Resumo: O presente trabalho tem como objetivo analisar detidamente as modalidades de constituição do crédito tributário, a possibilidade de escolha desses tipos de lançamento por parte dos Entes Federativos e como isso contribui para a autonomia desses no cenário de federalismo cooperativo como é o modelo entendido pelo Supremo Tribunal Federal. Para isso, é mister analisarmos as considerações doutrinárias, legais e jurisprudenciais afetas.
Palavras-chave: Lançamento tributário. Modalidades. Autonomia federativa.
Abstract: The present work aims to analyze in detail the modalities of constitution of the tax credit, the possibility of choosing these types of assessment by the Federative Entities and how this contributes to their autonomy in the scenario of cooperative federalism, as is the model understood by the Supreme Court. For this, it is necessary to analyze the related doctrinal, legal, and jurisprudential considerations.
Keywords: Tax launch. Modalities. federal autonomy.
Introdução
A fim de fazer uma análise da autonomia federativa sob a ótica do crédito tributário que, diga-se de passagem, é a maior fonte de arrecadação dos entes, razão de sua grande importância, é de se analisar o crédito em uma de suas particularidades: da sua constituição.
O crédito tributário, então, como se verá, nasce pelo lançamento: esse é o procedimento formal de sua constituição. O CTN (Código Tributário Nacional) prevê modalidades para tal, podendo ser de ofício, por declaração e por homologação.
A autonomia federativa se vê nessa etapa, tendo em vista que cada ente federativo tem competência para definir que modalidade adotará para cada tributo de sua competência. Isso, inclusive, porque analisará suas capacidades técnica e financeira, além da que lhe permita uma maior arrecadação, para definir o tipo de lançamento que é mais vantajoso ao Erário.
É que, para travar essa escolha, o Ente deverá analisar, inclusive, sua maior ou menor capacidade tecnológica, o dispêndio que lhe trará maior custo-benefício e o modo que terá maior adesão da população.
A análise terá por objeto as considerações doutrinárias e legais, bem como o entendimento do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal, mister para fazer uma correta interligação dos pontos.
Verificada no mundo dos fatos a situação que foi designada em lei como fato gerador, nasce o dever de pagar: uma obrigação tributária. Há quem diga que a situação prevista em lei não é propriamente o fato gerador, mas a hipótese de incidência, sendo o fato gerador a ocorrência, propriamente dita, que enseja a cobrança tributária.
Urge salientar que é necessário que exista uma lei, em sentido formal, que preveja essa hipótese de incidência que fará nascer a obrigação tributária. É que, conforme cediço, no nosso ordenamento jurídico, prevalece a máxima “ninguém será obrigado a nada senão em virtude de lei”.
Nesse sentido, é a disposição prevista no art. 150 da Constituição Federal, verdadeira limitação constitucional ao poder de tributar dos Entes Federativos, cujo teor veda que seja exigido ou aumentado tributo sem lei que o estabeleça.
Assim, é de se concluir que o fato gerador seria a hipótese de incidência observada na prática, em que se identifica o nascimento de uma relação jurídica tributária, de cunho obrigacional, em que se tem elementos subjetivos e objetivos. Em relação aos subjetivos, temos duas partes: o credor, sujeito ativo, que é o Estado, e o devedor, sujeito passivo, o contribuinte ou responsável. O elemento objetivo, por sua vez, é a prestação, que deverá ser cumprida.
Para que, de fato, seja exigível a conduta do pagamento, se faz necessário um procedimento que declare a ocorrência do fato gerador, bem como identifique o direito a ser aplicado, calcule seu montante e defina possíveis penalidades a que se submeterá o contribuinte se optar pelo não pagamento: é o procedimento de lançamento do crédito tributário.
O lançamento, por sua vez, é um procedimento administrativo posterior à obrigação tributária, de forma que, quanto a essa, tem cunho meramente declaratório: declara sua existência prévia. Todavia, trata-se de procedimento verdadeiramente importante quanto à obrigação tributária, na medida em que, apesar de não cria-la, formaliza o débito e o torna exigível.
Mas, quanto ao crédito tributário, é verdadeira constituição: o lançamento constitui o crédito tributário, de forma que define formalmente os seus contornos. É pensamento corroborado pelo Superior Tribunal de Justiça, para quem “o crédito tributário não surge com o fato gerador, mas é constituído pelo lançamento”[1].
Por isso se diz que o lançamento tem natureza mista, na medida em que tem natureza constitutiva quanto ao crédito e declaratória quanto à obrigação. Todavia, é de se apontar a discussão doutrinária em relação ao lançamento como ato administrativo ou procedimento administrativo. Parece prevalecer a conclusão que sobressai pela leitura do art. 142, a de que é um procedimento.
Um procedimento é, segundo Ricardo Alexandre, um “conjunto de atos sistematicamente organizados para a produção de um resultado”[2]. Não há como entender o lançamento por um único e isolado ato, até pela necessidade de conferir ao contribuinte o contraditório e ampla defesa na fase administrativa de constituição.
Diante da correlação apontada entre crédito tributário e obrigação tributária, pode-se pensar pela subordinação de uma à outra. Mas, o art. 140 do CTN indica a autonomia da obrigação perante o crédito, de forma que vício no lançamento não lhe contamina – o lançamento, portanto, poderá ser refeito. É de se trazer o artigo:
Art. 140. As circunstâncias que modificam o crédito tributário, sua extensão ou seus efeitos, ou as garantias ou os privilégios a ele atribuídos, ou que excluem sua exigibilidade não afetam a obrigação tributária que lhe deu origem.
Ato contínuo, o lançamento se perfectibiliza pela sua notificação ao sujeito passivo. Mas, deve-se entender que o lançamento não é autoexecutório, apesar de exigível – caso não haja o pagamento, caberá à Administração se socorrer da execução fiscal (o instrumento de cobrança judicial à sua disposição, por excelência).
Nos termos do CTN, compete privativamente à autoridade administrativa o lançamento, sendo a autoridade referida definida pela lei de cada Ente Federativo. E, tendo em vista o caráter exclusivo, trata-se de competência indelegável e até mesmo impossível de avocação.
Nessa toada, nem mesmo o juiz pode lançar ou mesmo corrigir o lançamento, cabendo-lhe, tão somente, declarar eventual nulidade. Fica, nesse caso, à cargo da autoridade administrativa competente constituir novamente o crédito.
O lançamento é atividade vinculada e obrigatória, não deixando margem de discricionariedade à autoridade, tendo em vista, inclusive, a máxima da indisponibilidade do interesse público, que há de nortear o Administrador no trato da coisa pública.
Quanto ao procedimento do lançamento, a doutrina determina a existência de aspectos materiais e formais. Os primeiros são aqueles que dizem respeito à obrigação tributária em si, como o fato gerador, contribuinte, base de cálculo e alíquota. Já os aspectos formais, como é de se esperar, mais dizem respeito ao procedimento em si.
Essa distinção se faz muito importante na medida em que os aspectos materiais obedecem a legislação em vigor quando da materialização da hipótese de incidência no mundo dos fatos – a da ocorrência do fato gerador – ainda que essa seja modificada ou revogada no ínterim até a constituição. Por tal feita, se diz que o lançamento tem efeitos retroativos, ou ex tunc.
Quanto aos aspectos formais, por sua vez, a legislação a ser aplicada será a vigente à época do lançamento, sendo isso que se conclui pela correta leitura do art. 144, §1º, do CTN:
Art. 144. O lançamento reporta-se à data da ocorrência do fato gerador da obrigação e rege-se pela lei então vigente, ainda que posteriormente modificada ou revogada.
§ 1º Aplica-se ao lançamento a legislação que, posteriormente à ocorrência do fato gerador da obrigação, tenha instituído novos critérios de apuração ou processos de fiscalização, ampliado os poderes de investigação das autoridades administrativas, ou outorgado ao crédito maiores garantias ou privilégios, exceto, neste último caso, para o efeito de atribuir responsabilidade tributária a terceiros.
§ 2º O disposto neste artigo não se aplica aos impostos lançados por períodos certos de tempo, desde que a respectiva lei fixe expressamente a data em que o fato gerador se considera ocorrido.
Como se percebe, o §2º cria uma exceção à regra em questão: é que, as regras não se aplicam aos impostos lançados por períodos certos de tempo, como notadamente o são o Imposto sobre Veículos Automotores e o Imposto Predial Territorial Urbano, caso a lei fixe expressamente a data em que o fato gerador se considera ocorrido.
Conforme aqui explicado, a o lançamento se perfectibiliza com a notificação prévia do sujeito passivo. O que, inclusive, dá azo a uma divisão no procedimento do lançamento em fase oficiosa, que se encerra exatamente com essa notificação, e fase contenciosa, sendo, em verdade uma possibilidade: é instaurada com a impugnação, que não necessariamente ocorrerá.
É de se apontar a súmula 622 do STJ, segundo a qual:
Súmula 622 do STJ: A notificação do auto de infração faz cessar a contagem da decadência para a constituição do crédito tributário; exaurida a instância administrativa com o decurso do prazo para a impugnação ou com a notificação de seu julgamento definitivo e esgotado o prazo concedido pela Administração para o pagamento voluntário, inicia-se o prazo prescricional para a cobrança judicial.
Até essa notificação ocorrer, há a reversibilidade absoluta do lançamento: esse pode ser alterado pela autoridade para corrigir informações ou valores.
Ocorrida a notificação, a situação altera. Passa-se à regra da vedação da alteração do lançamento, presumindo-se ser esse definitivo. A doutrina, inclusive, aponta pela existência de um princípio da imutabilidade do lançamento, sendo, todavia, relativo, na medida em que o CTN expressa situações em que o lançamento poderá sofrer alteração, nos termos do art. 149. É mister a leitura:
Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa nos seguintes casos:
I - quando a lei assim o determine;
II - quando a declaração não seja prestada, por quem de direito, no prazo e na forma da legislação tributária;
III - quando a pessoa legalmente obrigada, embora tenha prestado declaração nos termos do inciso anterior, deixe de atender, no prazo e na forma da legislação tributária, a pedido de esclarecimento formulado pela autoridade administrativa, recuse-se a prestá-lo ou não o preste satisfatoriamente, a juízo daquela autoridade;
IV - quando se comprove falsidade, erro ou omissão quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória;
V - quando se comprove omissão ou inexatidão, por parte da pessoa legalmente obrigada, no exercício da atividade a que se refere o artigo seguinte;
VI - quando se comprove ação ou omissão do sujeito passivo, ou de terceiro legalmente obrigado, que dê lugar à aplicação de penalidade pecuniária;
VII - quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;
VIII - quando deva ser apreciado fato não conhecido ou não provado por ocasião do lançamento anterior;
IX - quando se comprove que, no lançamento anterior, ocorreu fraude ou falta funcional da autoridade que o efetuou, ou omissão, pela mesma autoridade, de ato ou formalidade especial.
Parágrafo único. A revisão do lançamento só pode ser iniciada enquanto não extinto o direito da Fazenda Pública.
Vale salientar que tanto na impugnação do sujeito passivo ou no recurso voluntário (que equivaleria ao instituto da remessa necessária do Código de Processo Civil), poderá ocorrer a reformatio in pejus, ou reforma do julgamento para pior. A impugnação, portanto, requer fria análise da parte interessada de seu custo-benefício, eis que pode implicar aumento do valor devido aos cofres públicos.
Todavia, a impugnação se trata da consubstanciação da garantia constitucional ao contraditório e ampla defesa aos litigantes em processo administrativo.
Vale salientar que o STJ entende pela nulidade do lançamento cuja notificação é irregular por não abrir prazo para impugnação do sujeito passivo, sendo imperioso trazer o referido julgado, dado impacto de sua decisão.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. TAXA DE SERVIÇO METROLÓGICO. PROCESSO ADMINISTRATIVO. NOTIFICAÇÃO IRREGULAR. AUSÊNCIA DE PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO. NULIDADE DO LANÇAMENTO. DESRESPEITO AO DEVIDO PROCESSO LEGAL, À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. A regularidade do lançamento tributário é uma garantia do contribuinte e constitui condição de eficácia do ato praticado pela administração, figurando, em verdade, como pressuposto para a exigibilidade do crédito. Notificação que não traz prazo para impugnação mostra-se irregular e viola o devido processo legal, a ampla defesa e o contraditório, acarretando a nulidade do lançamento do crédito tributário.
Agravo regimental improvido[3].
No trâmite do lançamento, o recurso voluntário se dá quando, havendo impugnação do sujeito passivo, a autoridade competente para julgar concorda com os argumentos aduzidos pelo sujeito passivo, de forma a desconstituir o crédito, o que pode ocorrer parcialmente.
Isso é possível tendo em vista o princípio da autotutela, que determina a capacidade da Administração de rever seus atos por si só, dispensando a iniciativa da parte interessada e, para além, a atuação do Poder Judiciário. Mas, vai além de uma mera possibilidade, sendo um verdadeiro poder-dever, na medida em que, se há vício no ato, a Administração mais que pode, deve revê-lo.
Assim, há plena possibilidade da autoridade administrativa, ao observar ilegalidade no procedimento de lançamento, dar início, de ofício, à correspondente alteração, sem sujeição à provocação do sujeito passivo. Os vícios a ensejarem nova análise da autoridade são os elencados no art. 149, supratranscrito.
Importante mencionar que há sujeição a prazo para essa reanálise: a do prazo decadencial do Fisco para constituir o crédito tributário, de forma a garantir a estabilidade das relações jurídicas, sobremaneira importante para a segurança jurídica – pilar do no nosso ordenamento jurídico.
Disposição relevante é a do art. 146, também do CTN:
Art. 146. A modificação introduzida, de ofício ou em consequência de decisão administrativa ou judicial, nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento, somente pode ser efetivada, em relação a um mesmo sujeito passivo, quanto a fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução.
Trata-se da vedação à aplicação retroativa de modificação do lançamento com base em “erro de direito” – nas palavras do código, o termo direito designaria os critérios jurídicos. Segundo Ricardo Alexandre, “a nomenclatura tradicional não é adequada, pois o dito ‘erro de direito’ não é, necessariamente erro”[4].
Para entendermos o porquê, há de se visualizar que há uma norma plúrima, que permite diversas interpretações, e a autoridade, quando do lançamento, escolheu uma delas na formalização e isso deverá ser imutável em relação àquele procedimento. É que, nas hipóteses previstas pelo CTN, não há situação parecida que legitimasse essa revisão aqui debatida.
É cediço o peso do princípio da não surpresa em matéria tributária que não se poderia admitir que mudança de critério jurídico adotado pelo Fisco tivesse eficácia retroativa, daí porque só se pode falar da aplicação a casos futuros.
Esse é o entendimento do STJ, para quem:
TRIBUTÁRIO. IPI. MANDADO DE SEGURANÇA. IMPORTAÇÃO DE MERCADORIA. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. CLASSIFICAÇÃO TARIFÁRIA. AUTUAÇÃO POSTERIOR. REVISÃO DE LANÇAMENTO POR ERRO DE DIREITO. SÚMULA 227/TRF. PRECEDENTES. - Aceitando o Fisco a classificação feita pelo importador no momento do desembaraço alfandegário ao produto importado, a alteração posterior constitui-se em mudança de critério jurídico vedado pelo CTN. - Ratio essendi da Súmula 227/TRF no sentido de que "a mudança de critério jurídico adotado pelo fisco não autoriza a revisão do lançamento". - Incabível o lançamento suplementar motivado por erro de direito. - Recurso improvido[5].
O STJ, inclusive, quando da manutenção dos critérios jurídicos adotados pela autoridade, invocou o princípio da proteção à confiança. É que o sujeito passivo há de supor a regularidade e correção do procedimento administrativo de lançamento, não sendo aceitável que esse seja surpreendido com alteração posterior por parte da autoridade. É uma espécie de leitura a contrario sensu da presunção de legitimidade e veracidade dos atos administrativos – a Administração há de suportar a confiança que o particular nela deposita corretamente.
Por sua vez, o “erro de fato” é capaz de alterar o lançamento tributário. Isso porque se trata de situação em que houve incorreto enquadramento de circunstâncias objetivas da hipótese de incidência que não demandam alguma atividade hermenêutica – isso porque da norma só se pode extrair um sentido, não há margem para interpretação, não haverá grandes discussões sobre possíveis erros interpretativos.
Esse é o entendimento da Corte Cidadã, sendo mister trazer a tese fixada:
A retificação de dados cadastrais do imóvel, após a constituição do crédito tributário, autoriza a revisão do lançamento pela autoridade administrativa (desde que não extinto o direito potestativo da Fazenda Pública pelo decurso do prazo decadencial), quando decorrer da apreciação de fato não conhecido por ocasião do lançamento anterior, ex vi do disposto no artigo 149, inciso VIII, do CTN (Recurso Repetitivo - Tema 387)[6]
Para melhor entendimento, é de se exemplificar: o erro de fato seria o caso de uma venda em que houve a venda de 200 unidades de um produto, incidindo o Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS).
Todavia, quando do lançamento, foi feito como se tivesse ocorrido a comercialização de apenas 150. Logo, houve um equívoco quanto aos pressupostos objetivos, em que a modificação do lançamento é medida que se impõe, sob pena de enriquecimento ilícito do particular em detrimento do Erário. Deverá ocorrer dentro do prazo previsto para o Fisco, eis que, apesar de justificar a mudança, não justifica a sua ocorrência a qualquer momento. Até porque a Fazenda detém prazo para promover essa constituição suplementar de ofício.
1.1 Formas de Constituição
Conforme construído, o crédito tributário é constituído pelo lançamento. Esse procedimento pode ocorrer de três formas distintas, cabendo à lei do Ente respectivo determinar qual ocorrerá no caso concreto. São três as modalidades: de ofício, por declaração e por homologação. Há, ainda, o lançamento por arbitramento.
Urge salientar que a classificação leva em consideração o sujeito passivo, na medida em que a variação entre os tipos será feita tendo em vista a maior ou menor participação desse no trâmite do lançamento.
1.1.1 De ofício
O lançamento de ofício, também chamado de lançamento direto, é aquele em que quase não há participação do sujeito passivo. Em outras palavras, a autoridade administrativa procede ao lançamento, sem qualquer intervenção relevante do devedor, isso em decorrência do dever legal de constituir o crédito a permitir a sua cobrança.
Para isso, o Fisco se vale de informações e dados que já estão disponíveis para ele, e esses são suficientes para identificar todos os atos que integram o procedimento do lançamento segundo o CTN em seu art. 142, cujo teor é de se colacionar:
Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível.
Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional.
Urge salientar que os casos em que o lançamento é feito de ofício são os do art. 149, mencionado anteriormente. E o diploma legal vai além dos casos em que a lei, originariamente, determina a competência para lançamento de ofício pela autoridade.
É que o lançamento de ofício inclui a revisão, a correção de erros, dos demais tipos, que possam contaminar o lançamento tributário, ainda que feito originariamente de outro tipo. Isso nos permite concluir que qualquer o tributo, independente de qual seja a modalidade de seu lançamento originário, admite o lançamento de ofício.
Conforme já dito, nos casos de revisão, haverá de ser observado o prazo decadencial de que dispõe a Administração para lançar o tributo, sob pena de não mais poder reaver eventual diferença pecuniária pela estabilidade da relação jurídica.
1.1.2 Por declaração
Por sua vez, o lançamento por declaração, ou misto, é aquele em que há alguma participação relevante do sujeito passivo da obrigação tributária. Trata-se do caso em que deverá ser prestada uma declaração com a matéria de fato indispensável ao lançamento do tributo.
A declaração a ser prestada decorre de um dever previsto na legislação tributária, e pode ser atribuída ao sujeito passivo da obrigação ou até a um terceiro, que deverá colaborar com a Administração. Daí porque se tem como misto: ao mesmo tempo em que há participação efetiva do sujeito passivo, ou terceiro, há uma correspondente atuação da autoridade administrativa para lançar.
Essa declaração, tanto em relação à elaboração quanto à entrega ao Fisco, corresponde ao que se entende por obrigação acessória, na medida em que, nas palavras do CTN, tem por objeto as prestações, nesse caso positivas, previstas em legislação no interesse da arrecadação ou da fiscalização dos tributos.
É de se salientar que essa abrange, tão somente a matéria fática indispensável à cobrança, sendo isso que melhor a caracteriza, até para não haver confusão com a modalidade a ser explicada logo mais. Ou seja, segue com a autoridade administrativa o dever de efetuar a subsunção dos fatos à norma para proceder à constituição.
Após a entrega da declaração, o CTN admite que o contribuinte proceda à sua retificação por sua própria iniciativa, ainda que com objetivo de reduzir ou mesmo excluir tributo, quando seja comprovado o erro que embase a retificação, bem como que ocorra antes de notificado o lançamento (eis que haveria a constituição do crédito). Ou seja, é ônus do contribuinte, responsável ou terceiro comprovar o erro contido na declaração originária.
Nesse ponto, é de se apontar que há casos em que a legislação abre um leque de possibilidades de tributação ao sujeito passivo. Quando da declaração, por vezes, há uma escolha a ser feita. Daí porque se faz necessária a prova do erro. Não teria como ser admitida uma retificação tão somente porque o contribuinte viu que fez uma escolha que não lhe trouxe benefícios, sendo, em realidade, mais onerosa.
Todavia, havendo erros não corrigidos pelo contribuinte, a autoridade administrativa competente para o lançamento pode constatá-los e retificá-los de ofício. Inclusive é de se apontar que, notificado o lançamento não mais se admite que haja retificação para diminuir ou excluir tributo, mas para aumentar pode.
Inclusive, nesse ponto, é mister apontar a melhor jurisprudência do STJ que afirma pela possibilidade de impugnação do sujeito passivo mesmo em se tratando de lançamento por declaração prestada por ele mesmo.
TRIBUTÁRIO - LANÇAMENTO COM BASE NA DECLARAÇÃO DO CONTRIBUINTE - ERRO - IMPUGNAÇÃO - POSSIBILIDADE - APLICAÇÃO DA REGRA DE QUE ONDE A LEI NÃO DISTINGUE NÃO CABE AO INTÉRPRETE DISTINGUIR. - O CTN prevê a possibilidade de impugnação, mesmo do lançamento com base na declaração efetuada pelo contribuinte, posto que, além de tratar-se de ato administrativo, o dispositivo de regência não faz referência a que tipo de lançamento pode ser alvo de impugnação, ou não, não podendo o intérprete distinguir onde a lei não distingue, como pontifica avelhantado brocardo jurídico. - Destarte, se o lançamento notificado pode ser alterado pelo sujeito passivo, é evidente que conspira em favor da interpretação teleológica das regras do sistema a possibilidade de o sujeito passivo antecipar-se. - Num sistema tributário em que se admite a "denúncia espontânea", revela-se incompatível vedar-se a retificação ex officio do autolançamento, acaso engendrado "tempestivamente". - Recurso desprovido[7].
A consideração é importante porque, segundo Ricardo Alexandre[8], a Fazenda Pública firmava a impossibilidade de impugnação do contribuinte na espécie de lançamento aqui delineado ante o fato da base de dados a ser utilizada ser prestada pelo próprio devedor. Em face do princípio da legalidade, não há como prosperar essa afirmação fazendária, de forma que pode haver a impugnação.
Relevante questão é a do lançamento por arbitramento, que se insere no âmbito dos tributos com lançamento por declaração. Apesar de vozes na doutrina enquadrarem o lançamento por arbitramento como modalidade de lançamento, prevalece na maior parte dos estudiosos que se trata de uma técnica de definição da base de cálculo a fim de possibilitar um lançamento de ofício. Posicionamento adotado pelo Código Tributário Nacional, sem necessidade de muito esforço hermenêutico.
É o que se dá nos casos em que a autoridade administrativa deverá fazer uma suposição, que terá que atender à máxima da razoabilidade e proporcionalidade, do valor a ser utilizado como base de cálculo. Aplica-se à situação em que há omissão ou incorreção na declaração prestada, instando à autoridade que deflagre um procedimento administrativo para que se possa aferir o melhor valor a ser utilizado, que corresponda à realidade, afinal, trata-se um valor a ser arbitrado, mas não de maneira arbitrária, e sim correlacionada ao mundo dos fatos.
É o que preconiza o art. 148 do CTN:
Art. 148. Quando o cálculo do tributo tenha por base, ou tome em consideração, o valor ou o preço de bens, direitos, serviços ou atos jurídicos, a autoridade lançadora, mediante processo regular, arbitrará aquele valor ou preço, sempre que sejam omissos ou não mereçam fé as declarações ou os esclarecimentos prestados, ou os documentos expedidos pelo sujeito passivo ou pelo terceiro legalmente obrigado, ressalvada, em caso de contestação, avaliação contraditória, administrativa ou judicial.
Assim, o lançamento por arbitramento se dá quando o valor da base de cálculo a ser utilizada não tenha correspondência exata ao valor do objeto da cobrança tributária, sendo fixado pelo administrador, que, deverá, por sua vez, se pautar em pesquisas de mercado para tal – não se poderia tolerar que seja uma fixação numerária qualquer.
Nesse sentido, o STJ já foi instado a se manifestar sobre pautas fiscais. O termo diz respeito a documentos em que a Administração definia previa e aleatoriamente preços regulares de alguns objetos de tributação, a fim de serem utilizados quando tivesse que definir a base de cálculo por arbitramento.
Nesse sentido, o STJ sumulou o entendimento majoritário, em sua súmula de nº. 431, cujo teor afirma pela ilegalidade cobrança de ICMS com base no valor da mercadoria submetido ao regime de pauta fiscal.
Mas, alguns temperamentos se fazem necessários. É que o que foi considerado ilegítimo pela Corte foi a utilização dessas pautas como uma presunção absoluta de valor, sem aceitar qualquer outro montante indicado pelos sujeitos passivos.
Essa forma de presunção acaba por esvaziar o instituto do arbitramento, eis que ao não aceitar outros valores, aplicar-se-á para além dos casos previstos no CTN, que são exaustivos – ou seja, será aplicado o regime fora das permissões da lei.
Da leitura à contrario sensu do artigo de regência, extrai-se a óbvia conclusão: para utilização do arbitramento, deverá o administrador analisar o valor adotado pelo contribuinte: se merecem fé, ou não, ou se omissos.
O procedimento instaurado para fins de arbitramento deverá assegurar ao sujeito passivo às máximas constitucionais da ampla defesa e contraditório, sendo isso que mais o diferencia de uma modalidade de lançamento. Ora, se modalidade de lançamento tão somente, seria como o lançamento de ofício, cuja impugnação é póstuma.
No caso em comento, se instaura um procedimento administrativo, para fins de definição da base de cálculo, para, concluindo a autoridade se tratar de caso com necessária complementação, fazer-se um lançamento de ofício complementar num tributo sujeito ao lançamento por declaração.
Insta salientar que, ao final do procedimento instaurado para fins de arbitramento, pode a autoridade simplesmente concordar com o contribuinte e não arbitrar suplementação pecuniária a ser paga.
Por fim, não se pode haver utilização dessa técnica como modo de punir o contribuinte – não há natureza punitiva. Seria o caso do contribuinte que não menciona de modo expresso o valor de um objeto, cujo valor exato é plenamente identificável, e o Fisco se aproveita disso para fins de arbitramento. Nesse caso, deverá ser aferido o valor preciso do tributo, sem detrimento das penalidades que possam se aplicar pela ausência de escrita fiscal regular.
1.1.3 Por homologação
Também chamado de autolançamento, é a modalidade, segundo o art. 150 do CTN, em que compete ao sujeito passivo, que pode ser contribuinte ou responsável, o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa.
Por sua vez, a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa caso esteja de acordo com o que se prevê na legislação de regência. Tem-se que o referido ato ainda está nas mãos da autoridade fazendária, eis que apenas e considera completa quando da homologação do pagamento realizado – é o que faz o lançamento em tela não ser uma exceção à regra supramencionada de competência privativa da autoridade para lançar.
Com a homologação, por sua vez, temos a concordância do Fisco, que, é de se supor, atesta correção. É por isso que o art. 150, §1º, do CTN fala que o pagamento antecipado no trâmite do lançamento por homologação apenas extingue o pagamento, mas com condição resolutória da homologação ulterior.
Segundo a maior doutrina, há uma imprecisão do código. É que condição resolutória é aquela cujo advento desfaz algo, não sendo o caso da homologação. Todavia, o que pode vir a resolver, no caso, é a não homologação – eis que tornará o crédito novamente exigível, na medida em que poderá a autoridade, ao discordar do quantum pago pelo sujeito passivo, lançar de ofício a diferença incidente ao caso, através do lançamento de ofício suplementar.
Assim, diz-se resolutória porque opera efeitos desde o pagamento, mas, apenas caso esse não seja homologado, extinguem-se seus efeitos. Se homologado, considera-se extinto o crédito tributário (e não o pagamento) e tornando o lançamento definitivo.
É de se trazer à baila o teor do artigo 150 do CTN, eis que muito elucida o assunto:
Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa.
§ 1º O pagamento antecipado pelo obrigado nos termos deste artigo extingue o crédito, sob condição resolutória da ulterior homologação ao lançamento.
§ 2º Não influem sobre a obrigação tributária quaisquer atos anteriores à homologação, praticados pelo sujeito passivo ou por terceiro, visando à extinção total ou parcial do crédito.
§ 3º Os atos a que se refere o parágrafo anterior serão, porém, considerados na apuração do saldo porventura devido e, sendo o caso, na imposição de penalidade, ou sua graduação.
O §2º afirma a definitividade da extinção apenas com a efetiva homologação: tanto é que atos anteriores à homologação em nada influenciam a obrigação tributária. É que, para que a homologação surta o efeito desejado, a obrigação tributária deve se manter inalterada até sua ocorrência, até para que seja possível ao Fisco efetuar eventuais lançamentos de ofício suplementares.
A atenuação do §3º é mister para que, os atos do sujeito passivo, apesar de não influenciarem na obrigação tributária, sejam levados em conta para fins de apuração do saldo devido e imposição de penalidades – é que não se pode impedir que o contribuinte realize os atos que entende devidos, como, por exemplo, faça pagamento suplementar.
Não apenas a homologação expressa produz efeitos no ordenamento jurídico pátrio. É que o princípio da segurança legítima não poderia se coadunar com prazo infinito para que a Fazenda efetuasse a homologação. Nesse sentido, temos a previsão do §4º do art. 150 do CTN:
Art. 150. (...) § 4º Se a lei não fixar prazo a homologação, será ele de cinco anos, a contar da ocorrência do fato gerador; expirado esse prazo sem que a Fazenda Pública se tenha pronunciado, considera-se homologado o lançamento e definitivamente extinto o crédito, salvo se comprovada a ocorrência de dolo, fraude ou simulação.
Da leitura do artigo, percebemos que existem dois tipos de homologação: a expressa, explicada acima, e a tácita, que ocorre quando a Fazenda deixa o prazo para homologação transcorrer in albis.
Em que pese a previsão da lei poder fixar um prazo específico, que poderia ser maior ou menor, é de se lembrar que as normas gerais de prescrição tributária ficam a cargo de uma lei complementar de caráter nacional, incluindo, por entendimento da Suprema Corte, a fixação da respectiva duração. O prazo aqui previsto é decadencial, uma vez que, transcorrido seu lapso, a Fazenda perde um direito: o de não homologar o pagamento e realizar eventual lançamento suplementar.
Essa lei complementar de caráter nacional, válida a lembrança, é o Código Tributário Nacional, que, apesar de pré-Constituição de 1988, foi recepcionado por ela com status de lei complementar.
Mas, em atenção ao princípio da boa-fé, entra a parte final do parágrafo: havendo comprovação de dolo, fraude ou simulação do sujeito passivo, não se aplicam as regras do lançamento por homologação. Todavia, a situação se trata de verdadeiro lançamento de ofício a ser realizado, de forma que as normas pertinentes serão aplicadas – não deixa de haver prazo para tal.
Uma situação específica merece atenção: e se não houver antecipação do pagamento por quem de direito? Nesse caso, não há o que se falar em prazo para homologação. Igualmente, haverá um lançamento de ofício, de forma que a contagem do transcurso temporal seguirá as normas pertinentes à modalidade.
Ainda, apontamento apenas elucidativo: o lançamento por homologação, por vezes, inclui uma declaração. A diferença entre essa modalidade e a passada é exatamente que no caso em análise há uma declaração acompanhada do pagamento antecipado, o que não existe na modalidade de lançamento por declaração. Essa, inclusive, se faz necessária para que o Fisco possa acompanhar o entendimento do contribuinte e analise a sua correção. No lançamento por homologação, o contribuinte vai além da modalidade anterior na medida em que também deverá fornecer os fatos necessários à incidência tributária, mas enquadra tais fatos na legislação aplicável e antecipa seu pagamento.
Uma última observação que se faz necessária é o caso do contribuinte que deposita em juízo um valor relativo a um débito tributário para questioná-lo. Segundo o STJ, nesse caso, dispensa-se o Fisco do dever de lançar o tributo, considerando-o lançado pelo depósito integral feito – não há indispensabilidade do ato formal de lançamento por parte da autoridade administrativa. Há uma equiparação à homologação tácita, inclusive, a inércia do Fisco[9].
1.2 Escolha da modalidade como vetor da autonomia federativa
Os Entes Federativos (leia-se União, Estados, Distrito Federal e Municípios) são pessoas jurídicas de direito público interno, e apenas autônomos. Todavia, entre eles, não há qualquer relação de hierarquia ou subordinação, de forma que as suas atuações são simplesmente de coordenação ou cooperação, tudo isso, inclusive, para consolidar, harmonizar e equilibrar o pacto federativo.
Essa dita autonomia é um poder decisório que a pessoa tem, dentro da margem de atuação conferida pela CF, de se auto-organizar – não se trata de autonomia incondicionada ou ilimitada juridicamente, eis que deve obedecer a critérios, regras e princípios estabelecidos no parâmetro constitucional.
A autonomia pressupõe algumas capacidades. Em primeiro lugar, temos a auto-organização, que diz respeito à possibilidade de edição, pelos Entes, de suas próprias normas, denotando a autolegislação. Dentre outras leis a serem produzidas, os Estados, editam suas Constituições Estaduais; o Distrito Federal elabora sua Lei Orgânica (que, segundo o STF “possui o mesmo status jurídico ostentado pelas Constituições Estaduais”[10]); e os Municípios elaboram suas Leis Orgânicas de acordo com a CF e a CE do Estado em que inserido.
O autogoverno diz respeito à capacidade dos Entes para elegerem seus próprios governantes, enquanto a autoadministração refere-se à distribuição de competências administrativas feita pela CF, cujo critério adotado foi o da predominância do interesse.
Nessa senda, a competência dos Entes Federativos para instituição de cada um dos tributos existentes em nosso ordenamento se dá pela Constituição Federal de maneira expressa.
Não há, em nosso ordenamento jurídico, qualquer norma que determine, necessariamente, o modo de constituição dos tributos. Assim, ficou a cargo de cada Ente, tendo em vista a sua autonomia tributária, definir o modo de lançamento dos tributos cuja arrecadação que lhe cabem.
Haverá aplicação, quando da escolha de cada Ente, do princípio da praticabilidade tributária – que corresponde às técnicas de criação e a correspondente aplicação das normas tributárias pelo Estado com vistas a obter a máxima eficiência procedimental – tornar o mais fácil e viável a execução da legislação tributária.
Trocando em miúdos, é possível que determinado Ente faça prever em sua legislação local o lançamento a ser realizado em um tributo de sua competência, na modalidade que lhe for mais cômoda, até obedecendo às suas características específicas.
Isso porque, inclusive, a arrecadação tributária é imperiosa à manutenção do Ente, uma vez que essa é, por vezes, a sua maior fonte de renda. A designação da modalidade de homologação por uma lei nacional, por exemplo, acabaria por tolher a autonomia, na medida em que poderia corresponder ao menor lucro do Estado.
É que, ainda que se vise a arrecadação, a sistemática tributária também envolve o dispêndio: isso porque deverá haver contratação de aparato técnico, bem como de funcionários públicos que possam tornar possível essa cobrança. Assim, deverá haver uma detida análise do Fisco de suas peculiaridades.
À título de exemplificação, temos que a sistemática do lançamento de ofício, em que tudo fica à cargo da Administração envolve um maior corpo de funcionários, ao passo que o lançamento por homologação poderá necessitar de menos autoridades: eis que essas deverão, tão somente, averiguar a correção.
O imposto mais famoso do Brasil é o Imposto de Renda, cuja arrecadação cabe à União, cujo lançamento é feito na sistemática da homologação. Imaginemos o que aconteceria se fosse de ofício: haveria uma demora que acabaria por culminar numa diminuição da arrecadação, tendo em vista a vasta população brasileira.
Assim, a escolha da modalidade de lançamento de seus tributos acaba por corroborar a autonomia dos Entes, sendo essa o melhor e mais potente forma de harmonizar o pacto federativo – sem haver predominância de um em detrimento do outro, mas um pacto de cooperação entre eles. É nesse sentido que o STF utiliza a expressão federalismo cooperativo[11] em muitos de seus julgados.
Considerações Finais
Feita toda essa análise de questões jurisprudenciais, doutrinárias e legais é possível se chegar a algumas conclusões.
Primeiramente, a de que os limites da autonomia dos entes na seara tributária está longe de ter um quadro pré-definido, de forma que há de se analisar situações específicas em que os limites à atuação serão traçados.
Todavia, há de se partir do pressuposto que o modelo de federalismo que funciona em nosso ordenamento, o cooperativo, parte da máxima da gerência mínima de um Ente na esfera do outro, de forma a manter a harmonia, pregando, inclusive, uma atuação conjunta em prol de uma obtenção daquilo que seja do interesse coletivo.
Assim, a constituição do crédito tributário, o procedimento do lançamento, é uma ferramenta de análise da autonomia, na medida em que os Entes estão livres para analisarem suas características intrínsecas e escolherem os métodos, dentre os dispostos no CTN, que mais se adequem às realidades respectivas, bem como as que lhe proporcionem maior arrecadação.
Há de se ver que há uma autonomia dentro de um “quadro”. Concede-se a liberdade de escolha, mas dentre métodos pré-determinados em uma lei complementar nacional, que é o CTN. Isso ajuda a que exista um mínimo de harmonia entre os mais diversos Entes – afinal, o contribuinte está, a um só tempo, sujeito ao pagamento de tributos federais, estaduais e municipais, devendo haver uma mínima similaridade entre o procedimento, até para uma melhor adesão e compreensão.
Dessa forma, os Entes podem escolher o modelo de lançamento, dentre o de ofício, cujo procedimento fica totalmente à cargo da Administração, demandando maior quadro funcional; o por declaração, em que há maior participação do contribuinte, que contribuirá com os fatos indispensáveis ao lançamento; e o por homologação, em que há participação máxima do devedor: que além da matéria fática, haverá de calcular o montante aplicando o direito e antecipando o pagamento. Acaba por demandar um menor número de funcionários.
Todas essas características intrínsecas serão, é fato, levadas em consideração pelo Ente quando da feitura da escolha. Essa autonomia é vital para a arrecadação tributária, eis que possibilitará maior adesão e pagamento para a Fazenda.
Referências
ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário. 11.ed. Salvador: JusPodivm, 2017. P. 434.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª. Turma, REsp 250.306/DF, rel. Min. Garcia Vieira, j. 06.06.2000, DJU OI.08.2000, p. 208
______. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n° 1.227.676/PR, SEGUNDA TURMA, Rel. Min. Cesar Asfora Rocha, julgado em 17.05.2012.
______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 412.904/SC, PRIMEIRA TURMA, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 07.05.2002.
______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1.130.545/RJ, PRIMEIRA SEÇÃO, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/08/2010
______. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 396.875/PR, PRIMEIRA TURMA, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 23.04.2002, DJ 25.05.2002, p. 136.
______. Superior Tribunal de Justiça. AgRg nos EREsp 1037202/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2009, DJe 21/08/2009)
______. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1167/DF, TRIBUNAL PLENO, Relator(a): DIAS TOFFOLI, julgado em 19/11/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG 02-10-2019 – Informativo nº 768.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
[1] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. 1ª. Turma, REsp 250.306/DF, rel. Min. Garcia Vieira, j. 06.06.2000, DJU OI.08.2000, p. 208
[2] ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário. 11.ed. Salvador: JusPodivm, 2017. P. 434.
[3] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial n° 1.227.676/PR, SEGUNDA TURMA, Rel. Min. Cesar Asfora Rocha, julgado em 17.05.2012.
[4] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 13. ed. rev. atual. e aum. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 482
[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 412.904/SC, PRIMEIRA TURMA, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 07.05.2002.
[6] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 1.130.545/RJ, PRIMEIRA SEÇÃO, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 09/08/2010
[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n° 396.875/PR, PRIMEIRA TURMA, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 23.04.2002, DJ 25.05.2002, p. 136.
[8] ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 13. ed. rev. atual. e aum. Salvador: Juspodivm, 2019. p. 491.
[9] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. AgRg nos EREsp 1037202/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2009, DJe 21/08/2009)
[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 1167/DF, TRIBUNAL PLENO, Relator(a): DIAS TOFFOLI, julgado em 19/11/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-215 DIVULG 02-10-2019 – Informativo nº 768.
[11] STF. Plenário. ADI 6362/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 2/9/2020 (Info 989).
Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Advogado. Pós-graduado em Direito Tributário e Direito Processual Civil pela Universidade Cândido Mendes (UCAM).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREIRE, Pedro Borges Coelho de Miranda. Formas de constituição do crédito tributário como garantias do fortalecimento do pacto federativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 31 jan 2023, 04:26. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60940/formas-de-constituio-do-crdito-tributrio-como-garantias-do-fortalecimento-do-pacto-federativo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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