RESUMO: Trata-se de artigo relacionado ao Imposto de Renda (IR) e a isenção tributária com base no art. 6º, XIV da Lei 7.713/88 para os servidores e trabalhadores da ativa portadores de moléstia grave. Considerando a divergência doutrinária e jurisprudencial relativa a possibilidade da isenção para essa categoria de contribuintes, ressalvando os entendimentos jurisprudenciais e doutrinários contrários a isenção a esta categoria e partindo da interpretação sistemática do ordenamento jurídico vigente, através de um estudo jurídico teórico constatamos a viabilidade do reconhecimento da isenção do IR aos portadores da moléstia grave que estão na ativa, mormente a previsão expressa na lei 7.713/88 e a necessária observância do princípio da isonomia em sua dimensão material. Excluir do rol de isentos os servidores e trabalhadores da ativa acometidos pelas enfermidades previstas na lei, acarretaria em discriminação indevida entre indivíduos igualmente doentes com aqueles que se encontram aposentados. Por outro lado, a isenção reconhecida a este grupo de contribuintes oxigena o olhar da Constituição sobre o IR, promovendo uma justiça distributiva entre os contribuintes e privilegiando a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da república, assegurando ainda direitos constitucionais igualmente importantes como a saúde, a não discriminação e a proteção ao mínimo existencial.
Palavras chaves: Direito Tributário. Isenção. Imposto de Renda. Lei 7713/88.
THE POSSIBILITY OF GRANTING INCOME TAX EXEMPTION DUE TO SERIOUS ILLNESS BASED ON LAW 7713/88 FOR SERVANTS AND WORKERS IN THE ACTIVE
ABSTRACT: This is an article related to Income Tax (IR) and the tax exemption based on article 6, XIV of Law 7,713/88 for servers and active workers with serious illness. Considering the doctrinal and jurisprudential divergence regarding the possibility of exemption for this category of taxpayers, with the exception of the jurisprudential and doctrinal understandings contrary to the exemption to this category and starting from the systematic interpretation of the current legal system, through a theoretical legal study we verified the feasibility of recognizing the exemption of the IR to the carriers of the serious disease who are active, especially the provision expressed in law 7.713/88 and the necessary observance of the principle of isonomy in its material dimension. To exclude from the list of exempt the servers and active workers affected by the diseases provided for in the law, would result in undue discrimination between individuals equally sick with those who are retired. On the other hand, the exemption granted to this group of taxpayers oxygenates the Constitution's view of the IR, promoting a distributive justice among taxpayers and privileging the dignity of the human person, one of the foundations of the republic, while also ensuring equally important constitutional rights such as health, non-discrimination and protection of the existential minimum.
Key words: Tax Law. Tax exemption. Income tax. Law 7713/88.
1. INTRODUÇÃO
Objeto de grandes debates administrativos, judiciários e doutrinários, a isenção do tributo imposto de renda com base no art. 6, XIV da lei 7.713/88 tem sido alvo de posicionamentos diametralmente opostos, alguns de ordem extremamente restritiva, reduzindo por demais o grau de alcance da aplicabilidade da norma; outros de ordem ampliativa, reconhecendo com base naquela lei diversos grupos de sujeitos passivos abrangidos pela norma que ainda não haviam sido reconhecidos anteriormente quando do momento de criação da lei.
O objeto dessa tese cinge-se a discussão envolvendo o direito tributário e o seu ponto de contato com os direitos fundamentais, sobretudo o direito constitucional à saúde, disciplinado no capítulo I, seção II da Constituição Federal (art. 196 e seguintes).
Ao longo deste artigo veremos que apesar de sucinto e claro, o inciso que trata dos sujeitos abrangidos pela chamada isenção humanitária do imposto de renda, vem sendo alvo de interpretações por vezes equivocada, apenas contemplando o entendimento pró-fazenda, o que não se coaduna com a finalidade precípua da lei que é conceder uma isenção com a finalidade humanitária, nos exatos termos literais do inciso daquela lei, o que se faz com fundamento na próprias normas constitucionais, como a dignidade da pessoa humana, a isonomia em sua dimensão material, o direito ao trabalho e a proteção do mínimo existencial.
2. O DEVER DE TRIBUTAR, OS FUNDAMENTOS DA ATIVIDADE ARRECADATÓRIA E A ISENÇÃO TRIBUTÁRIA:
O instituto da isenção em matéria tributária possui grau de aplicabilidade extremamente restrito. Uma vez previsto em lei e encontrando-se a lei com aplicabilidade plena[1] devem os tributos, via de regra, serem arrecadados em sua plenitude. A justificativa encontra-se nos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado e da indisponibilidade do interesse público.
A supremacia do interesse público se traduz no dever do Estado em buscar o interesse da coletividade, de arrecadar recursos para um melhor aparelhamento e funcionamento do Estado (lato sensu), para que assim possua melhores condições para prestar os serviços públicos e atingir o bem comum, cumprindo as suas finalidades previstas na Constituição Federal.
O administrado, desta forma, tolera um ônus em seu patrimônio com o fim precípuo de que o Estado devolva esse ônus em políticas públicas, em uma melhor infra-estrutura coletiva e num possível acréscimo nas suas condições de vida, coisas que um indivíduo comum, com o seu próprio patrimônio não conseguiria realizar, salvo raríssimas e pontuais exceções.
A atividade arrecadatória fundamenta-se ainda na indisponibilidade do interesse público, que consiste na impossibilidade de, em regra, um servidor público dispor do patrimônio público, incluindo-se aqui o crédito tributário. É que o erário se trata de um bem do povo que tem uma finalidade essencial: atender ao interesse do povo, e por isso não permite a disposição para atendimento de interesses próprios ou particulares.
Esta impossibilidade, no entanto, não é absoluta. O próprio titular do patrimônio público pode dispor dos seus bens.
Essa disponibilidade pode ser feita pelo legislativo, que seria a personificação da representação do povo. Assim, pode o legislador, por meio de uma lei específica, estabelecer as condições para a disposição dos seus créditos. Essa é a previsão contida na Constituição Federal, no art. 150, §6º:
Art. 150. § 6º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993)
Nesse sentido, conforme preleciona Ricardo Alexandre (2017), só o povo pode dispor do seu próprio patrimônio, que deverá fazê-lo mediante lei específica e clara. A lei necessita ser especifica para que só o tributo e a isenção em questão esteja em discussão nas casas do legislativo.
Deste modo, todos os representantes do povo compreenderão e estarão cientes do que está em discussão num hipotético projeto de lei que trate da isenção do tributo e assim a proposta a respeito de uma possível renúncia do crédito público seja amplamente debatida pelo parlamento, resultando assim num texto preciso, especificando qual grupo do sujeito passivo a isenção estará abrangendo; sendo essa uma exceção ao princípio da indisponibilidade do interesse público.
Evita-se, desta maneira, o contrabando legislativo, que consiste numa estratégia parlamentar para aprovação de temas escusos, alheios a discussão acerca do tema principal do projeto de lei, onde temas periféricos e nem sempre menos importantes ao tema principal da proposição legislativa são colocados “escondidos” ao longo do texto para se evitar a repercussão negativa ou polêmica da aprovação daquela proposição legislativa.
Assim, com a finalidade de alcançar o interesse público e sustentar a máquina administrativa estatal e as suas diversas atividades, o legislador, através da Constituição e das suas leis cria diversos tributos, cada um com o seu fato gerador próprio e tendo por escopo tributar algum patrimônio do indivíduo com o fim de atingir o bem comum e a viabilização das suas atividades.
Nesse sentido, visando dar autonomia financeira a todos os entes da federação, a Carta de 88 distribuiu de forma rígida a competência dos entes para tributar, garantindo desta forma condições para que cada ente institua os seus tributos e assim proceda a automanutenção de suas atividades e serviços, cumprindo assim as suas finalidades e competências previstas no próprio texto constitucional federal, em suas respectivas Constituições Estaduais e na Leis Orgânicas Municipais conforme o caso.
3. IMPOSTO DE RENDA:
Dentre os tributos criados pela Constituição Federal de 1988 está o imposto de renda. Trata-se de imposto ordinário, visto que, assim como os demais impostos federais previstos no art. 153 da CF, exige para a sua instituição e modificação o respeito a um processo legislativo próprio previsto na Constituição Federal de 1988.
O referido tributo possui como fato gerador as rendas e proventos de qualquer natureza e, por ser um imposto, possuí aplicabilidade de receita não vinculada. A sua fundamentação jurídica e regulamentação está na Carta de Outubro de 1988, no art. 153, III; no Código Tributário Nacional nos arts. 43 a 45 e em leis específicas como a lei 7.713/88, a lei 8.981/95, a lei 9.250/95 e a lei 9.430/96 e ainda no decreto 3.000/99.
Trata-se de um dos impostos mais importantes e que mais arrecadam para o fisco, sendo valiosa fonte de custeio para a União, os Estados e Municípios, que usufruem do repasse previsto constitucionalmente nos arts. 157 e seguintes da Constituição Federal. A sua finalidade é precipuamente fiscal (arrecadatória).
O imposto de renda está sujeito aos princípios da legalidade, a medida que pressupõe uma lei para a sua instituição e anterioridade, visto que eventual modificação na sua forma de tributar só pode entrar em vigor no exercício fiscal seguinte. Por outro lado, o imposto de renda não está submetido a anterioridade nonagesimal, conforme previsão contida no art. 150 §1º da Magna Carta.
O imposto de renda deve obedecer também ao princípio da irretroatividade, pois se aplica a fatos geradores posteriores a sua edição, e ainda, conforme dicção do art. 153, §2º, I da Carta de Outubro de 1988, aos princípios: da universalidade, já que deve atingir a universalidade de bens, proventos e rendas do sujeito passivo; à generalidade, por alcançar, via de regra, a renda e proventos de todas as pessoas independente da classe, qualidade ou situação jurídica e ainda à progressividade, a medida que a sua alíquota vai aumentando conforme a renda percebida pelo sujeito passivo, atingindo assim, por tabela, a capacidade contributiva do contribuinte.
4. DA ISENÇÃO TRIBUTÁRIA
4.1 Características:
Previsto no Código Tributário Nacional, em seus artigos 175 e seguintes, a isenção tributária, juntamente com a anistia, é uma modalidade de exclusão do crédito tributário. A diferença entre uma e outra é que a exclusão do crédito pela isenção refere-se à obrigação principal, ao próprio pagamento do tributo, já a anistia exclui o pagamento de uma multa ou alguma outra obrigação acessória.
A isenção, basicamente, consiste na inibição do lançamento pela autoridade fazendária. Ou seja, o fato gerador ocorre, a obrigação tributária existe, no entanto o lançamento deixa de ser realizado por expressa disposição de lei que autoriza que aquela determinada categoria de sujeito passivo esteja desobrigada ao adimplemento da obrigação. Essa inibição do lançamento traz como consequência a não constituição do crédito tributário.
A isenção não se dá de forma automática; para que o sujeito passivo possa gozar da isenção deve o mesmo apresentar requerimento administrativo a autoridade fazendária competente para o lançamento, demonstrando o preenchimento dos requisitos, devendo, uma vez reconhecido o direito, ser ele aplicado desde o momento do preenchimento dos requisitos (efeito ex nunc).
Salienta-se que embora a isenção exclua o lançamento e, por conseguinte, o crédito tributário; o fato gerador e as obrigações acessórias ao tributo continuam acontecendo, estando o sujeito passivo que tenha a isenção deferida pela autoridade fiscal, ainda obrigado a cumprir as referidas obrigações, consoante disposição prevista no art. 175, p. único do CTN[2].
Observe-se, enfim, nos termos do art. 111 do Código Tributário[3], que as disposições relativas à suspensão e exclusão do crédito tributário, outorga de isenção e dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias devem ser interpretadas literalmente, visando assim, como dito anteriormente, a clareza e objetividade numa eventual disposição do crédito tributário.
Não obstante a disposição do art. 111 do CTN, destaque-se que como toda outra lei, deve ainda a legislação tributária, seja ela relativa ao instituto da isenção tributária ou não, ser interpretada a luz das disposições normativas da Constituição Federal. Desta forma, para se chegar a melhor exegese acerca de uma norma tributária isentiva é necessário se fazer um escorço interpretativo do ordenamento jurídico como um todo, sempre a analisando o tema a luz das normas constitucionais, do Código Tributário Nacional e ainda da legislação correlata acerca da isenção a que se está analisando.
Fixada as premissas a respeito do Imposto de Renda e do instituto da isenção tributária, trataremos, enfim, da lei objeto desta tese.
5. DA LEI 7.713/88:
A Lei 7.713/88, em complementação as demais legislações a respeito do imposto de renda, o detalha e o regula; tratando do seu fato gerador, os sujeitos passivos a que o tributo visa atingir bem como dispõe de diversos esclarecimentos a respeito de situações fáticas em que ocorre ou não ocorre o fato gerador de incidência do imposto de renda.
A lei em epígrafe trata ainda da isenção do imposto de renda no seu art. 6 XIV, discriminando uma categoria de sujeitos passivos que estão isentos do recolhimento do referido tributo, senão vejamos:
Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:
XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;
A isenção prevista no inciso transcrito é chamada pela doutrina de isenção humanitária e visa desobrigar o recolhimento do imposto de renda a pessoas que, pelos infortúnios da vida, são acometidos pelo rol de doenças consideradas pelo povo (in casu representado pelo legislador ordinário) como mais graves. Ou seja, reconhecendo a grande batalha que este grupo de pessoas está passando em virtude da doença, o legislador desobriga estes grupos de contribuintes ao recolhimento do tributo imposto de renda, propiciando assim melhores condições financeiras para que essas pessoas combatam os malefícios e os danos causados por estas doenças e possam se curar mais digna e rapidamente.
A isenção para esse grupo traz, por tabela, uma menor dependência do sujeito passivo doente aos serviços de saúde do próprio Estado, já que com recursos extras o sujeito isento terá a oportunidade de comprar remédios melhores e mais eficazes e assim, em tese, poderá recuperar-se com maior rapidez e consequentemente usufruir e depender menos dos serviços públicos relativos à saúde, onerando menos o próprio Estado.
Trata-se ainda de uma oxigenação do princípio constitucional da isonomia em sua faceta material, à medida que a abstenção do ônus do tributo na renda do contribuinte enfermo, melhora a renda deste que naturalmente é depreciada com os gastos relativos a saúde ocasionados pelo tratamento da doença grave, fomentando assim o mencionado princípio da isonomia material entre os contribuintes posto que trata os desiguais de forma desigual.
5.1 DETALHES DA ISENÇÃO CONTIDA NO ART. 6º XIV DA LEI 7.713/88
Fazendo-se uma leitura mais detida do inciso transcrito, percebe-se que a lei concede isenção de proventos: de aposentadoria ou de reforma motivada por acidente de serviço, bem como os proventos recebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase [...], mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma.
Visando dirimir qualquer dúvida, a palavra provento, conforme o respeitado dicionário pátrio Henriette Michaelis, trata-se de um substantivo oriundo do termo latim proventus, e pode ter as seguintes definições:
Provento:
1. Benefício ou vantagem, especialmente financeira, que se tira de algo; ganho, lucro.
2. Aquilo que rende ou tem lucro.
Proventos:
1. Remuneração para aos profissionais liberais; honorários.
2. Remuneração de funcionário público.[4]
Nesse sentido, trouxemos a ainda a definição jurídica com o viés etimológico do termo proventos pelo festejado doutrinador administrativista José dos Santos Carvalho Filho. Segundo o referido autor, a palavra provento é oriunda do verbo prover, e possui o escopo fundamental de prover a subsistência do servidor público e da sua família.[5]
É certo que quando se menciona o termo “proventos” normalmente este vem complementado pelo termo “de aposentadoria” o que nos remete a verba percebida pelos servidores ou empregados da inatividade. Mas convenhamos que se se utiliza o substantivo proventos acompanhado do termo “de aposentadoria” é porque a palavra sozinha possui outro significado, qual seja o de remuneração, renda ou nas palavras de Carvalho Filho, verba destinada a prover o sustento do servidor público.
Corroborando esta tese trazemos a definição de proventos a luz do Código Tributário Nacional, conforme ensinamento do Professor tributarista Hugo de Brito Machado:
“[...] O Código Tributário Nacional definiu renda como produto do capital, do trabalho ou combinação de ambos, e proventos de qualquer natureza como os acréscimos patrimoniais não compreendidos no conceito de renda (art. 43, itens I e II). Adotou, portanto, o conceito de renda acréscimo. Sem acréscimo patrimoninal não há, segundo o Código, nem renda, nem proventos.
Como se vê, o Código Tributário Nacional, estreitou o âmbito de liberdade do legislador ordinário, que não poderá definir como renda, ou como proventos, algo que não seja na verdade um acréscimo patrimonial [...]”[6]
Desta forma, resta patente que o termo proventos nada mais é que um acréscimo patrimonial que não esteja englobado no termo renda. Trata-se, portanto, de um conceito residual; abarcando as vantagens financeiras não englobadas pelo termo renda, sendo incluído no referido conceito as vantagens financeiras, ganhos e remuneração que um determinado sujeito aufere pelo exercício do seu labor, podendo ele ser servidor público ou profissional liberal.
Fixadas as premissas, fazendo-se uma leitura literal do artigo 6º, XIV da lei 7.713/89 percebe-se que há em verdade quatro grupos de sujeitos passivos que foram objetos da isenção prevista no art. 6, XIV. São eles:
A) os que recebem proventos de aposentadoria motivados por reforma ou acidente de serviço;
B) os militares que foram reformados de suas funções em virtude de acidente de serviço;
C) proventos recebidos pelas pessoas acometidas pelo rol de doenças mencionados no inciso, XIV do art. 6 da lei 7.713/89;
D) pessoas que contraíram a doença quando já se encontravam aposentadas ou reformadas.
Da leitura do texto percebe-se que a lei foi especifica e clara ao discriminar as categorias isentas e visou, como já mencionado anteriormente, conceder a isenção com fins humanitários.
Quanto as categorias descritas, há um certo consenso doutrinário e jurisprudencial tanto judicial quanto administrativo a respeito do deferimento da isenção aos servidores que já são aposentados e estão acometidos pelas doenças contidas no rol do art. 6, XIV da lei 7.713/88.
Esse é o entendimento esposado no seguinte julgado:
APELAÇÃO. Município de São Paulo. Sevidora pública inativa portadora de neoplásica maligna, com remoção dos seios. Doença grave. Isenção de Imposto de Renda. Incidência das Leis Federais nºs 7.713/88, 8.541/92, 9.250/95, 11.052/04, Decreto Federal nº 3.000/99 e Instrução Normativa 15/01 da SRF. Prazo de validade de laudo oficial expirado e retomada do desconto do IR na fonte. Inadmissibilidade. Contemporaneidade e recidiva da malignidade inexigíveis para a isenção da exação. Posição consolidada neste sentido pelo E. STF, com entendimento sumulado pelo C. STJ acerca do ponto (Súmula 627). Descontos previdenciários diferenciados. Possibilidade. Aplicação do princípio da simetria na exegese do art. 1º da Lei Municipal nº 13.383/02. Sentença de improcedência reformada para a procedência da demanda, com realinhamento dos encargos econômicos do processo. RECURSO PROVIDO. Súmula 627 do C. STJ: O contribuinte faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do Imposto de Renda, não se lhe exigindo a demonstração da contemporaneidade dos sintomas da doença nem da recidiva da enfermidade.[7]
No entanto, a grande celeuma envolvendo o tema está na categoria de sujeitos que recebem os seus proventos ainda na ativa e contraem uma das doenças graves contidas no rol daquele artigo. Inúmeros requerimentos têm sido feitos tanto de forma administrativa quanto através da tutela jurisdicional, após a negativa do deferimento pela via administrativa.
A linha de argumentação daqueles que resistem ao deferimento da isenção do imposto de renda encontra-se na impossibilidade de estender a exclusão do referido crédito a uma categoria em que a lei não mencionou, de forma que o art. 6º da lei 7.713/89 teria que ser interpretado de forma literal, consoante art. 111 do CTN.
Com a devida vênia, trata-se, em nosso entender, de um argumento equivocado oriundo de uma leitura desatenta ao referido artigo. O que se denota da leitura literal do referido artigo é justamente o oposto, conforme veremos no tópico a seguir.
6. DA POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DE ISENÇÃO DOS PROVENTOS DOS SERVIDORES ACOMETIDO PELAS DOENÇAS CONTIDAS NO ROL DO ART. 6, XIV DA LEI 7.713/88 QUE ESTÃO EM ATIVIDADE:
A linha de argumentação daqueles que resistem ao deferimento da isenção para servidores e profissionais liberais em atividade não merece prosperar. A lei é evidente quando menciona que o que se estar a isentar são proventos, que como dito, são vantagens, remunerações conferidas a profissionais liberais e a servidores públicos. É certo que a lei também abrange a isenção aos “proventos de aposentadoria”, mas não só a esta categoria de sujeito passivo.
A conjunção aditiva “E” contida ao longo da norma corrobora que a isenção beneficia também aqueles que recebem proventos e que embora estejam exercendo o seu labor normalmente, foram diagnosticados com uma das doenças contidas naquele rol.
Fazendo-se um paralelo à norma contida no art. 111 do CTN que afirma que a lei que concede a isenção deve ser interpretada literalmente, trazemos, a título elucidativo e para ratificar o que aqui se expõe, o conceito de conjunção aditiva conforme ensinamento do respeitado professor de português Douglas Tufano. Segundo o referido professor, uma conjunção aditiva estabelece uma ideia de acréscimo, soma, adição e geralmente é empregada para ligar uma palavra a outra ou ainda uma oração a outra[8].
Assim, procedendo a uma releitura detida e literal do art. 6, XIV da Lei 7.713/88, teríamos uma norma assim disposta: ficam isentos do Imposto de Renda os proventos de aposentadoria (1ª Categoria) ou proventos de reforma motivada por acidente de trabalho (2ª Categoria) e (conjunção aditiva - idéia de adição) os proventos percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental [...] com base em conclusão da medicina especializada (prova do diagnóstico por um médico através de um laudo ou outro documento semelhante) (3ª Categoria), mesmo que (ainda que) a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma (4ª Categoria).
A leitura do referido inciso dessa maneira é claro, literal e de acordo com as normas constitucionais, posto que a referida isenção é pautada num dos fundamentos da república federativa do Brasil, a dignidade da pessoa humana[9] bem como no direito fundamental à saúde.
Está em consonância ainda com a norma contida no art. 111 do CTN que determina a interpretação literal das normas que digam respeito a exclusão do crédito tributário ou de que tratem de outorga de isenção tributária; e ainda com a própria lei 7.713/88 já que prevê a isenção nos exatos termos previstos na lei e ainda na forma do escopo da criação dessa norma.
Esse é, repise-se, o intuito da isenção contida na Lei 7.713/88: dar melhores condições para que o sujeito passivo enfermo possa tratar da doença grave e assim se curar do infortúnio que já o priva de uma série de faculdades diárias e condições de vida naturalmente causados pela doença que enfrenta.
Não obstante, há ainda uma conformidade com o art. 150, II da Constituição Federal[10] que estatui que é vedado aos entes da federação instituir tratamento desigual a contribuintes que se encontre em situações equivalentes. In casu o deferimento da isenção ao servidor ou trabalhador da ativa é uma medida que alcança a isonomia material, a medida que em virtude de uma circunstância grave e justificável alivia financeiramente uma pessoa acometida por uma das doenças graves contidas no rol do art. 6º XIV da lei 7713/88 de forma justificável tratando os desiguais de forma desigual. Não pensar dessa maneira seria incorrer numa discriminação indevida entre contribuintes.
A isenção para essa categoria de contribuintes, portanto, é uma verdadeira oxigenação da vertente constitucional do direito tributário já que aplica uma das faces do princípio da isonomia – a material – no âmbito tributário, já que desonera a renda de pessoas que pelo diagnóstico de uma patologia grave está naturalmente com a sua renda sobrecarregada com o tratamento da doença.
Doutra banda, do ponto de vista econômico, conceder a isenção humanitária para os servidores e profissionais liberais da ativa é uma excelente saída para o Estado. Entender de maneira diversa, como algumas fazendas públicas vêm defendendo, seria criar gastos desnecessários a administração pública, já que forçar o servidor ou profissional ainda em condições de trabalhar a se aposentar para conceder a isenção faria com que a grande maioria dos acometidos por estas doenças naturalmente se aposentassem, mesmo estando em condições de exercer o seu labor, mormente a evidente vantagem financeira que a não obrigação de arcar com o imposto de renda traz ao contribuinte que atingiu os requisitos previsto na lei.
A precipitação dessas aposentadorias faria com que o sujeito passivo, embora debilitado pela patologia mas em plenas condições em figurar na população economicamente ativa, deixasse de contribuir com outros tributos à própria fazenda pública e assim fazendo o indivíduo deixar de produzir riqueza ao ente público.
Obriga ainda o Estado, por tabela, a uma, a gastar recursos públicos para manter a aposentadoria daquele que ainda pode e quer manter-se trabalhando; a duas, onera recursos públicos para contratar um servidor ou profissional para trabalhar na função do sujeito que se aposentou; e ainda, a três, indiretamente força o sujeito doente e aposentado a se utilizar com mais frequência dos hospitais e serviços públicos ligados a saúde, já que com uma vida mais ociosa que a aposentadoria traz, torna o sujeito mais propenso a potencializar os pensamentos na doença que se encontra acometido e, naturalmente, a procurar mais os hospitais para se tratar, o que, como dito, acarreta naturalmente em maiores gastos públicos.
7. POSICIONAMENTOS DOS TRIBUNAIS SUPERIORES ACERCA DO TEMA:
A referida discussão tem batido as portas dos tribunais superiores, tendo o STJ se decidido em reiteradas decisões apenas sobre pontos periféricos acerca do tema. Os posicionamentos recentes da referida corte têm sido inclusive objeto de súmula. Um deles refere-se à desnecessidade do laudo médico oficial para o reconhecimento judicial do direito a isenção judicial em virtude da doença:
Súmula 598-STJ: É desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do Imposto de Renda, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova.
Percebe-se aqui que há uma tendência por parte daquela corte em abrir as portas do judiciário para apreciação dos casos negados pelo ente administrativo e de se permitir que o sujeito passivo consiga provar através de qualquer meio da medicina especializada, seja o laudo de diagnostico oficial ou não e ainda permitir que o Magistrado, baseado no princípio do livre convencimento motivado, possa verificar com um razoável grau de profundidade, a prova da doença que o requerente está alegando e assim fazer o cotejo analítico pelos diversos meios de prova juntado aos autos.
Assim, através do enunciado sumular, oportuniza-se ao Magistrado melhores condições para verificar a correição do ato administrativo que deferiu ou indeferiu a isenção com base na referida lei pela autoridade administrativa.
Outro tema que recentemente foi sumulado pelo STJ diz respeito a comprovação da recidiva da doença. O Tribunal da Cidadania assim se posicionou sobre o tema:
Súmula 627-STJ: O contribuinte faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do imposto de renda, não se lhe exigindo a demonstração da contemporaneidade dos sintomas da doença nem da recidiva da enfermidade. STJ. 1ª Seção. Aprovada em 12/12/2018, DJe 17/12/2018.
Confirmando o que afirmamos anteriormente, há aqui mais uma evidência acerca da tendência de interpretação ampliativa do rol do art. 6º, XIV da Lei 7.713/88. Infere-se deste enunciado um reconhecimento da gravidade da patologia por esta corte superior e que a doença atinge o contribuinte de forma tão grave que mesmo estando o contribuinte aparentemente assintomático, terá ele a partir do diagnóstico e do tratamento em diante um cuidado muito maior com a sua saúde, tendo naturalmente que gastar expressivos valores com remédios e acompanhamento médico, que certamente o acompanharão por toda a vida.
Não se está aqui se afirmando que a corte irá reconhecer uma categoria de contribuintes fora do rol contido na lei, sob pena de afronta ao art. 111 do CTN. Na verdade, afirma-se que, ao contrário do entendimento restritivo de alguns juízos e autoridades administrativas, há um verdadeiro “balançar de olhos” do ponto de vista hermenêutico com uma consequente evolução interpretativa do dispositivo fazendo-se assim uma releitura do inciso da lei em epígrafe no sentido de reconhecer categorias já previstas por este artigo.
Nesse sentido, já há alguns entendimentos dos Tribunais na forma defendida por esta tese, senão vejamos:
TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. DOENÇA GRAVE. LEUCEMIA. ROL DO INCISO XIV DO ART. 6º DA LEI 7.713/1988. TERMO INICIAL. DATA EM QUE RECONHECIDA A MOLÉSTIA POR LAUDO OFICIAL. 1. Estando comprovado ser a parte autora portadora de moléstia grave, nos termos indicados no inciso XIV, artigo 6º, da Lei 7.713/1988, com a alteração trazida pela Lei 11.052/2004, o benefício da isenção de imposto de renda deve ser observado em relação aos rendimentos percebidos a partir da data em que a doença foi diagnosticada, por meio de laudo médico oficial - mesmo que o contribuinte ainda esteja em atividade. 2. "Em se tratando de benefício fiscal destinado a propiciar ao contribuinte aposentado ou reformado, em virtude de acidente em serviço, bem assim àquele portador de doença grave, maior capacidade financeira para suportar o custo elevado do tratamento permanente enquanto padecer da moléstia, a sua concessão é devida, tanto na atividade como na inatividade, tendo em vista que, em ambas as hipóteses, o sacrifício é o mesmo, prestigiando-se, assim, os princípios da isonomia e da dignidade da pessoa humana, na defesa do postulado maior da proteção e da valorização da vida, na dimensão de respeito ao valor da saúde, como garantia fundamental prevista em nossa Carta Magna (CF, arts. 1º, III, 5º, caput, 196 e 170, caput)."[11]
APELAÇÃO CÍVEL. TRIBUTÁRIO. EXTINÇÃO DO FEITO SEM RESOLUÇÃO DO MÉRITO. SENTENÇA ANULADA. JULGAMENTO DO MÉRITO. ART. 1013, § 3º, INC I, DO CPC/2015. IMPOSTO DE RENDA. ISENÇÃO. MOLÉSTIA GRAVE. ENFERMIDADE COMPROVADA POR LAUDO MÉDICO. TUTELA DE URGÊNCIA. PRESCRIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARTIGO 942 DO NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E DO ART 2º, § 8º, INCISO II, DA RESOLUÇÃO PRESI 11/2016. 2 1. A divergência apontada no voto-vencido do eminente Desembargador Federal Hercules Fajoses (fl. 128) é da necessidade de ser o contribuinte aposentado para o deferimento da isenção de imposto de renda, com base no art. 6º, inc. XIV, da Lei 7.713/1988. [...] 5. Devidamente comprovado nos autos que a parte autora é portadora de neoplasia maligna, deve ser afastada a tributação pelo IRPF dos rendimentos da parte autora. 6. Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça, é desnecessária apresentação de laudo médico oficial, ou a comprovação da recidiva da enfermidade, para o reconhecimento da isenção de imposto de renda. 7. A isenção engloba os "rendimentos salariais" do portador de moléstia grave e não só os "proventos de aposentadoria", pelo seu caráter alimentar que foi o que justificou a norma. Na espécie, a parte autora está aposentada (fl. 37). 8. "A isenção, vicejando só em prol dos "inativos portadores de moléstias graves", está descompromissada com a realidade sócio-fático-jurídica; a finalidade (sistemática) da isenção, na evolução temporal desde sua edição em 1988; os princípios da isonomia e da dignidade humana e, ainda, com o vetor da manutenção do mínimo vital" (EIAC 0009540-86.2009.4.01.3300 / BA, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUCIANO TOLENTINO AMARAL, QUARTA SEÇÃO, e-DJF1 p.1023 de 08/02/2013). 9. À restituição aplica-se apenas a taxa SELIC, uma vez que os valores a serem restituídos são posteriores a janeiro de 1996. 10. Verba honorária fixada em 10% sobre a condenação, em desfavor da FN (valor da causa: R$ 30.600,00). 11. Apelação provida para anular a sentença e, prosseguindo no julgamento, na forma do disposto no art. 1.013, § 3º, inciso I do CPC/2015, e julgar parcialmente procedente o pedido (art. 942 do Novo CPC e do art 2º, § 8º, inciso II, da Resolução Presi 11/2016).[12]
Mormente os julgados citados, o STJ tem como firme o posicionamento no sentido da observância da interpretação literal ao art. 6º, XIV da Lei 7713/88 e a vedação a interpretação extensiva ou analógica para a concessão de isenção, conforme se vê no trecho do seguinte julgado:
[...] 3. Consectariamente, revela-se interditada a interpretação das normas concessivas de isenção de forma analógica ou extensiva, restando consolidado entendimento no sentido de ser incabível interpretação extensiva do aludido benefício à situação que não se enquadre no texto expresso da lei, em conformidade com o estatuído pelo art. 111, II, do CTN. [...][13]
Embora o julgado citado trate de discussão diferente do epicentro da tese, que seria a interpretação extensiva do rol contido no art. 6ª da Lei 7.713/88, a citação expõe o entendimento consolidado do STJ acerca da interpretação literal na forma do art. 111 do CTN, um dos fundamentos jurídicos que viabilizam a concessão da isenção na forma que se defende ao longo do texto.
Apesar da argumentação acima, é de se ressalvar que em meados de 2020 tanto o STJ quanto o STF enfrentaram o tema da isenção do imposto de renda para servidores e profissionais da ativa, tendo ambas as cortes se posicionado em sentido contrário ao deferimento da isenção para servidores e trabalhadores da ativa. Segue a tese definida nos julgados:
O art. 6º, XIV, da Lei nº 7.713/88 prevê que as pessoas portadoras de neoplasia maligna ou outras doenças graves e que estejam na inatividade não pagarão imposto de renda sobre os rendimentos recebidos a título de aposentadoria, pensão ou reforma. Essa isenção é devida apenas às pessoas que recebem aposentadoria, pensão ou reforma e não é possível que o Poder Judiciário estenda o benefício aos trabalhadores que estão em atividade. Não é possível que o Poder Judiciário, atuando como legislador positivo, amplie a incidência da concessão de benefício tributário, de modo a incluir contribuintes não expressamente abrangidos pela legislação pertinente. A legislação optou por critérios cumulativos absolutamente razoáveis à concessão do benefício tributário, quais sejam, inatividade e enfermidade grave, ainda que contraída após a aposentadoria ou reforma. STF. Plenário. ADI 6025, Rel. Alexandre de Moraes, julgado em 20/04/2020 (Info 983 – clipping).
Não se aplica a isenção do imposto de renda prevista no inciso XIV do artigo 6º da Lei nº 7.713/88 (seja na redação da Lei nº 11.052/2004 ou nas versões anteriores) aos rendimentos de portador de moléstia grave que se encontre no exercício de atividade laboral. STJ. 1ª Seção. REsp 1.814.919-DF, Rel. Min. Og Fernandes, julgado em 24/06/2020 (Recurso Repetitivo – Tema 1037) (Info 676).
Em que pese o posicionamento das cortes superiores, entendemos que a linha argumentativa apresentada não merece prosperar e em breve o tema merece ser revisitado por ambas as cortes.
É que em verdade, como já discorrido ao longo deste artigo, há no texto do artigo 6º, XIV da lei 7.713/88 a menção expressa dos trabalhadores e servidores da ativa como passiveis de isenção pela lei.
Nesse toar, se analisarmos os estritos termos da lei e os julgados que deferem a isenção aos profissionais da ativa acometidos por moléstia grave podemos perceber que a partir da interpretação realizada pelos juízos que vinham deferindo a isenção pela via judicial, o operador do direito não incluiu no texto da lei um termo sequer, fazendo a sua interpretação do ordenamento jurídico de forma sistêmica, sem deixar de obedecer os preceitos e princípios das normas tributárias e privilegiando direitos de envergadura constitucional como o direito à saúde e a dignidade da pessoa humana.
No mesmo sentido, há de se perquirir se não deferir isenção aos servidores e trabalhadores da ativa não estar-se-ia realizando uma discriminação indevida entre brasileiros, em ofensa direta ao art. 19, III da Constituição Federal, que assim se pronuncia:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
III - criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si.
Veja, se se concede a isenção tributária do imposto renda a uma pessoa que possui uma moléstia grave e encontra-se aposentado e não se reconhece a mesma isenção a um indivíduo igualmente acometido pela doença e que se encontra trabalhando, estando ambas as pessoas na mesma situação jurídica e passando pela mesma enfermidade, com previsão desta nos estritos termos do artigo 6º, XIV da lei 7.713/88 que fundamentou a isenção, há em verdade uma discriminação indevida entre brasileiros.
O operador estaria, in casu, privilegiando de forma desarrazoada o profissional aposentado acometido pela enfermidade daquele igualmente doente que se encontra trabalhando. Há aqui, em nosso sentir, uma inconstitucionalidade flagrante em não se conceder a isenção a esse determinado grupo que, na verdade, não se diferencia um do outro do ponto de vista jurídico e prático.
A ofensa a Constituição, além do viés discriminatório, se dá pela ofensa a direitos igualmente relevantes como o direito à saúde e a dignidade da pessoa humana. Esta tese parte inclusive de uma interpretação conforme a Constituição das normas infralegais, técnica interpretativa importada do direito alemão e de ampla aplicabilidade no direito brasileiro, a medida que diante de uma norma ou termo que possui conteúdo polissêmico deve-se dar uma interpretação que busque conformar a norma aos princípios e valores constitucionais.
Desta forma, para que o tema seja novamente apreciado pelas cortes superiores, é necessário se fazer um distinguishing, aos mencionados julgados, tanto do STJ quanto do STF, de modo a se enfrentar o tema com novos argumentos e contornos jurídicos, diferenciando-se da tese firmada no recurso repetitivo tema nº 1037 pelo STJ e da ADI 6025 no STF.
8. CAMINHOS PROCESSUAIS PARA BUSCAR O DEFERIMENTO DA ISENÇÃO JUDICIALMENTE:
O reconhecimento da isenção do imposto de renda por esta lei não é automático. Uma vez figurando entre o rol de contribuintes previstos no art. 6, XIV da Lei 7.713/88, deve o interessado buscar perante a autoridade administrativa responsável pela retenção do imposto de renda, mediante petição, o seu reconhecimento. Vale salientar que o sujeito tem direito ao benefício da isenção desde o momento do preenchimento dos requisitos, mesmo que o deferimento da isenção tenha sido feito de forma tardia, devendo o requerente apenas observar o prazo prescricional de 5 anos previsto no art. 1º do decreto 20.910/32.
Havendo a negativa administrativa, deve o requerente pleitear o reconhecimento através de ação judicial de obrigação de fazer, podendo a ação, a depender do valor, do ente recolhedor do tributo e do código de organização judiciária do Tribunal onde a demanda for ajuizada ser distribuída em um juizado ou vara estadual ou federal da fazenda pública ou ainda numa vara residual, caso não haja juízo especializado da Fazenda naquele Tribunal.
Uma outra via instrumental para a tutela jurisdicional pretendida seria o mandado de segurança. Uma vez sendo negado o direito líquido e certo a isenção tributária, tendo o impetrante provado documentalmente o preenchimento dos requisitos e a coação do direito pela autoridade coatora, é perfeitamente possível o ajuizamento do mandado de segurança no sentido de se fazer cessar os descontos indevidos do imposto de renda nos proventos do contribuinte. No entanto, o mandado de segurança só se presta a fazer a imediata cessação dos descontos da distribuição da ação em diante (efeito ex nunc).
Assim, uma vez transitado em julgado a demanda pela via mandamental e sendo favorável o pleito, deve o requerente buscar pela via ordinária o retroativo dos valores recolhidos indevidamente pela autoridade fiscal, já que os descontos do imposto de renda devem cessar a partir do diagnóstico da doença em diante, sendo irrelevante ainda a contemporaneidade ou recidiva da doença.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apesar de se tratar de tema cheio de controvérsias e pormenores, acreditamos ser plenamente viável tanto juridicamente como economicamente a isenção do IRPF para servidores e trabalhadores da ativa, nos exatos termos e limites da lei 7.713/88 e em observância ao ordenamento jurídico como um todo.
Como demonstrado, há caminhos jurídicos plausíveis e consistentes para a sua viabilidade. Em que pese os julgamentos recentes pelo STF na ADI 6.025 e no STJ recurso repetitivo, Tema 1037 entendemos que há argumentos consistentes e sob o prisma constitucional no sentido do deferimento das isenções para os servidores e trabalhadores da ativa, pois, como já dito, é interessante tanto para o jurisdicionado como para a administração pública a viabilidade da isenção do imposto de renda no caso de doenças graves previstas no rol do art. 6º da Lei 7.713/88.
Visto de outro modo, também não deve o operador do direito se distanciar do sentido teleológico da lei que foi realmente alcançar a isonomia material do contribuinte doente com o sadio, dando-o melhores condições de buscar o direito fundamental a saúde e tornar-se sadio e com a expectativa de vida igual ao de um contribuinte saudável.
Por outro lado, deve a interpretação do operador e aplicador do direito nos casos envolvendo este tema sofrer uma repaginada, de modo a além de garantir o direito à saúde, também propiciar ou ainda não privar o contribuinte do direito constitucional ao trabalho, promovendo, por tabela, a sua higidez mental.
Por estes motivos entendemos ser possível a concessão da isenção do imposto de renda para servidores e trabalhadores da ativa na forma contida no rol do art. 6º XIV da Lei 7.713/88.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais. São Paulo, RT, 1982
BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966. Código Tributário Nacional, Brasília, DF, abril 2023. Disponível em: <L5172COMPILADO (planalto.gov.br)> Acesso em: 10/04/2023
MICHAELIS, Henriette. Ed. Melhoramentos. 2015. Acessado em 03/04/2023 pelo link: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugus/busca/portugues-brasileiro/provento/. Acesso em: 10/05/2023
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 32ª Edição – 2ª Reimpressão – São Paulo, Atlas, 2018.
MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional. 2ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007.
TJ-SP - AC: 10505404620188260053 SP 1050540-46.2018.8.26.0053, Relator: Vicente de Abreu Amadei, Data de Julgamento: 12/03/2015, 1ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 07/06/2019. Disponível em: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/719058266/apelacao-civel-ac-10505404620188260053-sp-1050540-4620188260053?ref=serp. Acesso em: 19/05/2023
SARMENTO, Leila Lauar. Português: Literatura, gramática, produção de texto / Leila Lauar Sarmento, Douglas Tufano. 1ª ed. São Paulo. Ed. Moderna. 2010. Disponível em: < http://ensinoaprendizagemdigital.blogspot.com/2011/07/oracoes-coordenadas.html> Acesso em: 17/05/2023
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AC 0006591-17.2008.4.01.3400/DF, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Oitava Turma,e-DJF1 p.518 de 14/11/2011. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/diarios/94469547/stj-24-06-2015-pg-3446?ref=serp . Acesso em: 20/05/2023
TRF-1 - AC: 00723675420104013800 0072367-54.2010.4.01.3800, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL ÂNGELA CATÃO, Data de Julgamento: 20/07/2016, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: 05/08/2016 e-DJF1. Disponível em: https://trf-1.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/393980352/apelacao-civel-ac-723675420104013800-0072367-542010401013800/ementa-393980390?ref=serp . Acesso em 22/05/2023
STJ: REsp. 1116620 BA 2009/0006826-7 - Primeira seção (publicado no DJE de 25/08/2010). Disponível em: https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15912878/recurso-especial-resp-1116620-ba-2009-0006826-7. Acesso em: 27/05/2023
[1] O Professor José Afonso da Silva propôs uma teoria classificando as normas como de eficácia plena, contida e limitada. (SILVA, José Afonso da. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, São Paulo, RT, 1982.)
[2] CTN. 175. Parágrafo único. A exclusão do crédito tributário não dispensa o cumprimento das obrigações acessórias dependentes da obrigação principal cujo crédito seja excluído, ou dela conseqüente.
[3]CTN. Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I - suspensão ou exclusão do crédito tributário; II - outorga de isenção;
[4]MICHAELIS, Henriette. Ed. Melhoramentos. 2015. Acessado em 03/04/2023. Pelo link: https://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/busca/portugues-brasileiro/provento/
[5] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo, 32ª Edição – 2ª Reimpressão – São Paulo, Atlas, 2018.
[6] MACHADO, Hugo de Brito. Comentários ao Código Tributário Nacional, 2ª Ed. São Paulo, Atlas, 2007.
[7]TJ-SP - AC: 10505404620188260053 SP 1050540-46.2018.8.26.0053, Relator: Vicente de Abreu Amadei, Data de Julgamento: 12/03/2015, 1ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 07/06/2019
[8] SARMENTO, Leila Lauar. Português: Literatura, gramática, produção de texto / Leila Lauar Sarmento, Douglas Tufano. 1ª ed. São Paulo. Ed. Moderna. 2010. Disponível em: < http://ensinoaprendizagemdigital.blogspot.com/2011/07/oracoes-coordenadas.html>
[9] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: [...] III - a dignidade da pessoa humana;.
[10] Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos;
[11]AC 0006591-17.2008.4.01.3400/DF, Rel. Desembargador Federal Souza Prudente, Oitava Turma,e-DJF1 p.518 de 14/11/2011.
[12]TRF-1 - AC: 00723675420104013800 0072367-54.2010.4.01.3800, Relator: DESEMBARGADORA FEDERAL ÂNGELA CATÃO, Data de Julgamento: 20/07/2016, SÉTIMA TURMA, Data de Publicação: 05/08/2016 e-DJF1
[13] STJ: REsp. 1116620 BA 2009/0006826-7 - Primeira seção (publicado no DJE de 25/08/2010). Acessado em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/15912878/recurso-especial-resp-1116620-ba-2009-0006826-7>
Bacharel em Direito pela Sociedade de Ensino Universitário do Nordeste – SEUNE (2014), Pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera – Uniderp (2019), Pós-graduado em Direito Processual pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Alagoas – ESMAL (2020). Qualificação Profissional: Gestor da Pós-Graduação ESMAL desde 2018 até os dias atuais, Gestor do Mestrado ESMAL/UNIT desde 2020, Professor Acadêmico ESMAL (2023). Técnico Judiciário desde 2013.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIRMINO, Diego Ramon Omena. A possibilidade da concessão de isenção do imposto de renda por motivo de doença grave com base na Lei 7.713/88 para os servidores e trabalhadores da ativa Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 jun 2023, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61820/a-possibilidade-da-concesso-de-iseno-do-imposto-de-renda-por-motivo-de-doena-grave-com-base-na-lei-7-713-88-para-os-servidores-e-trabalhadores-da-ativa. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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