RESUMO: Este artigo possui como propósito demonstrar a aplicabilidade o art. 90, §4º, do CPC à Fazenda Pública quando esta reconhecer a procedência de pedido consistente em obrigação de pagar. A problemática exsurge da pretensa incompatibilidade da expressão “simultaneamente” com o rito de adimplemento das obrigações de pagar da Fazenda Pública, pagamento por meio de precatórios (art. 100 da CF). Por meio de revisão de literatura e utilizando-se do método dedutivo realizar-se-á uma digressão pelos institutos jurídicos que permeiam a antinomia em questão, principalmente os princípios da busca da consensualidade, juridicidade, proporcionalidade e razoabilidade.
Palavras-chave: Fazenda Pública, consensualidade, juridicidade, proporcionalidade, razoabilidade, artigo 90, §4º, do CPC e artigo 100 da Constituição Federal.
1- INTRODUÇÃO
O atual Código de Processo Civil, publicado em 17 de março de 2015, entrou em vigor no dia 18 de março de 2016 e trouxe inúmeras novidades ao ordenamento jurídico-processual brasileiro, entre elas a disposição do art. 90, §4º, que permite a redução dos honorários sucumbenciais pela metade, caso haja o reconhecimento da procedência do pedido e o simultâneo cumprimento integral da prestação reconhecida. Confira-se a literalidade do dispositivo:
Art. 90. Proferida sentença com fundamento em desistência, em renúncia ou em reconhecimento do pedido, as despesas e os honorários serão pagos pela parte que desistiu, renunciou ou reconheceu.
§ 1º Sendo parcial a desistência, a renúncia ou o reconhecimento, a responsabilidade pelas despesas e pelos honorários será proporcional à parcela reconhecida, à qual se renunciou ou da qual se desistiu.
§ 2º Havendo transação e nada tendo as partes disposto quanto às despesas, estas serão divididas igualmente.
§ 3º Se a transação ocorrer antes da sentença, as partes ficam dispensadas do pagamento das custas processuais remanescentes, se houver.
§ 4º Se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade.
Da leitura do texto legal, denota-se que ele tanto pode ser aplicados às obrigações de fazer quanto às obrigações de pagar.
Em se tratando de obrigação de fazer parece não haver dificuldades na aplicação da norma à Fazenda Pública já que o cumprimento dessa espécie de obrigação em nada se difere do particular. De fato, o regime jurídico previsto no art. 100 da Constituição Federal refere-se somente às obrigações de pagar. Portanto, uma vez reconhecida a procedência do pedido e cumprida integralmente a obrigação de fazer pelo ente público, os honorários sucumbenciais devem ser reduzidos pela metade. Esse entendimento foi consolidado no enunciado nº 9 da I Jornada de Direito Processual Civil nos seguintes termos:
Aplica-se o art. 90, § 4º, do CPC ao reconhecimento da procedência do pedido feito pela Fazenda Pública nas ações relativas às prestações de fazer e de não fazer.
Na mesma perspectiva José Medina sustenta a compatibilidade da norma em comento com as obrigações de fazer ou não fazer devidas pelos entes públicos, conforme se extrai do seguinte do trecho do seu Código de Processo Civil Comentado (Medina, 2022):
"Quando a Fazenda Pública for ré, nem sempre será possível a esta reconhecer a procedência de pedido condenatório ao pagamento de soma em dinheiro e, ao mesmo tempo, cumprir a obrigação (cf. comentário ao art. 534 do CPC/215). Mas a regra pode aplicar-se, em princípio, quando a Fazenda Pública for ré em ação relativa a dever de fazer ou de não fazer (nesse sentido, cf. Enunciado n. 9 da Jornada CEJ/CJF, nota supra)" (grifo nosso)
Por outro lado, cuidando-se de obrigação de pagar a Fazenda Pública diferencia-se dos particulares quanto ao regime de cumprimento, por força do disposto no art. 100 da Constituição Federal, que, excepcionadas as obrigações de pequeno valor, estabelece que os pagamentos devem ocorrer por meio de precatórios (art. 100 caput e §3º):
Art. 100. Os pagamentos devidos pelas Fazendas Públicas Federal, Estaduais, Distrital e Municipais, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.
(...)
§ 3º O disposto no caput deste artigo relativamente à expedição de precatórios não se aplica aos pagamentos de obrigações definidas em leis como de pequeno valor que as Fazendas referidas devam fazer em virtude de sentença judicial transitada em julgado.
Realizando o cotejo entre a norma processual e a norma constitucional, constata-se um aparente conflito, já que o art. 90, §4º, do CPC exige que cumprimento da prestação reconhecida seja simultâneo ao ato e reconhecimento, o que não ocorreria no regime de pagamento por meio de precatório, nos termos do que estabelece o §5º do art. 100 da Constituição Federal que prescreve:
§ 5º É obrigatória a inclusão no orçamento das entidades de direito público de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado constantes de precatórios judiciários apresentados até 2 de abril, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.
Como se demonstrará ao longo do presente trabalho esse aparente conflito pode ser superado, permitindo-se, assim, a aplicação do art. 90, §4º, do CPC nas ações em que se discute obrigação de pagar da Fazenda Pública.
2- A APLICAÇÃO DO ART. 90, §4º, DO CPC NAS AÇÕES EM QUE SE DISCUTE OBRIGAÇÃO DE PAGAR DA FAZENDA PÚBLICA
2.1 Aplicação do art. 90, §4º como estímulo à consensualidade
Como visto, a questão exsurge da pretensa incompatibilidade da expressão “simultaneamente” com o rito de adimplemento das obrigações de pagar da Fazenda Pública, pagamento por meio de precatórios (art. 100 da CF).
Com efeito o advérbio “simultaneamente” traz a ideia de algo que acontece ao mesmo tempo que a outra coisa a que se faz referência, ideia de sincronicidade (in: Dicionário Michaelis on line), o que, em uma interpretação gramatical, levaria à conclusão de total incompatibilidade com a sistemática dos precatórios.
Contudo, toda interpretação de norma deve levar em consideração a respectiva teleologia, conforme se extrai do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº 4.657/1942) que aduz que: “na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”.
No mesmo sentido, o art. 8º do CPC dispõe que:
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Nessa linha, a aplicação do §4º do art. 90, do CPC deve ter por norte o estímulo à solução consensual das lide e o abreviamento da efetivação do direito da parte autora. Nelson Nery Junior (Júnior, 2022), em seu Código de Processo Civil Comentado, esclarece que:
“Por meio de medidas de cunho financeiro, o CPC estimula a solução rápida de litígios e a conciliação, como se vê destes parágrafos. No caso do § 3.º, com a dispensa ao pagamento de despesas remanescentes, as partes que finalizam transação antes da sentença têm aí uma razão financeira interessante para buscar um acordo o mais rápido possível. Já o § 4.º premia não apenas a rapidez com que o litígio se encerra, mas também a conduta do réu que, ao reconhecer o pedido, porta-se de forma condizente com a boa-fé processual e a não fazer perdurar, desnecessariamente, o litígio”.
Insta salientar que o atual Código de Processo Civil elevou topograficamente a busca pela solução consensual dos conflitos a norma fundamental do Processo Civil, conforme se depreende do artigo 3º, §2º:
Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.
§ 1º É permitida a arbitragem, na forma da lei.
§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.
Ao tecer comentários sobre esse dispositivo Luiz Guilherme Marinoni (Marinoni, 2022) elucida que:
“O Código tem como compromisso promover a solução consensual do litígio, sendo uma das suas marcas a viabilização de significativa abertura para a autonomia privada das partes – o que se manifesta não só no estímulo a que o resultado do processo seja fruto de um consenso das partes (art. 3.º, §§ 2.º e 3.º, CPC), mas também na possibilidade de estruturação contratual de determinados aspectos do processo (negócios processuais, art. 190, CPC, e calendário processual, art. 191, CPC)”. (Marinoni, 2022)
Como se vê, a promoção à consensualidade possui particular relevância dentro do ordenamento jurídico-processual de modo que a melhor compreensão do art. 90, §4º, do CPC deve ser aquela que propicie a máxima efetividade da norma.
Ademais, há que se considerar que a impossibilidade de pagamento imediato por parte da Fazenda Pública não decorre de sua vontade, mas de sistemática constitucional que lhe foi imposta, visando respeitar o orçamento público e o princípio da isonomia entre os credores.
Portanto, levando em consideração a boa-fé da Fazenda Pública em reconhecer a procedência do pedido e o inquestionável encurtamento da satisfação do direito da parte autora, a expressão “simultaneamente” deve ser ressignificada de modo a se compatibilizar com o regime de pagamento previsto no art. 100 da CF.
Não se trata de afastar o sentido da norma, mas de ampliar a respectiva interpretação de forma a lhe conferir maior efetividade, promovendo a solução consensual do conflito (art. 3º, §2º do CPC).
Não se pode perder de vista que a não aplicação do art. 90, §4º à Fazenda Pública funcionará como desestímulo à consensualidade, já que se tornará mais vantajoso adiar a solução da lide e, consequentemente, o pagamento da dívida, adicionando-se a isso a possibilidade de se sagrar vitoriosa no julgamento da ação.
Registre-se que, conforme levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça, a Administração Pública apresenta-se como o seguimento com maior atuação no Poder Judiciário. Em outras palavras, os entes públicos apresentam-se como os litigantes que possuem o maior número de ações, seja no polo passivo, seja no polo ativo.
Nessa perspectiva, ao se restringir a aplicação do dispositivo em comento, também estará se restringindo os efeitos da própria norma, frustrando, sobremaneira, a efetivação da Politica Nacional de Tratamento Adequado de Conflitos, implementada pelo Conselho Nacional de Justiça por meio da Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça.
Nesse contexto, é preciso dizer que a aplicação desta norma aos entes públicos não resultará em prejuízo a parte autora, pelo contrário: mesmo que o regime de precatórios torne mais demorado o pagamento do crédito, é certo que muito mais demorado seria se não houvesse o reconhecimento da procedência do pedido, já que a parte autora teria que percorrer todo o caminho processual até obter provimento jurisdicional que lhe assegurasse seu direito.
De outro modo, caso prevaleça a interpretação de que o art. 90, §4º do CPC seria incompatível com o regime de precatórios, estar-se-ia, em última análise, subtraindo-se da parte autora o direito a uma solução rápida, consensual e de mérito, em razão da natureza jurídica da ré.
2.2 O princípio da juridicidade como vetor interpretativo
Além da ótica da busca pela consensualidade, a solução do conflito normativo em análise também passa pela compreensão do princípio da juridicidade, entendido com um espectro que ultrapassa a legalidade formal e adentra ao domínio principiológico do ordenamento jurídico e também de outras formas de expressão jurídica.
Sobre o princípio da juridicidade Maria Sylvia Zanella Di Pietro (Pietro, 2022) ensina que:
"Como discorrido, a legalidade não significa e nem se reduz à lei em sentido formal. Afinal, Jean Rivero professava com base em Otto Mayer que “não é apenas pela lei que o Executivo está ligado, mas ainda por regras de direito que não são obra do legislador: jurisprudência, princípios gerais do direito e costume”. A evolução do princípio da legalidade administrativo alcançou um sentido que admite outras formas de expressão jurídica. Por isso, se apresenta o princípio da juridicidade, expressão mais ampla que abarca Constituição, lei, princípios jurídicos, atos normativos de valor semelhante ou inferior à lei, e que se traduz na ideia de submissão da Administração ao Direito. Ele é adotado em várias constituições (como a alemã e a espanhola), “cujos elementos constitutivos são: Constituição, lei, regulamento, jurisprudência, precedentes administrativos”, sem olvidar os princípios jurídicos." (Pietro, 2022)
(...)
"A depuração do princípio da legalidade permite inferir uma profunda distinção entre a legalidade propriamente dita (reserva de lei, legalidade absoluta ou estrita; espécies e níveis) e juridicidade – este, sim, um princípio de maior abrangência, contendo a legalidade, os princípios jurídicos e outras formas de expressão jurídica. Consectário da juridicidade é a dilatação do controle judicial da Administração Pública que não atende apenas à legalidade em sentido estrito, exigindo atenção ao princípio da juridicidade, tomando como base os limites jurídicos da razoabilidade, da finalidade e da boa-fé.
No direito brasileiro há incorporações desse entendimento. Cármen Lúcia Antunes da Rocha assinala que o princípio da juridicidade foi rotulado de legalidade e significa que a Administração Pública “é o próprio Direito tornada movimento realizador de seus efeitos para intervir e modificar a realidade social sobre a qual incide”, pregando uma adequação perfeita entre o quanto posto pelo Direito e o quanto realizado pela entidade competente na sequência da disposição. A juridicidade administrativa manifesta-se por várias formas, como a reserva de lei e outros atos normativos e também os princípios jurídicos. E Maria Sylvia Zanella Di Pietro discorre que “a presença dos princípios e valores na Constituição permite a afirmação de que no Brasil a submissão da Administração se dá à lei e ao direito. Permite a afirmação de que, hoje, o princípio da legalidade ganhou nova dimensão, levando à distinção entre legalidade em sentido estrito (que equivale à reserva da lei) e à legalidade em sentido amplo (que abrange os atos normativos do Poder Executivo, bem como os princípios e valores previstos na Constituição, de forma implícita ou explícita)”.
Portanto, tem maior amplitude o princípio da juridicidade, abarcando em seu interior o princípio da legalidade. Este será considerado como a reserva de lei formal (legalidade absoluta, estrita), exigível em certas situações, notadamente quando haja interferência na esfera de direitos e liberdades de terceiros, como o fez a Lei Paulista n. 10.177/1998 ao requisitá-la na criação de condicionamentos aos direitos dos particulares ou imposição de deveres de qualquer espécie e na previsão de infrações ou prescrição de sanções (art. 6.º). Não têm legalidade e juridicidade identidade de alcance e conteúdo: este é, definitivamente, conceito maior, de atuação conforme a lei e o Direito, nos termos do que conceituado no art. 2.º, I, da Lei 9.784/1999".
No Código de Processo Civil o princípio da juridicidade está expresso no art. 8º, ao prever que na aplicação do ordenamento jurídico deve-se atender além da finalidade da norma, também os princípios da proporcionalidade, da razoabilidade e publicidade, sempre buscando a promoção da dignidade humana. Confira-se a literalidade da norma:
Art. 8º Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.
Luiz Marinoni (2022), analisando o art. 8º do CPC leciona que:
“O juiz deve fidelidade ao direito – isto é, à ordem jurídica (arts. 7.º e 140, CPC). Diante disso, o juiz ao aplicar o ordenamento jurídico deve observar não só a legalidade, mas a juridicidade: a alusão no art. 7.º, CPC, à legalidade, portanto, deve ser lida como alusão ao direito como um todo. Em uma perspectiva interpretativa lógico-argumentativa, porém, é preciso observar que o respeito ao direito depende da outorga de significado às disposições textuais e aos elementos não textuais da ordem jurídica. Isso quer dizer que o respeito à juridicidade e à legalidade impõe fidelidade à juridicidade e à legalidade tal como retratadas pelas Cortes Supremas, que têm o dever de dar unidade ao direito (art. 926, CPC). Havendo precedentes constitucionais e precedentes federais sobre determinada questão, o respeito à juridicidade e à legalidade para a administração da Justiça Civil significa respeito à interpretação institucionalmente vinculante dada pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça às respectivas questões (art. 927, CPC). Vale dizer: respeito aos precedentes judiciais”.
Alinhado com o art. 8º, o §2º do art. 489 do CPC dispõe que, havendo a colisão entre normas, o juiz deve solucioná-la aplicando o critério da ponderação, confira-se:
Art. 489. São elementos essenciais da sentença:
(...)
§ 2º No caso de colisão entre normas, o juiz deve justificar o objeto e os critérios gerais da ponderação efetuada, enunciando as razões que autorizam a interferência na norma afastada e as premissas fáticas que fundamentam a conclusão.
Nesse cenário, a ponderação entre o disposto no art. 90, §4º, do CPC e o art. 100 da Constituição Federal deve transcender a análise literal dos dispositivos legais e contemplar os princípios jurídico-processuais que permeiam a atividade jurisdicional, mormente os expressos no Capítulo I do Título Único do Livro I da Parte Geral do CPC, que estabelece as normas fundamentais do processo civil, entre eles: princípio da primazia da decisão de mérito (art. 139, IX e art. 1.029, §3º), princípio da cooperação (art. 6º), princípio da boa-fé processual (art. 5º), princípio da solução por autocomposição (art. 3º), princípio da eficiência (art. 8º), princípio da efetividade do processo (art. 4º) e razoabilidade e proporcionalidade (art. 8º).
Por certo, ao reconhecer a procedência do pedido a Fazenda Pública se utiliza de uma das formas de autocomposição agindo com boa-fé e cooperando para que a solução da lide ocorra de maneira eficiente e efetiva, contribuindo para que o autor tenha em seu favor uma decisão de mérito em menor tempo, não se mostrando recomendável, portanto, afastar a incidência da norma somente em razão do regime jurídico a que a ré está submetida.
Ainda sob o enfoque da juridicidade, há que se trazer a lume os, já mencionados, princípios da proporcionalidade e a razoabilidade, que ocupam especial importância como vetores interpretativos e solucionadores de conflitos.
O princípio da proporcionalidade está caracterizado pela presença de três elementos: a) adequação, que consiste na capacidade do ato atingir o objetivo proposto; b) necessidade – consubstanciada pela escolha do meio menos restritivo aos direitos individuais; c) proporcionalidade em sentido estrito, que corresponde a proporção entre meios e fins.
A razoabilidade, por sua vez, impõe a observância da equidade, com vistas à concepção de justiça social, tendo por referência a realidade fática.
Sobre o princípio da proporcionalidade e da razoabilidade, vale citar a valiosa de lição de Daniel Mitidiero (2021):
“O Código de 2015 menciona expressamente três postulados normativos: proporcionalidade, razoabilidade e ponderação. A proporcionalidade é um postulado que visa a estruturar a aplicação de duas normas que se encontram em uma relação de meio e fim. O objetivo é preservar o máximo possível do princípio da liberdade, restringindo-se a esfera jurídica de determinada pessoa apenas naquilo que for necessário para consecução do fim que deve preponderar. A proporcionalidade exige o exame de três diferentes elementos: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito . A razoabilidade é um postulado que visa a estruturar a aplicação de outras normas visando à harmonização e à vinculação à realidade. O objetivo é preservar o máximo possível o princípio da igualdade. A razoabilidade pode ser trabalhada em três acepções básicas: razoabilidade como equidade (em que a razoabilidade visa a resolver um problema envolvendo uma relação entre o geral e o particular), como congruência e como equivalência. A ponderação, por fim, é um postulado que visa a atribuir pesos a elementos que se entrelaçam. Como se pode perceber facilmente, cada um desses postulados serve para resolver um problema normativo específico e cada qual apresenta uma estrutura própria de aplicação. Esses diferentes objetivos, que refletem diferentes exigências aplicativas, devem estar projetados na fundamentação da decisão”.
No presente caso, portanto, a ponderação deve levar em conta a finalidade precípua da norma contida no art. 90, §4º, do CPC (promoção da consensualidade) e o meio de pagamento da dívida (regime de precatórios), adotando a solução jurídica que esteja orientada pela equidade.
Nesse panorama a solução que desponta é a compatibilização das normas, de maneira que a Fazenda Pública possa ser beneficiária da redução dos honorários sucumbenciais e a parte autora obtenha de forma célere provimento jurisdicional que satisfaça a respetiva pretensão.
3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo do presente trabalho discutiu-se a aplicação do art. 90, §4º, do CPC às obrigações de pagar da Fazenda Pública, tendo em vista o regime jurídico de precatórios.
Conforme foi visto, a antinomia é meramente aparente. Com efeito, demonstrou-se que a promoção da consensualidade como norma fundamental do processo civil permite realizar uma releitura da expressão “simultaneamente” de forma a contemplar o pagamento da obrigação, reconhecida pelo ente público, por meio de precatório, sob pena de se atenuar sobremaneira a efetividade da norma prevista no art. 90, §4º do CPC.
Não bastasse isso, asseverou-se que o princípio da juridicidade, tendo por subprincípio a proporcionalidade e razoabilidade, autoriza que, realizando-se uma ponderação entre meios (pagamento por de precatório) e fins (promoção da consensualidade) haja a redução dos honorários sucumbenciais pela metade, como forma de se estimular a autocomposição, levada a efeito por meio do reconhecimento da procedência do pedido.
Por fim, conclui-se que não há razões para que não se aplique o art. 90, § 4º do CPC à obrigações de pagar da Fazenda Pública, contribuindo-se, assim, para que haja uma prestação jurisdicional célere, de mérito e que satisfaça a pretensão autoral em tempo e modo devidos.
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Simultaneamente in: Dicionário Michaelis on line. Disponível em:<https://michaelis.uol.com.br/>. Acesso em 21/01/2023.
Procuradora na Procuradoria Geral do Estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, TATIANA MARTINS DE. Da aplicabilidade do art. 90, §4º do CPC à Fazenda Pública nas obrigações de pagar Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jan 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60909/da-aplicabilidade-do-art-90-4-do-cpc-fazenda-pblica-nas-obrigaes-de-pagar. Acesso em: 23 dez 2024.
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