RESUMO: O artigo teve por objetivo diagnosticar as causas e propor soluções para tornar os serviços de manejo dos resíduos sólidos sustentáveis. A metodologia utilizada foi à pesquisa experimental e o estudo de caso, cujo objeto foi o custo do serviço e às taxas cobradas e arrecadas no âmbito do município de Araguari/MG. O estudo concluiu que a natureza jurídica adequada para manter o equilíbrio econômico-financeiro é a realização da cobrança por meio de tarifa e não por taxa, como ocorre, já que o processo de reajustes e revisões das tarifas é mais célere e eficiente que os das taxas. A pesquisa constatou que na cidade de Araguari/MG não há qualquer cobrança pelo manejo dos resíduos de construção civil e saúde, sendo recomendada a instituição de tarifas para onerar os geradores de Resíduos Sólidos de Saúde – RSS e de Resíduos Sólidos de Construção Civil – RSCC. Concluiu, ainda, que para a redução do índice de inadimplência, as cobranças dos resíduos domiciliares deverão ser realizadas em co-faturamento com as contas mensais de água e esgoto, retirando-a da guia anual do Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU. Entendeu, também, que a fórmula de cálculo da cobrança dos resíduos domiciliares deve ser alterada, passando a considerar a classe do imóvel e o consumo de água, pois a geração de resíduos está associada ao consumo deste recurso natural. Ao final, propõe-se a criação de uma “tarifa social de resíduos sólidos domiciliares” para atender os usuários de baixa renda, alinhando-se ao princípio da modicidade tarifária.
PALAVRAS-CHAVE: Marco Legal do Saneamento. Política Tarifária. Resíduos Sólidos. Sustentabilidade. Tarifa.
1.INTRODUÇÃO
A edição do “Novo Marco Legal do Saneamento”, Lei Federal nº 14.026/2020, introduz uma nova fase nos serviços de saneamento. O novo diploma buscou implementar a prestação regionalizada no setor, além de reforçar a necessidade de vinculação a uma agência de regulação regional, atribuindo à Agência Nacional de Água - ANA, a tarefa para editar normas de referência em saneamento para todo o país. Ressalta-se que o principal objetivo externado pela norma foi à universalização do saneamento até 31 de dezembro de 2033.
Diante mudanças trazidas pelo novo “Marco Legal do Saneamento”, houve a deliberação do Chefe do Poder Executivo de Araguari pela edição de Projeto de Lei – PL, cujo objetivo consistiria na incorporação à Superintendência de Água e Esgoto – SAE, de mais um elemento do saneamento, qual seja, os serviços de manejo dos resíduos sólidos, já que, originalmente, outorgou-se à Autarquia SAE de Araguari/MG apenas os serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, por meio da Lei Municipal nº 1.333/1968.
Em razão da possível incumbência, tornou-se imprescindível a averiguação dos custos e receitas arrecadadas pelo Município, chegando à constatação de que as despesas que a Prefeitura de Araguari/MG tem com a os serviços de resíduos sólidos é consideravelmente superior à renda obtida com as taxas cobradas dos usuários, ou seja, o serviço é nitidamente deficitário.
As pesquisas empíricas realizadas na Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Araguari/MG e na Secretaria de Serviços Urbanos, órgãos responsáveis pelo manejo dos resíduos, bem como na Secretaria Municipal de Fazenda e Controladoria do Município de Araguari/MG, permitiram identificar os lançamentos e arrecadações, assim como os gastos do serviço, atestando o preocupante cenário de ausência de sustentabilidade.
No mesmo sentido, as informações levantadas junto às companhias municipais de água e esgoto da região, que receberam o novo componente (resíduos sólidos) evidenciam, igualmente, ser um serviço deficitário. Destaca-se, inclusive, que o Departamento de Água e Esgoto de Uberlândia – DMAE e a Companhia Operacional de Desenvolvimento, Saneamento e Ações Urbanas de Uberaba/MG – CODAU, entidades visitadas, são serviços municipais que já atingiram as metas de universalização, portanto, bem estruturadas, mas ainda sim, são deficitárias no tocante aos serviços de manejo dos resíduos sólidos.
A pesquisa teórica baseou em dados oficiais de institutos especializados, periódicos e obras voltadas ao tema “saneamento básico”, atos normativos e julgados dos tribunais superiores.
A par das constatações, o presente estudo objetivou diagnosticar os fatores que tornam tais serviços insustentáveis, com isso, propor soluções eficientes para manter o equilíbrio econômico-financeiro, a fim de que a Superintendente de Água e Esgoto – SAE de Araguari ou outras companhias de saneamento, ao receber a nova incumbência, não se desestruture ou tenha que aplicar receitas provenientes de outros serviços (ex: tarifas de água e esgoto) no manejo dos resíduos sólidos. Isto é, o trabalho buscou sugerir caminhos para sustentabilidade e, ao mesmo tempo, garantir um preço módico a população de baixa renda, através da instituição da tarifa social.
2.RESULTADOS E DISCUSSÃO
O saneamento básico, como se sabe, é constituído por quatro elementos: abastecimento de água, esgotamento sanitário, a limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos e a drenagem e manejo das águas pluviais (FORTINI, 2021).
A Lei Municipal nº 1.333/68, responsável por criar a SAE, atribuiu a Autarquia apenas as atribuições relativas ao abastecimento de água e o esgotamento sanitário (ARAGUARI (MG), 1968). Entretanto, influenciado pelo novo “Marco Legal do Saneamento”, houve a deliberação executiva no sentido de propor projeto de lei visando outorgar à Autarquia SAE mais um elemento, qual seja, os resíduos sólidos.
2.1 – Definição dos Resíduos Sólidos
Adentrando na definição dos resíduos, a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) conceitua o lixo como “[...] restos das atividades humanas, considerados pelos geradores inúteis, indesejáveis ou descartáveis, podendo-se apresentar no estado sólido, semi-sólido e líquido [...]”. Ressalta-se que muitos autores utilizam dos termos “lixo” e “resíduos sólidos” de forma indistinta.
Ao estudar gerenciamento dos resíduos sólidos, aprendemos que eles podem ser classificados quanto à estrutura e composição química, quanto ao aproveitamento para transformação, os riscos potenciais ao meio ambiente e à origem (FAVENI, 2021).
No que tange a estrutura e composição química, os resíduos podem ser orgânicos, cuja origem é animal ou vegetal (ex: restos de alimentos) ou inorgânicos, aqueles que não possuem origem biológica ou foi transformado pelo homem (ex: plásticos, metais). Já em relação ao aproveitamento para transformação, existe a subdivisão em resíduos recicláveis, suscetível de reaproveitamento (ex: papelão) e os resíduos não recicláveis, os quais não se sujeitam a recuperação em razão do esgotamento das possibilidades de transformação (ex: adesivos, etiquetas), se submetendo a destinação final no aterro sanitário.
Quanto aos riscos potenciais ao meio ambiente, a NBR 10.004 da ABNT classifica os resíduos em Classe I (Perigosos), os quais apresentam características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade, patologenicidade ou toxicidade, ou seja, propriedades causadoras de risco a saúde e meio ambiente; Classe II-A (Não inertes) que são aqueles biodegradáveis que não se classifica como perigosos e nem como inertes, mas que podem causar danos à saúde e ao meio ambiente (ex: restos de alimentos, material têxtil, garrafa pet, etc) e a Classe II-B (Inertes) que consiste naqueles não biodegradáveis (ex: plástico, vidro, etc), segundo as normas técnicas (ABNT, NBR 10.007, 10.006 e 10.004).
E, quanto à origem, podem ser classificados em resíduos domiciliares, resíduos de limpeza urbana, de serviços e comerciais (pequenos – até 120 litros dia - grandes geradores – superiores a esse limite), industriais, resíduos de saúde, sendo que, este último se subdivididos em grupo A, B, C, D e E, conforme as propriedades, sendo que, os resíduos de construção civil também se subdividem em classe A, B, C e D, baseando na natureza do resíduo gerado (apud FAVENI, 2021, p. 04).
2.2 – Da tributação cobrada no município de Araguari pelos serviços de manejo de resíduos sólidos e a ausência de sustentabilidade
Os achados atestaram que os municípios brasileiros são deficitários no elemento resíduos sólidos. E, apesar do município de Araguari-MG possuir cobrança sobre os serviços de manejo dos resíduos, tal tributação é apenas parcial, e as receitas são insuficientes para manter o equilíbrio econômico-financeiro frente à vultosa despesa gerada, conforme planilhas abaixo apresentadas.
Em análise ao Código Tributário Municipal de Araguari (ARAGUARI (MG), 2010), verifica-se que se instituiu a cobrança, via taxa, apenas dos resíduos domiciliares pela coleta e remoção – TSU (Tabela III, Código Tributário Municipal) e dos resíduos industriais e comerciais – TRS (Tabela XIV, Código Tributário Municipal), vejamos:
1.TABELA III - CÁLCULO DA TAXA DE SERVIÇOS URBANOS
_____________________________________________________________________________
| Discriminação | Valores em UFRA|
|============================================================|================|
|1 - Coleta e remoção de lixo domiciliar (por ano) | |
|------------------------------------------------------------|----------------|
|1.1 - imóveis edificados, por classe de área construída: | |
|------------------------------------------------------------|----------------|
|1.1.1 - residenciais e comerciais: | |
|------------------------------------------------------------|----------------|
|até 150 m² = (R$ 0,80 por m²) | |
|------------------------------------------------------------|----------------|
|de 151 a 300 m² = (área edificada-150) x R$ 0,32 + R$ 120,00 | |
|------------------------------------------------------------|----------------|
|acima de 301m² = (área edificada-300) x R$0,16 + R$48,00 + R$ 120,00 | |
FONTE: Lei Complementar Municipal nº 71/2010 – Código Tributário Municipal de Araguari/MG.
NOTAS: Tabela III – Cálculo das taxas de serviços urbanos. O item 1 dispõe sobre a cobrança pelos serviços de coleta e remoção do lixo domiciliar/doméstico, o qual se opera anuamente em cofaturamento com a cobrança do IPTU. A base de cálculo leva em consideração a classe do imóvel e a metragem de área construída.
2.TABELA xiv – resíduos sólidos industriais e comerciais
________________________________________________________________
| EGRS 1 | Estabelecimentos com quantidade de geração potencial de|
| | mais de |
| | 20 e até 50 quilogramas de resíduos por dia |
|==============|==============================================|
|EGRS 2 |Estabelecimentos com quantidade de geração potencial de|
| |mais de|
| |50 e até 160 quilogramas de resíduos por dia |
|--------------|--------------------------------------------------------|
|EGRS 3 |Estabelecimentos com quantidade de geração potencial de|
| |mais de|
| |160 e até 300 quilogramas de resíduos por dia |
|--------------|--------------------------------------------------------|
|EGRS 4 |Estabelecimentos com quantidade de geração potencial de|
| |mais de|
| |300 e até 650 quilogramas de resíduos por dia |
|--------------|--------------------------------------------------------|
|EGRS 5 |Estabelecimentos com quantidade de geração potencial de|
| |mais de|
| |650 quilogramas de resíduos por dia |
|______________|__________________________________________________|
FONTE: Lei Complementar Municipal nº 71/2010 – Código Tributário Municipal de Araguari/MG.
Notas: TABELA XIV - Pequenos Geradores de Resíduos Sólidos Industriais e Comerciais.
Os pequenos geradores são classificados em ordem numérica de 1 a 5, baseado na quantidade de resíduos industriais e comerciais gerados por dia. Entretanto, percebe-se que a tabela engloba grandes e pequenos geradores. Infere-se, ainda, que apesar dos diferentes níveis, consta-se que a taxa tem valor obsoleto e idêntico a todos eles, posto que, em qualquer das classificações, a importância cobrada é de R$ 0,10 (dez centavos) por quilogramas de resíduos aferido na balança de pesagem constante no aterro sanitário municipal, conforme Tabelas XIV. Recomendável que o valor seja revisado e gradativo conforme a quantidade gerada.
Portanto, foi possível inferir que o município objeto da pesquisa tributa apenas os serviços de coleta e remoção dos resíduos domiciliares (em que incluíram os domésticos e de serviços) e os geradores de resíduos industriais e comerciais (incluído os provenientes da limpeza urbana), não cobrando pelos serviços relativos ao manejo de resíduos sólidos de construção civil, tampouco dos resíduos sólidos de saúde, omissões que contribuem para a ausência de sustentabilidade do serviço.
É importante registrar que os resíduos da construção civil e de saúde representam elevado custo ao Município. Em análise as planilhas apresentadas por setor responsável pelo manejo dos resíduos da cidade de Araguari/MG, chegou-se ao cálculo de que no ano 2019 o custo com o manejo dos resíduos da saúde e da construção civil totalizou R$ 1.497.856,04 (um milhão, quatrocentos e noventa e sete mil, oitocentos e cinquenta e seis reais e quatro centavos). Já no ano 2020, o custo elevou-se para R$ 1.809.272,26 (um milhão, oitocentos e nove mil, duzentos e setenta e dois reais e vinte seis centavos). E, estimou-se o custo no ano 2021 em R$ 2.185.705,62 (dois milhões, cento e oitenta e cinco mil, setecentos e cinco reais e sessenta e dois centavos).
Logo, recomenda-se a instituição, no âmbito no município de Araguari/MG, da cobrança pelos serviços públicos de manejo dos resíduos provenientes da construção civil e da saúde. E mais, que sejam instituídos por meio de tarifa, pelas razões abaixo transcritas.
Em seguida, o estudo comparou o valor global lançado e arrecadado pelo Município, com os custos gerados com a prestação do serviço de manejo dos resíduos sólidos, inclusive, as despesas com operação e manutenção do aterro sanitário, vejamos:
3.Valores lançados e arrecadados pelo manejo de resíduos sólidos e respectivos custos dos anos 2019, 2020 e 2021
ANO |
LANÇADO |
ARRECADADO |
CUSTO DO SERVIÇO |
2019 |
R$ 4.045.607,01 |
R$ 2.721.343,76 |
R$ 6.422.080,16 |
2020 |
R$ 4.074.543,68 |
R$ 2.592.798, 42 |
R$ 7.355.486,11 |
2021 |
R$ 4.345.910,26 (até 09/11/2021) |
R$ 1.684.699,48 (até 09/11/2021) |
R$ 8.445.614,05 (estimado) |
FONTE: O Autor, baseado nas planilhas obtidos junto à Secretaria de Fazenda e Controladoria Municipal (valores lançados e arrecadados) e da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Araguari/MG (custo do serviço).
Notas: A comparação entre os valores arrecadados e os custos dos serviços revela total desequilíbrio econômico-financeiro. As planilhas apresentadas pelos órgãos permitem inferir, também, que meros reajustes anuais das taxas, baseado na Unidade Fiscal de Referência do Município – UFRA, não são suficientes para manter a sustentabilidade do serviço que anualmente aumenta em níveis consideráveis, chegando a um preocupante cenário.
Portanto, a análise chegou-se a realidade vivenciada pela maioria dos municípios brasileiros, qual seja, atestou-se que o serviço de resíduos sólidos é deficitário, à medida que as receitas arrecadadas não cobrem os custos gerados (PEIXOTO, 2021).
2.3 - Das diretrizes para a sustentabilidade do serviço de manejo de resíduos sólidos no município de Araguari/MG
Ao investigar os pontos que tornam o serviço de manejo dos resíduos sólidos deficitário no município de Araguari/MG, as pesquisas diagnosticaram que não se restringe a um, mas alguns fatores de ordem fática, política e até mesmo jurídica.
Ressalta-se que, como apontado no item anterior, o estudo identificou a ausência de cobrança pelo manejo dos resíduos de saúde e construção civil, os quais representam vultosa despesa anual para os cofres do município. Neste sentido, recomenda-se a instituição de tarifação destes resíduos, como o primeiro fator.
O segundo fator, também representa importante característica para que o preço cobrado não se torne obsoleto e defasado como atualmente se encontra. Isso porque, a tributação dos resíduos no município de Araguari/MG é operada por meio de taxa, quando o ideal seria por tarifa.
A instituição de preço público (tarifa) ao invés do tributo (taxa) tem a capacidade real de manter reajustado e revisado os valores com o passar dos anos. Para melhor esclarecimento sobre a recomendação da mudança da natureza jurídica da cobrança, apresentam-se algumas considerações sobre as regras, semelhanças e diferenças dos dois institutos.
Segundo o Código Tributário Nacional, Lei Federal nº 5.172, de 25 de outubro de 1966:
Art. 3º, CTN: tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela possa exprimir, que não constitui sanção de ato ilícito, instituída por lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada (BRASIL, 1966).
Deste conceito, deriva cinco espécies tributárias, quais sejam: os impostos, contribuições de melhoria, empréstimos compulsórios, contribuições especiais (contribuições sociais, CIDE, contribuições corporativas e COSIP) e as taxas (DUTRA, 2018).
As taxas possuem natureza tributária, portanto, são compulsórias (obrigatórias). Elas têm como fato gerador, vale dizer, como causa ensejadora da cobrança, a prestação de um serviço público específico e divisível ou o exercício regular do poder de polícia (exercício de atividade fiscalizatória). Sua base de cálculo (critério abstrato utilizado, juntamente com a alíquota para aferir o valor a ser cobrado), deve corresponder ao custo do serviço.
Por outro, as tarifas, que é uma espécie de preço público, possui natureza não tributária e regime de direito privado. Ao passo que a taxa, pela sua natureza tributária, segue o regime de direito público.
A taxa decorre da lei, a tarifa, em regra, do contrato administrativo. A primeira é compulsória, a segunda é facultativa. A cobrança da taxa se faz pelas pessoas jurídicas de direito público, já a cobrança das tarifas poderá ser realizada por pessoas jurídicas de direito público ou privado. A taxa ingressa nos cofres públicos como receita derivada, a tarifa, como receita originária.
Pertinente se faz apontar, que não existe uma obrigatoriedade quanto à natureza jurídica da cobrança, de modo que ela poderá materializar-se por taxa ou tarifa, nos termos do art. 29, II, da Lei Federal nº 11.445/07 (BRASIL, 2007). Entretanto, a Norma de Referência ana nº 01/2021 (oriunda da Resolução ANA nº 79, de 14 de junho de 2021), que dispõe sobre regime, estrutura e parâmetro da cobrança dos resíduos sólidos urbanos, assim como do reajuste e revisão, recomenda, acertadamente, a adesão ao modelo tarifário, ou seja, a instituição de tarifa e não de taxa como forma de cobrança (ANA, 2021).
Após breve exposição sobre as características das taxas e tarifas, o estudo concluiu que é fundamental que a cobrança por meio de tributo seja substituída pela instituição de preço publico, ou seja, deixar de cobrar taxas e passar a cobrar tarifas.
O novo modelo tem a capacidade de manter os valores cobrados devidamente atualizados e revisados sem a necessidade de edição de lei, as quais, frequentemente, são propostas pelo Chefe do Executivo, mas rejeitadas pelo Poder Legislativo por entender, equivocada, ser uma medida “impopular”.
No município de Araguari/MG, como já citado, é praticada a taxa como meio de tributação pelos serviços coleta e remoção dos resíduos sólidos domiciliares, denominada: Taxa de Serviços Urbanos – TSU, e de tratamento e destinação final dos resíduos industriais e comerciais, chamada de: Taxa de Resíduos Sólidos - TRS.
A taxa tem características positivas e negativas. A compulsoriedade, inegavelmente, é um aspecto positivo, porém, sua revisão (reavaliação dos custos do serviço desempenhado) depende de aprovação de lei, o que na prática raramente acontece, já os membros do Poder Legislativo entendem tal implementação como medida impopular.
O comportamento legislativo de aversão na majoração das taxas é um dos principais responsáveis pelo desequilíbrio econômico-financeiro de qualquer serviço público, já que, com o passar do tempo, os valores das taxas tornam-se defasados, comprometendo tanto a sustentabilidade do serviço cujo preço não fora aumentado, quanto de outros serviços públicos, pois o déficit ocasionado pela não revisão, acaba impondo ao gestor a destinação de maior previsão orçamentária e financeira aos serviços insustentáveis, recursos que poderiam ser destinados a outras atividades essenciais do Estado, como na saúde e educação.
E mais, além da necessidade da revisão ser por meio de lei, a taxa tem outro aspecto negativo, ao ser instituída ou majorada, ela somente poderá ser cobrada no exercício seguinte ao da sua criação ou aumento, em razão da necessidade de observância aos princípios da anterioridade anual e nonagesimal, previstos no art. 150, III, alíneas “b” e “c”, Constituição Federal – CF/88 (BRASIL, 1988).
Já a tarifa, igualmente, possui aspectos positivos e negativos. A característica da faculdade (caráter facultativo) da tarifa é um elemento negativo, entretanto, não há proibição de que as tarifas tenham a instituição autorizada por lei, tornando-a obrigatória pelo caráter da imperatividade, nos termos do art. 5º, II, da Carta Magna (BRASIL, 1988), e sua instituição se fazer por meio de ato do Chefe do Poder Executivo (ex: Decreto Municipal ou Resolução da entidade, referendada via Decreto Municipal).
A propósito, o STF, em precedente vinculante (RE 847429/SC), entendeu que a tarifa seria compulsória, não pela sua natureza jurídica, que como vimos é “não tributária”, mas sim pela essencialidade deste serviço público, reforçando a tese de sua obrigatoriedade.
A característica positiva de ter uma tarifa cuja lei autorizou sua instituição, mas que a materialização/instituição se deu via Resolução referendada ou Decreto Municipal, é que tanto o reajuste anual quanto as revisões periódicas e extraordinárias, independem de lei, podendo ser realizada por outra Resolução ou Decreto, à luz do princípio do paralelismo das formas, viabilizando a constante atualização de preço na proporção do aumento dos custos, proporcionando, por via de consequência, o equilíbrio econômico-financeiro do serviço de manejo dos resíduos.
Contudo, é prudente que, no Projeto de Lei – PL autorizador da instituição das tarifas, seja incluído dispositivo mencionando que a criação das tarifas, os reajustes e as revisões, serão realizadas via Decreto Municipal ou Resolução, ratificada por Decreto Municipal.
Logo, para manter o valor tarifário devidamente atualizado, sem a necessidade de deliberação do Poder Legislativo, que nem sempre está disposto a aprovar normas ditas “impopulares”, imprescindível que Poder Executivo proponha Projeto de Lei alterando o modelo de cobrança, passando de taxas para tarifas de resíduos sólidos.
Outra característica relevante é que se as tarifas forem autorizadas por meio de lei e instituídas por Decreto ou Resolução, elas não necessitarão observar os princípios da anterioridade (art. 150, III, alíneas “b” e “c”, CF/88) na criação, revisões e/ou reajustes.
O terceiro fator que contribuirá para a sustentabilidade do serviço é que no município de Araguari a cobrança dos resíduos sólidos domiciliares se faz na fatura (carnê) do Imposto Predial Territorial Urbano - IPTU, com considerável índice de inadimplência e ineficientes meios persuasivos capazes de compelir o contribuinte ao pagamento da taxa, tais como: a realização de execução fiscal, protesto judicial e extrajudicial das Certidões da Dívida Ativa - CDA.
Diante disso, a pesquisa chegou a seguinte conclusão: se a cobrança fosse realizada em co-faturamento com as tarifas mensais de água e esgoto sanitários (logicamente com descrição separada de cada tarifa), que submetem-se a eficiente método persuasivo e legítimo de cobrança, qual seja, o “corte de água”, poderia proporcionar um aumento na arrecadação, já que reduziria o percentual de usuários devedores.
A propósito, o co-faturamento com outros serviços públicos tem base legal no art. 35, §1º, da Lei Federal nº 11.445/07 (BRASIL, 2017), bem como na Norma de Referência nº 01/2021, ANA (Ana, 2021). Recomenda-se, para maior legitimidade, que seja incluída tal possibilidade também no Projeto de Lei Municipal autorizador, e também no Decreto ou Resolução instituidora, após a devida autorização da Autarquia que detém a outorga dos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário.
O quarto fator observado no estudo, visando estimar a quantidade de resíduos sólidos gerados em cada imóvel residencial e comercial e, por consequência, tornar a cobrança mais equitativa e justa, consiste na alteração da estrutura de cálculo das tarifas, substituindo a base de cálculo adotada pelo Código Tributário Municipal (ARAGUARI (mg), 2010), que leva em consideração a categoria do imóvel e a área construída, pelo modelo que considera a classe do imóvel (residencial ou comercial) e o volume de água consumido, onde cada classe e faixa de consumo representará valoração própria.
A mudança de critério para a aferição do custo individual do serviço é mais coerente, tendo em vista que os estudos sobre a geração de resíduos atestam uma correlação entre o consumo de água e a geração de residuos sólidos (Franco; JUNIOR; Souza, 2014), além de ser socialmente mais aceita (peixoto, 2021). Outro aspecto que induz à adoção deste modelo, é que a Autarquia SAE, responsável pelo abastecimento de água no Município, atende a mesma área de cobertura dos serviços de coleta de residuos sólidos urbanos. Assim, haverá, inclusive, a facilidade de replicação da base de dados do sistema da Autarquia SAE na cobrança dos resíduos sólidos.
Tais medidas implicarão, inevitavelmente, na majoração do preço anteriormente cobrado para grande parte dos usuários. No entanto, é perfeitamente justificável, primeiro, porque o critério adotado de mudança da fórmula de cálculo consagra o principio da equidade, segundo, porque o Código Tributário Municipal de Araguari cobra apenas pelos serviços de coleta e remoção dos resíduos domiciliares, e a proposta deste estudo é que a nova lei preveja a ampliação dos serviços, visando atender as exigências do novo “Marco Legal do Saneamento” e da “Política Nacional de Resíduos Sólidos”, não se limitando a previsão legal de coleta e remoção, mas também ao transporte, triagem, reutilização, reciclagem, tratamento e destinação final dos rejeitos domiciliares, conforme especificado o item 4.1 da Norma de Referência ANA nº 01/2021 (ANA, 2021).
Por fim, como os preços serão elevados, o quinto e último fator, buscou a sustentabilidade sob outra ótica, não aquela das finanças públicas, mas a do usuário em condição de vulnerabilidade social, a fim de possibilitar a estas famílias de baixa renda, o pagamento de tarifa sem que se desestruture o orçamento familiar, materializando, assim, o princípio da modicidade tarifária.
Diante disso, o estudo propõe que a lei autorizadora e os Decretos e/ou Resoluções instituidoras prevejam a criação de uma “tarifa social dos resíduos sólidos urbanos domiciliares”, podendo ser utilizadas as mesmas exigências da “tarifa social de água e esgoto”, quais sejam: estar o usuário inscrito no CadÚnico e consumir até 10m³ (dez metros cúbicos) de água ao mês, ou outro critério mais abrangente.
É pertinente ressaltar, ainda, que a criação da citada tarifa social não trará impactos negativos relevantes, já que, possivelmente, abrangerá um restrito número de usuários, pois em consulta realizada na Superintendência de Água e Esgoto de Araguari – SAE (2021), constatou-se que apenas 99 (noventa e nove) residências são inscritas na “tarifa social de água e esgoto”.
3. CONCLUSÃO
Os resultados das pesquisas mostram que para manter o equilíbrio econômico-financeiro do serviço público de manejo de resíduos sólidos é imprescindível a adoção de medidas de ordem fática, política e jurídica.
Na análise, foi identificado que o município de Araguari não possui tributação sobre os serviços públicos de manejo dos resíduos sólidos provenientes da construção civil e da saúde, os quais geram um custo anual milionário para a Prefeitura, segundo dados da Controladoria do Município. Portanto, propõe-se a criação de cobrança pelo manejo desses resíduos, e que a instituição se dê sob a forma de tarifa e não taxa, já que aquela, diferente desta, permite a permanente atualização de preços, sem a necessidade de edição de lei.
Neste sentido, o estudo constatou que a natureza jurídica adequada para a cobrança de todo e qualquer serviço de manejo dos resíduos deve ser por preço público, através da instituição de tarifas, as quais poderão ser autorizadas por lei, tornando-se compulsória pela imperatividade ou pela sua essencialidade, e instituídas via ato do Chefe do Poder Executivo (Decreto Municipal ou Resolução referendada), dispensando a necessidade de autorização do Poder Legislativo na criação, revisão ou reajuste.
A pesquisa apontou, ainda, que a realização da cobrança da tarifa de manejo de resíduos sólidos em co-faturamento na conta mensal de água e esgoto, e não no carnê anual de Imposto Predial Territorial Urbano – IPTU contribuirá para a redução do índice de inadimplência, pois os meios persuasivos diretos e indiretos utilizados na cobrança das tarifas de água e esgoto, como a suspensão do serviço de abastecimento, são mais eficientes que os meios empregados para a cobrança do IPTU, como ajuizamento de execução fiscal e protestos.
O exame atestou, também, que é possível estimar a geração de resíduos domiciliares, já que a produção dos resíduos está associada ao consumo de água, razão pela qual é sugerida a adoção de novos parâmetros de cobrança, os quais se baseariam numa nova fórmula de cálculo, levando em consideração a classe do imóvel e o consumo de água aferido, sendo que, cada classe e faixa de consumo teriam sua respectiva valoração.
Ao final, foi proposta a instituição da “tarifa social de resíduos sólidos urbanos domiciliares” para as famílias de baixa renda, visando garantir a possibilidade do pagamento deste preço público sem a afetação do sustento familiar, consagrando o princípio da modicidade previsto na Lei Federal nº 11.445/07 - Nacional de Saneamento Básico – LNSB.
Assim, o estudo buscou diagnosticar as causas que tornam deficitário os serviços de manejo de resíduos sólidos no município de Araguari/MG e sugerir medidas para sustentabilidade. Acredita-se que a adoção das diretrizes propostas neste artigo é suficiente para manter o equilíbrio econômico-financeiro exigida pelo novo “Marco Legal do Saneamento”.
4. REFERÊNCIAS
AGêNCIA NACIONAL DE ÁGUAS E SANEAMENTO BÁSICO. Resolução nº 79/2021, de 14 de junho de 2021. Dispõe sobre o regime, a estrutura, e parâmetro de cobrança dos serviços de resíduos sólidos urbanos, bem como procedimento e prazos de fixação, reajustes e revisões das tarifas.
ARAGUARI (1968). Lei Ordinária Municipal nº 1.333, de 28 de junho de 1968. Cria o Departamento de Água e Esgoto.
ARAGUARI (2010). Lei Complementar Municipal nº 71, de 29 de dezembro de 2010. Código Tributário Municipal.
ATHAYDE JR, G.B.; DE SÁ BESERRA, L.B..; FAGUNDES, G.S. Estimando a geração de resíduos sólidos domiciliares a partir do consumo de água em edifícios multifamiliares. Revista Tecnologia. Fortaleza, v. 29, n. 2, p.125-133, dez. 2008.
BRASIL (1966). Lei Federal nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Código Tributário Nacional.
BRASIL (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.
BRASIL (2007). Lei Federal nº 11.445, de 05 de janeiro de 2007. Estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico; altera as Leis nos 6.766, de 19 de dezembro de 1979, 8.036, de 11 de maio de 1990, 8.666, de 21 de junho de 1993, 8.987, de 13 de fevereiro de 1995; revoga a Lei no 6.528, de 11 de maio de 1978; e dá outras providências. Diário Oficial da União, 05 de janeiro de 2007.
BRASIL (2010). Lei Federal nº 12.305 de 02 de agosto de 2010. Institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
BRASIL (2020). Lei Federal nº 14.026, de 15 de junho de 2020. Atualiza o Marco Legal do Saneamento Básico. Diário Oficial da União, 16 de julho de 2020.
DUTRA, F. (2018). Apostila de Direito Tributário. Estratégia Concursos. 2018.
FAVENI, Grupo Educacional. Material Didático de Gerenciamento dos Resíduos Sólidos. Faculdade Faveni. 2021.
FortinI, Cristina (2021). Novo Marco Legal do Saneamento Básico: aspectos administrativos, ambientais, regulatórios e tributários. 1ª ed. Belo Horizonte, São Paulo: D. Plácido, 2021.
Franco, Davide; JUNIOR, Armando Borges de Castilhos; Souza, Karina da Silva de. Autoria Coletiva. Estudo da relação entre a geração de resíduos sólidos domiciliares e o consumo de água e energia elétrica: alternativas de tarifação da coleta de resíduos sólidos. Revista Brasileira de Gestão e Desenvolvimento Regional, Taubaté, SP, v. 10, n. 4, p. 201-224, set-dez/2014.
Peixoto, João Batista. Roteiro para Sustentabilidade do Serviço Público de Manejo de RSU. ProteGEEr (Brasília/DF 2021).
Advogado. Assessor Jurídico SAE Araguari/MG. Especialista Direto Público pela Rede de Ensino LFG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Fabrício Mendonça. Tarifa de resíduos sólidos: diretrizes para manter a sustentabilidade do serviço. Caso do município de Araguari/MG. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 mar 2023, 04:23. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61163/tarifa-de-resduos-slidos-diretrizes-para-manter-a-sustentabilidade-do-servio-caso-do-municpio-de-araguari-mg. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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