RESUMO: O presente artigo tem por escopo investigar a aplicabilidade do Tema Repetitivo nº 1.146 do Superior Tribunal de Justiça às ações de cobrança de valores referentes a períodos anteriores a impetração do mandado de segurança. Para tanto delinear-se-á os contornos normativos e jurisprudenciais dos mandados de segurança coletivos e individuais, assim como da correspondente ação de cobrança.
Palavras-chave: Mandado de segurança, coletivo, individual, ação de cobrança, trânsito em julgado, interesse de agir.
1. INTRODUÇÃO
O Superior Tribunal de Justiça submeteu o Recurso Especial nº 1.836.423-SP, de relatoria do Min. Mauro Campbell Marques, à sistemática dos recursos representativos da controvérsia, conforme estabelece o art. 1.036, §§1º e 5º do Código de Processo Civil e o art. 256-H do Regimento Interno do STJ, no qual pretende analisar a seguinte tese: “verificação de interesse de agir no ajuizamento de ação de cobrança com base no lustro anterior à impetração de mandado de segurança coletivo ainda não transitado em julgado”.
A controvérsia teve origem no recurso interposto contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no julgamento de Incidente de Resolução Demandas Repetitivas nº 2052404-67.2018.8.26.0000, no qual se apreciou a possibilidade de ajuizamento de ação de cobrança de períodos anteriores ao mandado de segurança coletivo ainda não transitado em julgado.
Na ocasião o aludido Tribunal entendeu que é imprescindível para o ajuizamento da ação de cobrança o trânsito em julgado do mandamus. Segue a ementa do julgado:
INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS – Tema: possibilidade do ajuizamento de ação de cobrança com base o no lustro anterior à impetração de mandado de segurança coletivo cujo julgamento ainda não transitou em julgado - Discrepância do entendimento entre a 9ª Câmara de Direito Público e a 12ª Câmara de Direito Público, ambas prevemos pelo julgamento de ações mandamentais coletivas acerca da mesma relação de direito material - Reconhecimento do risco de ofensa à isonomia e à conveniência da segurança jurídica - Incidente admitido - Necessidade de formação da coisa julgada material para produção de efeitos jurídicos para além do processo - Tese fixada: é cabível ação de cobrança com base no lustro anterior à impetração de mandado de segurança coletivo, desde que o julgamento da impetração haja transitado em julgado.
JULGAMENTO DO RECURSO ORIGINÁRIO - Art. 978, parágrafo único, do Código de Processo Civil - Recurso provido - Extinção da ação sem resolução do mérito nos termos do artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil.
Em face dessa decisão foram opostos embargos de declaração pela São Paulo Previdência – SPPREV, os quais foram acolhidos com efeito modificativo somente para adequar a tese, mas sem alteração do conteúdo tese anteriormente fixada, conforme se depreende da respectiva ementa:
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Interposição fundada no artigo 1.022 do Código de Processo Civil - Alegação de obscuridade - Alegação de contradição - Alegação de omissão - Caráter infringente - Prequestionamento - Reconhecimento dos reclamos e consequente substituição do julgado - Acolhimento dos embargos para esclarecimentos que constarão no corpo do acórdão, reafirmada a divergência exposta na sessão anterior de julgamento. INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS - Tema: possibilidade do ajuizamento de ação de cobrança com base no lustro anterior à impetração de mandado de segurança coletivo cujo julgamento ainda não transitou em julgado - Discrepância do entendimento entre a 9° Câmara de Direito Público e a 12° Câmara de Direito Público, ambas preventas pelo julgamento de ações mandamentais coletivas acerca da mesma relação de direito material - Reconhecimento do risco de ofensa à isonomia e à conveniência da segurança jurídica - Incidente admitido - Necessidade de formação da coisa julgada material para produção de efeitos jurídicos para além do processo - Sem o trânsito em julgado não há interesse de agir - Tese fixada: O interesse de agir para ajuizamento da ação de cobrança embasada em mandado de segurança coletivo nasce com o trânsito em julgado da sentença que decidir a impetração. JULGAMENTO DO RECURSO ORIGINÁRIO - Art. 978, paragrafo único, do Código de Processo Civil - Recurso provido - Extinção da ação sem resolução do mérito nos termos do artigo 485, inciso IV, do Código de Processo Civil.
Feita essa contextualização, a questão que se apresenta nesse artigo refere-se a possibilidade de aplicação da tese que será construída pelo STJ no julgamento do Tema 1.146 aos mandados de segurança individuais e respectivas ações de cobrança, o que implicaria, consequentemente, também na suspensão destas até o julgamento do mencionado Recurso Especial.
2. o mandado de segurança e seus contornos
O mandado de segurança, como ação constitucional, foi previsto pela primeira vez no art. 113, item 33, da Constituição de 1934, ao estabelecer que:
Art 113 - A Constituição assegura a brasileiros e a estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à liberdade, à subsistência, à segurança individual e à propriedade, nos termos seguintes
(...)
33) Dar-se-á mandado de segurança para defesa do direito, certo e incontestável, ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de qualquer autoridade. O processo será o mesmo do habeas corpus, devendo ser sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica as ações petitórias competentes.
Contudo, foi somente sob a égide da Constituição de 1946 que foi editada a a Lei nº 1533/1951 que cuidou de regulamentar pela primeira vez o instituto do mandado de segurança, a qual esteve em vigor por quase 58 anos.
Na atual Constituição Federal o mandado de segurança está previsto no art. 5º, inciso LXIX e LXX, tendo adquirido contornos mais específicos, prevendo, inclusive a possibilidade de ajuizamento de forma coletiva, o que será melhor detalhado nos próximos tópicos.
No âmbito infraconstitucional o mandado de segurança encontra-se atualmente regido pela Lei nº 12.016/2009, que revogou a Lei nº 1.533/51.
2.1. Mandado de segurança individual
O mandado de segurança individual está previsto no inciso LXIX do art. 5º da Constituição Federal. Destina-se a proteger direito líquido e certo, desde que não possa ser protegido por meio de habeas corpus ou habeas data, possuindo, portanto, um caráter excepcional. Sua utilização restringe-se aos atos praticados pela autoridade pública. Confira-se o dispositivo constitucional:
LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
O art. 1º da Lei nº 12.016/2009, por sua vez, possui redação parecida com o dispositivo constitucional, mas prevê, expressamente, na própria definição do instituto, a possibilidade de ser ajuizado também por pessoa jurídica, afastando qualquer dúvida nesse particular, in verbis:
Art. 1º Conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, sempre que, ilegalmente ou com abuso de poder, qualquer pessoa física ou jurídica sofrer violação ou houver justo receio de sofrê-la por parte de autoridade, seja de que categoria for e sejam quais forem as funções que exerça.
Da definição legal e constitucional extrai-se alguns elementos do instituto, a saber: a) o direito a ser protegido deve ser líquido e certo; b) impossibilidade de utilização de habeas corpus ou habeas datas para a defesa do direito; c) deve ser usado contra ato ilegal ou abuso de poder; d) a autoridade contra qual se ajuíza ação deve ser pública ou deve estar no exercício de atribuições do poder público.
Entre esses elementos, sobressai a necessidade de se compreender o conteúdo normativo da expressão “direito líquido e certo”.
A certeza e a liquidez do direito relacionam-se à possibilidade de se demonstrar cabalmente os fatos sobre os quais recai o direito. Em outras palavras, direito líquido e certo é aquele corroborado por provas indiscutíveis previamente constituídas e juntadas aos autos pela parte autora (Marinoni, 2022). Daí por que se passou a entender que no mandado de segurança não se admite dilação probatória.
Esse também é o entendimento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal, conforme se extrai da ementa dos seguintes julgados:
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO CONTRA ACÓRDÃO PROFERIDO PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. DIREITO ADMINISTRATIVO. PENA DE DEMISSÃO. AUSÊNCIA DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA. REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – As razões do agravo regimental são inaptas para desconstituir os fundamentos da decisão agravada, que, por isso, se mantêm hígidos. II – Esta Corte, em sucessivas decisões, já assinalou que o direito líquido e certo, capaz de autorizar o ajuizamento do mandado de segurança, é, tão somente, aquele que concerne a fatos incontroversos, constatáveis de plano, mediante prova literal inequívoca. III – Agravo regimental a que se nega provimento.
(RMS 37643 AgR, Relator(a): RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 14/02/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-034 DIVULG 21-02-2022 PUBLIC 22-02-2022)
E M E N T A: MANDADO DE SEGURANÇA – PETIÇÃO INICIAL DESACOMPANHADA DOS DOCUMENTOS NECESSÁRIOS À COMPROVAÇÃO LIMINAR DOS FATOS ALEGADOS – INDISPENSABILIDADE DE PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA – CONCEITO DE DIREITO LÍQUIDO E CERTO – FATOS INCONTROVERSOS E INCONTESTÁVEIS – RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. – Refoge, aos estreitos limites da ação mandamental, o exame de fatos despojados da necessária liquidez, não se revelando possível a instauração, no âmbito do processo de mandado de segurança, de fase incidental de dilação probatória. Precedentes. – A noção de direito líquido e certo ajusta-se, em seu específico sentido jurídico-processual, ao conceito de situação decorrente de fato incontestável e inequívoco, suscetível de imediata demonstração mediante prova literal pré-constituída. Precedentes.
(MS 23190 AgR, Relator(a): CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 16/10/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-026 DIVULG 06-02-2015 PUBLIC 09-02-2015)
Ementa: AGRAVO REGIMENTAL EM MANDADO DE SEGURANÇA. ADMINISTRATIVO. ATO DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. EXCLUSÃO DE VANTAGEM ECONÔMICA CONCEDIDA POR DECISÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE CÓPIA DO ATO APONTADO COMO COATOR E DA DECISÃO CONCESSIVA DA VANTAGEM. IMPOSSIBILIDADE DE VERIFICAÇÃO DOS ELEMENTOS CARACTERIZADORES DA LIQUIDEZ E CERTEZA DO DIREITO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS ARGUMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. DECISÃO MANTIDA POR SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. AGRAVO DESPROVIDO. 1. O procedimento do mandado de segurança exige, como requisito indispensável à demonstração da liquidez e certeza do direito postulado, que os fatos articulados na inicial sejam demonstrados de plano, por prova pré-constituída, o que não se verificou in casu. 2. A ausência de impugnação específica, capaz de infirmar a decisão hostilizada, impõe o desprovimento do agravo. 3. Agravo desprovido.
(MS 28943 AgR, Relator(a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 16/09/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-193 DIVULG 02-10-2014 PUBLIC 03-10-2014)
Nessa perspectiva, uma vez demonstrada a liquidez e certeza do direito pelas provas carreadas aos autos, apresenta-se despicienda eventual controvérsia sobre matéria de direito, que não impedirá a concessão da segurança, consoante o que dispõe o enunciado da súmula de jurisprudência nº 625 da Suprema Corte.
2.2. Mandado de segurança coletivo
O mandado de segurança coletivo, está previsto no inciso LXX do art. 5º da Constituição Federal nos seguintes termos:
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
a) partido político com representação no Congresso Nacional;
b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;
Como se nota, a norma constitucional restringiu-se a enunciar os legitimados para o ajuizamento do mandado de segurança, todos eles pessoas jurídicas que possuem em sua essência o caráter representativo de uma coletividade. Registre-se que em relação às entidades constantes na alínea “b” a legitimidade está adstrita aos interesses dos membros e associados, o que não ocorre em relação aos partidos políticos.
Não obstante, o art. 21 da Lei nº 12.016/2009 foi além e incluiu o requisito da pertinência temática também para os partidos políticos ao deduzir que o interesse defendido deve estar atrelado a seus integrantes ou à finalidade partidária. Confira-se a redação da norma:
Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial.
Nesse particular, o Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a limitação imposta pela norma infraconstitucional, no julgamento Recurso Extraordinário nº 196.184/AM, de Relatoria do Ministra Ellen Gracie, reconheceu a sua inconstitucionalidade, posto que restringe o exercício de um direito ilimitadamente conferido pela Constituição Federal. Dada a clareza e objetividade dos argumentos apresentados pela Relatora, transcreve-se a abaixo a seguinte passagem do seu voto:
A tese do recorrente no sentido da legitimidade dos partidos políticos para impetrar mandado de segurança coletivo estar limitada aos interesses de de(sic) seus filiados não resiste a uma leitura atenta do dispositivo constitucional supra. Ora, se o Legislador Constitucional dividiu os legitimados para a impetração do Mandado de Segurança Coletivo em duas alíneas, e empregou somente com relação à organização sindical, à entidade de classe e à associação legalmente constituída a expressão “em defesa dos interesses de seus membros ou associados” é porque não quis criar esta restrição aos partidos políticos. Isso significa dizer que está reconhecido na Constituição o dever do partido político de zelar pelos interesses coletivos, independente de estarem relacionados a seus filiados.
É digno de nota, ainda, o parágrafo único do art. 21, que cuidou de delimitar quais as espécies de direitos coletivos podem ser tutelados por meio do ajuizamento do mandado de segurança coletivo:
Parágrafo único. Os direitos protegidos pelo mandado de segurança coletivo podem ser:
I - coletivos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os transindividuais, de natureza indivisível, de que seja titular grupo ou categoria de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica básica;
II - individuais homogêneos, assim entendidos, para efeito desta Lei, os decorrentes de origem comum e da atividade ou situação específica da totalidade ou de parte dos associados ou membros do impetrante.
Confrontando esse dispositivo com o art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, Lei nº 8.078 /1990, facilmente se percebe que os direitos difusos, em uma interpretação literal, não estariam inseridos no âmbito de proteção do mandado de segurança coletivo. Contudo, muito se discute a respeito da possibilidade de utilização do mandado de segurança como instrumento de proteção dos direitos difusos, inclusive no âmbito do Supremo Tribunal Federal (RMS 2.423, EDcl no MS 197, MS 34.070). Contudo, em que pese se tratar de importante discussão, esse ponto não será aprofundado neste artigo, tendo vista não estar inserido em seu objeto de análise, fazendo-se menção somente a título de contextualização.
Como visto, o mandado de segurança coletivo distingue-se do mandado de segurança individual no que toca ao âmbito de proteção, fator que apoia a escolha de uma legitimação ativa mais ampla, e conduz a resultado distinto no que se refere ao alcance da coisa julgada, nos termo do que estabelece o art. 22, §1º, da Lei 10.016/2009 (Pereira, 2021).
3. CONTROVÉRSIA SUBMETIDA AO TEMA 1146 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
O art. 14, §4º, da Lei nº 12.016/2009 estabelece que o pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias decorrentes da sentença ou acórdão concessivo da segurança somente alcançará as prestações que se vencerem a partir da data do ajuizamento do mandamus, in verbis:
Art. 14. Da sentença, denegando ou concedendo o mandado, cabe apelação.
(...)
§ 4º O pagamento de vencimentos e vantagens pecuniárias assegurados em sentença concessiva de mandado de segurança a servidor público da administração direta ou autárquica federal, estadual e municipal somente será efetuado relativamente às prestações que se vencerem a contar da data do ajuizamento da inicial.
Essa também é a compreensão que emerge do texto dos enunciados de súmula de jurisprudência nº 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal, editadas, ainda sobe égide da Lei nº 1.533/51:
Súmula 269
O mandado de segurança não é substitutivo de ação de cobrança.
Súmula 271
Concessão de mandado de segurança não produz efeitos patrimoniais em relação a período pretérito, os quais devem ser reclamados administrativamente ou pela via judicial própria.
Com efeito, o mandado de segurança somente produz efeitos patrimoniais a partir de sua impetração, o que significa dizer que todos os períodos vencidos em data anterior à impetração deverão ser objeto de cobrança por meio de ação própria, sempre respeitada a prescrição quinquenal.
A partir dessa compreensão o Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a parte impetrante somente passa a possuir interesse de agir para o ajuizamento da ação de cobrança dos períodos pretéritos, a partir do trânsito em julgado do mandamus:
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO N. 3/STJ. AÇÃO DE COBRANÇA. DIFERENÇAS PRETÉRITAS A MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. INEXISTÊNCIA DE COISA JULGADA NO MANDADO DE SEGURANÇA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A jurisprudência pacífica do STJ não admite a ação de cobrança de períodos anteriores à impetração de mandado de segurança enquanto não houver o trânsito em julgado da sentença no writ.
2. O provimento do recurso especial depende de exame probatório dos autos com o fim de verificar se já há coisa julgada em mandado de segurança capaz de sustentar a ação de cobrança dos efeitos financeiros anteriores à impetração. Essa tarefa não é possível nos termos da Súm. n. 7/STJ.
3. Agravo interno não provido.
(AgInt nos EDcl no REsp 1774364/SP, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 22/10/2019, DJe 28/10/2019)
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE COBRANÇA. MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO. TRÂNSITO EM JULGADO. NECESSIDADE. VIOLAÇÃO À COISA JULGADA. ANÁLISE DE MATÉRIA FÁTICA. IMPOSSIBILIDADE.
1. Consoante o entendimento desta Corte, é necessário aguardar o trânsito em julgado da sentença em mandado de segurança coletivo para o ajuizamento da ação de cobrança visando à percepção de parcelas pretéritas. Incidência da Súmula 83 do STJ.
2. A apreciação do inconformismo, no tocante à conformação da resjudicata, da forma como posto nas razões do apelo obstado, demandaria incursão no substrato fático probatório constante nos autos, providência inviável no âmbito do recurso especial, ante o óbice estampado na Súmula 7 do STJ.
3. Agravo interno desprovido.
(AgInt no REsp 1769221/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/11/2019, DJe 04/12/2019)
É nesse contexto que emerge a questão debatida no Tema Repetitivo nº 1.146 da Corte Especial, o qual está delimitado nos seguintes termos: “verificação de interesse de agir no ajuizamento de ação de cobrança com base no lustro anterior à impetração de mandado de segurança coletivo ainda não transitado em julgado”.
Em linhas gerais, discute-se a possibilidade de ajuizamento de ação de cobrança de períodos anteriores a impetração antes do respectivo trânsito em julgado, sob a ótica do interesse de agir, considerando a inexistência de título judicial coletivo.
Em uma primeira leitura, a discussão submetida ao Tema nº 1.146 parece se referir somente aos mandados de segurança coletivos, não abarcando os mandados de segurança individuais.
A partir dessa compreensão, indaga-se sobre a aplicabilidade do Tema 1.146 também aos mandados de segurança individuais e respectivas ações de cobrança.
Nessa perspectiva, há que se considerar que as distinções da estrutura jurídico-normativa do mandado de segurança coletivo em relação ao mandado de segurança individual não denotam circunstâncias aptas a restringir o âmbito de aplicação da tese a ser definida no Tema nº 1.146.
Com efeito, se no mandado de segurança coletivo, que visa proteger interesses de uma coletividade, a divergência sobre imprescindibilidade do trânsito em julgado do writ para o ajuizamento da ação de cobrança de valores referentes a períodos anteriores a impetração é suficiente a justificar a admissão do Tema Repetitivo em comento, com muito mais razão há que se aplicar o Tema também às ações de cobrança calcadas em mandados de segurança individuais, já que ao acertamento do direito se mostra imprescindível ao escopo da própria ação.
Tal interpretação, melhor se coaduna com a necessidade de uniformização da jurisprudência dos tribunais brasileiros, evitando-se, assim, que, em casos análogos, sejam proferidas decisões distintas, colocando em evidência, e reforçando, a aplicação do princípio da segurança jurídica.
Por fim, em que pese a Corte Especial, consoante jurisprudência colacionada, já demonstrar qual será a provável solução da questão jurídica (qual seja imprescindibilidade do trânsito em julgado do mandamus para o ajuizamento da ação de cobrança), o julgamento do Tema se apresenta de suma importância, posto que criará um precedente vinculante sobre a matéria, o qual deverá ser adotado por todos os Tribunais.
Nesse sentido, o art. 987, §2º do CPC, ao discorrer sobre os efeitos do julgamento do recurso especial interposto contra acórdão que apreciou incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, estabelece que “apreciado o mérito do recurso, a tese jurídica adotada pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito”. Esse também é o teor do art. 1.039 e 1.040 do CPC, ao regular os efeitos da tese firmada no julgamento de recurso especial e de recurso extraordinário representativos da controvérsia.
4.CONCLUSÃO
O presente trabalho teve por objetivo analisar a possibilidade de aplicação do Tema Repetitivo nº 1.146 às ações de cobrança dos períodos retroativos quando decorrentes de mandado de segurança individual.
Para tanto, realizou-se uma digressão a respeito dos contornos normativos e jurisprudenciais dos mandados de segurança individual e coletivo apresentando os seus elementos.
Discorreu-se ainda, sobre a necessidade de ajuizamento de ação de cobrança de valores referentes a períodos anteriores a impetração, conforme determina o art. 14, §4º da Lei nº 12.016/2009 e os enunciados de súmula de jurisprudência nº 269 e 271 do Supremo Tribunal Federal.
Por fim, analisou-se o Tema Repetitivo nº 1.146 do Superior Tribunal de Justiça com a finalidade de compreender a esfera de sua aplicação, alcançando-se a conclusão de que, muito embora faça referência textual somente aos mandados de segurança coletivos e às ações de cobrança deles decorrentes, também se aplica às ações de cobrança derivadas dos mandados de segurança individuais.
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PEREIRA, Paula et al. 45. Mandado de Segurança: O Incessante Aperfeiçoamento do Instituto In: PEREIRA, Paula et al. Processo Constitucional. São Paulo (SP):Editora Revista dos Tribunais. 2021. Disponível em: <https://thomsonreuters.jusbrasil.com.br/doutrina/1339715969/processo-constitucional>. Acesso em: 31 de Janeiro de 2023.
Procuradora na Procuradoria Geral do Estado da Bahia.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, TATIANA MARTINS DE. A aplicabilidade do tema repetitivo nº 1.146 do Superior Tribunal de Justiça aos mandados de segurança individuais e correspondentes ações de cobrança Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 fev 2023, 04:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61076/a-aplicabilidade-do-tema-repetitivo-n-1-146-do-superior-tribunal-de-justia-aos-mandados-de-segurana-individuais-e-correspondentes-aes-de-cobrana. Acesso em: 23 dez 2024.
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