verbis:
Artigo 1°. Os propósitos das Nações unidas são:
1. Manter a paz e a segurança internacionais e, para esse fim: tomar, coletivamente, medidas efetivas para evitar ameaças à paz e (sic) reprimir os atos de agressão ou outra qualquer ruptura da paz e chegar, por meios pacíficos e de conformidade com os princípios da justiça e do direito internacional, a um ajuste ou (sic) solução das controvérsias ou (sic) situações que possam levar a uma perturbação da paz;
2. Desenvolver relações amistosas entre as nações, baseadas no respeito ao princípio de igualdade de direitos e de autodeterminação dos povos, e tomar outras medidas apropriadas ao fortalecimento da paz universal;
3. Conseguir uma cooperação internacional para resolver os problemas internacionais de caráter econômico, social, cultural ou humanitário e para promover e estimular o respeito aos direitos Direitos Humanos Trabalhistas 132 Artigos humanos e às liberdades fundamentais para todos sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; e
4. Ser um centro destinado a harmonizar a ação das nações para a consecução desses objetivos comuns.
Depois que a Carta de 1945 foi oficializada, iniciou-se inúmeras transformações no Direito Internacional, representando uma nova modelagem nas relações internacionais que tem por objetivo a proteção internacional dos direitos humanos.
Este documento é de extrema importância, pois visa a proteção internacional dos direitos humanos por meio da elaboração de uma Organização internacional que engloba todas as nações do mundo com o intuito de defender a dignidade da pessoa humana, mantendo a paz e a segurança internacional, e estabelecendo políticas sociais e econômicas que garantam o desenvolvimento social das nações mais pobres.
Nesse contexto, Leilane Serratine Grubba (2017) afirma que a Organização das Nações Unidas atua mundialmente [...]
[...] Por meio de programas de manutenção da paz, prevenção de conflitos, assistência humanitária, desenvolvimento sustentável, proteção do meio ambiente e de refugiados contra terrorismo, de não proliferação de armas e desarmamento, promoção da democracia, direitos humanos, igualdade de gênero, governabilidade, desenvolvimento econômico e social, 135 Artigos Direitos Humanos Trabalhistas saúde internacional, erradicação de minas terrestres, expansão da produção de alimentos, além de outros programas que objetivam alcançar os propósitos da Organização no intuito da obtenção de um mundo mais seguro para as gerações atuais e futuras. (GRUBBA, 2017, p. 41).
O reconhecimento dos direitos humanos como objeto com o intuito de se proteger e promover, se fundou com a redemocratização do Brasil a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988. O referido diploma legal institucionalizou a instauração da democracia no Brasil, introduzindo inúmeros avanços que consolidaram legalmente as garantias e os direitos fundamentais, protegendo setores vulneráveis da sociedade brasileira. Desde então, os direitos humanos ganharam grande importância, colocando a Carta Magna como o documento mais relevante e específico em matéria de direitos humanos no Brasil.
Portanto, se queremos definir os direitos humanos, ou o que é o mesmo, delimitá-los dos interesses dos poderosos e trazê-los as reivindicações, anseios e valores dos indivíduos, grupos e culturas subordinadas, devemos entende-los dentro dessa concepção contextualizada de direito: conjunto de processos dinâmicos de confrontação de interesses que lutam por ver reconhecidas as suas propostas partindo de diferentes posições de poder. Desde aqui os direitos humanos devem ser definidos como isso, como sistemas de objetos (valores, normas, instituições) e sistema de ações (práticas sociais) que possibilitam a abertura e a consolidação de espaços de luta pela dignidade humana. É dizer, marcos de relação que possibilitam alternativas e tendem a garantir possibilidades de ação amplas no tempo e no espaço a fim de alcançar os valores da vida, da liberdade e da igualdade (HERRERA FLORES, 2000, p. 52-53).
Para que se amplie as discussões no que tangem às reivindicações políticas, sociais e de reconhecimento dos direitos humanos aos cidadãos, deve-se compreender que as normas que qualificam o “outro” são estabelecidas por meio de um “conjunto de normas que governam a reconhecibilidade da humanidade” (BUTLER, 2015, p. 39). Com base nisso, o “outro” terá sua condição humana reconhecida e será taxado como um sujeito merecedor de direitos humanos se estiver seguindo as normas supremas da condição humana.
Resultado de um extenso processo histórico-social de atribuição de valores classificados como essenciais à condição humana, os direitos humanos tentam, atualmente, ressignificar seu discurso para que passem a ser considerados base fundamental de uma política pós-moderna que está em desenvolvimento.
As lutas sociais travadas em busca de afirmação e reconhecimento de direitos relacionados à condição humana são consideradas verdadeiras conquistas da sociedade contemporânea (WOLKMER, 2012). O caminho traçado na busca de reconhecimento dos direitos atrelados à condição humana foi orientado, de início, “pelas ideias da cultura liberal-burguesa e pela doutrina do jusracionalismo deve-se, atualmente, à estreita conexão com as transformações sociais” (WOLKMER, 2012, p. 18).
O discurso dos Direitos humanos teve seu desenvolvimento ligado à um modelo insatisfatório, visto que não se adequou às particularidades das realidades culturais e sociais. Seguindo essa linha de raciocínio, Escrivão Filho e Sousa Júnior (2016) usaram dos estudos de Boaventura de Sousa Santos identificaram que o parecer do universal é aquele tido como válido em qualquer contexto, lugar e tempo.
Dessa maneira:
muitos discursos ocidentais (científicos, jurídicos, políticos) são considerados como “universais” e, com isso, são impostos para todo planeta, diferentes dos saberes “outros” (indígenas, orientais e africanos) que são tratados como saberes menores, locais, incompletos, míticos, ou seja, inferiores (SPAREMBERGER, 2015, p. 5).
Boaventura de Sousa Santos demonstra a necessidade da realização de uma conduta não hegemônica do discurso dos Direitos Humanos, visto que “os direitos dos cidadãos não estarão seguros enquanto os não-cidadãos sofrerem um tratamento sub-humano” (p. 38, 2010). Para o autor, tal prática:
além de ver nos direitos humanos uma arma de luta contra a opressão independente de condições geoestratégicas, avançam propostas de concepções não ocidentais e de direitos humanos e organizam diálogos interculturais sobre direitos humanos e outros princípios de dignidade humana. (SANTOS, 2010, p. 445).
4 DIREITOS HUMANOS E A NOÇÃO DE DESENVOLVIMENTO
O direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável utilizado pela sociedade para participar de um desenvolvimento econômico, social, cultural e político. A pessoa humana hoje é como sujeito central do desenvolvimento, sendo todos os seres humanos incumbidos do desenvolvimento individual e coletivo. Destaca-se também a responsabilidade dos Estados na elaboração de condições nacionais e internacionais objetivando o desenvolvimento de uma cooperação internacional para tal:
Os Estados têm o dever de cooperar uns com os outros para assegurar o desenvolvimento e eliminar os obstáculos ao desenvolvimento. Os Estados deveriam realizar seus direitos e cumprir suas obrigações de modo tal a promover uma nova ordem econômica internacional baseada na igualdade, soberania, interdependência, interesse mútulo e cooperação entre todos os Estados, assim como a encorajar a observância e a realização dos direitos humanos. (Art. 3.3, Declaração Sobre o Direito ao Desenvolvimento, 1986).
A ideia de direito ao desenvolvimento surgiu em um debate internacional em meados do século XX, como resultado de reivindicações dos países em desenvolvimento e de algumas idealizações teóricas e doutrinárias.
Para a introdução da ideia de desenvolvimento atribui-se a ele sua classificação como um direito humano ao jurista Kéba M´Baye, que defendeu o direito ao desenvolvimento no conjunto dos direitos e das liberdades públicas, classificando-se, desta maneira, como um direito humano (BAYE, 1972).
Até mesmo no século XXI, a noção de desenvolvimento tem ocasionado nas Nações Unidas uma definição controversa. Ainda que tenha sido reconhecido como um direito, o conteúdo, as características e as possibilidades de aplicação desse direito continuam em processo de discussão e de detalhamento, mesmo transcorridas mais de duas décadas da aprovação da Declaração do Direito ao Desenvolvimento.
O Direito ao Desenvolvimento é um direito humano por meio do qual todo ser humano e todas as sociedades são chamadas a participar, ajudar e a gozar do processo de desenvolvimento, assim aponta Sengupta (2000). Deve-se atentar para um entendimento de desenvolvimento como processo, por meio do qual se faz realizar os direitos humanos e as liberdades fundamentais.
O início dos debates sobre o desenvolvimento baseada em direitos e sua relação com a baixa produtividade e indiscutibilidade dos esforços produzidos na Organização das Nações Unidas foi estuado por Alston (2005). Para ele, esse fato teria levado acadêmicos e profissionais envolvidos com o tema do desenvolvimento a propiciar, no final do século XX, uma série de discussões sobre a proximidade entre desenvolvimento e direitos humanos. O autor afirma que, diferentemente da guerra diplomática existente na ONU, outros debates foram promovidos e envolveram uma série de organizações, que refletiram sobre a inclusão dos direitos humanos em suas políticas e práticas de desenvolvimento, estendendo a discussão para a parte externa da ONU e dos Estados.
Atribui-se hoje em dia importância à inclusão e ao empoderamento dos seres humanos, com foco nos grupos mais vulneráveis – como por exemplo mulheres, indígenas, crianças, imigrantes etc. - e nas causas estruturais, e também à procura por equidade. No entanto, na medida que foram sendo aplicadas, o significado do conceito de direito ao desenvolvimento recebeu interpretações múltiplas, fazendo com que as mais variadas organizações do mundo atribuíssem um conceito diferente.
É possível admitir que, embora enfraquecida, a adoção da Declaração do Direito ao Desenvolvimento teve repercussões positivas nas esferas da prática dos Estados, teoricamente mais voltados à realização de políticas nacionais de desenvolvimento, e no progresso de uma política social global entre nações como, por exemplo, o discurso das Metas do Milênio.
O desenvolvimento se livra de um significado reducionista, advindo do pós-guerra e em estrita relação com o de crescimento económico, para obter, na vinda da terceira geração dos direitos humanos, o estatuto de objeto de um verdadeiro direito fundamental dos cidadãos. O ser humano, colocando como centro, constituiu a medida de todas as coisas, o propósito essencial e o marco derradeiro ao próprio desenvolvimento. Este passou a não necessitar mais de sua afirmação como harmonioso, ecologicamente equilibrado, sustentável, ou de rosto humano. Atualmente, como base de um direito fundamental, o desenvolvimento integrou todas essas dimensões, constituindo elementos de seu conceito.
Delors acreditava nos atributos e nas oportunidades para uma "coesão econômica e social" e a União Monetária se mostrava como um passo resolutivo e indispensável para que se chegasse à uma união política. Se discutia sobre cidadania europeia e agregava-se os Direitos Humanos nos estatutos específicos da União.
Devido ao desenvolvimento, estabeleceu-se e ampliou-se a sociedade da informação, do conhecimento, da inovação e das novas competências. Se observou um boom das novas tecnologias e à rápida disponibilidade do acesso a muitas delas para a maioria da população.
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo fez uma análise e estudo dos direitos humanos enquanto discurso e o que deles têm sido realizado enquanto ação, considerando-se o cenário brasileiro. Analisou-se também os mais variados conceitos atribuídos ao termo “Direitos Humanos”, usando para tanto, a doutrina a legislação nacional, e fez-se ainda um apanhado geral sobre o supracitado tema e sua relação com o desenvolvimento no campo político, social e cultural.
Dos estudos efetuados, se pôde notar a relevância das suposições científicas, políticas e éticas na construção de uma análise do discurso dos direitos humanos na contemporaneidade. Apesar das divergências teóricas e conceituais, os direitos humanos formam a base das democracias contemporâneas, já que nascem da ideia de dignidade da pessoa humana e do seu papel de proteger e promover realizado pelos entes estatais e não estatais.
Abordou-se ainda neste artigo a discussão em torno dos Direitos Humanos ao desenvolvimento, tema este que se encontra em debate constante, tendo em vista as mudanças evolutivas pelas quais a sociedade passa diariamente. Levando-se em consideração esse motivo, o presente artigo mostrou apenas um pouco das análises e discussões acerca do assunto, já muito se tem a debater e estudar futuramente.
O presente estudo constatou que as adversidades práticas para se concretizar e efetivar os direitos têm acabado com seu caráter originário transformador. O que se conclui analisando os conceitos apresentados pelos mais diversos autores e doutrinadores, além de observado o discurso dos Direitos Humanos na atualidade, é que são necessárias iniciativas urgentes de fortalecimento das relações e movimentos sociais, para que assim se resgate o verdadeiro sentido dos direitos humanos.
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Lorena Abreu Leite de. Direitos Humanos: uma análise sobre sua definição, seu discurso com base na Carta da ONU e sua estrita relação com o direito ao desenvolvimento Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 nov 2022, 04:31. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60127/direitos-humanos-uma-anlise-sobre-sua-definio-seu-discurso-com-base-na-carta-da-onu-e-sua-estrita-relao-com-o-direito-ao-desenvolvimento. Acesso em: 26 dez 2024.
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