RESUMO: A pena de prisão tem sido alvo de inúmeros questionamentos oriundos da doutrina especializada e da sociedade civil. Partindo desse pressuposto, o presente trabalho científico se encarregou de investigar a problemática que permeia as funções e finalidades da pena privativa de liberdade na seara jurídica contemporânea, em especial no âmbito da Execução Penal. Em que pesem os fundamentos principiológicos das teorias retributiva e preventiva, adotadas conjuntamente pelo Código Penal como legitimadoras da sanção criminal, não é difícil visualizar o descrédito da pena privativa de liberdade para reinserção do condenado na vida em sociedade. Assim, objetivamos ao longo desta atividade elencar uma série de críticas à atual sistemática legislativa, bem como empregar os meios necessários para promover uma releitura crítica da aplicação da pena privativa de liberdade.
Palavras-chave: Pena privativa de liberdade. Penas restritivas de direito. Teorias legitimadoras e deslegitimadoras do direito penal. Críticas doutrinárias.
1 INTRODUÇÃO
Distante da era de apogeu na seara do discurso jurídico repressivo, a pena de limitação do direito à liberdade vivencia hodiernamente um momento de crise existencial, porque suas funções e finalidades parecem se harmonizar perfeitamente apenas no campo das teorias ministradas nas academias de Direito. Além disso, é imperioso ressaltar que, em razão da “inflação legislativa” vivenciada pelo direito brasileiro nas últimas décadas, nem sempre esta modalidade de sanção penal é prevista para os delitos que exprimem real necessidade, sob a ótica da política criminal. Por conseguinte, a superpopulação carcerária e a deficiência da ação estatal diante do problema tornam inviáveis a execução de projetos pedagógicos que visem a reinserção social do condenado. Desse modo, para muitos indivíduos, o sistema penal representa a perversidade retributiva do Estado em face de um grupo social já marginalizado pela opressão do poder econômico.
Quanto à implementação da prevenção especial, Leonardo Sica[1] expõe o seguinte entendimento:
“A realidade indica que a desintegração social e a destruição dos laços comunitários tornaram-se marcas fortes de um sistema que erigiu a privação de liberdade como resposta principal à criminalidade. A punição irracional, o castigo e a violência punitiva, enquanto características principais da reação penal, apenas infundem nos cidadãos o ideal de sofrimento como dado essencial da justiça e avolumam a própria violência que os oprime".
Na verdade, é preciso ressaltar preliminarmente que o sistema criminal brasileiro é calcado nos ditames de uma justiça de caráter preventivo e retributivo, a qual atribui à pena as funções de reprovar e prevenir o fato delituoso, além de proporcionar a paulatina reinserção do condenado na sociedade. Entretanto, dado o fato de esta última finalidade raramente ser verificada no âmbito empírico, a pena parece tomar ares de vingança do Estado contra o condenado. Assim, é possível afirmar que a sanção penal contempla, visivelmente, apenas o caráter retributivo acoplado à prevenção geral dos delitos.
Entrementes, é imperioso ressaltar que a Justiça Restaurativa é uma proposta alternativa ao atual modelo sancionatório[2]. Conforme discorreremos no curso deste artigo científico, o pensamento restaurativo traz consigo o escopo de aperfeiçoar a pena privativa de liberdade, quando for necessário, ou de substituí-la, quando possível e recomendável. Conforme será abordado nos tópicos posteriores, a figura da vítima é resgatada por este novo sistema, bem como a preocupação de reparar os danos decorrentes do crime. Aliás, é necessário ressaltar que a reparação dos danos suportados pela vítima assume a condição de consequência lógica da condenação.
O pensamento restaurativo parte do pressuposto de que a forma como o sistema penal é organizado torna evidente o descrédito na pena de prisão, que representaria uma modalidade de controle social formalizado. Isto porque, implantada sob os ideais da Ilustração oitocentista e desenvolvida à luz do Positivismo científico subsequente, pouco mais de dois séculos foram suficientes para se constatar sua ineficácia na implementação da prevenção especial. Aparentemente, a pena privativa de liberdade funcionaria, no entanto, como eficiente método de controle social, separando os indivíduos estereotipados como “marginais” ou “refratários às regras de conduta” daqueles que se intitulam “cidadãos de bem”.
Em razão da celeuma que circunda esta problematicidade, a elegemos como temática para ser estudada criteriosamente ao longo desta pesquisa. No entanto, em que pese o empreendimento na construção das críticas ao atual modelo aqui expendidas, em sendo o conhecimento um elemento aproximativo, temporário e refutável, não objetivamos esgotar nem analisar exaustivamente a questão. O escopo maior desta atividade é desvendar parâmetros que permitam entender o paradigma penal da atualidade, de modo que seja possível criticar construtivamente o tratamento dispensado à matéria pelo direito penal. O presente estudo é de enorme importância no entendimento desta problematicidade, uma vez que questiona os fundamentos teleológicos do direito de punir, exercido privativamente pelo Estado. Assim, muito longe de expor conclusões definitivas, esta pesquisa almeja descrever os pressupostos gerais que circundam o problema, servindo de base para futuras discussões no âmbito acadêmico.
Para concretização deste desiderato, entendemos ser imprescindível o enfrentamento sistemático de alguns tópicos do saber jurídico. Primeiramente, empreenderemos o estudo da evolução histórica das penas privativas de liberdade, para que seja possível auferir uma síntese dos postulados construídos pelas Escolas Criminais. Em seguida, procederemos à análise das teorias legitimadoras do sistema penal, bem como das principais críticas levantadas contra o atual modelo sancionatório. No final desta atividade, apresentaremos as propostas da Justiça Restaurativa, que se direciona ao resgate da legitimidade do sistema repressivo.
2 FUNDAMENTAÇÃO - A GÊNESE POSITIVISTA DAS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE
O delito e a respectiva sanção penal acompanham a humanidade desde o surgimento dos primeiros agrupamentos sociais, como assevera o brocardo latino “ubi societas, ibi ius”. Contudo, a institucionalização da pena privativa de liberdade é um fenômeno relativamente recente na história ocidental e atravessou progressivas reformas. A limitação do direito à liberdade, como modalidade principal de sanção penal, surgiu com o florescimento do capitalismo industrial, representando um marco na humanização do sistema penal, na medida em que reduziu as hipóteses de aplicação da pena de morte. É fruto de um sistema positivista que se propôs a transformar homens delinquentes em operários aptos ao trabalho fabril, assim como as nascentes indústrias convertiam matérias-primas em mercadorias. No entanto, a pena privativa de liberdade é concebida atualmente como um mal necessário, pois guarda, em sua materialidade, paradoxos insolúveis.
A obra “Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão”, de Michel Foucault[3], ao tratar da gênese positivista das penas privativas de liberdade, descreve claramente a forma como o presídio se propunha a remodelar a conduta dos criminosos:
“A modelagem do corpo dá lugar a um conhecimento do indivíduo, o aprendizado das técnicas induz a modos de comportamento e a aquisição de aptidões se mistura com a fixação de relações de poder; formando-se bons agricultores, vigorosos e hábeis. Nesse mesmo trabalho, desde que tecnicamente controlado, fabricam-se indivíduos submissos e constitui-se sobre eles um saber em que se pode confiar. Um duplo efeito dessa técnica disciplinar é exercido sobre os corpos: uma 'alma' a conhecer e uma sujeição a manter”.
É imperioso ressaltar que o Direito Canônico contribuiu significativamente para o surgimento da penitenciária moderna, especialmente no que se refere às primeiras ideias sobre a recuperação do delinquente e purgação pela vida indisciplinada. Na Idade Média, a pena tinha a finalidade de induzir o pecador a se arrepender das faltas cometidas perante o ser supremo. Assim, somos conduzidos a inferir que os princípios teóricos que norteiam a prisão moderna foram transladados do Direito Eclesiástico: o Estado-juiz avocou a atividade sancionatória antes executada pela Igreja; os mosteiros, locais de purgação e arrependimento, converteram-se em penitenciárias; o pecado, por sua vez, passou a ser tipificado como crime.
Durante a Idade Moderna, a miserabilidade econômica se estendeu por toda a Europa, dando ensejo à criminalidade em massa. Assim, por razões de política criminal, a pena de morte não se mostrava como solução mais adequada, propiciando a institucionalização das penas privativas de liberdade. Ressalte-se que há uma a íntima relação entre o surgimento e desenvolvimento do capitalismo industrial e o nascimento da sociedade de controle, que tem na pena de prisão seu exemplo máximo, como assevera Michel Foucault. Desse modo, partindo-se de um raciocínio cartesiano lógico, é possível inferir que assim como a fábrica produz mercadorias para atender à demanda mercadológica, a prisão nasceu com a função de recolher criminosos e vadios marginalizados pelo sistema, com o intuito de devolvê-los posteriormente à sociedade como indivíduos capacitados para o trabalho.
Nesse aspecto, anuímos com Juarez Cirino dos Santos[4], que leciona da seguinte maneira:
“A prisão é o aparelho disciplinar exaustivo da sociedade capitalista, constituído para o exercício do poder de punir mediante a privação de liberdade, em que o tempo exprime a relação crime/punição: o tempo é o critério geral e abstrato do valor da mercadoria na economia, assim como a medida de retribuição equivalente do crime no Direito. Portanto, esse dispositivo do poder disciplinar funciona como aparelho jurídico econômico, que cobra a dívida do crime em tempo de liberdade suprimida, e como aparelho técnico disciplinar, programado para realizar a transformação individual do condenado”
A prisão seria um meio adequado para promover a reinserção do delinquente no mercado de trabalho. Nesse contexto de efervescência positivista, de acordo com Michel Foucault, não somente a prisão, mas a fábrica e demais instituições seguiam o modelo de controle, exercido tanto em nível moral quanto no âmbito pedagógico e comportamental. A prisão possuía natureza semelhante às demais instituições sociais, diferenciando-se delas na medida em que sua clientela era constituída por criminosos. Objetivava-se combater a criminalidade e, ao mesmo tempo, capacitar indivíduos para o trabalho, subtraindo, assim, do convívio social, os agentes refratários à ordem jurídica e econômica, de modo a evitar e reincidência e garantir a seguridade pública.
3 AS ESCOLAS CRIMINAIS E AS PENAS PRIVATIVAS DE LIBERDADE
Superada a análise preliminar, passaremos agora ao estudo das ideias desenvolvidas pelas Escolas Criminais. Ressalte-se que por razões de ordem sistemática, podemos afirmar que a evolução das ideias penais percorreu as seguintes etapas: iniciou-se com a Fase Primitiva, passando depois para a Fase Humanitária (também denominada Clássica) e, finalmente, atingiu a Fase Científica ou Positiva. Passaremos, agora, a descrever sucintamente o postulado de cada uma delas, bem como as influências marcantes na construção da teoria da pena.
A Fase Primitiva do direito penal vai desde os primórdios da humanidade até o Século das Luzes. Caracteriza-se pelo fato de o culpado ora ser punido diretamente pelo ofendido ou por sua família (vingança privada), ora sancionado por meio da ira divina em virtude da reprovação de sua conduta (vingança divina) ou por meio de um poder político institucionalizado (vingança pública). Um exemplo clássico da vingança pública é o Código de Hamurábi, considerado como uma das legislações mais antigas da humanidade, no qual é possível visualizar a regulamentação da punição fundada numa acepção quase absoluta do princípio da proporcionalidade (“Olho por olho, dente por dente”).
A Fase Humanitária ou Clássica (de fins do século XVIII até meados do século XIX) inaugura a concepção de pena como mera retribuição moral e jurídica. Caracteriza-se pela crítica às atrocidades dos castigos corporais e pela humanização das penas, de modo que respeitassem a dignidade da pessoa humana. Esta escola lançou os fundamentos da teoria absoluta ou retributiva, que será examinada nos tópicos a seguir. Destacaram-se na referida fase o Marquês de Beccaria e Francesco Carrara, ambos influenciados pelos ideais libertários introduzidos pelo Iluminismo e pela Revolução Industrial.
Nesse sentido, vejamos o entendimento inserido pelo Marquês de Beccaria[5] no clássico “Dos Delitos e Das Penas”, relativo à finalidade do direito de punir e do sistema repressivo:
“Toda a pena que não deriva da absoluta necessidade é tirânica. Proposição que pode tornar-se mais geral da seguinte forma: todo o ato de autoridade de um homem sobre outro homem que não derive da absoluta necessidade é tirânico. Eis, pois, sobre que se fundamenta o direito que o soberano tem de punir os delitos: a necessidade de defender o depósito do bem-estar público das usurpações particulares. E tanto mais justas são as penas quanto mais sagrada e inviolável é a segurança e maior liberdade que o soberano garante aos súditos”.
Por fim, na Fase Científica ou Positiva, a aplicação da sanção penal leva em consideração os fatores de ordem sociológica, antropológica e comportamental que motivaram a prática do crime. O postulado basilar desta corrente de pensamento é que nem todo indivíduo é dotado de livre arbítrio. Assim, a sanção penal não é mera retribuição ética, mas um meio de defesa da sociedade, bem como instrumento de recuperação do criminoso. Ressalte-se que a Escola Positiva diferenciou o imputável do inimputável, recomendando a aplicação de sanções penais distintas para cada um deles. Além disso, desenvolveu os fundamentos da prevenção geral e especial, que serão examinados posteriormente. Destacaram-se na referida fase os seguintes juristas: Lombroso, Garófalo e Ferri.
4 BREVE HISTÓRICO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO NACIONAL
O estudo da evolução histórica do sistema penitenciário brasileiro revela inúmeros episódios de descaso para com as políticas públicas na área penal. Ressalte-se que a primeira menção à pena privativa de liberdade no Brasil foi dada pelas Ordenações Filipinas. Esta pena era aplicada como punição de alguns crimes, como por exemplo, lesões corporais culposas por arma de fogo, duelo, entrada violenta ou tentativa de entrada em casa alheia, resistência a ordens judiciais, falsificação de documentos e contrabando de pedras e metais preciosos. A privação temporária da liberdade era uma pena secundarizada, tendo em vista a aplicação da pena de morte e prisão perpétua nos crimes de maior potencial lesivo.
A Constituição Imperial de 1824, em seu artigo 179, inciso XXI, determinou que as prisões fossem seguras, asseadas e arejadas, havendo separação dos condenados conforme a natureza e a gravidade do crime praticado. O Código Criminal de 1830, nos artigos 46 e 47, admitia duas espécies de penas privativas de liberdade: a prisão simples e a prisão com trabalho, variando a duração de ambas conforme a penalidade aplicada, desde a prisão perpétua até a reclusão de alguns dias.
Com o advento do Código Penal republicano (1890), foram estabelecidas novas modalidades de pena: prisão celular, banimento, reclusão, prisão com trabalho obrigatório, prisão disciplinar, interdição, suspensão e perda do emprego público, com inabilitação para exercer outro e multa (art. 44). As penas infamantes foram vedadas expressamente (art. 45).
Em 1940 foi promulgado o atual Código Penal brasileiro. Era uma legislação eclética, que não assumia compromisso com qualquer das correntes que disputavam o acerto na solução dos problemas penais. Quatro décadas mais tarde, em 1984, ocorreu a reforma do código em vigor, que alterou substancialmente a Parte Geral, principalmente no que tange à adoção do sistema vicariante (ou binário alternativo), que vedou expressamente a aplicação simultânea de medida de segurança e pena privativa de liberdade. Neste mesmo ano foi promulgada a norma regulamentadora da Execução Penal (Lei nº 7.210/1984), que orienta a aplicação das penas e das medidas de segurança.
Nos últimos anos o modelo de política criminal brasileira foi marcado por uma tendência repressiva, fruto de um clamor popular, talvez ingênuo, em prol da repressão à crescente criminalidade organizada. Nesse aspecto, a ilustre professora Selma Pereira de Santana[6] leciona com precisão:
“É certo afirmar, em relação, sobretudo, à criminalidade interna, que nunca, como agora, atuou tanto o poder repressivo. Em lamentável contraponto, enquanto no âmbito dos direitos basicamente sociais e econômicos se vive um período marcado basicamente pela desregulamentação, da desregulação e da desconstitucionalização, no âmbito do ordenamento penal interno ocorre uma situação exatamente oposta, marcada por intensa criação de novos tipos penais, pelo enfraquecimento do princípio da legalidade, através do recurso a normas com conceitos imprecisos, e pela ampliação do rigor das penas, como se essas medidas tivessem força para coibir da delinquência os excluídos do sistema globalizado".
Ressalte-se que desde a promulgação da Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), houve aumento da pena de alguns delitos, corte de direitos e garantias fundamentais, tipificações novas, sanções desproporcionais e endurecimento da Execução Penal. Prova disto é que, originalmente, a Lei 8.072/1990 não admitia progressão de regime, devendo o condenado cumprir a pena integralmente em regime fechado. No entanto, tal restrição foi flexibilizada com a edição da Lei 11.464/2007, que condicionou a progressão de regime ao cumprimento de 40% da pena, se o condenado for primário, ou 60%, se o reconhecido culpado for reincidente (Art. 2º, § 2º, Lei 8.072/1990). Além disso, depois de cumpridos mais de 2/3 da pena em regime fechado, se o apenado não for reincidente específico em crimes hediondos, poderá fazer jus ao livramento condicional (Art. 85, V, do Código Penal). Também, ao menos em tese, é possível a substituição por penas restritivas de direitos, desde que preenchidos os requisitos legais.
O Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), introduzido no ordenamento brasileiro pela Lei 10.792/03, é outro instituto que se propôs a promover o endurecimento do cumprimento da pena privativa de liberdade. É uma forma de sanção disciplinar que consiste no recolhimento do preso em cela individual, pelo prazo máximo de 360 dias, prorrogável por igual período. Nesse período, o detento tem direito a visitas semanais de apenas duas pessoas, sem contar as crianças, com duração de duas horas e igual período diário de banho de sol. O Regime Disciplinar Diferenciado não constitui um regime de cumprimento de pena em acréscimo aos regimes fechado, semiaberto e aberto, nem uma nova modalidade de prisão provisória, mas um novo regime de disciplina carcerária especial, caracterizado por maior grau de isolamento do preso e de restrições ao contato com o mundo exterior.
O RDD pode ser aplicado somente em três hipóteses: quando o preso comete falta grave equivalente à pratica de crime doloso que ocasiona subversão da ordem ou disciplina internas; quando o condenado coloca em risco a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade; ou quando houver fundadas suspeitas de envolvimento ou participação, a qualquer título, em organizações ou associações criminosas (quadrilha ou bando).
5 AS TEORIAS QUE CERTIFICAM AS FUNÇÕES E FINALIDADES DA PENA
Ao longo desta pesquisa, verificamos que vários são os postulados construídos para legitimar a aplicação da sanção penal. A Teoria Absoluta recebe tal denominação por ver a pena como um fim em si mesmo. Ela se justifica pura e simplesmente pela verificação do fato criminoso, cuja punição se impõe categoricamente. Na verdade, esta ideia de justiça em si mesma não é uma finalidade direta da pena. Sua finalidade principal é a retribuição do mal. Assim, pode-se afirmar que a esta teoria possui caráter idealista, ou seja, não se trata da função da pena e do direito penal como eles são, mas como deveria ser.
Nesse diapasão, Paulo Queiroz[7] assinala com sapiência:
“O mérito da fundamentação retributiva radica no fato de que a pena, independentemente dos fins a que se destina, deve ter sempre o delito como pressuposto, isto é, o crime conceitualmente é retribuição de um 'mal' e há de ser sempre proporcionada ao comportamento delituoso praticado, razão pela qual se presta, assim, a coibir abusos por parte do Estado na sua graduação. Em seu favor, pode se sustentar, ainda, que impede a utilização do condenado em nome de fins preventivos gerais, puramente”.
Kant é um defensor da pena como retribuição. Para ele a aplicação da pena atende a uma necessidade absoluta de justiça, que deriva de um imperativo categórico. A pena basta a si mesma, como realização da justiça, pois as penas são, em um mundo regido por princípios morais, categoricamente necessárias. O pensamento kantiano abomina a ideia de a pena possuir função preventiva. Ela somente é utilizado para pagar um mal que ele mesmo cometeu, mas nunca ser usado para aterrorizar uma sociedade.
Para Hegel, a pena não é usada para fazer justiça. Ele estabeleceu um método dialético em que a pena em suma seria a reafirmação do direito. O crime é a negação do direito, ou seja, o delito fere o ordenamento jurídico. Portanto a pena é a negação do crime, esta seria a negação da negação, e, como a negação da negação resulta na afirmação, conclui-se que a pena é a reafirmação do direito. A pena para Hegel apresenta-se, em conclusão, como condição lógica inerente à existência mesma do direito, que não pode permanecer sendo direito senão pela negação da vontade particular do delinquente, representada pelo delito, pela vontade geral representada peça lei.
Esta teoria obviamente não é a mais adequada para legitimar a pena. Para começar, a teoria absoluta defende a proteção da sociedade por meio da aplicação da pena como imperativo categórico. O argumento parece ser parcialmente equivocado, tendo em vista a inexistência de hipótese fática em que a pena, per si, garantiu a segurança absoluta da sociedade. O fenômeno delituoso não deixa de existir quando a lei pune determinado crime com mais severidade.
Ao contrário da Teoria Absoluta, a Teoria Relativa ou Preventiva não enxerga a pena como uma finalidade em si mesma, mas como instrumento em prol da prevenção e ressocialização do delinquente. Esta teoria é subdivida em Prevenção Geral e Especial. A Teoria da Prevenção Geral explica que a pena tem como fim punir o sujeito para que este sirva de exemplo aos demais, de modo que seja possível o florescimento de valores. Já a Teoria da Prevenção Especial se reporta à figura do delinquente e suas garantias processuais, visando neutralizá-lo após o cometimento do crime para que seja possível promover sua recuperação, de modo que venha minimizar as hipóteses de reincidência.
A Prevenção Geral Negativa tem por objetivo aterrorizar a população para que esta não cometa delitos. É uma teoria que, caso aplicada isoladamente, mostra-se incompatível com o Estado Democrático de Direito, pois a intenção de intimidar o povo, punindo um criminoso como verdadeiro “bode expiatório”, é totalmente contrária aos princípios humanitários do Estado Democrático de Direito. Para a teoria da Prevenção Geral Positiva, a pena é um instrumento de estabilização, ou seja, restabelece a ordem social que fora abalada pelo sujeito criminoso. Ademais, a pena é uma espécie de reafirmação do direito, um instrumento de propagação dos valores cultivados pela sociedade.
Assim leciona Paulo Queiroz[8]:
“Em oposição às absolutas, as teorias relativas são marcadamente teorias finalistas, já que veem a pena não como um fim em si mesmo, mas como um meio a serviço de determinados fins; considerando-a, pois, utilitariamente. Fim da pena, em suas várias versões, é a prevenção de novos delitos, seja em caráter geral, atuando sobre a generalidade dos seus destinatários, seja em caráter especial, dirigida a atuar sobre o ânimo daqueles que já tenham incorrido na prática de crime. No primeiro caso (de prevenção geral), fala-se em prevenção geral positiva, se se concebe a pena como instrumento de fortalecimento dos valores ético-sociais veiculados pela norma, e de prevenção geral negativa, se se pretende simplesmente desencorajar a generalidade das pessoas da prática de delitos”.
As teorias da Prevenção Especial possuem o indivíduo delinquente como objeto. Estas se subdividem em prevenção especial positiva e prevenção especial negativa. A Prevenção Especial Negativa tem como foco a proteção da sociedade através da neutralização do indivíduo. A Prevenção Especial Positiva consiste na meta de ressocialização do indivíduo. Equipara-se o criminoso a uma pessoa enferma que precisa de tratamento médico. A pena seria uma espécie de cura para este indivíduo enfermo, dominado pela doença do crime.
Paulo Queiroz[9] ainda assinala que:
“para os teóricos desta corrente, a intervenção penal serve à neutralização dos impulsos criminosos de quem já incidiu na prática de crimes, o delinquente,impedindo-o de praticar novos delitos. Já não se dirige, portanto, à generalidade das pessoas, mas ao infrator da norma em particular. O direito penal pretende, assim, como disse Basileu Garcia, a conversão do criminoso em homem de bem”
Anote-se, por fim, que o Código Penal brasileiro adota expressamente a Teoria Mista ou Unitária, que congrega postulados das teorias absoluta e relativa. Diz o art. 59 do referido diploma que o juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime. A teoria unitária converge o pensamento das teorias supramencionadas, aparentemente antagônicas. Assim, a pena é uma retribuição jurídica, mas somente se justifica enquanto necessária à proteção da sociedade.
6 PRINCIPAIS CRÍTICAS RELACIONADAS À PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
Muitas são as críticas suscitadas por parte da doutrina e pela sociedade civil acerca das funções e finalidades da pena privativa de liberdade, especialmente pelos adeptos das teorias minimalistas e abolicionistas. A primeira corrente propõe a adoção de um direito penal mínimo, como tática para abolição gradual do sistema penal, ao passo que a segunda nega a validez dos pressupostos sobre que se assentam os postulados tradicionais e prega a abolição imediata de todo o aparelho repressivo.
Passemos, então, a analisar as principais críticas expendidas:
Afirmam que o sistema penal operaria à margem da legalidade, violando direitos humanos consagrados pelo próprio sistema jurídico. Representaria, pois, um paradoxo dentro do ordenamento jurídico. Alegam que o cárcere, ao contrário do que diz a Lei de Execução Penal, embruteceriam o indivíduo, impedindo sua inserção no meio social. Os defensores citam a invasão do Carandiru em 1992 como exemplo mais concreto desse panorama.
Outros dizem que o sistema penal seria arbitrariamente seletivo, porque recruta sua clientela dentre os indivíduos mais miseráveis da sociedade, que não dispõem de condições materiais sequer para arcar com honorários advocatícios. Na verdade, os cárceres de toda parte, e do Brasil, de modo especial, parecem ratificar tal constatação.
Por outra parte, os mais radicais também alegam a problemática das cifras ocultas, tendo em vista que, de todos os delitos praticados, poucos chegam a ser sancionados. Há muitos inquéritos que não seguem adiante, muitas denúncias que não são oferecidas e muitas sentenças absolutórias. Argumentam, então, que os poucos condenados seriam “escolhidos” para reafirmar a prevenção geral negativa.
Outro grave problema apontado é que na prática o sistema penal interviria sobre pessoas e não sobre situações, consagrando, indiretamente, a teoria do direito penal do autor sobre o direito penal dos fatos. Alegam que o aparelho repressivo parece estar mais vocacionado a suprimir o delinquente do convívio social, em detrimento de reabilitá-lo para devolvê-lo recuperado à sociedade. É como se quem transgredisse a norma penal fosse um ser irracional, irrecuperável, que necessita de isolamento para deixar a sociedade protegida. Ressalte-se que a reinserção na sociedade é um processo delicado porque visa reintegrar alguém que a própria sociedade havia excluído anteriormente e, agora, continua estigmatizado, mesmo que a sentença judicial já tenha sido executada. A sociedade vê esta pessoa como alguém que não merece confiança, negando o resgate de sua dignidade.
Alegam, também, que o direito penal seria extremamente consequencialista, tendo em vista que intervém sobre os efeitos e não sobre as causas do problema. Assim, ofereceria uma resposta sintomática e não preventiva. Não solucionaria a querela em sua raiz.
Por fim, além de inúmeras outras críticas levantadas, os extremados chegam a afirmar que o crime seria uma criação legal. Alegam que o sistema penal tem uma concepção falsa de sociedade, porque nega o pluralismo necessário nas sociedades heterogeneamente formadas e cujos interesses não raro se conflitam. Afirmam que o direito penal, muitas vezes, cria o delito sem que haja necessariamente uma razão ontológica para sancionar determinada conduta.
Ressalte-se que o ordenamento jurídico é um instrumento de viabilização da convivência humana. A pena é a consequência jurídica principal que decorre da infração penal. Assim, o direito penal é uma espada de duplo fio, pois representa a lesão a um bem jurídico para proteção de outros. Apesar das teorias deslegitimadores supramencionadas, o sistema penal prevalece por uma série de razões. É imperioso mencionar a natureza instrumental e subsidiária do direito penal, no sentido de que ele não é um fim em si mesmo, mas um meio a serviço dos fins constitucionalmente assinalados. Assim, no ordenamento jurídico brasileiro, a liberdade é a regra e a privação deste direito constitui uma exceção. O direito penal representa, portanto, a afirmação da liberdade.
7 AS PENAS RESTRITIVAS DE DIREITOS E A TENTATIVA DE IMPLEMENTAÇÃO DA PREVENÇÃO ESPECIAL POSITIVA
Uma solução viável para as amarguras da pena de prisão é a aplicação das penas restritivas de direitos, que foram introduzidas em nosso ordenamento pela Lei 7.209/1984. Também intituladas “penas alternativas”, visam minimizar a crise instaurada em razão da ineficácia da pena privativa de liberdade, a qual não atende aos ditames da prevenção especial, especialmente a positiva, que consiste em reeducar o condenado para reintegrá-lo à sociedade. O escopo maior das penas alternativas é a redução da reincidência, devendo a prisão ser vista como a última medida aplicável na Execução Penal.
As penas alternativas consistem na restrição ao exercício de direito que não a liberdade. Seu campo de atuação foi significativamente ampliado pelas Leis 9.714/98 e 12.550/2011. São penas substitutivas e autônomas, ou seja, não se aplicam per si de imediato, mas apenas em substituição às penas privativas de liberdade, não podendo ser aplicadas cumulativamente com a pena de prisão.
A lei elenca os requisitos exigidos para aplicação da pena restritiva de direitos no artigo 44 do Código Penal. A princípio, a pena aplicada na sentença não pode ser superior a quatro anos e o crime não pode ser cometido com violência ou grave ameaça. Entretanto, em se tratando de crime culposo, aplica-se independentemente da quantidade de pena concreta ou existência de violência ou grave ameaça. Além disso, a reincidência impede a concessão do benefício de substituição por pena alternativa, mas o juiz pode decidir de maneira contrária, se a medida for socialmente recomendável, salvo se o réu for reincidente específico.
Interessante ainda registrar que a Lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/1990), modificada substancialmente com a edição da Lei 11.464/2007, possibilita tanto a pena alternativa quanto a progressão de regime, desde que cumpridos 40% da pena ou 60%, em se tratando de reincidentes. No caso da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006) , é vedada apenas a aplicação da pena de cesta básica ou prestação pecuniária.
São estas as penas alternativas conhecidas pelo Direito Penal brasileiro:
A Prestação Pecuniária consiste no pagamento de valor em favor da vítima, seus dependentes ou entidades públicas ou particularidades com destinação social, obedecendo obrigatoriamente a esta ordem de preferência. O valor da condenação varia de um a 360 salários mínimos, de acordo com a capacidade econômica do autor. A lei prevê a possibilidade de reparação do dano através da prestação inominada, caso haja aceitação do beneficiário, o que, para muitos doutrinadores, é inconstitucional, porque representaria uma exceção ao princípio da legalidade (taxatividade) das penas.
A Perda de Bens e Valores se refere ao pagamento de quantia destinada, em regra, ao Fundo Penitenciário Nacional (FUPEN). O limite é o valor do prejuízo causado ou do proveito obtido com a prática do crime. Não se trata de confisco porque bens e valores obtidos mediante prática de crime não se incorporam ao patrimônio do condenado e, portanto, não podem ser objeto de ato confiscatório.
A Prestação de Serviço à Comunidade ou a Entidades Públicas consiste na realização de uma hora diária de tarefas gratuitas em hospitais, entidades assistenciais ou programas comunitários. Tais tarefas serão designadas pelo magistrado de acordo com a aptidão do condenado. Somente será aplicada se a pena concreta for superior a seis meses e inferior a quatro anos. Em razão da substitutividade, a pena alternativa tem, em regra, a duração do mesmo tempo previsto para o cumprimento pena privativa de liberdade. No entanto, se a prestação de serviço for superior a um ano, a lei permite que o juiz reduza o tempo de cumprimento em até metade, preservada a quantidade de horas a serem prestadas.
A Interdição Temporária de Direitos constitui uma incapacidade temporária para o exercício de determinada atividade, podendo ser proibição do exercício do cargo, função ou atividade pública, bem como de mandato eletivo, proibição do exercício de profissão, atividade ou ofício que dependam de habilitação especial, de licença ou autorização do poder público, suspensão de autorização ou de habilitação para dirigir veículo e proibição de frequentar determinados lugares. Ressalte-se que a Lei 12.550/2011 inseriu a proibição de inscrever-se em concursos públicos como a mais nova espécie da interdição temporária de direitos, em razão do novo tipo penal insculpido no art. 311-A do Código Penal (fraudes em certames de interesse público).
Por fim, a Limitação de Fim de Semana consiste na obrigação de permanecer, aos sábados e domingos, por cinco horas diárias, em casa de albergado ou outro estabelecimento adequado, podendo ser ministrados aos condenados, durante essa permanência, cursos e palestras, ou atribuídas a eles atividades educativas. A vantagem desta pena alternativa é a permanência do condenado junto à família, ocorrendo o seu afastamento apenas nos dias dedicados ao repouso semanal.
8 CONCLUSÃO
O ordenamento jurídico, constituído por um conjunto integrado de normas e princípios, é um instrumento de viabilização da convivência humana. A pena é a consequência jurídica principal que decorre da infração penal, no entanto, é preciso ressaltar que ao longo da história da humanidade o direito penal tem dado respostas diferenciadas ao problema da criminalidade. Ultimamente, é preciso ressaltar o espírito vingativo da população, que não se conforma com benefícios concedidos ao delinquente. Além disso, a forma sensacionalista como geralmente é comunicada a ocorrência de um crime pela mídia gera na sociedade um sentimento de revolta. Nesse aspecto, toda corrente que prega o garantismo penal é interpretada pela a população como motivadora da impunidade.
Realçando o valor finalístico da prevenção geral, o Marquês de Beccaria[10] assim leciona:
"É melhor prevenir os crimes do que ter de puni-los, e todo legislador sábio deve procurar antes impedir o mal do que repará-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem estar possível e preservá-los de todos os sofrimentos que se lhes possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males da vida".
Assim, diante das teorias legitimadoras e deslegitimadoras do sistema penal retromencionadas, podemos agora passar a tecer algumas considerações. As Teorias Absolutas consideram que a finalidade da pena se esgota na ideia retribuição, pois entendem que esta modalidade de sanção penal deve responder ao mal constitutivo do delito com outro mal que se impõe ao autor do crime. Esta corrente entende que a proteção da sociedade se dá por meio do receio de ser sancionado caso pratique um ato descrito na lei como crime. No entanto, os crimes jamais deixaram de existir quando promulgaram leis penais severas. Prova disso é a verdadeira “inflação legislativa” que atravessa o direito penal pátrio, sem que isto signifique garantia de segurança e paz pública. O maior legado das teorias absolutas é o princípio da retributividade e da proporcionalidade. No entanto, entendemos que a teoria absoluta não pode ser aplicada isoladamente, pura e simplesmente, pois concederia uma função demasiadamente repressora à pena.
As Teorias Relativas ou Preventivas enxergam a pena como instrumento em prol da prevenção e ressocialização do delinquente, subdividindo-se em Prevenção Geral e Especial. A primeira explica que a pena tem como fim punir o sujeito para que este sirva de exemplo aos demais, ao passo que a última se reporta à figura do delinquente, visando neutralizá-lo após o cometimento do crime para que seja possível promover sua recuperação.
As Teorias Preventivas, caso aplicadas isoladamente, também se mostram extremante falhas. Entendemos que a Prevenção Geral Negativa, caso aplicada sem temperamentos, mostrar-se-á maculada pelo vício da inconstitucionalidade. É que, se o Estado pune um indivíduo somente para que este ato sirva de exemplo aos demais integrantes da sociedade, estará sendo arbitrário e maquiavélico. O condenado não pode ser o “bode expiatório” do Estado em sua campanha contra o crime.
A Prevenção Geral Positiva é outra teoria utilizada para legitimar a aplicação da pena. Segundo este entendimento, a pena representa a reafirmação do direito e possibilidade de florescimento dos valores sociais. No âmbito empírico, contudo, verificamos que a aplicação da pena tem pouca servibilidade para propagação dos valores sociais. Em grande parte dos casos, o enclausuramento do condenado responde aos anseios da sociedade de se inserir distante de um indivíduo estereotipado como “refratário à ordem”.
Por outra parte, a Prevenção Especial atribui à pena a função de banir a reincidência, por meio da gradual reinserção do condenado no seio da sociedade. Esta corrente, que se reporta à figura do infrator, subdivide-se em Prevenção Especial Negativa e Positiva. A primeira corrente vislumbra no enclausuramento a oportunidade de neutralização do indivíduo, ao passo que a última defende que a pena tem o condão de ressocializar o indivíduo.
A Teoria da Prevenção Especial também sobre uma série de críticas. Fala-se em neutralização, mas na prisão, muitas vezes, o condenado encontra ambiente propício para cometer novos crimes. Por outra parte, a Prevenção Especial Positiva nos parece decorrer diretamente de uma matriz ideológica positivista que se propôs a transformar homens delinquentes em operários aptos ao trabalho fabril, assim como as nascentes indústrias convertiam matérias-primas em mercadorias. Na prática, poucos são os casos em que a pena realmente promove a ressocialização do indivíduo. Em muitas situações, a prisão funciona como verdadeira “escola do crime”, motivando a prática de mais delitos.
A Teoria Unitária foi adotada pelo Código Penal Brasileiro e simboliza a junção das teorias retromencionadas. Esta corrente busca determinar a função da pena, através da justaposição de várias linhas de pensamento aparentemente contraditórias entre si.
Face ao exposto, parte da doutrina nacional reconhece o insucesso na aplicação das penas privativas de liberdade. Alguns doutrinadores garantistas, inclusive, veem a pena de prisão como um meio de controle social formalizado. Nesse aspecto, Juarez Cirino dos Santos[11] traz a seguinte ponderação doutrinária:
“A reconstrução histórica do sistema penitenciário e seus modelos de exploração da força de trabalho carcerária mostra algumas coisas importantes: a) o fracasso da penitenciária como célula produtiva no modelo da fábrica: a prisão pode propor-se, segundo a ideologia oficial, como mecanismo de produção de sujeitos ideais, mas não é um aparelho de produção de mercadorias; b) a relação dos modelos de trabalho na prisão com o nível de desenvolvimento dos processos econômicos do mercado livre: a manufatura produziu o confinamento solitário do modelo de Filadélfia, representado pelo public account; a indústria engendrou o trabalho em comum do modelo de Auburn, representado pelo contract e o leasing".
No que pertine aos desafios contemporâneos do sistema repressivo, ensina Cezar Roberto Bitencourt[12] que a perspectiva dos direito humanos e o interesse de efetividade dos direitos e garantias individuais apontam para um futuro menos cruel para o direito criminal. De acordo com o renomado jurista, esse caminho deve ser guiado pelo pluralismo jurídico, sem perder de vista que a construção de um sistema repressor legítimo depende da progressiva consolidação do sistema democrático como reflexo de uma convivência social em condições de igualdade substancial.
É imperioso ressaltar que a Justiça Restaurativa é uma corrente de pensamento que se propõe a promover a reconstrução ideológica do modelo repressivo, por meio da resolução de problemas de forma colaborativa entre as partes conflitantes. O objetivo primordial do instituto é satisfazer as necessidades da vítima, propondo também fazer com que o infrator assuma a responsabilidade pelos atos praticados. A Justiça Restaurativa é, sobretudo, uma prática. Projeta-se a proposta de promover, entre os verdadeiros protagonistas do conflito traduzido em um preceito penal, iniciativas de solidariedade, diálogo e reconciliação.
O que se busca, portanto, com base na experiência da Justiça Restaurativa e da vitimologia, é o reconhecimento da vítima como sujeito de direitos, como parte integrante necessária do processo criminal, como pessoa que possui interesse jurídico no resultado do procedimento e cuja expectativa de reparação não reside unicamente na pena imposta pelo Estado. Um sistema penal justo deve ser imbuído de preocupação tricotômica, primando pela compensação à vítima, punição do delito e ressocialização do agressor.
REFERÊNCIAS
BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1998.
BITENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas. 3. Ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. 1, 23ª Ed, São Paulo: Saraiva, 2017.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. 38ª Edição. Petrópolis: Vozes, 2010.
GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 13ª Edição. Rio de janeiro: Impetus, 2011.
PALLAMOLLA, Rafaela da Porciuncula. Justiça Restaurativa: Teoria e Prática. São Paulo: IBCCRIM, 2009.
QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do Direito penal: Legitimação versus Deslegitimação do Sistema Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001.
SANTANA, Selma Pereira de. Justiça Restaurativa: A reparação como consequência jurídico-penal autônoma do delito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 4ª Edição. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010.
SICA. Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.
[1] SICA. Leonardo. Justiça Restaurativa e Mediação Penal. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, fl. 04.
[2] SANTANA, Selma Pereira de. Justiça Restaurativa: A reparação como consequência jurídico-penal autônoma do delito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, fls. 51/55.
[3] FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: Nascimento da Prisão. 38ª Edição. Petrópolis: Vozes, 2010, fl. 280.
[4] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 4ª Edição. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, fl. 455.
[5] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1998, fl. 64.
[6] SANTANA, Selma Pereira de. Justiça Restaurativa: A reparação como consequência jurídico-penal autônoma do delito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, fl. 07.
[7] QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do Direito penal: Legitimação versus Deslegitimação do Sistema Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, fl. 24.
[8] QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do Direito penal: Legitimação versus Deslegitimação do Sistema Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, fls. 35/36.
[9] QUEIROZ, Paulo de Souza. Funções do Direito penal: Legitimação versus Deslegitimação do Sistema Penal. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, fls. 56/57.
[10] BECCARIA, Cesare. Dos Delitos e das Penas. Lisboa: Calouste Gulbenkian, 1998, fl.27.
[11] SANTOS, Juarez Cirino dos. Direito Penal: Parte Geral. 4ª Edição. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, fl. 466.
[12] BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. Vol. 1, 23ª Ed, São Paulo: Saraiva, 2017, fl.104.
Juiz de Direito no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS). Bacharel em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NERY, Renildo Argôlo. A crise existencial no modelo repressivo das penas privativas de liberdade - um estudo à luz das teorias legitimadoras e deslegitimadoras do direito penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 fev 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/60984/a-crise-existencial-no-modelo-repressivo-das-penas-privativas-de-liberdade-um-estudo-luz-das-teorias-legitimadoras-e-deslegitimadoras-do-direito-penal. Acesso em: 23 dez 2024.
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