LUCAS NUNES DO VALE QUEIROZ [1]
(coautor)
RESUMO: O presente artigo trata acerca da coisa julgada em matéria tributária. A coisa julgada é uma garantia fundamental do ordenamento jurídico, que visa assegurar a estabilidade das decisões judiciais e a segurança jurídica das relações sociais. O escopo, portanto, desse projeto é elucidar como se dá a obrigação tributária de trato sucessivo em face da coisa julgada se o Supremo Tribunal Federal declare constitucional a norma que era favorável ao contribuinte. O método de pesquisa se deu através de decisões do STF e de acordo com o posicionamento doutrinário a respeito da coisa julgada. Método dedutivo-indutivo.
Palavras-chave: Norma tributária. Coisa julgada. Inconstitucionalidade.
SUMÁRIO: 1. INTRODUÇÃO; 2. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA; 3. COISA JULGADA; 3.1. Coisa material; 3.2. Limites objetivos da coisa julgada; 3.3. Limites subjetivos da coisa julgada; 4. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDAE; 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS; REFERÊNCIAS.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo científico tem por escopo analisar os efeitos, bem como os limites objetivos e temporais da coisa julgada em matéria tributária nas relações de trato sucessivo, especialmente, em situações de posterior posicionamento da Corte Suprema do Brasil em sentido contrário do já estabelecido no âmbito da coisa julgada, em sede de controle abstrato.
Em recentes decisões do STF abordaram a coisa julgada material no que tange, notadamente, à matéria tributária, RE 949297 (Tema 881) e RE 955227 (Tema 885). Portanto, suscita pertinência científica se os conteúdos desses temas estão alinhados com a Constituição Federal de 1988, especialmente, quanto aos direitos fundamentais do contribuinte.
Para o referido exame serão estudados se as relações jurídicas tributárias de trato sucessivo têm a possibilidade de serem modificadas embora haja decisão a favor do contribuinte. Portanto, verificará a natureza jurídica das normas, o tipo de obrigação e a natureza do aspecto da formação da coisa julgada e se os fatos amoldam para imutabilidade.
Portanto, a coisa julgada é um instituto do direito processual que garante a segurança jurídica e a estabilidade das decisões judiciais, impedindo a revisão de decisões já transitadas em julgado. No entanto, em se tratando de obrigações de trato sucessivo, a coisa julgada pode ter limites objetivos e temporais, conforme decisão do STF de repercussão geral nº 885, que abordou a matéria tributária.
2. OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA
Antes de termos em mente como se dará a coisa julgada nas relações de trato sucessivo, deve-se, antes de tudo, trazer à baila as razões de se aperfeiçoar a obrigação, o lançamento e posterior a discordância em ação judicial a fim de declarar a inexistência da relação jurídica tributária.
Nesse diapasão, a relação jurídica tributária se dá entre Estado-fisco e contribuinte em que este, no mundo dos fatos, encaixa a sua conduta em uma hipótese de incidência criada por aquele. Ou seja, vislumbra-se uma situação descrita em lei (hipótese de incidência), recortada pelo legislador entre diversos fatos, a qual, uma vez concretizada no fato gerador, - pelo contribuinte - enseja o surgimento da obrigação principal.
Essa relação emerge por dois fatores: a hipótese de incidência e o fato gerador. O primeiro se liga a que está descrito na lei e o segundo consiste numa conduta do contribuinte encaixada na figura típica tributaria. Este, aliás, é o posicionamento de Eduardo Sabbag[2], que primeiramente conceitua HI: “Caracteriza-se pela abstração, que se opõe à concretude fática, definindo-se pela escolha feita pelo legislador de fatos quaisquer do mundo fenomênico, propensos a ensejar o nascimento do episódio jurídico-tributário” e posteriormente, o FG “é a materialização da hipótese de incidência, representando o momento concreto de sua realização, que se opõe à abstração do paradigma legal que o antecede.”.
Nessa estrutura surge a obrigação tributária que nada mais é que a coligação desses dois fatores para o nascimento posterior do lançamento tributário.
Prosseguindo, faz-se necessário fazer um recorte sobre obrigação. É cediço que a definição de obrigação, em matéria tributaria, extrai-se do direito civil, posto que, a doutrina dominante diz que o direito tributário é um sobredireito em que outros ramos se entrelaçam para subsidiar a intepretação e aplicação do direito tributário.
Nesse sentido, verifica-se conceituação civilista de obrigação, conforme preleciona Washington de Barros Monteiro, na qual consiste numa:
“a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio” (MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1979. v. IV, p. 8)
Outro doutrinador segue a mesma linha, tal como Álvaro Villaça Azevedo que
“a obrigação é a relação jurídica transitória, de natureza econômica, pela qual o devedor fica vinculado ao credor, devendo cumprir determinada prestação positiva ou negativa, cujo inadimplemento enseja a este executar o patrimônio daquele para a satisfação de seu interesse”. (AZEVEDO, Álvaro Villaça. Teoria geral das obrigações. 8. ed. São Paulo: RT, 2000. p. 31).
Portanto, a obrigação se perfez numa relação jurídica de cunho pessoal transitória econômica na qual se estabelece entre credor e devedor, em que este retira o quinhão do seu patrimônio para adimplir com aquele.
Umbilicalmente ligado a essa conceituação emerge a obrigação tributária que se dá entre o Estado, sujeito ativo, e Contribuinte, sujeito passivo, o qual se obriga a pagar determinada quantia para aquele por motivo de sua conduta se amoldar a lei.
Inclusive, esse é o posicionamento de Kiyoshi Harada em que:
“obrigação tributária como uma relação jurídica que decorre da lei descritiva do fato pela qual o sujeito ativo (União, Estados, DF ou Município) impõe ao sujeito passivo (contribuinte ou responsável tributário) uma prestação consistente em pagamento de tributo ou penalidade pecuniária (art. 113, § 1 o , do CTN), ou prática ou abstenção de ato no interesse da arrecadação ou da fiscalização tributária (art. 113, § 2 o , do CTN). “ (HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário – 27. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018. p. 663).
Ante a necessidade de se derivar, no que se refere à relação jurídica de trato sucessivo, do civilista Carlos Roberto diz que
“tem-se uma obrigação de trato sucessivo, que é aquela cuja prestação se renova em prestações singulares sucessivas, em períodos consecutivos, como sucede na compra e venda a prazo, no pagamento mensal do aluguel pelo locatário e do consumidor de água ou de energia elétrica” (Gonçalves, Carlos Roberto Direito civil 1 : esquematizado® : parte geral : obrigações e contratos / Carlos Roberto Gonçalves. – 8. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. (Coleção esquematizado® / coordenador Pedro Lenza) p.548)
Nessa toada, pode-se dizer que a obrigação de trato sucessivo em matéria tributária é aquela que se renova ao longo do tempo, exigindo do contribuinte o cumprimento de uma obrigação de forma continuada e periódica enquanto a sua conduta se enquadra na hipótese de incidência, tal como Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL).
Esse conceito será abordado quanto aos efeitos temporais da coisa julgada se os fatos declarados pela existência ou inexistência serão prospectivos, haja vista a imutabilidade deste instituto.
3. COISA JULGADA
A coisa julgada é um instituto jurídico que garante a segurança e a estabilidade das decisões judiciais, impedindo que uma mesma questão seja novamente discutida nos tribunais. Dessa forma, a coisa julgada pode ser definida como a imutabilidade e a indiscutibilidade de uma decisão judicial, após esgotados todos os recursos previstos em lei, bem como o escoamento do prazo de impugnação autônoma.
Isso conforme conceituado por diversos doutrinadores, entre eles o jurista Nelson Nery Júnior[3]. De acordo com ele a coisa julgada é a imutabilidade da decisão judicial proferida com trânsito em julgado, isto é, aquela que não pode mais ser modificada por qualquer meio processual.
Portanto, a coisa julgada é uma característica dos efeitos da sentença ou decisão interlocutória de mérito que a torna imutável após o esgotamento de todos os recursos previstos em lei. Ela portanto, não é um efeito em si, como a condenação, declaração ou constituição, mas, sim, uma qualidade desses efeitos, que confere a eles a imutabilidade. Em outras palavras, a coisa julgada é a garantia de que a decisão proferida pelo juiz será definitiva e não poderá mais ser questionada ou modificada[4].
A proteção desse instituto jurídico se extrai da Constituição Federal de 1988 que garante o direito à coisa julgada como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito.
O artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição estabelece que "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada", garantindo a imutabilidade das decisões judiciais transitadas em julgado. (citação da cf/88).
Dessa forma, é uma aplicação prática do princípio da segurança jurídica, uma vez que encerra de maneira definitiva a controvérsia acerca de uma determinada situação jurídica, estabelecendo um direito adquirido reconhecido judicialmente. Por sua vez, pode apreender um aspecto objetivo de preservação da segurança jurídica que está ligado à coisa julgada: a intangibilidade da coisa julgada pela legislação ou por decisão contraria posteriormente.
A inviolabilidade da coisa julgada pela legislação subsequente é considerada um direito fundamental, conforme previsto no artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal de 1988.
Inclusive pode-se inferir que na coisa julgada a proteção é total, visto que a Carta Federal de 1988 não distingue a formal e a material, tais como se pode depreender: o direito incorpora-se ao patrimônio de seu titular por força da proteção que recebe da imutabilidade da decisão judicial. A partir desse pensamento, falar-se em coisa julgada formal e material.
A coisa julgada formal é aquela que se dá no âmbito do próprio processo. Seus efeitos restringem-se, pois, a este, não o extrapolando. A coisa julgada material, ou substancial, existe nas palavras de Couture, quando à condição de inexpugnável no mesmo processo, a sentença reúne a imutabilidade até mesmo em processo posterior (Fundamentos do direito processual civil).
Já para Wilson de Souza Campos Batalha[5], coisa julgada formal significa sentença transitada em julgado, isto é, preclusão de todas as impugnações e coisa julgada material, por sua vez, significa o bem da vida, reconhecido ou denegado pela sentença irrecorrível. O problema que se põe, do ângulo constitucional, é o de saber se a proteção assegurada pela Lei Maior é atribuída tão somente à coisa julgada material ou também à formal. O art. 5º, XXXIV, da Constituição Federal, não faz qualquer discriminação; a distinção mencionada é feita pelos processualistas.
3.1. Coisa material
Antes de aborda sobre a coisa julgada material, deve-se, antes de tudo, fazer diferenciação da coisa julgada formal com aquela. Nesse sentido, infere-se que a formal é condição em que uma sentença torna-se inalterável e não pode ser mais contestada no decorrer do processo em que foi emitida, ou seja, os efeitos são endoprocessual precluindo, portanto, o direito de recorrer. Por sua vez, a outra estende para além do processo que foi prolatada a decisão judicial.
Veja o que diz a melhor doutrina:
“coisa julgada formal se refere à indiscutibilidade e à imutabilidade de uma decisão no âmbito do processo em que proferida. É uma estabilidade endoprocessual da decisão e, por isso, distingue-se da coisa julgada propriamente dita (chamada de coisa julgada material), que se projeta para fora do processo em que produzida.” (Didier ]r, Oliveira, Braga, Fredie, Curso de Direito Processual Civil 2, ed. Salvador, março de 2015.)
Prosseguindo, agora, a coisa julgada material se vincula às decisões que analisam o mérito da causa e se refere à permanência imutável não apenas da sentença em si, mas também dos seus efeitos. Esse efeito é extensivo além do processo em que a decisão foi proferida, impedindo que a mesma pretensão seja reexaminada em um novo julgamento, com os mesmos fundamentos. (Gonçalves, Marcus Vinicius Rios Processo de conhecimento e procedimentos especiais / Marcus Vinicius Rios Gonçalves. - Curso de direito processual civil vol. 2 – 16. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2020.p 148)
Essa digressão tem como fundamento legal o art. 502, no CPC/15: “Denomina-se coisa julgada material a autoridade que torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso”.
Aliás, o mestre Humberto Theodoro Júnior[6] explica que de acordo com o CPC, a coisa julgada material se restringe somente às decisões que analisam o mérito da causa, não se aplicando a sentenças terminativas que não se debruçam sobre o mérito da questão. Portanto, sentenças que anulam o processo ou que o extinguem sem julgar a procedência ou improcedência do pedido não geram coisa julgada material, mas apenas formal.
3.2 Limites objetivos da coisa julgada
O limite objetivo da coisa julgada se refere à imunização de ulteriores discussões, tornando-se imutável e indiscutível. Ou seja, eficácias da decisão judicial transitada em julgado, de forma restringem-lhe ao objeto litigioso e aos vícios formais ou materiais passíveis de serem corrigidos na própria ação ou recurso.
Nessa linha, de acordo com os ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior[7], refere-se aos efeitos da decisão judicial que se estendem apenas às questões efetivamente decididas pelo órgão jurisdicional. Isso significa que a coisa julgada produz seus efeitos de forma limitada, abrangendo somente os pontos que foram decididos na sentença, não podendo ser estendida a outros pontos não abordados na decisão.
Em outras palavras, a coisa julgada tem um alcance limitado às questões que foram expressamente decididas pelo juiz na sentença, não abrangendo assuntos não discutidos no processo ou que não foi objeto de decisão na sentença. Isso decorre do princípio da congruência, que determina que a decisão judicial deva estar em conformidade com o que foi pleiteado pelas partes, delimitando o objeto da lide.
Nesse sentido, Flávio de Sá Munhoz[8], em sua dissertação de mestrado, diz que o exemplo clássico é a execução fiscal que limita o período de lançamento tributário objeto da controvérsia discutida.
Seguindo, a Súmula 239 do STF possui o conteúdo de “Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores”. Que se pode inferir, através dessa súmula, é a não conservação dos efeitos da coisa julgada para lançamentos posterior que não seja aquele objeto de discutida do atual processo.
Cassio Scarpinella Bueno[9], diz que essa súmula deve ser afastada para os casos de relações jurídicas de trato sucessivo, ou seja, quando a condição da relação outrora discutida se mantenha inalterada – matéria de fato e de direito -. “relação jurídica permanente (...) enquanto não houver alteração de fato e de direito levadas à conta na decisão transitada em julgada”.
No entanto, não é isso que o STF, em recente decisão, assentou em seu entendimento, pois conforme haja a declaração de constitucionalidade concentrado e difuso de repercussão geral, em que pese haja decisão com trânsito em julgado favorecendo o contribuinte inalteradas as matérias de fato e de direito, o fisco pode se valer desta decisão e cobrar valores pretéritos que estavam sob o manto da coisa julgada sem a necessidade de se utilizar dos instrumentos processuais para sua desconstituição. Portando, verifica-se a quebra da segurança jurídica, principalmente, do postulado da confiança legitima das decisões judiciais.
3.3 Limites subjetivos da coisa julgada
De acordo com Fredie Didier Jr.[10], os limites subjetivos da coisa julgada referem-se às pessoas ou partes envolvidas na demanda e que são afetadas pelos efeitos da decisão judicial. Em outras palavras, a coisa julgada só produz efeitos em relação às partes que participaram do processo e que foram diretamente afetadas pela decisão.
Isso significa que, uma vez proferida a sentença, ela produz efeitos apenas entre as partes envolvidas no processo, não podendo ser estendida a terceiros não participantes.
Pode-se fazer um comparativo, por exemplo, no caso da decisão judicial transitada em julgada que declara a inexistência sobre determinado IPVA em favor do contribuinte A que possui uma peculiaridade. Posteriormente, A aliena esse móvel a B. Nesse caso, não obstante possa dizer que decisão judicial possa ser passa albergada pelo B, isso não é verdade, posto que as condições de fato se modificaram. Logo, a coisa julgada subjetiva atrela-se apenas ao sujeito da relação jurídica tributária originária.
4. CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE
O controle de constitucionalidade é um mecanismo de compatibilidade entre a norma superior (Constituição) e norma inferior (infraconstitucional). Dessa forma, infere-se que as normas de baixa escalação retiram sua validade e existência da Constituição Federal.
Alinhando a esse pensamento o autor Uadi Lammêgo Bulos[11] diz que o controle de constitucionalidade é uma técnica jurídica destinada a verificar a adequação das normas inferiores (leis, decretos, regulamentos) à Constituição Federal, que é a norma fundamental do ordenamento jurídico brasileiro.
O doutrinador Pedro Lenza[12], ainda, diz que o controle de constitucionalidade é um mecanismo de proteção da Constituição, que tem como objetivo verificar a compatibilidade das leis e atos normativos com as normas constitucionais.
O controle de constitucionalidade é fundamental para a garantia da supremacia da Constituição e a proteção dos direitos fundamentais. Além disso, ressalta-se que esse controle pode ser exercido de duas formas principais: pelo controle difuso e pelo controle concentrado.
No controle difuso, qualquer juiz ou tribunal pode verificar a inconstitucionalidade de uma lei ou ato normativo em um caso concreto, sendo que a decisão produzirá efeitos apenas para as partes envolvidas no processo em regra. Por seu turno, o controle concentrado é exercido por um órgão específico, o Supremo Tribunal Federal (STF), e a decisão produz efeitos gerais e abstratos para toda a sociedade.
Por fim, de forma genérica a Constituição Federal de 1988 prevê diversos instrumentos de controle de constitucionalidade, tais como a ação direta de inconstitucionalidade (ADI), a ação declaratória de constitucionalidade (ADC), a arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF) e o mandado de segurança coletivo, entre outros.
Deve merecer destaque os efeitos da decisão, tanto os efeitos de controle abstrato e difuso. O primeiro se relaciona a ser erga ommens e retroativos, exceto se a maioria absoluta da Corte Suprema entender que motivos excepcionais como econômicos, políticos e jurídicos fazem com que sejam prospectivos os efeitos, de acordo com art. 54 da Lei 9.784/99.
Enquanto, aos feitos do controle difuso é inter partes, exceto se houver Repercussão Geral.
Vale ressaltar, a possibilidade haver Repercussão Geral em controle de constitucionalidade. Faz-se necessária uma breve explanação deste instituto processual que foi inserido na Constituição por meio da EC nº 45/2004, com intuito de aperfeiçoamento da justiça no Brasil. Assim, a repercussão geral é prevista no art. 102, § 3º da Constituição Federal e no art. 1.035 do Código de Processo Civil.
Os requisitos para surgimento dela é, primeiramente:
Apresente um debate constitucional[13] relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, pois seu caráter é público e que o julgamento da matéria é relevante não apenas às partes do processo, mas que os efeitos da decisão afetam mais pessoas do que aquelas envolvidas na demanda (CPC. art. 1,035, § 1.)
A existência da Repercussão Geral somente pode ser constatada pelo Supremo Tribunal Federal, tratando-se, aqui, de uma competência absoluta, que estando presente, segue-se a análise do mérito do recurso (CPC. art. 1.035, § 2.)
O recurso obtiver a intenção de combater acórdão (decisão do órgão colegiado de um tribunal) que seja contrário a súmulas (entendimento pacífico de um tema) ou jurisprudência (decisões recorrentes no mesmo sentido) do STF ou se esse acórdão tiver reconhecido uma Lei Federal ou Tratado internacional que seja inconstitucional (a Lei ou o tratado são contrários a Constituição Federal).
Portanto, é possível que aquela controvérsia surgida em primeiro grau, desde que haja prequestionamento, seja apreciada pelo STF para declarar a inconstitucionalidade ou não da norma.
Por derradeiro, faz-se necessário abordar a coisa julgada no controle de constitucionalidade. Nesse sentido, os mecanismos para que determinada norma seja declarada inconstitucional antes ou depois da coisa julgada tem essa possibilidade, pelo menos, no CPC/15, no art. (§ 8º do artigo 535, do CPC).
Esse dispositivo legal traz duas possibilidades:
O primeiro caso, é quando o STF declara a inconstitucionalidade da norma a favor do contribuinte antes da coisa julgada e, neste caso, o fisco deve impugnar na fase de execução que é inexigível a cobrança, pois ela está pautada em norma jurídica inexistente.
O segundo caso é quando o STF declara a inconstitucionalidade da norma a favor do contribuinte depois de transitar em coisa julgada e, neste caso, o Fisco fica impossibilitado de impugnar no cumprimento de sentença restando a ele ação rescisória a qual é contada a partir da ultima decisão do processo, conforme previsto no art. 975 do CPC e apregoa que “o direito à rescisão se extingue em 2 (dois) anos contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo”.
Outro ponto que merece destaque é referente à relação de trato sucessivo, porquanto na forma do artigo 505, I, do CPC, diz que não se conservarão os feitos da coisa julgada caso haja a inalterabilidade do estado de fato e de direito. E de direito pode-se inferir, por exemplo, a declaração de inconstitucionalidade.
Confira-se a propósito a lição de Antônio do Passo Cabral:
“(...) Modificando-se os fatos que dão ensejo à relação jurídica de trato continuado (e o próprio direito) e que legitimam o pedido de uma tutela jurisdicional, tem-se a possibilidade de propositura de uma nova ação, com elementos distintos (nova causa de pedir e novo pedido), a chamada ação de revisão ou ação de modificação. A coisa julgada não pode impedir a rediscussão do tema por fatos supervenientes ao trânsito em julgado (a eficácia preclusiva só atinge aquilo que foi deduzido ou poderia ter sido deduzido pela parte à época da decisão).
(...)
Ao deparar-se com a ação de revisão, o juiz estará julgando uma demanda diferente, pautada em nova causa de pedir (composta por fatos/direito novos) e em novo pedido. Com isso, gerará uma nova decisão uma nova coisa julgada, sobre esta nova situação, que não desrespeitará, em nada, a coisa julgada formada para a situação anterior.
(...)
A nova decisão, proferida em ação de revisão, não desconhece nem contraria a anterior. Trata-se de uma nova decisão, proferida para uma nova situação – cujos pressupostos e elementos constitutivos já variaram com o passar o tempo. Na verdade, a decisão proferida em tais situações contém em si variação da cláusula rebus sic stantibus, que permite sua adaptação ao estado de fato e ao direito supervenientes.” (CABRAL, Antonio do Passo e CRAMER, Ronaldo. (coord.) Comentários ao novo Código de Processo Civil - 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 771)
Interessante mencionar que a doutrina é uníssona quanto aos efeitos dessa declaração, isto é, a ciência do direito assenta que deve ser ex nunc, pois a relação jurídica albergada pela coisa julgada ultrapassada o prazo de dois anos da ação rescisória, bem como o direito já adquirido pelo contribuinte, não deve ser vilipendiado mesmo pelo controle abstrato ou por recurso extraordinário de repercussão geral que reconheça a constitucionalidade da norma tributária.
Vejo pensamento do Heleno Torres:
“Neste sentido, distingue-se a coisa julgada garantidora de fatos jurídicos perfeitos (oponível ad preteritum), cuja imutabilidade deve ser preservada como efeito de direito fundamental, à qual não se opõe qualquer possibilidade de resistência ou revisão (i); da coisa julgada garantidora de direito in abstracto (ad futurum), que decorre de decisão em ação declaratória como ato jurisdicional prescritivo, no qual a coisa julgada deve adequar-se à unicidade do sistema constitucional (evitar discriminação, garantir equilíbrio de concorrência etc.), ao que se impõe a cessão dos seus efeitos caso sobrevenha decisão do STF em sentido contrário (ii). Em nenhuma hipótese, porém, deve-se admitir a retroatividade desconstitutiva da coisa julgada em relação aos fatos passados, submetidos ao regime assentado na respectiva sentença judicial.”(https://www.conjur.com.br/2019-abr-03/consultor-tributario-limites-revisao-coisa-julgada-decisao-supremo)
A par de toda explanação feita em recente decisão do Supremo Tribunal Federal[14] a respeito da relação continuada no que refere a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) assentou que uma decisão definitiva, a chamada “coisa julgada”, perde seus efeitos caso a Corte se pronuncie em sentido contrário. Isso porque, de acordo com Egrégio Tribunal, uma decisão, mesmo transitada em julgado, produz os seus efeitos enquanto perdurar o quadro fático e jurídico que a justificou. Havendo alteração, os efeitos da decisão anterior podem deixar de se produzir. Nesse sentido, mitigou-se ainda mais os efeitos da decisão.
O ponto que merece observação que, nos dizeres do Ministro Barraso[15] “A insegurança jurídica não foi criada pela decisão do Supremo. A insegurança jurídica foi criada pela decisão de, mesmo depois da orientação do Supremo de que era devido, continuar a não pagar e a não provisionar. (...) Se você for num cassino e fizer uma aposta você está num quadro de insegurança jurídica e pode ganhar ou perder. De modo que a partir do momento em que o Supremo diz que o tributo é devido, quem não pagou ou provisionou fez uma aposta”, ou seja, não houve modulação dos efeitos da decisão prospectivos. Portanto, aqueles que desde 2007 não pagaram o referido tributo terão que recolher os últimos 5 (cinco) anos, bem como reconheceu a repercussão geral da decisão.
Confira a tese fixada no julgamento:
“1. As decisões do STF em controle incidental de constitucionalidade, anteriores à instituição do regime de repercussão geral, não impactam automaticamente a coisa julgada que se tenha formado, mesmo nas relações jurídicas tributárias de trato sucessivo.
2. Já as decisões proferidas em ação direta ou em sede de repercussão geral interrompem automaticamente os efeitos temporais das decisões transitadas em julgado nas referidas relações, respeitadas a irretroatividade, a anterioridade anual e a noventena ou a anterioridade nonagesimal, conforme a natureza do tributo.”
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A coisa julgada em matéria tributária é uma instituição fundamental do Direito que confere estabilidade e segurança jurídica às decisões judiciais. No entanto, essa estabilidade não é absoluta, sujeita-se aos limites objetivo e temporal.
Entre os limites objetivos da coisa julgada em matéria tributária, destacamos o erro material, a fraude à lei, o vício de consentimento e a inconstitucionalidade. Já entre os limites temporais, destacamos o prazo prescricional, a decadência e a modificação da jurisprudência.
É importante ressaltar que a análise da coisa julgada em matéria tributária deve ser realizada com base em uma análise criteriosa das circunstâncias do caso concreto, levando em consideração os princípios do Direito Tributário, como a legalidade, a isonomia, capacidade contributiva e a irretroatividade.
Em recente posicionamento, o STF inovou sobre a relativização da coisa julgada, porquanto basta que haja decisão em controle de constitucionalidade abstrato e difuso – de Repercussão Geral – que a eficácia daquele instituto seja desconstituído automaticamente bastando a publicação do acórdão exarado ao contrário do sentido da sentença favorável ao contribuinte, sem a necessidade de a fazenda pública utilizar de meios processuais autônomos.
Esse precedente traz uma perigosa transgressão às garantias do contribuinte, posto que a inovação do STF macula todo o sistema jurídico de proteção a uma possível ilegalidade e inconstitucionalidade de exação que, embora o poder judiciário nas instâncias ordinárias dê procedência a favor do contribuinte sem a possibilidade de recurso e de impugnação, é possível que seja cobrada posteriormente o tributo mesmo que esteja inalteradas as matérias de fato e de direito acobertas pela coisa julgada.
É fundamental que os operadores do Direito, tanto na esfera pública quanto na privada, tenham consciência desses limites e os apliquem de forma adequada, a fim de garantir a justiça e a segurança jurídica no sistema tributário.
REFERÊNCIAS
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BUENO, Cassio Scarpinella. Coisa julgada em matéria tributária e o CPC de 2015: considerações sobre a súmula 239 do STF. Disponível em http://www.scarpinellabueno.com/images/textos-pdf/028.pdf. Acesso em: 13/04/2023.
BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. – 8ª ed. rcv. e atrn.11. de acordo com a Emenda Constitucional n. 76/2013 -Seio Paulo: Saraiva, 2014.
CABRAL, Antonio do Passo e CRAMER, Ronaldo. (coord.) Comentários ao novo Código de Processo Civil - 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 771
DIDIER ]R, Oliveira, Braga, Fredie. Curso de Direito Processual Civil. 2ª ed. Salvador, 2015.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil 1 : esquematizado: parte geral : obrigações e contratos / Carlos Roberto Gonçalves. – 8ª ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. (Coleção esquematizado / coordenador Pedro Lenza).
GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Processo de conhecimento e procedimentos especiais / Marcus Vinicius Rios Gonçalves. - Curso de direito processual civil vol. 2 – 16ª Ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.
HARADA, Kiyoshi. Direito financeiro e tributário – 27ª ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018.
LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado/ Pedro Lenza. – 23ª ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019. (Coleção esquematizada)
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1979. Vol. I
MUNHOZ, Flávio de Sá. Coisa julgada em matéria tributária, 2019.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário / Eduardo Sabbag. – 9ª ed. – São Paulo : Saraiva, 2017
THEODORO JÚNIOR, Humberto, Curso de direito processual civil. 59ª ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018.
TORRES, Heleno Taveira. Limites à revisão de coisa julgada após decisão do Supremo Tribunal Federal. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2019-abr-03/consultor-tributario-limites-revisao-coisa-julgada-decisao-supremo. Acesso em: 15/04/2023.
Sem autor: Entenda a decisão sobre “coisa julgada” na área tributária tomada pelo STF. Supremo Tribunal Federal. 2023. Disponivel em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=502140&ori=1. Acesso em: 12/02/2023.
[1] Acadêmico em Direito na Universidade Federal do Amazonas (UFAM), inscrito respectivamente sob a matrícula n.º 21854998. Graduanda do 10ª Período – 2022/1º Semestre (2023).
[2] Sabbag, Eduardo Manual de direito tributário / Eduardo Sabbag. – 9. ed. – São Paulo : Saraiva, 2017. p. 949.
[3]Junior e Nery, Nelson Nery e Rosa Maria de Andrade - Código de Processo Civil Comentado a 17.ª edição Editora Revista dos Tribunais/Thomson Reuters. 2018, p. 1202
[4] Gonçalves, Marcus Vinicius Rios Processo de conhecimento e procedimentos especiais / Marcus Vinicius Rios Gonçalves. - Curso de direito processual civil vol. 2 – 16. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.p 147
[5] BASTOS, Celso. Dicionário… Op. cit. p. 20
[6] Theodoro Júnior, Humberto, Curso de direito processual civil. 59. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 1124)
[7] Theodoro Júnior, Humberto, Curso de direito processual civil. 59. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 1132)
[8] Munhoz, Flávio de Sá. Coisa julgada em matéria tributária, 2019. p. 56.
[9] Bueno, Cassio Scarpinella. Coisa julgada em matéria tributária e o CPC de 2015: considerações sobre a súmula 239 do STF cit., 310.
[10] (Didier ]r, Oliveira, Braga, Fredie, Curso de Direito Processual Civil 2, ed. Salvador, março de 2015.p. 542)
[11] Bulos, Uadi Lammêgo Curso de direito constitucional. - 8. cd. rcv. e atrn.11. de acordo com a Emenda Constitucional n. 76/2013 -Seio Paulo: Saraiva, 2014. p., 186
[12] Lenza, Pedro Direito constitucional esquematizado® / Pedro Lenza. – 23. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2019. (Coleção esquematizado ®), p., 334
[13] (CPC. Art. 1.035, § 3º) (https://www.politize.com.br/repercussao-geral-stf/#:~:text=A%20Repercuss%C3%A3o%20Geral%20para%20o,Constitui%C3%A7%C3%A3o%20Federal%20e%20no%20art.)
[14] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=502140&ori=1
[15] https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=502140&ori=1
Acadêmico em Direito na Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GUEDES, PAULO HEURISON XIMENES DE AQUINO. Coisa julgada em matéria tributária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 jun 2023, 04:17. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61673/coisa-julgada-em-matria-tributria. Acesso em: 25 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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