RESUMO: O presente estudo apresenta como tema a introdução à Análise Econômica do Direito, refletindo o desenvolvimento da matéria no Brasil. Para isso, busca-se analisar sua origem e antecedentes, assim como observar a importância da Escola de Chicago e seus pensadores para essa disciplina jurídica. São inúmeros os benefícios de se apresentar aos estudantes de direito, assim como aos juristas já formados um viés econômico e mais pragmático ao estudo jurídico. Com isso, pode-se observar que no Brasil esse estudo ainda é insipiente, embora esteja em desenvolvimento. Objetiva-se, por fim, analisar em que medida a análise econômica do direito é importante nas soluções alternativas de conflitos.
Palavras Chaves: Direito. Economia. Escola de Chicago. Análise Econômica do Direito no Brasil.
ABSTRACT: This study presents as theme the introduction to Law and Economics and the developing in Brazil. For this, we seek to analyze the origin and background, as well as observing the importance of Chicago School of Economics and its thinkers for these legal discipline. There are numerous benefits of presenting law students, as well as jurists who have already graduated, with na economic and more pragmatic approach to legal studies. Thus, it can be observed that in Brazil this study is still incipient, although is under development. Finally, the objective is to nalyze to what extent law and economics is important in alternative conflict solution.
Keywords: Law. Economic. Chicago Scholl of Economics. Law and Economics in Brazil.
INTRODUÇÃO
O Direito e a Economia são ciências que andam por caminhos distintos. O Direito é uma ciência hermenêutica que, em seu sentido objetivo, pode ser conceituado como o sistema de normas, princípios e regras, que regem a conduta humana e suas relações sociais. A Economia, por sua vez, é uma ciência empírica que busca a alocação de recursos escassos de maneira eficiente.
Ademais, o Direito busca a justiça na solução dos problemas e questões, sendo esta a premissa que norteia os juristas e estudiosos dessa ciência humana. A Economia, por sua vez, tem em sua análise principal a busca pela eficiência. Com isso, podemos ver que essas duas ciências possuem diferenças significativas e os profissionais dessas áreas andam por caminhos distintos.
Nos países cuja tradição jurídica se baseia na doutrina romano-germânica, há, em maior evidência, um distanciamento entre o Direito e outras áreas do conhecimento humano. Essa escola jurídica é muito dogmática e valorativa, os países que tem um direito baseado na Civil Law são muito ligados ao positivismo jurídico e a normatização posta.
Ao longo das últimas décadas surgiu, principalmente nos Estados Unidos da América, corrente doutrinária que passou a estudar a interseção entre essas duas ciências. Com isso, esses estudiosos começaram a desenvolver a aplicação de conceitos econômicos à ciência jurídica.
A Análise Econômica do Direito ou Direito e Economia, como é conhecida no Brasil, originariamente chamada de Law & Economics, é a disciplina teórica que se desenvolveu a partir dessa conjunção das ciências econômicas e jurídicas.
A Análise Econômica do Direito propõe uma junção entre o Direito e a Economia, aplicando conceitos econômicos à ciência jurídica. Antônio Maristello Porto conceitua a Análise Econômica do Direito como a disciplina que “visa maximizar riquezas (alocando os recursos da forma mais eficiente possível) e procura prever o impacto do direito na economia. Encaram-se as instituições legais não como elementos alienígenas do sistema econômico, mas sim como variáveis a ela pertencentes, e analisam-se os efeitos que as alterações nessas variáveis provocam na economia como um todo”.
1. ORIGEM E ANTECEDENTES
Podemos dividir o estudo da Análise Econômica do Direito em dois momentos históricos distintos. A primeira origem que temos dessa corrente doutrinária ocorreu no século XIX, na Europa Continental. Ela se desenvolveu, especialmente, na Alemanha e em países de tradição germânica.
A obra que é considerada expoente, desse período, no tocante à Análise Econômica do Direito é a monografia do professor da Universidade de Viena, Victor Mantaja, “Das Recht des Schadensersatzes vom Standpunkte der Netionalökonomie”, que pode ser traduzida como “O Direito e a Responsabilidade Civil, sob o ponto de vista da Economia Política”.
Esta obra trata do Direito do Dano e da Responsabilidade Civil sob o ponto de vista dos efeitos dos incentivos gerados por ela. É o que convencionou-se chamar de Tort Law. Cabe ressaltar que, quando utiliza-se do termo incentivos, este está sendo colocado em seu sentido econômico, qual seja, são os fatos que levam o sujeito racional a praticar determinada conduta, após uma análise consequencialista de suas atitudes.
Todavia, essa primeira visão da Análise Econômica do Direito não prosperou. Em grande parte, podemos creditar esse pouco desenvolvimento ao fato desses países terem uma tradição jurídica fortemente ligada à Escola Histórica, romano-germânica.
Em um segundo momento, a Análise Econômica do Direito se desenvolveu nos Estados Unidos, nas décadas de 1940 e 1950, após a Segunda Guerra Mundial. Especialmente com a publicação, pela Universidade de Chicago, em 1958, do Journal of Law and Economics.
O Direito norte americano, que tem suas origens na Commun Law, fortaleceu a interseção entre o Direito e a Economia e trouxe maior visibilidade e desenvolvimento para o seu estudo.
A Análise Econômica do Direito tem sua gênese no Realismo Jurídico. Este pode ser compreendido como a filosofia do direito que analisa e entende o sistema jurídico como fato, ou seja, o direito é aquilo que é decidido in concreto pelos tribunais. Vale dizer, o direito é determinado, verdadeiramente, pela decisão judicial e não pelo que as normas e fontes do direito determinem que ele seja. O Realismo Jurídico distancia o sistema normativo da metafísica e do idealismo do direito.
Podemos observar que uma diferença substancial do movimento da Law & Economics que emergiu nos Estados Unidos, para o anterior, foi o fato de seus expoentes serem economistas que, posteriormente, estudaram o Direito em cursos de pós-graduação. A teoria que emergiu na Europa foi desenvolvida apenas por juristas que não possuíam estudos de graduação em economia.
Posteriormente à publicação do Journal of Law and Economics pela Universidade de Chicago, Ronald Coase publicou diversos artigos sobre o assunto, em especial, o denominado “Problem of Social Cost” trazendo maior repercussão para a Análise Econômica do Direito durante a década de 1960.
Este autor desenvolveu o Teorema de Coase, que foi muito importante para a expansão do movimento da Análise Econômica do Direito. Isso se deu uma vez que ele traz diversos conceitos da economia para sempre aplicados ao direito. A título de exemplo, podemos destacar o conceito de eficiência e de custo de transação.
Nas palavras de Maristello Porto e Nuno Garoupa, o Teorema de Coase pode ser entendido, de maneira simplificada, como “a máxima de que indivíduos, a um custo zero de transação, podem negociar livremente para resolver seus problemas, sem necessitar da interferência do Direito, e o resultado será o mais eficiente.”
Outro autor que contribuiu fortemente com o desenvolvimento da matéria foi Guido Calabresis, com várias publicações, merecendo destaque o artigo intitulado “Some Thoughts on Risck Distribution and the Law of Torts”.
Guido Calabresis, professor da Universidade de Yale, foi juiz federal e da Corte de Apelações, é considerado um dos pioneiros em publicações sobre a Law & Economics. Sua contribuição mais expressiva para o movimento foi uma pesquisa que originou a publicação de artigos que explicou a estrutura do Direito da Responsabilidade Civil, sob a perspectiva de princípios econômicos.
Gary Becker, professor da Universidade de Princeton e Chicago, é economista e também um autor que contribuiu para ampliar a visão da Análise Econômica do Direito. Ele utilizou os princípios da economia à análise do crime no artigo “Crime and Punishment: An Economic Approach”, além de escrever diversos artigos relacionando os princípios econômicos à questões raciais e da vida familiar, o que lhe rendeu o Prêmio Nobel das ciências econômicas em 1992.
Outro autor que merece destaque é Richard Posner. Ele é considerado um dos maiores expoentes do estudo e desenvolvimento da Análise Econômica do Direito. Além de economista e Professor da Universidade de Chicago, foi juiz da Corte de Apelações dos Estados Unidos, o que deu a ele as qualidades necessárias para aplicar os preceitos da análise econômica do direito a decisão de casos concretos.
Publicou a monografia “Economic Analysis of Law”, em que traz o estudo de diversos ramos do direito do ponto de vista econômico. Nela, Posner propõe que a common law pode ser explicada por meio do conceito de eficiência. Insta salientar que, no sistema da common law, as decisões dos casos concretos são consideradas fontes do direito. O autor entende que a eficiência explica a common law, na medida em que um precedente ineficiente pode ser questionado e, consequentemente, desconsiderado. Dessa maneira, ele conclui que o sistema da common law acabaria por desenvolver soluções eficientes no decorrer do tempo.
Sua visão jurídica a respeito da common law e a aplicação do conceito de eficiência nas decisões, foi considerada precursora, embora alguns autores a considerasse controversa, para uma nova forma de pensar o direito, quebrando os paradigmas tradicionais.
Posner considerou os casos antitruste, fazendo uma análise histórica a respeito da matéria, como o início da utilização da análise econômica do direito na aplicação e interpretação da lei. Para ele, estes foram as maiores fontes do movimento de interseção entre direito e economia na década de 1960, tendo em vista que os casos antitruste possuíam um forte vetor econômico, além do fato de os economistas analisarem a legislação sob o viés econômico.
Em consonância com a evolução do movimento da análise econômica do direito, nas décadas de 1980 e 1990, algumas universidades e escolas de direito nos Estados Unidos, passaram a colocar economistas para ministrar aulas de Análise Econômica do Direito. Assim, os alunos puderam ter uma visão mais ampla sobre a aplicação dos conceitos econômicos no direito, formando profissionais mais completos.
2. ESCOLA DE CHICAGO
A Escola de Chicago é a escola do pensamento econômico que tem como expoentes Milton Friedman e George Stigler, ambos ganhadores do Prêmio Nobel da Economia.
O pensamento dessa escola se baseia nos ideais de livre mercado e foi difundida pelos professores da Universidade de Chicago. Seu pensamento está relacionada à teoria neoclássica de formação de preços e ao liberalismo econômico.
A teoria dos preços é o que chamamos de microeconomia e visa analisar a formação dos preços de mercado. Vale dizer, ela estuda como as empresas e o consumidor se relacionam e interagem entre si para determinar o preço e a quantidade de um bem ou serviço.
A microeconomia estuda a oferta, a demanda e o equilíbrio de mercado. A interação entre essas duas forças, oferta e demanda, que irá determinar os preços de mercado. A teoria dos preços objetiva explicar como o preço é escolhido e quais os fatores determinantes para a sua formação.
A Escola de Chicago declina dos ideais keynesiano, que defendem que o Estado deve ter um papel ativo de regulação da nação. A Escola de Chicago propõe exatamente o oposto. Ela defende o liberalismo, rejeitando a regulamentação dos negócios, para que o laissez-faire possa ser aplicado.
Milton Friedman foi um economista americano que lecionava na Universidade de Chicago e se tornou um dos principais representantes da Escola de Chicago, na segunda metade do século XX. Ganhador do Prêmio Nobel da Economia em 1976, é um dos economistas mais importantes do século passado.
Friedman criou a Teoria Monetarista, em oposição as ideias defendidas por Jonh Maynard Keynes. O monetarismo é uma corrente que estuda a política monetária e os efeitos que ela causa no preços. Essa teoria defende o livre comércio e critica fortemente a intervenção do Estado na Economia.
Essa é a ideia central do neoliberalismo. O neoliberalismo econômico se desenvolveu a partir da década de 1970. Trata-se de um pensamento que prega o livre mercado, se opondo ao Keynesianismo e aos ideais do Estado intervencionista e de Bem-Estar Social.
O neoliberalismo propõe um Estado mínimo, não intervencionista. A economia deve se basear na força do mercado, que deve agir livremente, garantindo, assim, o crescimento econômico e o desenvolvimento social de um país. Dessa maneira, a organização econômica e social encontra seu equilíbrio por meio do livre mercado, por meio da concorrência entre empresas e pessoas, gerando o progresso social.
Algumas das principais características do neoliberalismo são: a livre circulação de riquezas e de capitais, inclusive, internacionais; adoção de medidas contra o protecionismo; privatização de empresas estatais, fazendo com que se tenha, dessa forma, um Estado mínimo; abertura econômica para a entrada de empresas multinacionais; e redução de impostos e tributos.
Friedman defendia que o Estado deveria ter um papel minimalista na sociedade. Portanto, não deveria se ocupar de planejamento e investimento econômico, limitando-se à função de exercer o controle inflacionário, por meio do controle da emissão de papel moeda. Os demais aspectos da economia, com isso, seriam exercidos pelas empresas privados e o livre mercado.
O ideal neoliberal entende que as pessoas deveriam ser livres da tutela do Estado, para se desenvolverem plenamente por meio do individualismo, da democracia representativa e da livre concorrência econômica do mercado. Assim, seria possível garantir um equilíbrio social, cabendo ao Estado a função de regular conflitos sociais utilizando a legislação.
3. ORIGEM E EVOLUÇÃO NO BRASIL
A Análise Econômica do Direito tem uma forte influência de autores norte-americanos, onde a interseção entre Direito e Economia foi estudada e aplicada. A base dessa disciplina jurídica está na aplicação da Teoria Microeconômica à realidade jurídica. A microeconomia pode ser conceituada como a parte da economia que estuda as características e comportamento de produtores e consumidores e as relações que ocorre entre eles no mercado. É a ciência por trás da formação dos preços, analisando a oferta e a demanda.
A eficiência está no cerne da Análise Econômica do Direito. Ela aplica a eficiência às normas legais para a tomada de decisões no âmbito jurídico. Deve-se analisar a jurisprudência e as normas legais sob a perspectiva da eficiência no uso dos recursos.
Mesmo com o crescimento da Análise Econômica do Direito no mundo, no Brasil ainda temos um desenvolvimento tímido da matéria. Somente nas duas últimas décadas que tivemos um desenvolvimento nacional dessa disciplina. Um dos fatores que dificultaram a propagação dessa ciência jurídica no Brasil é o fato de adotarmos o modelo de Direito Tradicional Neoclássico, baseado na civil law. Por ter se desenvolvido nos Estados Unidos, a Análise Econômica do Direito foi feita com base no sistema jurídico da commun law.
Um dos precursores da Análise Econômica do Direito no Brasil foi o Professor Guido Calabrese. Para ele, essa disciplina jurídica não é a solução para resolver todos os problemas jurídicos, mas, na verdade, trata-se de uma metodologia de interpretação do Direito. Assim como temos outras formas de interpretação jurídica, como, por exemplo, a teleológica e a gramatical.
Embora seja considerada a corrente jurídica mais revolucionária do direito americano das últimas décadas, é importante ter em vista que trata-se de uma metodologia auxiliar, cujo fundamento não pode se basear exclusivamente na eficiência. É necessário que se cumpra, ademais, os ideais de justiça ao se aplicar a Análise Econômica do Direito e a eficiência às situações jurídicas.
No Brasil, as primeiras contribuições sobre o tema se deram por meio de trabalhos acadêmicos que trouxeram a interseção entre Direito e Economia em suas pesquisas. Dessa forma, verifica-se que, inicialmente, o desenvolvimento se deu em caráter acadêmico e não institucional, pelos aplicadores do Direito. Até a década de 1980, houve apenas trabalhos isolados sobre o tema, não se vinculando aos estudos da Análise Econômica do Direito, propriamente dita.
Durante alguns anos, o que houve no Brasil, foi a ocorrência de iniciativas descoordenadas, com a tradução de algumas obras estrangeiras para o português. Somente no ano de 1994, com a publicação do Livro “Análise Econômica do Direito” por Antônio Maristelo Porto e Nuno Garoupa que esta disciplina passou a ter uma maior visibilidade no Brasil. Em seguida, foram publicadas algumas obras aplicando os princípios da Análise Econômica do Direito aos problemas jurídicos, no contexto do Brasil. Os principais temas dessas obras estavam relacionados à Direito Concorrencial, Direito Contratual e Direito Societário.
Todavia, não houve um desenvolvimento e propagação imediata da disciplina de Análise Econômica do Direito. Pelo contrário, no Brasil, é possível observar, com base nas grades curriculares dos cursos de Direito, que há uma falta de contato dos estudantes com esta matéria. Na graduação, mesmo após a publicação da Resolução MEC/CNE/CES nº 09/2004, que trata das diretrizes curriculares nacionais, determinando como eixo na formação do bacharel em direito, o estudo da economia, não houve a inclusão dessa disciplina nos cursos existentes no País.
O estudo da Análise Econômica do Direito ainda é muito insipiente no Brasil. As cadeiras que trazem o estudo da Economia nos cursos de graduação em Direito não aprofundam a interseção entre Direito e Economia como proposto por esta disciplina. O que se vê, é a formação de diversos bacharéis em Direito que desconhecem abrangência das consequências teóricas e práticas da economia no campo jurídico.
No que diz respeito à pós-graduação, o crescimento da matéria se deu a partir dos anos de 1990 com cursos de mestrado e doutorado com linhas de pesquisa que tratam da questão, ainda que de maneira indireta. A dificuldade para uma maior disseminação dessa disciplina se da, entre outros fatores, pelo fato de ter havido, por muito tempo, uma confusão entre Direito Econômico e Análise Econômica do Direito.
Embora sejam temas correlatos, trata-se de disciplinas jurídicas distintas. Essa confusão entre elas dificultou o claro entendimento das respectivas linhas distintas de análise que cada uma propõe. Direito Econômico, pode ser conceituado como o ramo do direito que se estuda as normas jurídicas que regulam a produção e a circulação de bens e serviços, visando o desenvolvimento econômico do País. Trata-se de normas que regulam os monopólios, oligopólios, fusões e incorporações, objetivando impedir a concorrência desleal e a manipulação dos preços e mercados pelas corporações.
A partir de 2005, começaram a surgir as primeiras iniciativas institucionais no Brasil a respeito da Análise Econômica do Direito. Neste ano, foi criado o primeiro programa de pesquisa nesta matéria, bem como a primeira associação estadual de direito e economia. Além disso, a disciplina foi incluída em alguns cursos de graduação e mais cursos de pós-graduação, voltado para essa seara jurídica, foram criados.
Nos anos seguintes, foi possível verificar o desenvolvimento e a expansão da Análise Econômica do Direito no Brasil. Em 2007, foi criada a Associação Brasileira de Direito e Economia (ABDE) e o País sediou pela primeira vez a Conferência Internacional da Associação Latino Americana e do Caribe de Direito e Economia (ALACDE).
No ano de 2010, foi lançado o primeiro Periódico Brasileiro Sobre o Tema: Economic Analysis of Law Review (atualmente 9ª edição). E, no ano seguinte, o Supremo Tribunal Federal sediou evento “Direito, Economia e Desenvolvimento”, organizado pelo Ministro Ricardo Lewandowski, que trouxe a tona a discussão sobre a interseção entre Direito e Economia.
Muito embora tenha havido um crescimento positivo nos últimos anos, os estudos da Análise Econômica do Direito ainda não representa parcela expressiva do que é produzido pelos centros de pesquisa no Brasil. A título de exemplo, dos 82 programas de pós-graduação em Direito, recomendados pelo Capes, apenas 24 tratam de questões de Direito e Economia. Contudo, dentro destes, ainda há casos mais sobre Direito Econômico do que Análise Econômica do Direito, propriamente dito.
Em consonância com o avanço e desenvolvimento da matéria no País, o Superior Tribunal de Justiça, em 2015, proferiu uma decisão, em sede de Recurso Especial, em que utiliza de maneira explícita a metodologia da Análise Econômica do Direito. Anteriormente, era possível observar que a sistemática econômica estava presente nas decisões judiciais dos Tribunais, entretanto, não era feita de forma expressa.
2015 – Julgado do STJ em sede de Recurso Especial (nº1163283/RS) – Relator: Ministro Luiz Felipe Salomão – temos a alusão expressa a essa visão consequencialista do Direito, mais precisamente à Análise Econômica da Função Social dos Contratos. O relator sela essa parceria do Direito com a Economia nos remetendo à função última da norma esculpida no art. 50 da Lei 10.931/2004 (trata do contrato de financiamento imobiliário)
RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. CONTRATOS DE FINANCIAMENTO IMOBILIÁRIO. SISTEMA FINANCEIRO DE HABITAÇÃO. LEI N. 10.931/2004. INOVAÇÃO. REQUISITOS PARA PETIÇÃO INICIAL. APLICAÇÃO A TODOS OS CONTRATOS DE FINANCIAMENTO.
1. A análise econômica da função social do contrato, realizada a partir da doutrina da análise econômica do direito, permite reconhecer o papel institucional e social que o direito contratual pode oferecer ao mercado, qual seja a segurança e previsibilidade nas operações econômicas e sociais capazes de proteger as expectativas dos agentes econômicos, por meio de instituições mais sólidas, que reforcem, ao contrário de minar, a estrutura do mercado.
2. Todo contrato de financiamento imobiliário, ainda que pactuado nos moldes do Sistema Financeiro da Habitação, é negócio jurídico de cunho eminentemente patrimonial e, por isso, solo fértil para a aplicação da análise econômica do direito.
3. A Lei n. 10.931/2004, especialmente seu art. 50, inspirou-se na efetividade, celeridade e boa-fé perseguidos pelo processo civil moderno, cujo entendimento é de que todo litígio a ser composto, dentre eles os de cunho econômico, deve apresentar pedido objetivo e apontar precisa e claramente a espécie e o alcance do abuso contratual que fundamenta a ação de revisão do contrato.
4. As regras expressas no art. 50 e seus parágrafos têm a clara intenção de garantir o cumprimento dos contratos de financiamento de imóveis tal como pactuados, gerando segurança para os contratantes. O objetivo maior da norma é garantir que, quando a execução do contrato se tornar controvertida e necessária for a intervenção judicial, a discussão seja eficiente, porque somente o ponto conflitante será discutido e a discussão da controvérsia não impedirá a execução de tudo aquilo com o qual concordam as partes.
5. Aplicam-se aos contratos de financiamento imobiliário do Sistema de Financiamento Habitacional as disposições da Lei n. 10.931/2004, mormente as referentes aos requisitos da petição inicial da ação de revisão de cláusulas contratuais, constantes do art. 50 da Lei n. 10.931/2004.
6. Recurso especial provido.
(REsp 1163283/RS, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 07/04/2015, DJe 04/05/2015) (grifo nosso)
A decisão proferida pelo Ministro Luiz Felipe Salomão, levou em consideração o Princípio da Eficiência em relação ao processo, conforme trazido pelo Novo Código de Processo Civil. A Eficiência Processual objetiva atingir os fins processuais com o menor custo possível.
Dessa maneira, a norma jurídica visa manter o andamento do contrato mesmo com a propositura de uma demanda judicial. Em muitas situações, só parte do contrato é questionada, por isso a decisão busca manter a segurança jurídica e evita o desperdício financeiro. A Análise Econômica do Direito vem ampliando seu alcance junto aos juristas e aplicadores do direito e enraizando na Doutrina e Jurisprudência nacionais.
Em relação às dificuldades enfrentadas para o maior desenvolvimento e visibilidade da Análise Econômica do Direito no Brasil, Armando Castelar Pinheiro e Jairo Saddi, pontuam que o advento da Constituição Federal de 1988, juntamente com a criação de diversos planos econômicos na década de 1980, aumentou o atrito entre Direito e Economia já existente no País.
De fato, a Carta Magna trouxe novas atribuições ao Judiciário, bem como atribuiu ao Estado a prerrogativa de prover funções públicas universais. Dessa maneira, a máquina pública ficou sobrecarregada, tendo em vista que não houve o crescimento econômico necessário para suprir essas novas demandas, gerando um déficit nas contas públicas.
A Análise Econômica do Direito pode contribuir para que essa função estatal seja gerida de forma mais eficiente, na medida em que propõe em diálogo entre direito e economia.
A análise econômica do direito sofreu muita resistência no Brasil. Isso se deve ao fato dessa disciplina jurídica ser baseada na common law, enquanto o sistema jurídico brasileiro tem por pilar um direito europeu continental, com origem na civil law. O direito brasileiro é um direito romano germânico, dogmático, valorativo. Nossa escola jurídica sempre foi focada no positivismo jurídico, na codificação, normatização das leis; contudo por ser muito focado no direito posto, codificado, é uma escola jurídica que se afastada da realidade do povo, da escassez, da eficiência.
Ademais, a Análise Econômica do Direito tem origem no realismo jurídico e na filosofia consequencialista. O realismo jurídico pode ser conceituado como a corrente doutrinária da filosofia jurídica que entende o sistema jurídico como fato, ou seja, seus teóricos entendem que a decisão judicial é a verdadeira forma de determinação do direito. Assim, o realismo afasta o sistema jurídico de visões idealistas do direito e da metafísica.
O realismo jurídico se desenvolveu fortemente nos Estados Unidos e nos países escandinavos. Com o direito baseado na common law, essa corrente jurídica entende que o direito é aquilo que os tribunais fazem e não o que se espera que ele faça, ou o que as fontes do direito indiquem que ele faça, por isso a importância e destaque que dão para a decisão judicial.
No Brasil, não adotou o realismo jurídico, não participando, portanto, desse momento histórico. Com o Direito baseado na civil law, e muito ligado ao positivismo jurídico, a Análise Econômica do Direito teve seu desenvolvimento lento e incipiente no País. Contudo, é possível ver um aumento do desenvolvimento dessa disciplina que pode enriquecer nosso sistema jurídico com conceitos de microeconomia, como preço, mercado, eficiência e escassez. Esses conceitos são importantes para trazer nosso direito para a realidade, em um mundo em que há escassez de recursos e em um País com grande desigualdade social.
4. A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE ECONÔMICA DO DIREITO NAS SOLUÇÕES ALTERNATIVAS DE CONFLITOS
A Análise Econômica do Direito está se enraizando no Brasil. Todavia, ainda há uma resistência, tendo em vista que o direito brasileiro ainda é muito dogmático, romano germânico, baseado na escola da civil law. O direito europeu continental, no qual se estruturou o direito nacional é valorativo, dá muito destaque aos princípios, a diferença entre regras e princípios, e muitas teses filosóficas.
Essa disciplina jurídica crítica justamente esse distanciamento do direito positivado da realidade vivida pela população. Isso faz com que a união do direito e da economia tenha muita resistência no Brasil. Entretanto, a Análise Econômica do Direito está crescendo e se desenvolvendo em nosso País.
A Análise Econômica do Direito traz o conceito de economia em seu bojo, qual seja, alocar recursos de forma eficiente. Essa interseção é de estrema importância, especialmente se considerarmos que vivemos em um mundo em que os recursos que são escassos. Direitos são recursos escassos. Dessa maneira, os conflitos jurídicos devem ser resolvidos da forma mais eficiente e pragmática possível, com base em estatísticas, sempre levando em conta o conceito de justiça.
Os conceitos de microeconomia devem ser usados na solução dos conflitos jurídicos, sempre tendo como norte a busca por justiça de maneira eficiente. A racionalidade econômica deve estar presente na tomada de decisões jurídicas e na solução dos conflitos, ou seja, deve-se ter uma visão consenquencialista do direito. Vale dizer, o consequencialismo jurídico leva em consideração que os indivíduos são agentes econômicos racionais e, com isso, é possível prever o que vai acontecer com a aplicação da norma jurídica.
Cabe ressaltar, que os conceitos da microeconomia e a sua teoria são úteis para as tentativas de pacificação dos litígios. São três, as principais correntes, que são utilizados para a solução de litígios: reducionista, explicativa e predição.
Os Reducionistas entendem que o Direito pode ser reduzido à Economia. É uma corrente minoritária que determina que as categorias jurídicas tradicionais, como direitos subjetivos, deveres jurídicos, negligência, dentre outros, podem ser substituídas por categorias econômicas.
A corrente Explicativa, por sua vez, entende que a Economia poderia criar uma teoria explicativa da estrutura das normas jurídicas. Ou seja, a teoria econômica seria capaz de elucidar a estrutura lógica do direito, ainda que o faça de forma parcial.
Por fim, a terceira e última corrente, a da Predição entende que a Economia pode ser utilizada para prever as consequências das normas jurídicas. Pretende-se identificar os possíveis efeitos das normas jurídicas sobre o comportamento dos atores sociais.
As soluções alternativas de conflitos são formas de resolver divergências jurídicas por meios outros que não o Poder Judiciário. As principais são a arbitragem, conciliação e mediação. O uso delas para promover o entendimento e a solução da lide entre as partes permite que resolução do conflito se dê de forma mais eficiente possível.
De fato, a solução judicial de divergências jurídicas nem sempre é a melhor maneira de se encerrar um conflito. Muitas vezes, a morosidade do Poder Judiciário, ainda que, ao final, se tenha uma decisão favorável, traz custos e desgastes físicos e temporais que nos levam a decisões menos eficientes do que aquelas proferidas em sede de meios alternativos de solução de controvérsias.
Deve-se levar em consideração, quando surge um conflito, a possibilidade do ganho pretendido, bem como os custos envolvidos para que se chegue a uma decisão final, seja utilizando-se o Poder Judiciário ou métodos alternativos. Assim, a Análise Econômica do Direito deve ser utilizada e aplicada tanto ao processo judicial como aos conflitos extrajudiciais, para que se observe e verifique quais os custos e vantagens em cada possibilidade de decisão.
CONCLUSÃO
A Análise Econômica do Direito é uma disciplina jurídica que ganhou força e visibilidade nos Estados Unidos com a interseção entre Direito e Economia, com o objetivo de se aplicar conceitos de microeconomia ao Direito, principalmente a ideia de eficiência. Contudo, não se pode esquecer que as decisões jurídicas sempre devem ser tomadas com o fim de se alcançar a justiça, mesmo se tendo como norte os conceitos de eficiência e custo de transação.
No Brasil, a evolução da matéria tem se dado de maneira lenta e paulatina. Inicialmente, tivemos apenas a tradução de algumas obras estrangeiras para, em um segundo momento, surgirem obras nacionais específicas sobre a Análise Econômica do Direito. Da mesma forma, a grade curricular das graduações em Direito ainda não traze essa disciplina na formação dos bacharéis em direito.
Por outro lado, embora incipiente, essa doutrina jurídica tem ganhado corpo e estudiosos em nosso País, principalmente nas últimas décadas. Os cursos de pós-graduação que tratam do tema vêm crescendo, assim como a aplicação dessa teoria nas decisões dos nossos Tribunais. Já é possível encontrar decisões em que o uso da Análise Econômica do Direito é usada explicitamente.
A Análise Econômica do Direito é uma doutrina em ascensão e desenvolvimento no País que traz muitos benefícios na formação dos bacharéis em direito, para que possamos ter um direito que leva em consideração não apenas os aspectos teóricos jurídicos, mas também questões práticas nas decisões para as soluções dos conflitos.
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SALAMA, Bruno Meyerhof. Análise econômica do direito. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Teoria Geral e Filosofia do Direito. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga, André Luiz Freire (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/41/edicao-1/analise-economica-do-direito
TEIXEIRA, Pedro Freitas; SINAY, Rafael; BORBA, Rodrigo Rabelo Tavares. A análise econômica do direito na axiologia constitucional. BNDES. Biblioteca digital. P. 181 – 122. Disponível em: < https://web.bndes.gov.br/bib/jspui/bitstream/1408/3685/2/A%20an%C3%A1lise%20econ%C3%B4mica%20do%20direito_P_BD.pdf>.
O presente estudo apresenta como tema a introdução à Análise Econômica do Direito, refletindo o desenvolvimento da matéria no Brasil. Para isso, busca-se analisar sua origem e antecedentes, assim como observar a importância da Escola de Chicago e seus pensadores para essa disciplina jurídica. São inúmeros os benefícios de se apresentar aos estudantes de direito, assim como aos juristas já formados um viés econômico e mais pragmático ao estudo jurídico.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MAIA, DANIELLA MOURA STEUBLE COSTA. Aspectos iniciais à introdução da análise econômica do direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 jul 2023, 04:55. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/61971/aspectos-iniciais-introduo-da-anlise-econmica-do-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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