RESUMO: O objetivo do presente artigo é destacar a presença da oralidade no contexto geral do processo civil desde a Antiguidade Clássica até o Código de Processo Civil de 1973, de modo a considerar qual a extensão da adoção da oralidade no sistema processual civil brasileiro previamente ao Código de Processo Civil de 2015. Dessa forma, são fornecidos ao leitor subsídios para que faça uma análise crítica da relevância da oralidade como forma de tratamento ou de solução de litígios. Para tanto, pretende-se a abordagem histórica e teórico-descritiva do instituto da oralidade no desenvolvimento dos sistemas processuais civis, focando-se ao final no contexto brasileiro. Sugere-se, assim, a ampliação do debate doutrinário em torno da oralidade, importante instrumento para se conferir legitimidade e eficiência para a atuação do Poder Judiciário.
Palavras-chaves: Oralidade – Direito Romano – Direito Germânico – Direito na Idade Média – Direito Canônico – Common Law – Oralidade na Europa dos séculos XIX e XX – Oralidade no Brasil – Ordenações do Reino – Códigos de Processo Civil Estaduais – Código de Processo Civil de 1939 – Código de Processo Civil de 1973.
A oralidade é a forma de comunicação presente na sociedade humana desde seus primórdios, surgindo, como se sabe, significativamente antes da escrita. No presente trabalho, de uma abordagem inicialmente extrajurídica, passa-se à análise da oralidade no contexto do Direito, perpassando diversos ordenamentos jurídicos até adentrar especificamente na história do processo civil brasileiro, culminando com uma abordagem mais detida no Código de Processo Civil de 1973.
Mesmo com a revogação do diploma de 1973, é certo que o processo civil segue uma linearidade, não havendo propriamente rupturas na dogmática processual civil. O entendimento da história da oralidade no Direito ocidental, debruçando-se com maior vagar no caso brasileiro, permite uma melhor compreensão sobre em que ponto estamos no que tange à oralidade e ao Código de Processo Civil de 2015, bem como faculta ao jurista maior lastro crítico quando da análise do instituto da oralidade. Com efeito, confere-lhe substrato teórico e dogmático sobre o assunto.
A oralidade enquanto forma de tratamento de litígios e como forma de condução de processos é diminuída na sistemática processual brasileira, conduzindo a uma “papelização” e a uma “processualização” das questões e das circunstâncias de conflitos, conflitos estes que se dão na dinâmica do mundo da vida. Como resultado, tende-se a um procedimento abstrato e impessoal, com pouco espaço para a prática de atos processuais orais.
2.CONCEITO DE ORALIDADE
Antes de avançarmos neste trabalho, cumpre esclarecer o conceito de oralidade. De nada adianta tecer maiores considerações a respeito, seja situando sua presença na história do direito processual ou no ordenamento jurídico brasileiro, se não tivermos assentadas suas premissas epistemológicas.
2.1 ORALIDADE E ESCRITURA: APANHADO HISTÓRICO
Tanto a oralidade quanto a escritura representam formas de expressão da linguagem. Linguagem, por sua vez, é o “sistema de sinais sonoros, visuais ou táteis capazes de permitir a comunicação entre indivíduos”[1].
A linguagem oral liga-se aos fenômenos da fala e da língua, a primeira entendida como a produção de signos sonoros, já essa como um fenômeno social. A linguagem escrita, por sua vez, representa a materialização da linguagem por meio de sinais e sistemas gráficos.
A escrita desenvolveu-se a partir da escrita pictórica, quando um signo corresponde diretamente ao objeto representado, passando pela escrita ideogrâmica, fonética e silábica, culminando com a escrita alfabética. Essa já possui uma correspondência entre sons e a sua representação gráfica, ao contrário do que se sucedia com a escrita ideogrâmica (egípcios e chineses antigos).
A linguagem escrita, no início, era adstrita a certos círculos sociais, como sacerdotes, motivo pelo qual continuou a oralidade a forma dominante de comunicação social:
“Mas o surgimento da escrita, nascida da evolução social e cultural dos povos no curso da história, não substituiu ou suplantou a comunicação oral, porquanto era restrita em sua origem aos oráculos e aos sacerdotes, cercada de dificuldades e mistérios.”[2].
Vale dizer, aliás, que o papel inventado pelos chineses em 105 d.C., hoje referência à linguagem escrita, somente se popularizou no Ocidente por volta do século XIV.
Enfim, a oralidade, antes de se inserir no campo do Direito, representa a forma mais comum de comunicação ou expressão da linguagem, o que permanece como regra desde tempos imemoriais. Evidentemente, a história da linguagem é muito mais ampla que a história do Direito, bem como mais ampla que a história da escrita.
2.2 ORALIDADE NO DIREITO: CONCEITO DE ORALIDADE, ACEPÇÕES ESTRITA E AMPLA, E SEUS SUB-PRINCÍPIOS
Ao se referir à oralidade, um operador do direito se vê diante de dois significados, um amplo e outro estrito.
Em sentido amplo, implica a forma dos atos processuais, em oposição aos atos escritos. Já em sentido estrito, consiste na produção, valoração e julgamento baseado em prova não-documental. No primeiro caso, fala-se em oralidade no procedimento, enquanto que no segundo fala-se em sistema oral.
Na acepção estrita (ou sistema oral), destaca-se a presença de quatro princípios que compõem tal sistema. São eles: imediação, concentração de atos, irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias e identidade física do juiz.
“Mais do que a verdadeira oralidade, em seu sentido primitivo, a oralidade entre nós representa um complexo de ideias e de caracteres que se traduzem em vários princípios distintos, ainda que intimamente ligados entre si, dando ao procedimento oral seu aspecto particular: os princípios da concentração, da imediação ou imediatidade, da identidade física do juiz, da irrecorribilidade das interlocutórias.”[3]
Nessa linha, para bem delinear a acepção estrita da oralidade, necessária a análise dos sub-princípios que a compõem.
Tal princípio exige que o magistrado tenha contato direto com as provas, imediato, sem que haja interposta pessoa que repasse a ele o teor das provas produzidas. Impõe um contato direto e pessoal do juiz com as partes, testemunhas e peritos, ou mesmo com objetos, como no caso da inspeção judicial.
“Deve pessoalmente ouvir as partes, as testemunhas e formular ao perito os quesitos que entender necessários ao esclarecimento da controvérsia. A função da regra – claro está – é permitir que o magistrado se aproxime o máximo possível dos fatos essenciais ao bom julgamento, obtendo o maior e mais acurado acervo de informações, sobre as quais deverá formar livremente seu convencimento.”[4]
Ou, ainda, nas palavras de outros eminentes processualistas,
“O princípio da imediação exige o contato direto do juiz com as partes e as provas, a fim de que receba, sem intermediários, o material de que se servirá para julgar (a imediação não está necessariamente ligada à oralidade, mas historicamente os dois princípios sempre andaram juntos).”[5]
Por fim, a importância do princípio da imediação para a instrução do processo – e, portanto, para o posterior julgamento - é evidente, valendo destacar os dizeres do Imperador Adriano, ao enaltecê-lo:
“O imperador ADRIANO (fr. 3, Dig. de test. 22,5), depois de haver enumerado alguns critérios capazes de servirem de guia na imediação, como o grau de autoridade, a dignidade, a conformidade com a opinião público, terminou por dizer que toca ao juiz apreciar a testemunha, seu modo de depor, sua simplicidade; se tinha a aparência de repetir um discurso preparado de memória, ou de responder improvisadamente a verdade (hoc solum tibi rescribere possum (...) ex sententia animi tui te aestimare oportere quid aut credas aut parum probatum tibi opinaris). E recomendava aos juízes que interrogassem diretamente as testemunhas, mesmo à custa e fazê-las vir de longe às expensas do tribunal e de utilizarem o menos possível delegações e atas (‘Alia est auctoritas’, dizia ele, ‘praesentirum testium, alia testimnoniorum quae recitari solent’), isto porque o valor das testemunhas que depõem em pessoa é muito diferente do valor das atas que se costuma ler.”[6]
A concentração dos atos processuais encontra-se umbilicalmente ligada ao conceito de imediação. Isto porque a imediação perderia sua eficácia e seu propósito ante o transcurso de lapso temporal considerável, uma vez que
“As impressões no espírito do juiz – após seu contato imediato com as provas – não devem esmaecer sob a força corrosiva do tempo. A concentração dos atos é, portanto, senão uma decorrência lógica, uma exigência teleológica”[7]
Enfim, a concentração envolve um dinamismo inerente à oralidade, possibilitando a prática de vários atos em uma única ocasião – ordinariamente a audiência. Repudia-se a prolongação do procedimento e a diluição dos atos processuais no tempo.
2.2.3 IRRECORRIBILIDADE EM SEPARADO DAS DECISÕES INTERLOCUTÓRIAS
A irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias, por sua vez, decorre da concentração de atos, vez que não seria razoável o desenvolvimento do processo com base no sistema oral ante a interposição de recursos para as decisões incidentais, o que quebraria a cadeia de atos preordenados (o procedimento), especialmente quando pudessem sobrestar o procedimento a quo. Noutras palavras, arriscaria prolongar demasiadamente os feitos, dando margem à “força corrosiva do tempo” na coleta e análise das provas.
2.2.4 IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ
Por fim, a identidade física do juiz exige que o mesmo magistrado que colheu as provas seja aquele quem irá julgar a causa, sob pena de prejudicar “as vantagens cognitivas” decorrentes do uso do sistema da oralidade (acepção estrita do termo oralidade).
“Eis o sentido da regra da identidade física do juiz, peça final nas engrenagens da oralidade, porque incumbida de traduzir todos aqueles ganhos ou valores em uma sentença justa (ao menos no sentido de rente aos fatos).”[8]
Ou, noutra abordagem,
“Como corolário indispensável da imediação, segue-se o princípio da identidade física do juiz: o magistrado deve ser o mesmo, do começo ao fim da instrução oral, salvo casos excepcionais, para que o julgamento não seja feito por um juiz que não teve contato direto com os atos processuais.”[9]
3. PRESENÇA DA ORALIDADE NOS SISTEMAS PROCESSUAIS TRADICIONAIS E CLÁSSICOS
Nos períodos clássico e medieval, constata-se a presença de procedimentos exclusivamente orais e também de procedimentos escritos. Hoje, predomina nos ordenamentos jurídicos um sistema híbrido, que engloba atos tanto orais quanto escritos. Noutras palavras, em geral, houve predomínio inicial de um processo oral, com seu posterior declínio pela valorização dos atos processuais escritos e, mais recentemente, houve o resgate e revalorização da oralidade.
Segundo Jefferson Carús Guedes, houve três fases:
“a primeira, oral, com predomínio absoluto da comunicação oral; a segunda, oral/escrita, na qual despontaram os meios escritos, notadamente os probatórios, e a terceira, oral/escrita/documental, privilegiada pela popularização do papel, que permitiu a farta documentação, associada à ampliação das manifestações escritas.”[10]
A adoção da oralidade não exclui a escritura e vice-versa. Deve-se identificar a preponderância de um sobre o outro no ordenamento jurídico analisado.
Vejamos, enfim, como se deu a relação entre oralidade e escritura nos ordenamentos jurídicos tradicionais: Romano, Germânico, Canônico e Anglo-saxônico.
3.1 DIREITO ROMANO
Como se sabe, o Direito Romano constitui referência para qualquer estudioso da história do Direito, sendo notável o desenvolvimento de diversos institutos que ainda estão previstos em nosso ordenamento e são aplicados cotidianamente por nossos tribunais.
Tal relevância reflete o desenvolvimento da própria sociedade romana, referência cultural e jurídica, valendo destacar que
“a lei não é apenas uma forma de representação abstrata das normas regulativas da comunidade, que a figuram e norteiam, mas muitas vezes é, ela mesma, a própria sociedade apresentada sob o aspecto legal.”[11]
No âmbito do direito processual, a análise do Direito Romano se divide em três fases: legis actiones (até 130 a.C.), per formulas (130 a.C. até 294 d.C.) e cognitio extraordinaria (294 d.C. até o período Justinianeu – por volta de 565 d.C.), cada uma com suas peculiaridades. Note-se que se trata de um período extenso: compreende mais de mil anos, desde a Lex XII Tabulae até as Novellaes de Justiniano, culminando com a transição de um processo oral para um processo misto. Em resumo,
“Exclusivamente oral era, entre os romanos, o procedimento no período das ações da lei. A oralidade perdurou no período clássico, mas já então a fórmula se revestia de forma escrita. Na extraordinaria cognitio, o procedimento transformou-se em escrito no tocante a vários atos, permanecendo os debates orais.”[12]
Nas duas primeiras fases, legis actiones e per formulas, tem-se uma intervenção mínima do Estado, tendo o processo, pois, natureza preponderantemente privada, ao passo que a partir da terceira fase, extraordinaria cognitio, o Estado intervém por meio da figura de um funcionário que julgava a controvérsia, sem a necessidade de nomeação de um juiz privado - iudex, tendendo o processo, então, a natureza pública.
3.1.1 FASE LEGIS ACTIONES (ATÉ 130 A.C.)
Nessa fase, em que se sobressaíam os atos verbais, o procedimento era quase litúrgico, havendo fórmulas orais que deveriam ser respeitadas e proferidas com exatidão. O formalismo era forte, ligado à correição e recitação solene de tais fórmulas.
“A legis actiones é a fase mais antiga do processo civil romano. As partes faziam declarações solenes perante o magistrado, expondo-lhe o objeto da controvérsia, sem mencionar as razões. O magistrado limitava-se a verificar se a atividade das partes era legal, e sendo, remetia-as a um juiz leigo eleito por elas mesmo, que colheria as provas e proferia irrecorrível sentença. O menor erro na observância das solenidades impostas pela lei era suficiente para que se perdesse o processo. Daí porque, na expressão de GAIO, as ações de lei eram odiosas (Institutas, 4.30), motivo pelo qual pouco a pouco foram sendo substituídas por ações com fórmulas fixas.” [13]
O processo se desenvolvia em duas fases: a in iure, realizada perante o magistrado, que culminava com o fenômeno da litiscontestatio e a apud iudicem, na qual eram produzidas as provas e o processo era julgado por um árbitro privado. Vale ressaltar que essa decisão era irrecorrível.
Curioso destacar a “ação de lei” sacramentum in rem, modalidade que previa aposta verbal feita perante o magistrado:
“Nessa aposta dizia uma parte: ‘afirmo que este escravo me pertence, pelo direito dos Quirites...’; seguida da mesma afirmação pelo demandado. Logo, dizia o magistrado: ‘deixai um e outro o escravo’. Então, uma das partes dizia: ‘posto que tu reivindicaste injustamente te faço uma aposta de quinhentos ases’; e a outra parte respondia: ‘e eu a ti’. Feita a aposta (sacramentum), as partes eram remetidas ao iudex privado para apresentação das provas e emissão da decisão. Após a decisão, a coisa era entregue ao vencedor e o valor apostado ao Estado”[14]
3.1.2 FASE PER FORMULAS (130 A.C. ATÉ 294 D.C.)
Aqui, o procedimento também era preponderantemente oral e dividido em duas fases. Na primeira, o demandante se apresentava, indicava a ação e chamava o demandado, terminando com a redação da fórmula, a qual consistia em uma ordem escrita, destinada a relatar e regrar o litígio na próxima etapa. Nesta, oralmente e em audiência, as partes se manifestavam, seguidas de seus advogados, sendo também recebidas as provas.
Os formalismos foram em grande medida atenuados, uma vez que as partes não mais tinham que proferir palavras solenes e imutáveis, nem faziam gestos rituais: expunham os fatos sem formalidades, de maneira oral[15].
Após a exposição, sendo aceita a ação, era redigida a fórmula, incluindo-se nela o que fosse suscitado oralmente, servindo então como referência e limite à futura decisão do iudex, a qual subsistia como irrecorrível.
Vale ressaltar que a formação da litiscontestatio – do processo, por assim dizer – não se restringia às ações de lei previstas na legislação.
Outrossim,
“É a fórmula o traço marcante do processo formulário; dela advém-lhe a própria denominação: processo per formulas. Com base nela se emite o iudicium, o documento onde se fixa o ponto litigioso e se outorga ao juiz popular poder para condenar ou absolver o réu, conforme fique, ou não, provada a pretensão do autor. No sistema da legis actiones, nada havia de semelhante: o iudex julgava a questão que as partes, oralmente, lhe expunham. No processo formulário não: ele julga o litígio conforme está delimitado na iudicium, elaborada na fase in iure.”.[16]
Vê-se que, enfim,
“predominava a oralidade nas duas etapas do procedimento per formulas, sendo a sentença (quando existente) despregada de requisitos formais, pronunciada em voz alta...”[17]
Em suma, no que tange à adoção da oralidade, Fernando da Fonseca Gajardoni conclui que,
“na medida em que a maciça maioria dos atos processuais eram orais (salvo a fórmula e, talvez, a sentença); que o material probatório era produzido em prol do magistrado, que formava livremente seu convencimento (imediação); que os atos processuais, nas duas fases, eram praticados, preferencialmente, em oportunidade única (concentração); que o próprio juiz, indicado expressamente na fórmula (Octavius iudex esto), era o único autorizado a proferir sentença (identidade física); e que as decisões proferidas eram irrecorríveis (irrecorribilidade); não há mesmo dúvidas de que no período formulário houve plena adoção da oralidade”. [18]
3.1.3 FASE COGNITIO EXTRAORDINARIA (294 D.C. ATÉ 565 D.C.)
Essa forma procedimental existia desde a fase das legis actiones, sendo voltada a litígios envolvendo o Estado. No entanto, a partir dessa época se tornou regra geral, fazendo ampliar a intervenção estatal nos litígios privados, dado o processamento perante funcionários do Estado. Tal procedimento possuía maiores semelhanças com os procedimentos contemporâneos, conforme se vê:
“O pedido era depositado no fórum por escrito; era escrita a resposta (libellus contradictionem); a audiência se iniciava pela exposição do demandante (narratio) e da defesa (contradictio); prosseguia com a ouvida de testemunhas. Prenunciava-se nesta fase a gradação do valor dos testemunhos, segundo a condição social, sobrevalorizavam-se os documentos e despontavam as presunções, concluindo-se o procedimento por uma sentença necessariamente escrita.”[19]
Não havia mais, pois, a bipartição de instâncias. Acentua-se o caráter publicístico, como instrumental do Estado na solução dos litígios. Era possível recorrer da decisão final.
Poderia o juiz ter iniciativa probatória, lançando mão de outras provas que não as apresentadas pelas partes. No entanto, com o passar do tempo, as legislações foram limitando em certa medida o livre convencimento do magistrado. Em decorrência, sobrevaloriza-se a prova documental e desvaloriza-se a prova testemunhal.
“Assim, no Direito Justiniâneo, a prova testemunhal não podia prevalecer sobre os resultados da prova escrita e esta predominava em certas questões, como relativas ao estado. O testemunho de uma só pessoa era sempre irrelevante (testis unus, testis nullus) e na apreciação da prova testemunhal devia sempre dar-se maior peso ao depoimento das pessoas de elevada condição social. A prova documental (instrumentum), outrossim, passa a ter maior validade que no período formulário, não se aceitando que seja afastada por testemunhos. Importante ressaltar, ainda, que nesta fase muitos são os documentos registrados publicamente (apud acta), o que facilita a comprovação dos fatos. Por fim, a confissão tem valor preponderante: equivale à própria coisa julgada (convessum pro judicato est).”[20]
Dessa forma, percebe-se certo declínio da oralidade, não só pelo procedimento em si, mas também na menor credibilidade da prova testemunhal em face da prova documental. Porém, tal declínio não é suficiente para afastar a prevalência de um procedimento oral:
“Mas a oralidade e a imediatidade mantiveram-se, em regra, como tônicas do processo, ao lado das atas redigidas, meio de amparo à sentença que, embora escrita, era publicada oralmente. Cresce o ímpeto pelo processo escrito, mas os atos eram desenvolvidos dominantemente pela linguagem oral...” [21]
E, por fim,
“na ótima síntese de J. M. OTHON SIDOU ‘se, toda a prova romana se dirigirá no sentido do livre convencimento do juiz, que, portanto, a deve valorar dentro do mais estrito caráter da imediação e identidade; se todos os atos processuais se desenvolverão em audiência, quase sem interferência do elemento escrito; se serão inapeláveis as decisões tomadas em meio à demanda, garantindo o objetivo da concentração processual; se só a sentença definitiva se reveste da condição de coisa julgada, o que também garante o princípio da concentração – não será correto senão classificar o procedimento romano, nas suas três fases, como oral por excelência.” [22]
Como se sabe, o direito germânico era oral[23] e consuetudinário, sofrendo grande influência de conceitos religiosos, crenças e misticismos.
As disputas individuais chegavam a ser decididas em assembléias públicas, cujas decisões não eram impostas às partes, que poderiam acatar ou não a decisão. A figura do magistrado era inerte, de maneira apenas a regular/conduzir os debates e a produção das provas.
Com a conquista dos “povos bárbaros” pelos romanos, e também em razão da queda de Roma, houve uma confusão entre ambos os sistemas jurídicos, dando origem ao sistema jurídico romano-germânico, em oposição ao sistema jurídico anglo-saxônico. O primeiro vigorou a partir da Europa Continental Ocidental e tendencialmente em todos os territórios conquistados pelas nações européias ocidentais. Em contrapartida, o sistema jurídico anglo-saxônico vigora em menos territórios, todos eles ligados à expansão da nação inglesa.
No geral, após a queda de Roma, prevaleceu na maioria dos sistemas a oralidade.
“Na Europa Central, antes da implantação do feudalismo, houve um largo período (séculos V a IX) em que se restabeleceu o campesinato livre, organizado em aldeias. Consuetudinário era o direito; o processo era oral e público, mas permeado de formalidades e simbolismos religiosos” [24]
Desse período são as famosas ordálias, ou “juízos de Deus”, nos quais uma figura divina determinaria quem teria razão na causa, auxiliando-o na vitória, uma vez que não permitiria que o falsário vencesse.
Enfim,
“seguindo-se à fase hegemônica romana, o direito comum medieval, de modo geral, preservou por longos séculos as formas orais, intercaladas às formas locais próprias dos povos bárbaros.” [25]
Este predomínio da oralidade não é de se estranhar, dado que a maioria das populações era analfabeta.
É com o Direito Canônico que o cenário se altera. Até este momento, de um modo ou de outro, assumiu relevo o papel da oralidade no desenvolvimento dos processos e na solução dos litígios.
No entanto,
“Os procedimentos orais da Antiguidade Romana ou germânica pouco a pouco foram perdendo espaço para formas escritas do processo, fortemente influenciado pelo direito canônico, no qual se impõe o princípio da inexistência jurídica dos atos processuais não resultantes das actas (escritos, protocolos), gerando a conseqüente nulidade (quod non est actis non est in mundo)” [26]
Segundo este mesmo autor, o domínio do procedimento escrito consistia em uma forma de dominação intelectual por parte daqueles que sabiam ler e escrever.
De toda sorte, entre as novidades do Direito Canônico, tem-se a proibição, no início do século XIII, da participação de eclesiásticos nas ordálias, influenciando consideravelmente os sistemas probatórios. Em substituição, o Direito Canônico propugnava o sistema de prova tarifada ou legal, o qual, aliado à ênfase ao processo escrito, destinava-se a evitar insegurança e arbitrariedades no julgamento dos processos. Também optava por audiências secretas, sob o argumento de afastar influxos prejudiciais ao julgamento.
Outro ponto que merece ser ressaltado é que o Direito Canônico permitia a recorribilidade das decisões interlocutórias, o que demonstra a desvalorização da oralidade, implicando ainda, muitas vezes, a inviabilização da marcha normal do feito.
Sem prejuízo, também no início do século XIII, foi com o Papa Inocêncio III que surgiu o famoso brocardo “quod non est in actis non est in mundo” (inexistência dos atos não escritos) supracitado, o que se deu por meio da Decreta de 1216. Dessa forma, qualquer ato processual, ainda que realizado perante o juiz, deveria ser reduzido a termo – posto em uma ata.
Com estas e outras mudanças,
“Desaparece, consequentemente, a imediação própria do processo comum, proximidade entre decisor e partes, interpondo-se entre ambos, para a colheita da prova testemunhal, terceiros – interrogadores – que relatam por escrito àquele decisor. Do mesmo modo, torna-se secreta a audiência e a publicidade dos atos é paulatinamente extinta.” [27]
Não obstante, a preocupação com a simplificação dos procedimentos esteve presente, materializada pelo decreto Clementia Saepe, editado pelo Papa Clemente V em 1306, que introduziu uma modalidade de procedimento sumário. Nele, facultava-se a apresentação oral da demanda, ampliavam-se os poderes instrutórios do magistrado, permitia o controle do número de audiências e preconizava a irrecorribilidade das decisões interlocutórias.
De qualquer forma, o processo canônico, com o predomínio da escrita, burocracia e lentidão, se manteve até o final do século XVIII em grande parte da Europa Continental, a despeito das pressões e mudanças sociais.
3.5 COMMON LAW: ORDENAMENTO INGLÊS
O sistema anglo-saxônico, por sua vez, recebeu pouquíssima influência do direito canônico. Sua origem liga-se à unificação de um direito consuetudinário com o procedimento imposto por tribunais reais centrais, por volta dos séculos XI e XII.
O processo nesse sistema valoriza a oralidade, a imediação e a concentração, havendo predominância de atos orais realizados em audiências.
Tais características do Common Law são justificadas, em parte, pela existência de um jurado civil:
“embora quase desaparecido na Inglaterra, mas preservado ainda nos Estados Unidos. Ligam-se a oralidade e o jurado porque é na audiência, destinada à informação deste, que são colhidos o depoimento das partes e a prova testemunhal e são realizados os debates, forçando, assim, a imediação e concentração dos atos.” [28]
Hodiernamente, como se sabe, há uma convergência entre o Common Law e o Civil Law[29], que no caso do sistema inglês é exemplificado pelas Civil Procedure Rules – CPR – de 1999, responsável, p.e., por codificar parte das normas e ampliar os poderes instrutórios e diretivos do magistrado.
4.ORALIDADE NAS LEGISLAÇÕES EUROPÉIAS DO SÉCULO XIX
Tal qual dito alhures, o processo baseado nas normas do direito canônico subsistiria indelével até meados do século XVIII. Seu declínio deve-se à influência do Iluminismo, que primava pela racionalidade, propugnando uma nova concepção do homem e do universo, ressuscitando conceitos da Antiguidade Clássica. Essa mudança de paradigma, no que tange à sistemática processual, teve como efeito a simplificação do procedimento, deixando de imperar o processo escolástico, apriorístico e abstrato, prevalecendo outros com viés mais empírico, indutivo e com maior cientificidade.
Também nesse período deu-se o início das codificações, começando com o Code de Procédure Civile (1806), passando pelo Código de Hanover (1850), Alemão (1877-1879) e Austríaco (1895), dentre outros.
Ao analisar as novas legislações européias, Giuseppe Chiovenda concluiu
“ser oral e concentrado o processo civil inglês e oral, desde 1806, o processo civil francês. Do mesmo modo considerava oral o processo civil alemão (Zivilprocessordnung de 1877-1879, base de todas as legislações posteriores); oral o processo austríaco (Zivilprocessordnung de 1895); orais os processos húngaro, norueguês, sueco, suíço, japonês, entre outros. Resistia ainda a Itália, mesmo com toda a evolução da ciência processual, resumindo a oralidade à parte final do procedimento.”[30]
Na França, com o código processual de 1806, recrudescia o caráter imediato, oral e concentrado do processo. Evidenciava-se, ainda, a desconfiança com juízes, que seriam, nas palavras de Montesquieu, apenas “la bouche de la loi” (boca da lei), dado o receio e temor do regime absolutista – vale lembrar que a magistratura tinha forte vínculo com a nobreza e, antes, chancelava o “Antigo Regime”.
Noutro giro, o Código Austríaco de 1895 foi projetado por Franz Klein, e suas inovações trouxeram grande reviravolta naquele país, inclusive com um episódio de greve de advogados e demissão em massa de magistrados, por resistência em aplicar a lei nova[31]. Seu idealizador percorreu o território do Império Austro-Húngaro com a finalidade de divulgá-la durante o período de vacatio legis do diploma – três anos. O Código Austríaco também é considerado a matriz da audiência preliminar, em alguma medida prevista no art. 331 do Código de Processo Civil brasileiro de 1973. No entanto, ironicamente, no século que se seguiu, a oralidade no sistema austríaco perdeu seu espaço, culminando com a extinção da erste Tagsatzung no ano de 2002[32].
Já o Código Alemão, em decorrência da oralidade, previu expressamente os princípios da imediação (§ 119) e identidade física do juiz (§ 280).
Em suma, a partir de meados do século XIX, abandona-se o procedimento enquanto prática escrita, promovendo-se uma reformulação das ideias acerca do processo, resultando, exemplificativamente, em uma maior interação do juiz com as partes, mais racional apreciação da prova, além da composição de um procedimento que serviu de base para diversas outras codificações, envolvendo a previsão de audiências e retirando do magistrado sua postura inerte e neutra.
Enfim, conferiu maior legitimidade ao processo perante a população, ao mesmo tempo em que se dava início a sua democratização, tendo como marco inicial o retorno à oralidade, em especial quando confrontada com a teoria das provas.
5.ORALIDADE NAS LEGISLAÇÕES EUROPÉIAS DO SÉCULO XX
No século XX, preponderaram discussões em torno da oralidade e da escritura no processo, tendo como consequência alterações nas codificações editadas no século anterior, v.g., o Código Austríaco.
“Rivalizam os opositores sobre os valores e desvalores da oralidade e da escritura, despontando como vantagens do sistema da escritura a fixação das manifestações das partes e como desvantagens a lentidão e as restrições à publicidade. Como vantagem do sistema da oralidade, destacam-se a fácil condução do processo, a rejeição às armadilhas das partes e a celeridade, tendo em contrapartida os defeitos de prestar-se à espetaculosidade e de superestimar a memória do magistrado.”[33]
De todo modo, com o enfoque na oralidade, dois juristas merecem destaque: Giuseppe Chiovenda e Mauro Cappelletti.
Conforme dito supra, Chiovenda concluiu que em diversos ordenamentos europeus predominava a oralidade. Concluiu também que isso trazia vantagens, incutindo velocidade no desenvolvimento dos procedimentos.
“CHIOVENDA adverte, em defesa da oralidade, que ‘a experiência deduzida da história permite concluir, sem detença, que o processo oral é, com ampla vantagem, melhor e mais conforme à natureza e às exigências da vida moderna, porque exatamente sem comprometer, antes assegurando melhor a excelência intrínseca da decisão, proporciona-a com mais economia, simplicidade e presteza. E, pelo que se refere à celeridade do processo, frisamos, desde logo, a esta altura, um dado extraído das estatísticas judiciárias dos países de processo oral em confronto com o nosso, e é que o processo escrito dura em média três ou quatro vezes mais que o processo oral.” [34]
Ardoroso defensor da oralidade, é também de Chiovenda a dissociação da oralidade em sub-princípios. Pugnava que a oralidade deveria ser a regra, podendo e mesmo sendo necessário, em alguns casos, haver exceções, dependendo da natureza da causa.
Outrossim, na defesa da oralidade,
“assim afirma Giuseppe Chiovenda: ‘[...] A maior rapidez, a maior facilidade de entender-se reciprocamente, a seleção que a defesa falada opera naturalmente nas razões e argumentos, dando a perceber a eficácia dos bons e a inanidade dos maus, a genuidade da impressão de quem ouve, explicam a importância que o debate oral oferece nas relações públicas e privadas da vida moderna.’ (CHIOVENDA, 1945, p. 76)”. [35]
Lado?? outro, discorrendo dos benefícios da adoção da oralidade no processo, aduz o mestre italiano:
“Desse modo, verifica-se que o processo oral reduz de dois terços, pelo menos, o número dos atos judiciais necessários num processo escrito; faz por desaparecer inúmeros incidentes, alimentados pelo formalismo do processo escrito; e a proibição de impugnar as interlocutórias em separado do mérito, reduz notavelmente as causas de recurso. (CHIOVENDA, 1945, p. 86-87)”. [36]
E, reduzindo os atos processuais, inclusive os recursos - na visão de Chiovenda -, não haveria necessidade de incrementar a máquina judiciária em termos de logística e recursos humanos e materiais. Além disso, estatísticas austríacas, segundo Chiovenda, indicavam que a porcentagem das sentenças reformadas diminuiu após a reforma que adotou o processo oral[37].
Como se vê, para Chiovenda, a oralidade era indispensável aos procedimentos, trazendo significativos benefícios em relação ao predomínio da escritura.
Cappelletti preconizava a utilização da oralidade como forma de facilitar o acesso à justiça, e não como panacéia aos males do processo. O jurista propôs um novo prisma de análise do Direito:
“O resultado mais notório desta nova visão foi sintetizado por Cappelletti no que denominou de novas dimensões da justiça na sociedade contemporânea, que são a constitucional, a transnacional e a social. Esta última dimensão, subdividida em três ondas: primeira onda – assistência judiciária aos carentes; segundo onda – tutela jurisdicional de interesses especialmente vulneráveis, como os coletivos de categorias ou grupos ou aqueles difusos; terceira onda – mais complexa e ampla, de criação de procedimentos acessíveis, simples e econômicos, de justiça de coexistência, voltada à conciliação e transação, e, ainda, de participação de leigos na função estatal ou paraestatal.”[38]
A oralidade não consiste mais no centro das reformas processuais, mas ainda possui valor, especialmente na concretização da terceira onda de acesso à justiça: via previsão de procedimentos acessíveis, simples e econômicos, e que priorizem a “justiça de coexistência”, adjetivos nos quais se encaixaria a oralidade.
Vale apontar que o Brasil se norteou – ainda que de maneira inconsciente – pelos estudos de Mauro Cappelletti e Bryant Garth[39], no que diz respeito às três ondas de acesso à justiça, fato que se verifica pela lei 1.060/50 (Assistência Judiciária) e, entre os anos de 1965 e 1990, as leis especiais da Ação Popular, Ação Civil Pública, Código de Defesa do Consumidor e Estatuto da Criança e do Adolescente. Já na década de 1990 foi editada a Lei dos Juizados Especiais.
6.PRESENÇA DA ORALIDADE NA EVOLUÇÃO DO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO
No que toca ao direito processual civil, o ordenamento jurídico brasileiro desenvolveu-se pelas seguintes legislações: Ordenações Afonsinas, Ordenações Manuelinas, Ordenações Filipinas, Regulamento 737/50, Consolidação Ribas, Códigos estaduais de Direito Processual Civil e Códigos de Processo Civil de 1939 e de 1973, este ainda vigente.
As Ordenações Afonsinas vigeram de 1446 a 1521, quando entraram em vigor as Ordenações Manuelinas. Dessa forma, influenciaram minimamente o Brasil, o qual, como é notório, somente passou a ser efetivamente colonizado a partir de 1530, aproximadamente.
De todo modo, as Ordenações Afonsinas consolidavam a legislação portuguesa de Afonso II até Afonso V. Não se tratavam de uma codificação, mas de uma compilação coordenada de regras e leis, sendo dividido em cinco livros. O terceiro tratava do processo civil.
“As Ordenações Afonsinas tinham como fonte a legislação feudal, o direito romano justinianeu e as Decretais de Gregório IX, tendo vigorado em Portugal e no Brasil até 1521, quando ocorreu a publicação das Ordenações Manuelinas.” [40]
Substituindo as Ordenações Afonsinas em 1521, estas normas subsistiram até 1603, quando entraram em vigor as Ordenações Filipinas.
Tinham como tema central o poder absoluto do rei, seguindo a mesma estrutura e distribuição de matérias das Ordenações Afonsinas.
As Ordenações Filipinas projetavam um procedimento majoritariamente escrito, solene e burocrático, fruto em parte da influência exercida pelo Direito Canônico. Há ainda um afastamento entre o juiz e a coleta das provas, realizado por inquiridor, secretamente e sob registro de tabeliães, tal qual dispunha o Livro I, Título 86 e Livro III, Título 62. Outrossim, era adotado o sistema de prova legal ou tarifada, sem se cogitar de livre convicção[41].
“Em seu L. III, as Ordenações filipinas disciplinaram o processo civil, dominado pelo princípio dispositivo e movimentado apenas pelo impulso das partes, cujo procedimento, em forma escrita, se desenrolava através de fases rigidamente distintas.”[42].
Entretanto, na contramão desse sistema, vale destacar a figura dos juízes de vintena (ou pedâneos) [43],
“escolhidos anualmente pelos vereadores nas aldeias ou bairros e competentes para o julgamento de causas de pequeno valor, que eram decididas sumária e verbalmente, com a execução imediata de suas decisões.”[44]
Sem embargo, após a Independência do Brasil, um decreto de outubro de 1823 determinava que continuássemos a adotar as leis portuguesas[45]. Portanto, a despeito da influência da Constituição Imperial de 1824, o processo continuava regido pelas Ordenações Filipinas, já vigentes há mais de dois séculos, ao lado de leis imperiais.
Entre essas leis,
“merecem atenção os Regulamentos de 15.03.1842 e de 22.11.1861, que regulavam o ‘processo sumaríssimo’, desenvolvido ante o juiz de paz, para a solução de causas cíveis sobre dívidas ou bens móveis, com procedimento verbal e simplificado, concluído por sentença oral dada em audiência. (...). Iniciava-se o procedimento por petição escrita e assinada pela própria parte e procurador, acompanhada de documentos e de rol de testemunhas, sendo a seguir designada audiência para ouvir testemunhas e partes, para a qual era novamente ‘citado’ o réu (fora já antes citado para a tentativa de conciliação), sendo a sentença, se possível, proferida na mesma audiência.”[46]
Dada a quantidade de leis extravagantes, em 1876, foi confiada pelo Governo Imperial ao Conselheiro Ribas a tarefa de reunir toda a legislação relativa ao processo civil. O resultado dessa compilação é conhecido como “Consolidação Ribas”, mas não se tratava de mera compilação de leis.
“A Consolidação das Leis do Processo Civil, elaborada por Ribas, passou a ter força de lei, em virtude da resolução imperial de 28 de dezembro de 1876. O trabalho do Conselheiro Ribas, na verdade, não se limitou a compilar as disposições processuais então vigentes. Foi além, reescrevendo-as muitas vezes tal como as interpretava; e, como fonte de várias disposições de sua Consolidação, invocava a autoridade não só de textos romanos, como de autores de nomeada, em lugar de regras legais constantes das Ordenações ou de leis extravagantes.”[47]
Também dessa época é o “Esboço de Código Civil” (1865), redigido e organizado por Teixeira de Freitas, rejeitado pelo Legislativo brasileiro, mas que influenciou significativamente o ordenamento jurídico argentino. Teixeira de Freitas também realizou um trabalho de compilação de leis civis em 1858[48].
O Regulamento 737/1850 foi o primeiro código processual elaborado no Brasil e versava sobre normas processuais de direito comercial. A partir do decreto 763, de 19.09.1890, editado já pelo governo republicano, estendeu-se sua aplicação também para as causas cíveis. Mas não para todas, subsistindo procedimentos especiais esparsos.
Quanto à percepção doutrinária acerca do Regulamento, tem-se que
“dividiu os processualistas. Foi considerado ‘um atestado da falta de cultura jurídica, no campo do direito processual, da época em que foi elaborado’; e foi elogiado como ‘o mais alto e mais notável monumento legislativo do Brasil, porventura o mais notável código de processo até hoje publicado na América’.”[49]
Sem prejuízo, Cintra, Grionver e Dinamarco expõem sua abalizada opinião:
“Na realidade, examinado serenamente em sua própria perspectiva histórica, o Regulamento 737 é notável do ponto de vista da técnica processual, especialmente no que toca à economia e simplicidade do procedimento.”[50]
Jefferson Carús Guedes, por sua vez, aduz que
“No que toca ao processo oral, a jurisdição comercial, embora tenha atenuado o formalismo, não diferia totalmente das leis anteriores e, excepcionalmente, previa regras para as ‘ações sumárias’.”[51]
De qualquer forma, por ser voltado ao direito comercial, não satisfazia com plenitude as situações processuais civis concretas, o que motivou a edição de novas leis, sem prejuízo do texto das Ordenações Filipinas, já vigentes por quase três séculos.
Entretanto, tal situação se altera de maneira inusitada, devido à Constituição Republicana de 1891, como se verá adiante.
6.5 CÓDIGOS DE PROCESSO CIVIL ESTADUAIS
A Constituição Republicana de 1891 outorgou aos estados federados a autonomia legislativa em matéria de direito processual civil, comercial e penal. Em consequência,
“Entre os anos de 1908 e 1930, editaram-se normas de processo nos Estados do Rio Grande do Sul (1908), Maranhão (1909), Espírito Santo (1914), Bahia (1915), Rio de Janeiro (1919), Paraná (1920), Piauí (1920), Sergipe (1920), Ceará (1921), Minas Gerais (1922), Rio Grande do Norte (1922), Pernambuco (1924), Distrito Federal (1924), Santa Catarina (1928) e São Paulo (1930).”[52]
A despeito da independência, tais códigos guardavam consideráveis semelhanças entre si e com o Regulamento 737/1850.
Quanto à presença da oralidade, não receberam influxos das discussões que se sucediam no direito comparado, que envolviam a revalorização da oralidade e o desenvolvimento do processualismo científico, este verificado desde meados do século XIX (sendo considerada como marco da fase autonomista do Direito Processual a obra de Oskar Von Bülow, “Teoria dos Pressupostos Processuais e Exceções Dilatórias”, de 1868). Por conseguinte, apesar de prestigiar a presença de audiências, dir-se-ia que se tratava de uma
“oralidade primária, sem ultrapassar limites técnicos e científicos de legislações brasileiras anteriores. Mantiveram esses Codigos, em grande parte, o sistema de múltiplas audiências ‘ordinária’ e ‘extraordinária’, sendo as primeiras de realização obrigatória e as últimas de livre designação do juiz, segundo o requerimento das partes ou a necessidade do juízo (...). Mesmo assim, a audiência, momento alto de aproximação entre juiz e as partes, entre o juiz e a prova, vinha prevista com toda a minudência em todos os Codigos. (...). Continham também, em boa parte, uma audiência para publicação de sentença, que se realizava logicamente após a audiência de instrução.”[53]
Outro ponto que merece destaque é que ainda não se falava em unicidade da audiência (salvo no estado da Bahia e do Rio de Janeiro), havendo em alguns ???, inclusive, previsão expressa de interrupção e seguimento em dia posterior, o que, a toda evidência, prejudicava a eficácia dos princípios da imediação e da concentração.
Não obstante, conferia-se publicidade às audiências e aos atos do processo, podendo, contudo, haver restrição da publicidade em razão da natureza do litígio – situação semelhante à de hoje.
Sem embargo, foi apenas no Código de normas processuais civis e comerciais de São Paulo, editado em 1930, que houve a primeira referência ao princípio da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias, dada a previsão de cabimento de recursos, nas ações sumaríssimas, apenas em face de sentença ou “interlocutória com força de definitiva”.
Por fim,
“Em suma, se pode dizer da inexistência, nessa fase, de uma oralidade em estágio consentâneo ao desenvolvimento do direito processual da época. Havia sim o predomínio de uma oralidade primária, recém detectados os primeiros sinais de introdução dos conceitos de oralidade com as características que se firmariam mais adiante, já sob a égide dos dois códigos unitários de processo civil.”[54]
6.6 CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1939
Modificando o cenário anterior, a Constituição Federal de 1934 outorgou competência legislativa em matéria de direito processual (civil, comercial e penal) exclusivamente à União, situação que foi ratificada pela Constituição Federal de 1937.
Como seria de se esperar, àquela época preponderavam críticas ao sistema processual, fundadas nas diferenças regionais, bem como na não valorização da oralidade e na concepção tradicional de processo.
Aliás, não é a toa que Enrico Tullio Liebman assim se manifestou ao analisar pela primeira vez o sistema processual brasileiro:
“tem-se a impressão de estar-se encostado a uma janela e assistir, surpreso e interessado, ao desenrolar em plena vida de institutos e relações das quais tínhamos tido até então um conhecimento indireto a partir dos empoeirados volumes de Durante e Bártolo”. [55]
De qualquer forma, as discussões em torno do anteprojeto do Código de Processo Civil de 1939 – CPC de 1939 – suscitaram acesos embates doutrinários, atrapalhando inclusive os trabalhos da comissão de juristas:
“Em face de divergências surgidas na comissão encarregada de preparar um anteprojeto de Código de Processo Civil, um de seus membros, o advogado Pedro Batista Martins, apresentou um trabalho de sua lavra. Foi esse trabalho que, depois de revisto pelo então Ministro da Justiça, Francisco Campos, por Guilherme Estellita e por Abgar Renault, transformou-se no Código de Processo Civil de 1939. Serviram-lhe de paradigma os Códigos da Áustria, da Alemanha e de Portugal; adotou o princípio da oralidade, tal como caracterizado por Chiovenda, com algumas concessões à tradição, notadamente no que diz respeito ao sistema de recursos e à multiplicação de procedimentos especiais.”[56]
Também indicativo das discussões, mais especificamente quanto à questão da oralidade, foi o preenchimento de volume inteiro de publicação da época – o que se deu com a Revista Forense, nº 74, mês de maio de 1938, com mais de 15 artigos doutrinários voltados ao exame da oralidade do Código de Processo Civil que se anunciava[57].
De toda sorte, a Exposição de Motivos do CPC de 1939, no que se refere à oralidade, se posicionou nos seguintes termos:
“o processo oral atende a todas as exigências acima mencionadas: confere ao processo o caráter de instrumento público; substitui a concepção duelística pela concepção autoritária ou pública do processo; simplifica a sua marcha, racionaliza a sua estrutura e, sobretudo, organiza o processo no sentido de se tornar mais adequada e eficiente a formação da prova, colocando o juiz em relação a esta na mesma situação em que deve colocar-se qualquer observador que tenha por objeto conhecer os fatos e formular sobre eles apreciações adequadas ou justas.”[58]
Com efeito, na sistemática processual do CPC de 1939, era obrigatória a realização de uma audiência de instrução e julgamento, o que suscitou diversas críticas, como se vê da própria Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1973 – CPC de 1973 -, na qual Alfredo Buzaid explica que sofria
“o processo paralisação, dormindo meses nas estantes dos cartórios, enquanto aguarda uma audiência, cuja realização nenhum proveito trará ao esclarecimento da causa”. [59]
No projeto de Pedro Batista Martins previa-se, além da oralidade, a concentração, a unicidade da audiência e a identidade física do juiz. Aliás, o princípio da identidade física do juiz era forte: mesmo um juiz aposentado deveria concluir o julgamento dos processos que tiver iniciado a instrução em audiência, salvo “absoluta incapacidade física ou moral para o exercício do cargo” (CPC de 1939, art. 120) [60].
Lado outro, adotou-se em grande medida a irrecorribilidade das decisões interlocutórias, somente passíveis de impugnação aos estritos casos enumerados em lei. Porém, a intenção do legislador não teve o efeito esperado, uma vez que incitou ações impugnativas autônomas ou sucedâneos recursais, como o mandado de segurança, culminando, enfim, pela impugnação das interlocutórias por outros meios.
Não obstante, a real adoção da oralidade era contestada por alguns, como se vê das palavras de Galeno Lacerda:
“pretendeu introduzir a oralidade moderna, mas olvidou a audiência inicial com as partes, com a tentativa direta de conciliação. Substituiu tudo isto por uma fase postulatória rigidamente escrita, e pelo despacho saneador, ato que, a nosso ver, evidencia as características predominantemente escritas do processo brasileiro.”[61]
E também:
“O Código de Processo Civil unitário de 1939 proclamou solenemente, na Exposição de Motivos, a adoção do procedimento oral. Mas é forçoso reconhecer que hoje é raro o procedimento oral, em sua forma pura. O que se adota é o procedimento misto...”[62]
7. A ORALIDADE NO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO COGNITIVO DE PRIMEIRO GRAU NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973
Com os avanços sociais e o desenvolvimento teórico no campo do direito processual[63], tornou-se premente a necessidade de reforma do diploma processual então vigente, o Código de Processo Civil de 1939.
Porém, antes de se optar pela reforma total, promulgando-se novo Código de Processo Civil, muito se ponderou se, de fato, este seria o melhor caminho. No entanto, evidentemente, prevaleceram os que defendiam a reforma total do diploma. Entre os argumentos, havia a necessidade de melhor regramento do processo de execução, a inclusão de um livro próprio para o processo cautelar, bem como a inclusão de novos institutos, como a ação declaratória incidental e a possibilidade de julgamento antecipado.
Por conseguinte, o governo federal incumbiu o então professor de Direito da Faculdade de Direito de São Paulo e posterior Ministro da Justiça, Alfredo Buzaid[64], de redigir o anteprojeto de novo CPC. Revisto por José Frederico Marques, Luís Machado Guimarães e Luis Antônio de Andrade, foi submetido ao Congresso Nacional pela mensagem nº 210 de 1972, a qual se converteu no Projeto de Lei nº 810/1972. Aprovado, deu origem à lei nº 5.869/73.
Nesse contexto, substituiu-se o CPC de 1939, dividido em
“quatro partes fundamentais: a primeira etapa se ocupa com o chamado processo de conhecimento (artigos 1º a 297); a segunda, a maior de todas, abrange numerosos procedimentos especiais (artigos 298 a 781); a terceira é dedicada aos recursos e processos de competência originária dos tribunais (artigos 782 a 881); e a quarta e última tem por objeto o processo de execução (artigos 882 a 1.030)”.[65]
“por outro – dividido em cinco partes: processo de conhecimento, processo de execução, processo cautelar, procedimentos especiais e disposições transitórias.”[66]
7.1 ADOÇÃO DA ORALIDADE NO CPC DE 1973?
7.1.1 ORALIDADE EM SENTIDO ESTRITO
Segundo Alfredo Buzaid, idealizador do Código de Processo Civil de 1973 – CPC de 1973 –, foi necessária uma mitigação do princípio da oralidade, em decorrência de peculiaridades da realidade brasileira, conforme se vê:
“Os princípios informativos do Código, embora louváveis do ponto de vista dogmático, não lograram plena efetivação. A extensão territorial do País, as promoções dos magistrados de entrância para entrância, o surto do progresso que deu lugar à formação de um grande parque industrial e o aumento da densidade demográfica vieram criar considerável embaraço à aplicação dos princípios da oralidade e da identidade da pessoa física do juiz, consagrados em termos rígidos no sistema do Código. Os inconvenientes resultavam não do sistema, mas de sua adaptação às nossas condições geográficas, a cujo respeito falharam as previsões do legislador. Não se duvidava, pois, da excelência do princípio da oralidade, mas se apontavam os males de uma aplicação irrestrita e incondicional à realidade brasileira.”[67]
Para Jefferson Carús Guedes, no que tange à oralidade no Projeto de Código de Processo Civil de 1973, notava-se que os sub-princípios
“estavam todos, em maior ou menor grau, chancelados pelo anteprojeto: a) o princípio da identidade física do juiz teve regramento mais ameno que na lei anterior, excepcionando as hipóteses de transferência, promoção ou aposentadoria do juiz, permitindo, contudo, a repetição de provas (art. 150); b) o princípio da imediatidade, referendado por diversos dispositivos, impunha ao juiz a colheita direta e pessoal das prova (sic) (art. 484), em audiência (art. 365), a colheita dos testemunhos, na audiência de instrução (art. 446), a inspeção de pessoas ou coisas (art. 478); c) o princípio da concentração, por meio da preservação da unicidade da audiência (art. 494) e da imposição de prazos para diversos atos das partes e do juiz; d) o princípio da não-recorribilidade em separado das interlocutórias, sob justificação do autor, não teve acolhida, sendo atacáveis por agravo quaisquer decisões interlocutórias (art. 527).”[68]
Com efeito, no que se refere à irrecorribilidade em separado das interlocutórias, nota-se que na redação original todas as decisões interlocutórias seriam passíveis de ataque via agravo por instrumento. Porém, a partir da lei nº 11.187/05, a modalidade do agravo na forma retida se tornou regra no procedimento comum ordinário, cabendo apenas em casos excepcionais o agravo por instrumento. Dessa forma, da total rejeição passou-se à adoção em certa medida do sub-princípio da irrecorribilidade em separado das interlocutórias[69].
Na tentativa de justificar a total rejeição da irrecorribilidade em separado das interlocutórias, Alfredo Buzaid aduz em sua Exposição de Motivos que
“A aplicação deste princípio entre nós provou que os litigantes, impacientes de qualquer demora no julgamento do recurso, acabaram por engendrar esdrúxulas formas de impugnação. Podem ser lembradas, a título de exemplo, a correição parcial e o mandado de segurança. Não sendo possível modificar a natureza das coisas, o projeto preferiu admitir agravo de instrumento de todas as decisões interlocutórias. É mais uma exceção. O projeto a introduziu para ser fiel à realidade da prática nacional.”[70]
Por outro lado, sabe-se que o procedimento ordinário é dividido em quatro fases: postulatória, saneadora, instrutória e decisória, o que, por si só, evidencia o abrandamento da concentração de atos, reduzindo ainda mais a incidência da oralidade no procedimento.
No tocante à oralidade em sentido estrito, tem-se com o Código Buzaid, pois, um abrandamento do princípio da identidade física do juiz, a consagração da livre recorribilidade das decisões interlocutórias (posteriormente adotada em certa medida), o abrandamento do princípio da concentração com a distinção de fases e a manutenção do princípio da imediação.
7.1.2 ORALIDADE EM SENTIDO AMPLO: DA ORALIDADE x ESCRITURA NO CPC DE 1973
De qualquer forma, independente do que se diga, denota-se que no Código Buzaid há o domínio da escritura sobre a oralidade. Chega-se a esta conclusão pela análise de alguns dispositivos do Código, como os artigos 156, 157 e 169.
Pois bem. O artigo 156 prevê que em todos os atos e termos do processo é obrigatória a utilização do vernáculo. Apesar de não especificar o meio de manifestação da língua – se oral ou escrita -, o artigo 157 fala em documento a ser juntado aos autos. Outrossim,
“Reforça essa conclusão o art. 169, que enfaticamente prescreve: ‘os atos e termos do processo serão datilografados ou escritos com tinta escura e indelével, assinando-os as pessoas que neles intervierem (...)’. Por sua vez, o art. 170 permite o uso da taquigrafia, da estenotipia, ou de qualquer outro método idôneo (de documentação, é claro); e o art. 171 proíbe espaços em branco, entrelinhas, emendas ou rasuras, como proibidas também estão, pelo art. 161, as cotas marginais (que o juiz mandará riscar, impondo a quem as escreveu multa correspondente à metade do salário mínimo vigente no Pais). Registrem-se, por derradeiro, as inovações trazidas pelas Leis n. 11.280 (de 16 de fevereiro de 2006) e n. 11.419 (de 19 de dezembro de 2006), que inseriram diversos dispositivos no CPC, autorizando a prática de atos (escritos) em meio eletrônico.”[71]
Não obstante, no procedimento ordinário, há previsão de prática de atos orais e outros escritos. No entanto, pode ser que o processo transcorra até o provimento jurisdicional sem que haja uma única audiência; noutras palavras, sem sequer que as partes se encontrem e se vejam, o que é flagrantemente contrário ao preconizado pelo princípio da oralidade.
Também representa uma desvalorização de meios alternativos de resolução de conflitos, como a conciliação, os quais são potencializados por meio da oralidade[72]. Tal circunstância é evidência de um processo pensado e voltado à resolução forçada por meio de sentença[73]. Obviamente, tal é fruto da mentalidade demandista que, invariavelmente, impera no âmbito jurídico, a despeito das recentes tentativas de valorização de meios alternativos de resolução de conflitos.
Outrossim, é possível concluir que o legislador encara a oralidade como fator de retardamento ou diminuição da marcha processual, e reduz o “coeficiente de oralidade” do procedimento no afã de valorizar a celeridade. Reflexo desse posicionamento são as alterações legislativas sobre a audiência preliminar, sempre com a obsessão pela celeridade.
Nessa toada, vale destacar ainda as figuras de rejeição liminar da demanda (CPC de 1973, art. 285-A) e do julgamento antecipado da lide (CPC de 1973, art. 330, I). A primeira tem cabimento quando a matéria invocada em juízo for unicamente de direito e já houver sentenças de total improcedência em casos idênticos, quando então o magistrado sequer citará o demandado, proferindo sentença desde logo. Já o julgamento antecipado da lide implica o juiz conhecer diretamente o pedido e proferir sentença quando a questão de mérito for unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência.
Pela análise destes institutos, depreende-se que
“no Brasil, não há audiências voltadas exclusivamente à discussão de teses jurídicas. Uma simples quaestio juris, em nosso sistema, não justifica – ao ver do legislador – o gasto de tempo inerente ao agendamento e à realização de audiências.”[74]
Lado outro, como consequência da desvalorização da oralidade, percebe-se também a ênfase no protagonismo judicial, com o juiz recebendo poderes como forma de bem desenvolver e julgar o processo - e em tempo hábil. A ênfase no juiz solipsista implica o descrédito e sucateamento do papel dos demais sujeitos que integram e participam da relação processual. Especialmente os advogados, indispensáveis à administração da justiça (CRFB de 1988, art. 133), são desvalorizados em favor de um juiz que seria capaz de resolver os males do processo. Tal perspectiva é especialmente falível quando se pensa na quantidade de processos sob a responsabilidade do magistrado[75].
E ao menosprezar o papel dos demais participantes da relação processual, acaba por vulnerabilizar o princípio da oralidade, primando por um procedimento escrito, mais abstrato e impessoal, com menos espaço para o desenvolvimento de atos processuais eminentemente orais.
O processo deve ser fruto de uma construção dialética entre as partes, passando-se de uma filosofia da consciência para uma filosofia da linguagem, via fomento de uma cultura dialógica no processo[76]. Deve-se valorizar o papel do advogado, o qual, muitas vezes, e especialmente ante a grande quantidade de processos, conhece melhor as circunstâncias fáticas – relevantes para a correta delimitação da questão jurídica.
Nessa senda, a construção dialética do processo é potencializada pelo uso da oralidade. Tem como um de seus efeitos a tendência ao exaurimento da temática posta sob apreciação judicial, delimitando-se as circunstâncias fáticas e jurídicas que tangenciam e moldam a temática controversa. Por outro lado, o menosprezo ou descrédito à oralidade gera – e efetivamente gerou -, nas palavras de Luís Alberto Warat, a ”papelização” do processo, bem como a indesejável “processualização” de problemas e questões de diversas naturezas.
Sem embargo, não sendo a hipótese de rejeição liminar da demanda ou julgamento antecipado da lide, entra-se na fase de audiências, que prestigiam a oralidade e, por isso, merecem ao cabo uma análise específica. Mais especificamente, tem-se a audiência preliminar e a audiência de instrução e julgamento[77].
Iniciemos com a audiência preliminar, prevista no art. 331 do Código de Processo Civil de 1973. Ela tem como antecedente histórico o “despacho saneador”, disciplinado no Código de Processo Civil de 1939, o qual, por sua vez, o importou do Direito Português. Já o Direito Português, importou-a do Direito Austríaco, considerado berço teórico desta audiência.
Enfim, por meio da lei nº 8.952/94, foi inserida no CPC de 1973 sob a denominação de “Audiência de Conciliação”, sendo modificada, tal como a conhecemos, pela lei nº 10.444/02.
Seu objetivo é intentar a conciliação. Não sendo possível, passa-se ao saneamento do processo e a fixação dos pontos controvertidos, com o consequente ordenamento da fase probatória.
Evidentemente, a realização dessa audiência prestigia a oralidade. Porém, mais uma vez o legislador denota a pouca relevância conferida pelo ordenamento à oralidade. Isto porque, conforme dicção do §3º do art. 331, a audiência poderá ser dispensada a critério do juiz, quando verificar não ser possível a conciliação ou o próprio direito discutido em juízo não o permitir, caso em que promoverá um saneamento por escrito, sem contato com as partes. O que não raro ocorre no cotidiano forense.
Por derradeiro, havendo ou não a audiência preliminar, caso o magistrado entenda pela necessidade de produção de prova oral, deverá designar audiência de instrução e julgamento.
Esse momento processual – da audiência de instrução e julgamento – é utilizado para a colheita de provas, efetivando o princípio da identidade física do juiz, da imediação e da concentração. O magistrado ouvirá partes, testemunhas, peritos e advogados, para melhor esclarecer os fatos que medeiam a formação de seu convencimento.
Tudo o que se passa na audiência de instrução e julgamento deve ser reduzido a um documento, o “termo de audiência”.
Finda a produção de provas, seguem-se os debates orais, tendo os advogados do autor e do réu 20 minutos, prorrogáveis por mais dez, para se manifestarem. Entretanto, o art. 454, §3º excepciona esta regra, permitindo a substituição dos debates orais por memoriais, quando houver questões complexas de fato ou de direito. E a prática forense acabou por generalizar a utilização de memoriais, o que mais uma vez evidencia um afastamento do princípio da oralidade.
“Assim, a oralidade no procedimento ordinário acaba confinada à apresentação das provas não-documentais, na medida em que os debates e as alegações finais vêm sendo substituídos, rotineiramente, pela manifestação escrita dos advogados.”[78]
Nesse mesmo sentido,
“A generalizada substituição dos debates orais por memoriais, tão ao gosto da prática forense atual, alonga ainda mais o procedimento e impede que a sentença seja prolatada em audiência, além de desprestigiar a oralidade, numa clara renúncia ao princípio da concentração”[79]
Pelo exposto, vê-se que a oralidade, em sentido amplo e no procedimento comum ordinário de primeiro grau do CPC de 1973, limita-se à realização de audiências – a preliminar e a de instrução e julgamento.
Além disso, tanto uma quanto outra podem não ocorrer, como nos casos de rejeição liminar da demanda ou julgamento antecipado da lide. E ainda que não ocorram tais hipóteses, as audiências podem ser dispensadas, com base no art. 331, §3º[80] ou com base na desnecessidade de produção de prova oral.
Nessa linha, temos que o procedimento comum ordinário cognitivo de primeiro grau muitas vezes transcorre sem qualquer incidência de oralidade no procedimento, prevalecendo um procedimento puramente escrito[81].
Também quanto ao sistema oral, tem-se uma mitigação de suas principais vertentes, quais sejam, os princípios da concentração e da irrecorribilidade em separado das decisões interlocutórias, muito embora mantido o princípio da imediação e, ainda que de maneira atenuada, o princípio da identidade física do juiz.
Ante tais circunstâncias, afasta-se a incidência de oralidade no processo civil brasileiro atual, o que representa
• uma desvalorização de meios alternativos de resolução de conflitos;
• uma ênfase no protagonismo judicial, primando por um procedimento abstrato e impessoal, sem espaço para atos processuais orais;
• o sucateamento dos demais participantes da relação processual, com a diminuição da influência que estes exercem no processo, o que envolve a eficiência da colheita de provas e a impossibilidade de se discutir teses jurídicas;
• a redução do “coeficiente de oralidade” no afã de incutir celeridade aos feitos[82], baseada na confiança no julgamento do magistrado;
• a “papelização” do processo e a “processualização” de problemas e questões de diversas naturezas.
Por todo o exposto, conclui-se que o vigente Código de Processo Civil de 1973, no procedimento ordinário cognitivo de primeiro grau, mitiga a incidência de oralidade em seu iter, não podendo se falar que houve a adoção de tal princípio. Destarte, tem-se que vigora, no atual diploma processual civil, um procedimento predominantemente escrito, o que, a nosso ver, traz consequências negativas, expostas e discriminadas alhures.
9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] GUEDES, Jefferson Carús. O Princípio da Oralidade: Procedimento por Audiências no Processo Civil Brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003 - p. 16.
[2] Ibidem, p. 16.
[3] CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini & DINAMARCO, Candido Rangel. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2011 - p. 354.
[4] BEDAQUE, José Roberto dos Santos; JUNIOR, Samuel Meira Brasil & OLIVEIRA, Bruno Silveira de. A Oralidade no Processo Civil Brasileiro (Relatório Nacional). In JAYME, Fernando Gonzaga; FARIA, Juliana Cordeiro de & LAUAR, Maíra Terra (coords.). Processo Civil, Novas Tendências: Homenagem ao Professor Humberto Theodoro Junior. Belo Horizonte: Del Rey, 2008 - p. 412.
[5] CINTRA, Antônio; GRINOVER, Ada & DINAMARCO, Candido, op. cit., p. 354
[6] GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Breve estudo sobre a oralidade no processo civil romano, p. 2. Disponível em: <http://myrtus.uspnet.usp.br/pesqfdrp/portal/professores/fernando/pdf/oralidade.pdf>. Acesso em 28 de outubro de 2013.
[7] BEDAQUE, José; JUNIOR Samuel & OLIVEIRA, Bruno, op. cit., p. 413.
[8] Ibidem, p. 413.
[9] CINTRA, Antônio; GRINOVER, Ada & DINAMARCO, Candido, op. cit., p. 354
[10]GUEDES, Jefferon Carús, op. cit., p. 18.
[11] TOLEDO, Plínio Fernandes. Uma Interpretação Filosófica do Direito a partir da Análise de sua Forma Objetiva na Transição da Oralidade para a Escritura. In BOUCAULT, Carlos Eduardo de Abreu & RODRIGUEZ, José Rodrigo (coords.). Hermenêutica Plural. São Paulo: Martins Fontes, 2005 - p. 4.
[12] CINTRA, Antônio; GRINOVER, Ada & DINAMARCO, Candido, op. cit., p. 353-354.
[13] GAJARDONI, Fernando da Fonseca, op. cit., p. 6.
[14] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 19-20.
[15] Mas, deveriam fazê-lo com cuidado, “pois se o autor postulasse mais amplamente do que lhe era lícito, perdia a demanda, não podendo mais reacionar o réu por aquela causa (GAIO, Institutas, 4.52-60)”, cf. GAJARDONI, Fernando da Fonseca, op. cit., p. 10.
[16]Ibidem, p. 9.
[17] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 20.
[18] GAJARDONI, Fernando da Fonseca, op. cit., 13.
[19] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 21.
[20] GAJARDONI, Fernando da Fonseca, op. cit., p. 15.
[21] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 21.
[22] GAJARDONI, Fernando da Fonseca, op. cit., p. 17.
[23] “Inteiramente oral era o procedimento entre os germanos invasores, o que veio a influir no do povo conquistado”, cf. CINTRA, Antônio; GRINOVER, Ada & DINAMARCO, Candido, op. cit., p. 354.
[24] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 21.
[25] Ibidem, p. 23.
[26] ARAÚJO, Francisco Rossal de. O Princípio da Oralidade no Processo do Trabalho (Uma análise comparativa dos sistemas normativos do Brasil e da Espanha). Disponível em: <http://www.amatra4.org.br/publicacoes/cadernos/caderno-09?start=4>. Acesso em 28 de outubro de 2013.
[27] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 24.
[28] Ibidem, p. 27.
[29] “Atualmente, alguns sistemas de inspiração romano-germânica, como o brasileiro, têm se aproximado do modelo anglo-saxão, porquanto os precedentes judiciais vêm ganhando cada vez mais expressão como fontes do Direito. É o que ocorre, por exemplo, com as súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal.” In DONIZETTI, Elpídio & QUINTELLA, Felipe. Curso Didático de Direito Civil. São Paulo: Atlas, 2013, p. 7.
[30] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 28.
[31] ARAÚJO, Francisco Rossal de, op. cit.
[32] “O direito austríaco teve, até 1983, a erste Tagsatzung (primeira audiência) com caráter obrigatório, destinada essencialmente à tentativa de conciliação, à suscitação e solução de questões preliminares, à prática de atos de disposição, unilaterais ou bilaterais; a ela constantemente se reportavam, qual modelo a ser imitado, os partidários de uma oralidade à outrance. Para surpresa de muitos, a reforma da ZPO naquele ano autorizou o órgão judicial (§243, 4ª alínea) a dispensar a audiência preliminar (...); e outra reforma, em 2002, pura e simplesmente aboliu a erste Tagsatzung.” MOREIRA, José Carlos Barbosa. Vicissitudes da Audiência Preliminar, in Temas de Direito Processual (9ª Série), p. 135-136.
[33] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 30.
[34] GAJARDONI, Fernando da Fonseca, op. cit., p. 3.
[35] MARQUES, Camila Salgueiro da Purificação. O Princípio Infraconstitucional da Oralidade. Disponível em: < http://uj.novaprolink.com.br/doutrina/9447/o_principio_infraconstitucional_da_oralidade >. Acesso em 29 de outubro de 2013.
[36] Ibidem.
[37] Ibidem.
[38] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 33.
[39] CAPPELLETTI, Mauro & GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad. de Ellen Gracie. Porto Alegre: Fabris, 1988.
[40] O Código de Processo Civil de 1973 e suas Alterações. Disponível em < http://www.senado.gov.br/senado/novocpc/pdf/CPC_ALTERA%C3%87%C3%95ES.pdf >. Acesso em 31 de outubro de 2013.
[41] Paralelamente, interessante destacar algumas disposições do processo penal: “O processo criminal, juntamente com o próprio direito penal, era regulado pelo tenebroso L. V das Ordenações, que admitia o tormento, a tortura, as mutilações, as marcas de fogo, os açoites, o degredo e outras práticas desumanas e irracionais...”. In CINTRA, Antônio; GRINOVER, Ada & DINAMARCO, Candido, op. cit., p. 111.
[42] Ibidem, p. 111.
[43] Ordenações Filipinas, Livro I, Título 65, parágrafo 73.
[44] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 39.
[45] Ao menos no âmbito do Direito Civil, com a ressalva de que vigorariam até que fosse elaborado um Código Civil brasileiro, cf. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 1: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 35.
[46] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 39.
[47] CINTRA, Antônio; GRINOVER, Ada & DINAMARCO, Candido, op. cit., p. 113.
[48] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro, vol. 1: Parte Geral. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 35.
[49] CINTRA, Antônio; GRIONVER, Ada & DINAMARCO, Candido, op. cit., p. 113.
[50] Ibidem, p. 113.
[51] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 40.
[52] Ibidem, p. 40-41.
[53] Ibidem, p. 42.
[54] Ibidem, p. 43.
[55] DINAMARCO, Candido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. São Paulo: 6ª edição, Malheiros - p. 33.
[56] CINTRA, Antônio; GRINOVER, Ada & DINAMARCO, Candido, op. cit., p. 114-115.
[57] Cf. GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 43.
[58] Ibidem, p. 44.
[59]BUZAID, Alfredo. Exposição de Motivos do Código de Processo Civil de 1973, p. 23. Disponível em: < http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/177828/CodProcCivil%201974.pdf?sequence=4 > Acesso em 28 de outubro de 2013.
[60] Tal força e inflexibilidade foi amenizada no CPC de 1973: “O Brasil não poderia consagrar uma aplicação rígida e inflexível do princípio da identidade, sobretudo porque, quando o juiz é promovido para comarca distante, tem grande dificuldade para retornar ao juízo de origem e concluir as audiências iniciadas. O projeto preservou o princípio da identidade física do juiz, salvo nos casos de remoção, promoção ou aposentadoria (art. 137). A exceção aberta à regra geral confirma-lhe a eficácia e o valor científico.”. Ibidem, p. 19.
[61] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 45.
[62] CINTRA, Antônio; GRINOVER, Ada & DINAMARCO, Candido, op. cit., p. 354.
[63] No que tange à teoria, mister salientar a importância de Enrico Tulio Liebman, que aportou no Brasil por uma contingência do destino: a fuga da perseguição do regime fascista italiano. Foi forçado a abandonar a Itália quando já ocupava a posição de professor titular de direito processual civil na Universidade de Milão. Notória a sua teoria das condições da ação, influenciou também cabalmente processualistas posteriores, como Candido Rangel Dinamarco e Alfredo Buzaid, havendo quem se refira à Escola Processual de São Paulo, fomentada por ele. Recebeu a Comenda da Ordem do Cruzeiro do Sul, máxima condecoração que se concede a personalidades estrangeiras beneméritas ao nosso país.
[64] Interessantes observações podem ser feitas, a respeito de Alfredo Buzaid: foi um dos fundadores do Instituto Brasileiro de Direito Processual Civil (1958); foi defensor do Ato Institucional 5, de 1968; foi Ministro da Justiça do governo Medici; posteriormente nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, apesar da forte resistência da Ordem dos Advogados, ocupou o cargo por dois anos, até aposentar aos 70 anos. Informações extraídas do sítio: < http://www.conjur.com.br/2013-set-29/embargos-culturais-alfredo-buzaid-processualista-ministro-medici>, acesso em 26 de outubro de 2013.
[65] BUZAID, Alfredo, op. cit., p. 11.
[66] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 45.
[67] BUZAID, Alfredo, op. cit., p. 12.
[68] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 46.
[69] Aliás, ante a atual movimentação em prol da promulgação de um Novo Código de Processo Civil brasileiro, há alguns que defendem o incremento de tal princípio na sistemática processual brasileira. No entanto, sem um exame ponderado sobre a conjuntura judiciária brasileira, seria medida temerária, conforme se vê: “Os seguidores do movimento reformista sustentam a tese de que a concentração, na apelação, da resolução de todas as questões interlocutórias, funcionaria como instrumento apropriado para a diminuição do tempo de duração do processo, já que este, em primeiro grau, fluiria sem interrupções, rumo ao esperado provimento final. Porém, ao se considerar que na última década a média de provimento de agravos de instrumento no TJ-MG foi de 30,46%|, não há como desconsiderar a ameaça que a concentração do reexame das decisões interlocutórias no julgamento da apelação poderá representar para a almejada celeridade.” In NUNES, Dierle & JAYME, Fernando. Novo CPC potencializará os déficits operacionais. Disponível em: < http://www.conjur.com.br/2012-abr-23/cpc-potencializara-deficits-operacionais-diminuir-recursos > Acesso em 30 de outubro de 2013.
[70] BUZAID, Alfredo, op. cit., p. 19.
[71] BEDAQUE, José; JUNIOR, Samuel & OLIVEIRA, Bruno, op. cit., p. 415-416.
[72] Sobre o assunto, cumpre ressaltar as palavras extraídas de entrevista com Roberto Berizone, presidente do Instituto Ibero-Americano de Direito Processual: “Impulsor del proyecto que hace diez años logro instalar la oralidad y la conciliación en los tribunales de familia de la província [de Buenos Aires], cuenta que las estadísticas ‘muestran que las dos terceras partes de los asuntos que llegan se solucionan a través de la conciliación y sin necesidad de llegar al proceso contencioso’.”. In Entrevista a Roberto Berizonce: La oralidad no és para jueces cómodos, sino al revés. Disponível em: < http://pt.scribd.com/doc/59894990/07-Oralidad-y-Formalizacion-de-la-Justicia >. Acesso em 31 de outubro de 2013.
[73] Curioso destacar que a Constituição Imperial de 1824 colocava como obrigatória uma tentativa de conciliação antes do processo. Disso não divergiu a Consolidação Ribas, segundo a qual nenhum processo deveria ser instaurado sem que antes se fizesse prova de que houve tentativa de conciliação.
[74] BEDAQUE, José; JUNIOR, Samuel & OLIVEIRA, Bruno, op. cit., p. 418.
[75] No ano de 2012, tramitaram, em média, 5.618 processos por cada um dos 17.077 magistrados brasileiros, constituindo um acervo de 92,2 milhões de processos no Judiciário brasileiro. Cf. Justiça em Números 2013: ano-base 2012/Conselho Nacional de Justiça – Brasília: CNJ, 2013. Disponível em: < http://www.cnj.jus.br/images/pesquisas-judiciarias/Publicacoes/relatorio_jn2013.pdf >, p. 298. Acesso em 11 de novembro de 2013.
[76] No mesmo sentido, GOULART, Juliana Ribeiro. Por uma nova cultura dialógica no processo: o princípio da oralidade como instrumento de efetivação de uma escuta criativa. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/revistajuridica/Artigos/PDF/JulianaRibeiro_Rev92.pdf >. Acesso em 30 de outubro de 2013
[77] Interessante destacar que Luis Warat reconhece na audiência um momento de prestígio da oralidade – embora mitigada no procedimento. Nas audiências, contudo, ele adverte existir “uma violência estrutural na linguagem do discurso jurídico, cujo efeito central é transformar os sujeitos sociais em objetos de poder.” E mais: “o processo tornou-se um espaço de formas e repetições frenéticas (...). Estamos presos a um discurso que se prolifera mas que não escuta, que não interage, um discurso egoísta e surdo. Um discurso que nos aprisiona, que não liberta e não alforria.” Apud GOULART, Juliana Ribeiro, op. cit., p. 6.
[78] BEDAQUE, José; JUNIOR, Samuel & OLIVEIRA, Bruno, op. cit., p. 421.
[79] GUEDES, Jefferson Carús, op. cit., p. 119.
[80] Ressalte-se que tal dispensabilidade está em consonância com a tendência no direito comparado, em que se verifica um incremento na direção formal do processo pelo magistrado e ainda certo declínio da oralidade, cf. MOREIRA, José Carlos Barbosa, op. cit., p. 135-136.
[81] Aliás, exemplo de procedimento puramente escrito no ordenamento jurídico brasileiro é o do mandado de segurança, que tem como premissa a existência de direito líquido e certo.
[82] O que causa estranheza, uma vez que: “A história do processo civil revela que a escritura está para a segurança assim como a oralidade está para a celeridade. Quanto mais escrito o processo, mais seguro e mais lento. Quanto mais falado, mais rápido e menos seguro. Daí porque a grande parte dos sistemas processuais modernos, inclusive o brasileiro, têm procedimentos escritos para causas de maior relevância, e procedimentos orais para as causas de menor importância social.”. GAJARDONI, Fernando da Fonseca, op. cit., p. 17.
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: STARLING, Rubens Teixeira de Souza. Estudo da oralidade na história do processo civil e sua (não) influência no procedimento ordinário cognitivo de primeiro grau do Código de Processo Civil de 1973 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jul 2023, 04:40. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61962/estudo-da-oralidade-na-histria-do-processo-civil-e-sua-no-influncia-no-procedimento-ordinrio-cognitivo-de-primeiro-grau-do-cdigo-de-processo-civil-de-1973. Acesso em: 23 dez 2024.
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