RESUMO: A fraude à execução atenta à boa fé da sociedade, já que visa lesar aqueles que, por meio de decisão judicial, tiveram seus direitos tutelados pelo Estado. Não bastasse isso, o executado que age em fraude atenta à dignidade da justiça, afrontando ordem emanada do titular do poder jurisdicional. Na justiça do trabalho, a fraude à execução é ainda mais voraz, tendo em vista que, via de regra, o crédito inadimplido por fraude detém natureza alimentar, de modo que tais atos fraudulentos têm o condão de ceifar o alimento da mesa do trabalhador, atentando à dignidade da pessoa humana. Assim, o presente estudo tem por finalidade, partindo do pressuposto de que a fraude à execução trata-se de, no sentido de violação ao princípio da boa fé processual, esclarecer aos operadores do direito o modo em que se dá a fraude à execução, bem como os meios e ferramentas de pesquisa patrimoniais para deflagrá-la e obter, de fato, a prestação jurisdicional mediante o recebimento do crédito laboral.
Palavras- chave: Fraude à execução, fraude contra credores, ferramentas de pesquisa patrimonial, justiça trabalhista.
ABSTRACT: Execution fraud undermines the good faith of society, as it seeks to harm those who, through a court decision, had their rights protected by the State. As if that were not enough, the debtor who acts in fraud against the dignity of justice, facing an order issued by the holder of the jurisdictional power, that is, the Judiciary. In labor law, execution fraud is even more voracious, considering that, as a rule, credit defaulted due to fraud has a food nature, so that such fraudulent acts have the ability to remove food from the worker's table, respecting the dignity of the human person. Thus, the purpose of this study, based on the assumption that execution fraud is, in the sense of violating the principle of procedural good faith, clarifying to legal operators the way in which execution fraud takes place, as well as the means and tools of heritage research to trigger it and obtain, in fact, the judicial provision upon receipt of labor credit.
Keywords: Execution fraud, fraud against creditors, asset research tools, labor justice.
1. INTRODUÇÃO
A boa-fé processual é princípio que deve nortear as lides na justiça brasileira, entretanto, na maioria das vezes, o que se verifica é a prática, por parte daqueles que perderam a demanda judicial, de atos que visam o afastamento do cumprimento da obrigação decorrente do comando sentencial.
No âmbito da justiça trabalhista – que é o enfoque do estudo – é comum o trabalhador obter a tutela do judiciário, no tocante ao seu direito material lesado, sem, no entanto, conseguir receber o crédito obtido.
Isso se dá, entre outros fatores, a práticas fraudulentas, em que os executados se utilizam de meios ardis, tais quais, alienação em fraude, fraude sucessória, fraudes societárias e blindarem seu patrimônio e se esquivarem das obrigações fixadas pelo Juízo Trabalhista.
Com especial dedicação a este fato e analisando suas implicações, este estudo propõe-se a analisar os tipos de fraudes à execução com o intuito de observar as formas multifacetadas em que os indivíduos buscam atentar contra a dignidade da justiça e assim prejudicar a parte vencedora do processo.
Um ponto importante e que merece destaque é que este artigo, desde logo, irá diferenciar a fraude contra credores da fraude à execução, para que não haja confusão quanto à aplicação dos termos ou mesmo que sejam erroneamente tidos como sinônimos, bem como para adoção da medida judicial adequada.
2. DIFERENÇA ENTRE FRAUDE À EXECUÇÃO E FRAUDE CONTRA CREDORES
Embora possa haver algum tipo de semelhança entre os institutos da fraude à execução e fraude contra credores, é importante destacar que não pode existir confusão entre os ambos, visto que, conforme explicita Bezerra Leite (2022, p.3574), em seu de Curso Direito Processual do Trabalho:
“Não se deve confundir fraude à execução com fraude contra credores. Aquele é instituto eminentemente processual, devendo o juiz reconhecê-lo de ofício e apurar a responsabilidade nos mesmos autos do processo em que for constatado este ato atentatório à dignidade da justiça; este é instituto de direito material (CC, art. 158) concernente a um defeito do ato jurídico que depende da existência do consilium fraudis, apurada em ação própria (pauliana ou revocatória), como, aliás, prevê a Súmula 195 do STJ.” (Bezerra Leite, 2022,p.3.574)
Desse modo, depreende-se que a fraude à execução trata-se de instituto processual que deve ser reconhecida pelo magistrado de ofício dentro dos autos do processo.
Já a fraude contra credores consiste num instituto de direito material a qual é apurada em ação própria para esse fim.
Ainda nesta seara da distinção entre a fraude à execução e contra credores, os tribunais do trabalho têm dado importantes contribuições no sentido de esclarecer ao operador do direito processual do trabalho os pontos chaves que evidenciam as diferenças entre os dois institutos, como se verifica no julgado a seguir:
FRAUDE À EXECUÇÃO E FRAUDE CONTRA CREDORES. DIVERSIDADE DE INSTITUTOS. Não se confundem fraude à execução e fraude contra credores, pois no primeiro há ineficácia do ato de transferência patrimonial e não se inquire a existência de intuito fraudatório da parte, a qual é presumida e na segunda há necessidade de prova do eventus damni e do consilium fraudis. Além disso, a fraude à execução é declarada incidentalmente, enquanto a fraude contra credores apenas pode ser reconhecida através da ação pauliana (TRT 2ª R., AP 00022037320135020041, Rel. Des. Ivani Contini Bramante, 4ª T., DEJT 28-3-2014).
Neste julgado fica claro e evidente que, para se caracterizar a fraude à execução, é necessário que haja a ineficácia do ato de transferência patrimonial, além de que a fraude à execução é declarada incidentalmente, enquanto, a fraude contra credores deve ser comprovada por meio da prova do evento danoso e da fraude, devendo ser alegada em ação pauliana, como dito anteriormente.
3. TIPOS DE FRAUDE À EXECUÇÃO
Com a compreensão das distinções existentes entre fraude à execução e fraude contra credores, podemos passar a análise dos tipos de fraude à execução.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) não aborda aprofundadamente as modalidades de fraude à execução.
Porém, como se vê no artigo 9º, abaixa transcrito, e parágrafo único dos art. 10-A e 448-A, todos da CLT, ela repudia a prática de tais atos, seja para declarar nulos os atos praticados com intuito de fraudar os seus dispositivos legais, seja para imputar responsabilidade daqueles que participam de atos fraudulentos para se esquivar das obrigações trabalhistas:
Art. 9º - Serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos contidos na presente Consolidação.
O Código de Processo Civil, por sua vez, trata da fraude à execução nos artigos, 792 e 828 (disposições sobre a alienação em fraude), bem como §3º do art. 855, o qual dispõe sobre a fraude à penhora de créditos.
Dada a omissão da CLT acerca dos assuntos abordados pelos referidos artigos do direito processual cível, tais artigos são de aplicação subsidiária ao processo trabalhista, conforme art. 769 da CLT, in verbis:
Art. 769 - Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título.
Conforme se verifica acima, a legislação é pouco abrangente em relação aos casos de fraude à execução, no entanto, tratando-se de leis processuais trabalhistas e cíveis, não seria razoável exigir tipificação das inúmeras condutas que têm, por fim, burlar as obrigações emanadas do poder jurisdicional.
Nesse sentido, as legislações a respeito são cristalinas a repudiar, ainda que na maioria dos dispositivos apenas genericamente, e tonar nulos e ineficazes atos processuais praticados em fraude.
Tecidas as considerações acima, necessário esclarecer que a fraude à execução tem por escopo blindar o patrimônio dos executados por meio ardis, sempre de modo premeditado, antes mesmo do início da execução ou já no curso dela, seja por meio da ocultação dos sócios (constituição de empresas em nome de “laranjas”, alterações societárias fraudulentas, fraude sucessórias) ou pela transferência do patrimônio da empresa e/ou dos sócios para terceiros de boa-fé e, principalmente, “laranjas”.
Necessário, antes de adentrar nos meios das fraudes, necessários esclarecer a figura dos sócios e responsabilidade deles ante os créditos trabalhistas.
Se no âmbito das demandas de natureza civil a responsabilização dos sócios é exceção, nos termos do artigo 50 do Código Civil e, ainda, do art. 28 do Código de Defesa do Consumidor, no âmbito trabalhista a desconsideração da personalidade jurídica sempre foi regra, tendo sido positivada pela reforma trabalhista (Lei n. 13.467 de 2017) que deu redação ao artigo 10-A da CLT, de modo a positivar, inclusive, a responsabilização dos sócios retirantes, o qual também já era responsabilizado, por regra, antes mesmo da disposição legal. Vejamos:
Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência: (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
I - a empresa devedora; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
II - os sócios atuais; e (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
III - os sócios retirantes. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
Em parênteses ao assunto desconsideração da personalidade jurídica, fica a preocupação do legislador com a prática de fraude societária, disposta no parágrafo único do dispositivo legal supracitado.
Assim, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é teoria amplamente adotada na seara trabalhista, confirmada pela doutrina e ampla jurisprudência. Nesse sentido, vejamos o ensinamento de Bezerra Leite (2022, p.3213):
"É importante assinalar que o instituto da desconsideração da pessoa jurídica encontra-se previsto no art. 28, § 5º, da Lei n. 8.078/90 (CDC), que, adotando a Teoria Menor, pode ser aplicado, por analogia, ao processo do trabalho, “sempre" que sua personalidade for, de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores” (e nós acrescentamos, aos trabalhadores). Nesse sentido, já admitiu o TST, explicitamente, a aplicação do art. 28 do CDC ao processo trabalhista:
AÇÃO RESCISÓRIA – COISA JULGADA – OFENSA – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. 1. Ação rescisória contra acórdão proferido em agravo de petição que mantém a desconsideração da personalidade jurídica da empresa Executada e declara subsistente penhora em bens de ex-sócio. 2. Não viola os incisos II, XXXV, XXXVI, LIV e LVII do art. 5º da Constituição Federal a decisão que desconsidera a personalidade jurídica de sociedade por cotas de responsabilidade limitada, ao constatar a insuficiência do patrimônio societário e, concomitantemente, a dissolução irregular da sociedade, decorrente de o sócio afastar-se apenas formalmente do quadro societário, no afã de eximir-se do pagamento de débitos. A responsabilidade patrimonial da sociedade pelas dívidas trabalhistas que contrair não exclui, excepcionalmente, a responsabilidade patrimonial pessoal do sócio, solidária e ilimitadamente, por dívida da sociedade, em caso de violação à lei, fraude, falência, estado de insolvência ou, ainda, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração. Incidência do art. 592, II, do CPC, conjugado com o art. 10 do Decreto n. 3.708, de 1919, bem assim o art. 28 da Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). 3. Recurso ordinário a que se nega provimento (TST ROAR n. 727.179, SBDI 2, Rel. Min. João Oreste Dalazen, DJU 14-12-2001).
Isso posto, passaremos agora ao estudo dos modos de operação da fraude à execução.
3.1. FRAUDE NA ALIENAÇÃO DE BENS / ALIENAÇÃO PATRIMONIAL FICTA
A fraude na alienação de bens, para fins didáticos, pode ser divida em dois tópicos: alienação em fraude, propriamente dita, e a transferência patrimonial ficta.
A alienação em fraude ocorre quando o devedor sabendo que existe contra si uma ação em andamento, em fase ou não de execução, passa a se desfazer de seus bens, transferindo-os para terceiros de boa-fé, liquidando seu patrimônio que seria atingido pela execução.
Já a alienação patrimonial ficta ocorre quando o sócio da empresa executada sabendo que existe contra si uma ação em andamento, transfere o seu patrimônio para laranjas (pessoas do seu íntimo, muitas vezes familiares, amigos ou até mesmo funcionários), mantendo-o para seu usufruto, posse e propriedade, de fato.
A alienação fraudulenta pode se dar pela venda, de fato, dos seus bens a terceiros de boa-fé, os quais também são vítimas do executado fraudador.
Vejamos, as seguir, o norte dado pelo artigo 792 do Código de Processo Civil de 2015, a esse respeito:
Art. 792. A alienação ou a oneração de bem é considerada fraude à execução:
I - quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória, desde que a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público, se houver;
II - quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução, na forma do art. 828;
III - quando tiver sido averbado, no registro do bem, hipoteca judiciária ou outro ato de constrição judicial originário do processo onde foi arguida a fraude;
IV - quando, ao tempo da alienação ou da oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência;
V - nos demais casos expressos em lei.
§ 1º A alienação em fraude à execução é ineficaz em relação ao exequente.
§ 2º No caso de aquisição de bem não sujeito a registro, o terceiro adquirente tem o ônus de provar que adotou as cautelas necessárias para a aquisição, mediante a exibição das certidões pertinentes, obtidas no domicílio do vendedor e no local onde se encontra o bem.
§ 3º Nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, a fraude à execução verifica-se a partir da citação da parte cuja personalidade se pretende desconsiderar.
§ 4º Antes de declarar a fraude à execução, o juiz deverá intimar o terceiro adquirente, que, se quiser, poderá opor embargos de terceiro, no prazo de 15 (quinze) dias.
Há de se frisar que, considerando a vidência do Novo Código de Processo Civil, o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho editou a Instrução Normativa n° 39, que dispõe sobre as normas do Código de Processo Civil de 2015 aplicáveis e inaplicáveis ao Processo do Trabalho, de forma não exaustiva, sendo que constou da referida Instrução Normativa entendeu por ser aplicável o art. 792 acima transcrito, ao processo do trabalho, vejamos:
Art. 3° Sem prejuízo de outros, aplicam-se ao Processo do Trabalho, em face de omissão e compatibilidade, os preceitos do Código de Processo Civil que regulam os seguintes temas:
(…)
XIII - arts. 789 a 796 (responsabilidade patrimonial);
Assim, a fraude na alienação de bens, conforme discorrido acima, tem por escopo a liquidação do patrimônio que será atingido por ação judicial já em curso, sendo tal matéria já zelada pelo Código de Processo Civil.
Doutro lado, a alienação patrimonial ficta, não visa a liquidação do patrimônio, ela busca forjar a transferência, de modo que alienante desvie a execução de seu patrimônio, fingindo o ter alienado a terceiros de boa-fé, que, na verdade são, seus laranjas (inclusive pessoas jurídicas, conforme abaixo exposto).
Desse modo, na alienação patrimonial ficta a transferência do patrimônio agente fraudador (empresas reclamadas ou sócios) só ocorre no plano documental, de maneira que o fraudador permaneça com o patrimônio para seu usufruto, posse e propriedade, de fato.
Tais “laranjas” agem também de má-fé, eis que emprestam seu nome para transferência dos bens.
Da mesma maneira, o empresário pode transferir fictamente seus bens para pessoas jurídicas, com as quais não possui vínculos jurídicos.
Nesse caso, o patrimônio é transferido fictamente para pessoa jurídicas de fachada, para holdings patrimoniais ou para Offshore.
Em breve síntese, uma empresa de fachada é aquela que apenas detém roupagem formal junto aos órgãos competentes, mas não exerce, de fato, nenhuma atividade empresarial.
Já as holdings patrimoniais são empresas cujo objeto social é a administração, de forma despersonalizada, de bens de terceiros, de modo que, estando o patrimônio do empresário vinculado à pessoa jurídica estranha a lide processual, este não é atingido por execução judicial.
Por fim, as empresas tipo Offshore, são pessoa jurídicas abertas legalmente em outros países, mas que detém o benefício do sigilo fiscal, logo, tornam-se inacessível nas pesquisas básicas de bens de sua propriedade e consequentemente a expropriação desses bens via execução judicial.
Em quaisquer das hipóteses (alienação em fraude para terceiros ou alienação patrimonial ficta), se constata a fraude, a alienação será tornada ineficaz, retornando a propriedade ao status anterior (propriedade do devedor) e podendo ser alcançado o bem alienado em fraude ser atingido pela execução em curso.
No caso de alienação patrimonial ficta, tal situação pode ser verificada por meio de ferramentas como redes sociais (em que os alienantes ostentam ser os reais proprietários dos bens alienados) e também por outras ferramentas capazes de demonstrar vínculos (de parentesco, jurídico, bancário) entre os alienantes e os alienatários, quais sejam, I CCS, INFOSEG, CENSEC, SIGNO, CRC-Jud.
Importante também verificar também a cadeia dos registros de transferência de propriedade, eis que, tanto em caso de imóveis, quanto em caso de móveis, é comum a transferência “temporária” do bem a um terceiro, que aparentemente seria um comprador de boa fé, mas na sequência o bem é transferido para laranjas dos executados, parentes ou pessoa de extrema confiança.
3.2. FRAUDE SUCESSÓRIA / FRAUDE SOCIETÁRIA / GRUPO ECONÔMICO
A fraude à execução também pode ocorrer pela desvirtuação dos seguintes institutos existentes no ordenamento jurídico brasileiro: sucessão empresarial, alterações societárias e grupo econômico.
Em todos os casos supra, verificada a fraude, deverão os participantes serem responsabilizados solidariamente pelas obrigações trabalhistas.
A sucessão empresarial é um meio de transferência da propriedade e do conjunto de bens de uma pessoa jurídica para outra, a qual prosseguirá executando as atividades da anterior.
No direito empresarial, dá-se o nome a esse procedimento de Trespasse. Vejamos:
"Trespasse significa transferir a propriedade para outro; ou ato de passar, o que muitas vezes é vislumbrado na prática por placas com os seguintes dizeres: “passa-se o ponto”. No Direito Empresarial, trespasse cuida-se da alienação do estabelecimento, ou seja, que este pode ser objeto de direitos, ou que pode ser negociado" (TEIXEIRA, 2022, p.217).
O sucessor do estabelecimento, no direito empresarial, responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, sendo que o sucedido continuará sendo devedor solidário, porém pelo lapso de apenas um ano. Vejamos:
"Em razão da venda do estabelecimento, o adquirente responde pelos débitos anteriores deste (desde que contabilizados). E, pelos mesmos débitos anteriores, o alienante continua solidariamente responsável por 1 ano (CC, art. 1.146).” (TEIXEIRA, 2022, p.217).
Para que não paire dúvidas, abaixo o dispositivo legal do Código Civil:
Art. 1.146. O adquirente do estabelecimento responde pelo pagamento dos débitos anteriores à transferência, desde que regularmente contabilizados, continuando o devedor primitivo solidariamente obrigado pelo prazo de um ano, a partir, quanto aos créditos vencidos, da publicação, e, quanto aos outros, da data do vencimento.
Se em relação aos créditos cíveis a responsabilidade do sucedido é solidária, mas por um lapso de apenas um ano, na seara trabalhista o cenário é diferente, já que o sucessor passa a ser o responsável pelo crédito trabalhista, não obstante posição jurisprudenciais no sentido da responsabilização subsidiária do sucedido.
O art. 10 da CLT dispõe que qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados (BRASIL, 2023).
Também no sentido de resguardar os direitos adquiridos do trabalhador, o artigo 448 da CLT determina que a mudança na propriedade da empresa não afetará os contratos de trabalho dos empregados. Vejamos:
Art. 448 - A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.
Por fim, o art. 448-A da CLT, in verbis, dispõe literalmente sobre responsabilidade:
Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)
Pelos dispositivos legais supra, não haveria que se falar em qualquer responsabilidade do sucedido, sendo a responsabilidade total da empresa sucessora.
Não obstante, é preciso trazer entendimento jurisprudencial no sentido da responsabilização subsidiária do sucedido em casos de evidente incapacidade econômica do sucessor. Vejamos:
Sucessão. Responsabilidade do sucedido. A sucessão, ainda que consista na substituição de uma das partes na relação jurídica, não exime o empregador sucedido das obrigações do seu período, à vista dos princípios que se encerram nos arts. 10 e 448 da CLT (preservação do contrato e dos direitos dos empregados). Interpretação em contrário consagraria a imoralidade e a fraude, permitindo a manobra em que o empregador se faz substituir por outro, não raro inidôneo, para escapar ileso das obrigações trabalhistas, em clara afronta à concepção constitucional da dignidade humana, na medida em que isso, em última conseqüência, significa exploração do trabalho humano (TRT/SP 20010207214 - RO - Ac. 1ªT. 20010800179 - DOE 15/01/2002 - Rel. Eduardo de Azevedo Silva).
Considerando a responsabilidade do sucessor, a sucessão fraudulenta consiste em vender, transferir uma empresa - já afetada, ou na iminência de ser afetada, por dívidas e obrigações trabalhistas - para outra pessoa jurídica, de propriedade de um sócio “laranja”, para que somente a nova empresa e seus sócios (em momento futuro), ambos sem lastro patrimonial, sejam responsabilizados pelos deveres trabalhistas.
Assim, comum a empresa sucedida e seus sócios alienarem em fraude seu patrimônio (prejudicando credores e terceiros de boa-fé) enquanto os sucessores, sem alicerce patrimonial, ficam na mira da execução.
Ou seja, na fraude sucessória o agente fraudador visa continuar ocultamente em seu ramo de atividade por meio de uma nova empresa, sem lastro patrimonial, de modo a esquivar-se da execução trabalhista.
A fraude societária, por sua vez, consiste em alterações no quadro societário da empresa. Nessa hipótese, embora não haja a sucessão (transpasse) de uma empresa para outra, pode haver a transferência, total e/ou parcial, das quotas da empresa.
Consoante já abordado acima, no direito do trabalho é regra a desconsideração da personalidade jurídica com a responsabilização dos sócios, inclusive os retirantes, pelos créditos decorrentes das condenações na justiça do trabalho.
Assim, necessário abordar a figura do sócio retirante, aquele que se retira do quadro societário da empresa.
Nos termos do inciso III, do art. 10-A da CLT, o sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade somente em ações ajuizadas até dois anos da averbação de sua retirada, devendo ser responsabilizado somente após a verificação da insolvência da empresa devedora e dos seus sócios atuais, incisos I e II do retrocitado artigo (BRASIL, 2023).
Por consequência do inciso III, do artigo 10-A da CLT, a saída do sócio, após transcorrido o lapso bienal, o isentará de responsabilidade pelos créditos trabalhistas.
Logo, torna-se comum sócios/proprietários, com lastro patrimonial, agirem de má-fé, por meio alterações societárias premeditadas para se esquivarem das obrigações trabalhistas futuras.
Porém a retirada da sociedade é apenas ficta, ocorrendo de maneira em que o agente fraudador cede suas cotas a um novo sócio “laranja”, sem lastro patrimonial, para se esquivar de ações trabalhistas futuras ou mesmo alienar seu patrimônio (antes de ser citado da sua entrada no polo passivo na condição de sócio retirante). Surge aqui a figura do sócio oculto, o qual permanece na direção e controle da empresa e dos seus ativos, por meio de relacionamentos com o sócio “laranja”.
Depreende do já exposto que, considerando que as pessoas jurídicas praticam seus atos por meio de seus representantes, a fraude sucessória e/ou societária carecem da ação de, pelo menos, duas pessoas naturais em conluio: o agente fraudador e um terceiro (laranja) ou membro da família, que não deixa de ser uma espécie de laranja.
Surge aqui a figura do grupo econômico fraudulento, o qual, da mesma forma, enseja a responsabilidade solidária dos participantes.
Conforme veremos a seguir, os integrantes do grupo econômico (com fins lícitos), previsto no art. 2º da CLT, são responsáveis solidários pelos créditos trabalhistas.
O grupo econômico, assim como os demais institutos, também tem sua figura positivada na CLT. Para abordá-lo, primeiramente necessário tecer brevemente sobre a figura do empregador.
Nos termos do art. 2º da CLT, empregador é a empresa, individual ou coletiva que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal do serviço (Brasil, 2023).
A Consolidação da Leis do Trabalho (§1º do artigo 2º) equipara ainda como empregador os profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
Pelos dispositivos acima, nota-se que o escopo do legislador foi garantir a continuidade no emprego, a fim de que as alterações jurídicas do empregador não ensejassem o rompimento da relação empregatícia e trouxesse prejuízos ao empregado. Nesse sentido, vejamos:
“Contudo, ao vincular o empregado à empresa, e não ao seu titular ou ao empresário, evitou o legislador que as alterações em sua estrutura jurídica (morte dos respectivos titulares, sucessão na titularidade etc.) ensejassem o rompimento da relação empregatícia, como deixa claro o art. 448 deste mesmo Estatuto.” (ALMEIDA, 2022, p.140).
Não obstante, as empresas (organizações econômicas), com finalidade de produzir ou circular bens e serviços, ganharam grandes proporções, aumentando e diversificando seus arranjos societários em seus atos constitutivos, como, por exemplo, as Sociedades Anônimas.
Do mesmo modo, com o passar do tempo, e visando a obtenção de lucros maiores, as empresas passaram a associarem-se umas às outras, de maneira a terem personalidades jurídicas distintas, porém, sendo interligadas por interesses interligados. Trata-se essa União de empresas e empresários (Grupo Econômico).
A previsão de grupo econômico tem o condão de proteger o trabalhador, tornando todas as empresas que o compõem responsáveis solidariamente pelos direitos trabalhistas, ampliando as possibilidades de adimpli-los.
Isso posto e dada a necessidade de proteção ao trabalhador, ante as novas formas societárias e agrupamento de empresários, a CLT no § 2º do art. 2º, dispôs que as empresas/empregadores serão responsáveis solidariamente pelas obrigações da relação de empresa quando compuserem grupo econômico. In verbis:
§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. (Alterado pela Lei n. 13.467, de 13-7-2017.)
No entanto, a reforma trabalhista, tendo em vista o já sedimentado posicionamento da Justiça do Trabalho quando à desconsideração da personalidade jurídica das empresas para responsabilização dos sócios, acrescentou à CLT o §3º do art. 2º, visando reforçar a ideia de que a responsabilização em caso de grupo econômico deve acontecer em caso de comunhão de interesses e não pela mera identidade dos sócios. Abaixo a transcrição do dispositivo legal:
§ 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. (Inserido pela Lei n. 13.467, de 13-7-2017.)
Maurício Godinho Delgado, no livro A Reforma Trabalhista no Brasil, Editora LTR, 2017, explana que o não enquadramento em grupo econômico com base no § 3º do art. 2º da CLT apenas deve ser aplicado em situações artificiais, na qual a participação societária de um ou outro sócio nas empresas envolvidas seja minúscula, irrisória, insignificante, inábil a demonstrar a presença “do interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e atuação conjunta das empresas dele integrantes”
Tecidas as noções acima, tem-se que a existência de grupo econômico não implica fraude, mas, sim, um meio para as empresas para auferirem lucros maiores.
Embora o fim do grupo econômico não seja a fraude, sua figura pode ser utilizada para blindagem patrimonial e desvio das obrigações de arcar com as responsabilidades trabalhistas.
Se os integrantes de um grupo econômico, com fins lícitos, devem, como já exposto, ser responsabilizados solidariamente pelas obrigações trabalhistas, incontestavelmente os integrantes de grupo econômico formado com intuito fraudulento deverão, da mesma forma, serem responsabilizados.
O Modus Operandi do grupo econômico fraudulento é praticamente o mesmo das fraudes sucessórias e societárias.
Os agentes praticam inúmeros atos na direção de empresas que compõe o grupo econômico, tais quais, abertura de novas empresas em nome de terceiros (membros da família ou laranjas), encerramento de outras empresas do grupo, alterações fictícias de endereços, atividade e quadro societário, de modo a manterem-se no controle total da atividade empresarial e dos ativos dela provenientes e esquivarem-se das obrigações trabalhistas.
Na verdade, os agentes fraudadores (verdadeiros proprietários das empresas que compõem o grupo econômico), praticam inúmeras fraudes sucessórias e societárias para, de modo coordenado, permanecer auferindo lucros advindos da atividade econômica sem arcar com as responsabilidades trabalhistas dela advindas.
Assim, constatada a fraude, seja na sucessão empresarial, seja na alteração societária, seja no grupo econômico, devem os envolvidos - empresas, laranjas e sócios ocultos que participaram de alguma forma da fraude - responderem solidariamente pelas obrigações inadimplidas, conforme preconiza a própria CLT (§ 3º do art. 2º, parágrafo único do art. 10-A e paragrafo único do art. 448-A):
Art. 2º - Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.
(...)
§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. (Alterado pela Lei n. 13.467, de 13-7-2017.)
(...)
Art. 10-A. O sócio retirante responde subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas da sociedade relativas ao período em que figurou como sócio, somente em ações ajuizadas até dois anos depois de averbada a modificação do contrato, observada a seguinte ordem de preferência:
Parágrafo único. O sócio retirante responderá solidariamente com os demais quando ficar comprovada fraude na alteração societária decorrente da modificação do contrato. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).
(…)
Art. 448-A. Caracterizada a sucessão empresarial ou de empregadores prevista nos arts. 10 e 448 desta Consolidação, as obrigações trabalhistas, inclusive as contraídas à época em que os empregados trabalhavam para a empresa sucedida, são de responsabilidade do sucessor. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).
Parágrafo único. A empresa sucedida responderá solidariamente com a sucessora quando ficar comprovada fraude na transferência.
A verificação, porém, desse tipo de fraude, em regra, é árdua. Ela exige amplo cruzamento de dados e uso de inúmeras ferramentas de pesquisa patrimonial, as quais retornam informações vultosas.
Assim, ferramentas de nível “intermediário” de complexidade, tais quais, CCS, INFOSEG, SNIPER, CENSEC, SIGNO, CRC-Jud, podem trazer informações valiosas e suficientes para deflagração de sócios ocultos, laranjas e empresas de fachada e, consequentemente, responsabilização dos envolvidos por fraude societária, sucessão empresarial fraudulentas ou ainda grupos econômicos fraudulentos (inclusive familiar).
Há de se frisar ainda, conforme desdobramentos do item 5 do presente trabalho, o importante papel das partes na indicação de meios efetivos à execução, inclusive indícios de fraude ou ocultação patrimonial, os quais darão, principalmente, direcionamento ao Juízo para realização das pesquisas e pessoas a serem investigadas, para confirmação ou não da fraude suscitada.
4. FERRAMENTAS DA JUSTIÇA DO TRABALHO PARA DEFLAGRAÇÃO DE FRAUDE
Conforme exposto, muitas são os meios de frustrar o prosseguimento da execução.
Entretanto, atenta a este fato e objetivando a redução dos casos de fraudes à execução, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho editou a Resolução nº 138 de 24 de junho de 2014, em que dentre outras coisas estabelece a criação de um Núcleo de Pesquisa Patrimonial para auxiliar os Tribunais Regionais e Varas do Trabalho na busca por bens que estejam sendo ocultados pelo devedor.
O judiciário trabalhista tem cada vez mais buscado ferramentas para deflagrar fraudes na execução trabalhista, a fim de que o trabalhador obtenha efetivamente a tutela jurisdicional por meio do recebimento do seu crédito.
As ferramentas disponibilizadas pela justiça laboral - na busca de vínculos jurídicos, fraudulentos ou não, que possibilitem o atingimento patrimonial da execução inadimplida - visam alcançar pessoas (sócios formais e ocultos, pessoas jurídicas, relação de parentesco, vínculos empregatícios, procurações, endereços etc), assim como bens (dinheiro e aplicações, valores mobiliários, veículos, imóveis, aeronaves, embarcações, direitos etc).
Antes de abordar as ferramentas existentes, para fins didáticos, iremos distingui-las em básicas, intermediárias e avançadas.
Nesse sentido, a justiça especializada do trabalho dispõe de instrumentos de pesquisas que proporcionam retorno de informações mais simples e diretas e de maior facilidade no seu tratamento e análise, bem como ferramentas de pesquisa avançadas, que retornam informações detalhadas e específicas de determinadas situações e que demandam maior complexidade e tempo para pesquisa e análise das informações obtidas.
Importante registrar que cada dispositivo de pesquisa possui determinada finalidade na busca de informações relevantes às execuções trabalhistas.
As ferramentas de pesquisas básicas, usualmente utilizadas em quaisquer execuções, têm por escopo a busca de bens das pessoas já incluídas no polo passivo, não obstante possam trazer indícios de fraude. Vejamos:
SISBAJUD: permite encaminhar eletronicamente ordens de bloqueio de ativos financeiros vinculados à pessoa executada e depositados em instituições participantes do Sistema Financeiro Nacional, tendo como grande inovação a ferramenta “teimosinha” que possibilita a repetição diária das ordens de bloqueio. Além disso, é possível obter informações cadastrais e bancárias, tais como endereço, telefone, saldo e extrato dos correntistas pesquisados. Os bloqueios da ferramenta incluem também cooperativas de crédito e corretoras e distribuidoras de valores mobiliários, permitindo o bloqueio de valores e títulos em nome do executado.
JUCESP: possibilita obtenção da ficha cadastral de empresas e documentos arquivados, proporcionando a verificação dos sócios atuais – para fins da Desconsideração da Personalidade Jurídica, alterações societárias, sócio-retirante, sócio administrador, eventuais alterações de endereço, objeto social, capital social etc;
RENAJUD: é possível localizar veículos em nome das pessoas pesquisadas e encaminhar ordens de restrição de circulação e transferência.
ARISP: Por meio do sistema Penhora Online, desenvolvido pela Associação dos Registradores de Imóveis do Estado de São Paulo – Arisp - é possível consultar a existência de imóveis que estão sendo objeto de execução e ainda queles que se encontram livres e desembaraçados. Importante frisar que a pesquisa tem abrangência apenas no Estado de São Paulo.
CNIB: ainda que não se trate de uma ferramenta de pesquisa, a Central de Indisponibilidade possui alcance nacional e permite gravar com indisponibilidade os bens imóveis dos executados, inclusive aqueles que venham a adquirir no futuro, ela ainda retorna os imóveis de titularidade dos executados.
INFOJUD: possibilita obtenção de informações cadastrais e declarações, tais quais, Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Física – DIRPF, Declaração do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica – DIPJ, Escrituração Contábil Fiscal – ECF, Declaração do Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural – DITR, Declaração de Informações sobre Atividades Imobiliárias - DIMOB (operações de aluguel), Declaração de Operações Imobiliárias – DOI (aquisição e venda), Declaração de Operações com Cartão de Crédito – DECRED (recebimento por meio de maquininha).
Tais ferramentas básicas, principalmente em conjunto com outras, podem ser suficientes para indicação de fraudes. Por exemplo, a análise da ficha cadastral completa da JUCESP pode indicar fraude societária (sócios ocultos que se retiraram da sociedade, mas permanecem no controle das empresas). Outro exemplo, a pesquisa ARISP pode indicar fraude na alienação de bens.
Se, por meio das ferramentas supra, não forem localizados bens poderão ser utilizadas a ferramentas a seguir, neste artigo intituladas, para fins didáticos, de ferramentas intermediárias. Tais ferramentas visam investigar práticas fraudulentas para ocultação patrimonial. São elas:
SNIPER: ferramenta ainda em desenvolvimento, na data da elaboração do presente estudo, possibilita ou possibilitará acesso à base de dados:
a) Da receita federal, para obter a relação de responsáveis e sócios atuais de uma empresa, sendo possível localizar outras empresas, e veículos vinculados a determinada pessoa – natural ou jurídica;
b) Do TSE para verificação de informações relacionadas a candidaturas e bens declarados;
c) Da Controladoria-Geral da União para obter informações sobre sanções administrativas, relação de empresa inidôneas e suspensas, entidades sem fins lucrativos impedidas empresas punidas e ainda acordos de leniência. Tais informações podem trazer indícios de práticas fraudulentas de modo a iniciar outras pesquisas patrimoniais;
d) Da ANAC e do Tribunal marítimo, possibilitando obter listagem de embarcações e aeronaves;
e) do CNJ – Conselho Nacional de Justiça -, possibilitando informações sobre processos judiciais, partes e assuntos dos processos;
INFOSEG: também possibilita acesso à base de dados da Receita Federal para localização de responsáveis e quadro societário de empresas, além de veículos.
CCS: importantíssima ferramenta para obter informações que possam identificar relações entre as empresas e pessoas com poderes para movimentar suas contas, indicando a possibilidade de que algum dos representantes seja eventualmente o real favorecido pelos frutos do exercício da atividade econômica;
A CRC-Jud: consultar todas as bases estaduais contendo registros de nascimentos, óbitos, casamentos, divórcios, etc. que possam ser de interesse para a condução dos processos;
CENSEC / SIGNO: obter informações relativas ao registro de procurações e escrituras públicas;
REDES SOCIAIS: A consulta às redes sociais, tais como Facebook, Instagram, etc., pode ser de grande relevância para caracterizar o comportamento dos sócios, especialmente com a identificação de elementos que sirvam de indícios de enriquecimento ou externalização da riqueza. É comum que devedores contumazes, depois de dilapidar o patrimônio da empresa, continuem ostentando riqueza por meio de fotografias ou manifestações em redes sociais, bem como é comum que os sócios, mesmo não constando do quadro social, se comportem na rede social como proprietários das empresas.
As ferramentas retrocitadas – por si só ou em análise conjunta com os dados obtidos anteriormente pelas pesquisas básicas – são suficientes e perfeitamente capazes de deflagrar práticas fraudulentas, tais quais sócios ocultos, alienações patrimoniais fictícias, fraudes sucessórias e grupos econômicos.
Não encontrada solução à execução por meio de todas as ferramentas supracitadas, é possível concluir que a execução será frustrada, pois, salvo em casos excepcionalíssimos, tais ferramentas não terão o condão de indicar práticas fraudulentas e localizar o patrimônio ocultado.
Porém, há ainda outras duas ferramentas, aqui denominadas, para fins instrutivos, de ferramentas avançadas: SIMBA e COAF, ambas afastam o sigilo bancário dos pesquisados e demandam análise de vultosos dados e informações e, por isso, só devem ser utilizadas, após decisão fundamentada da autoridade judicial, se houver pedido fundamentado da parte exequente com indicação de fatos, circunstâncias e/ou fortes indícios de autoria de fraude à execução e ocultação patrimonial, ou ainda utilizadas ex officio caso haja nos autos tais elementos.
No caso de mero peticionamento deve o requerimento ser indeferido, e, no caso de não haver indícios de fraude, não deve o judiciário ex officio utilizar tais ferramentas avançadas, por medida de economia e celeridade processual.
SIMBA: O afastamento de sigilo bancário pode apontar movimentações de valores em favor de possíveis sócios de fato das empresas, especialmente se outros indícios apontam que as operações não possuem lastro.
COAF: traz informações acerca de operações financeiras envolvendo as pessoas pesquisadas, inclusive aquelas realizadas fora do Sistema Financeiro Nacional (em espécie, por exemplo), retornando eventuais favorecidos finais das transações financeiras. Assim, a ferramenta pode indicar eventuais sócios de fato das empresas, com a responsabilização e direcionamento da execução para tais pessoas.
5. DO PAPEL DAS PARTES PARA DEFLAGRAR A FRAUDE À EXECUÇÃO
Dada as dificuldades encontradas pelo judiciário para análise corriqueira dos processos em trâmite, fazendo que a efetiva obtenção da justiça torne-se um processo moroso, necessário seria que cadas uma das partes envolvidas envidasse esforços para deslinde da situação.
Nesse sentido, a parte executada, embora o objeto desse estudo seja a má-fé processual, deveria agir com boa-fé no desenvolver da execução, indicando bens à penhora, nos termos do artigo 880 da CLT, beneficiando-se do princípio da execução menos gravosa ao devedor, art. 805 do CPC, de aplicação subsidiária ao processo trabalhista.
Não obstante a previsão do art. 878 da CLT e seus desdobramentos abaixo abordados, a fraude processual é matéria que vai de encontro à dignidade da justiça e deve ser declarada de ofício pelo magistrado.
Dessa forma, havendo qualquer indício de praticadas fraudulentas, deve o Juízo Trabalhista, considerando ainda a situação de fragilidade da parte exequente em relação ao executado (princípio da proteção ao trabalhador), investigar se há fraude e, se confirmada, declará-la, determinando também a prática de atos executórios àquele que age com má-fé processual.
Prosseguindo, deverá ainda o magistrado em casos de fraude, classificar o ato como atentatório à dignidade da justiça e aplicar multa prevista no §2º do art. 77 do CPC, in verbis:
Art. 77. Além de outros previstos neste Código, são deveres das partes, de seus procuradores e de todos aqueles que de qualquer forma participem do processo:
I - expor os fatos em juízo conforme a verdade;
II - não formular pretensão ou de apresentar defesa quando cientes de que são destituídas de fundamento;
III - não produzir provas e não praticar atos inúteis ou desnecessários à declaração ou à defesa do direito;
IV - cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação;
V - declinar, no primeiro momento que lhes couber falar nos autos, o endereço residencial ou profissional onde receberão intimações, atualizando essa informação sempre que ocorrer qualquer modificação temporária ou definitiva;
VI - não praticar inovação ilegal no estado de fato de bem ou direito litigioso.
VII - informar e manter atualizados seus dados cadastrais perante os órgãos do Poder Judiciário e, no caso do § 6º do art. 246 deste Código, da Administração Tributária, para recebimento de citações e intimações. (Incluído pela Lei nº 14.195, de 2021)
§ 1º Nas hipóteses dos incisos IV e VI, o juiz advertirá qualquer das pessoas mencionadas no caput de que sua conduta poderá ser punida como ato atentatório à dignidade da justiça.
§ 2º A violação ao disposto nos incisos IV e VI constitui ato atentatório à dignidade da justiça, devendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar ao responsável multa de até vinte por cento do valor da causa, de acordo com a gravidade da conduta.
Salvo quando as partes não estiverem representados por advogado, por sua vez, a parte exequente deve, na hipótese de suspeita de fraude, por força do artigo 878, abaixo transcrito, peticionar ao Juízo para realização das pesquisas patrimoniais:
Art. 878. A execução será promovida pelas partes, permitida a execução de ofício pelo juiz ou pelo Presidente do Tribunal apenas nos casos em que as partes não estiverem representadas por advogado. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)
Tal fato não há de ser encarado pela parte exequente como um dever, eis que, impulsionando o processo e indicando meios efetivos à execução, contribuirá não só à solução do seu processo, mas também para celeridade da tramitação processual dos demais processos da justiça do trabalho.
No entanto, o peticionamento deve ser fundamentado, e acompanhados com elementos probatórios ou indícios suficientes, para o deferimento da medida e para direcionamento quanto ao tipo de fraude, às pessoas e/ou bens envolvidos, a fim de que o Juízo possa utilizar as ferramentas adequadas para verificação da fraude.
Há de se ressaltar que o pedido pode, e deve, ser indeferido pelo Juízo se meramente requerer a utilização indistinta de todas as ferramentas de pesquisas patrimoniais, sem apontamento de quaisquer indícios de práticas fraudulentas, ocultação ou lastro patrimonial capaz de satisfazer a execução, ainda que parcialmente.
Isso porque - considerando a alta complexidade para realização dessas pesquisas; a análise das informações coletadas; o notório engolfamento processual justiça do trabalho – o deferimento da realização de pesquisas em quaisquer processos, sem critérios qualitativos, poderia tornar ainda mais morosa a prestação jurisdicional como um todo, ferindo os princípios da economia e celeridade processuais cravados no art. 5º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal.
6. CONCLUSÃO
Neste estudo vimos, de forma sucinta e objetiva, alguns mecanismos utilizados pelos devedores com o objetivo de evitar que seus bens sejam alcançados pelo processo de execução trabalhista.
Nesse sentido, vimos ainda algumas ferramentas de pesquisas patrimoniais, e suas finalidades, utilizadas pela Justiça do trabalho, as quais trazem grande valia para deflagrar práticas de fraude à execução.
Por fim, vimos o papel dos atores da execução trabalhista, quais seus deveres e importância para efetividade da execução.
Foi frisado que, na seara trabalhista, tais ‘táticas’, se é que podem ser assim intituladas, conferem prejuízos consideráveis à parte exequente, a qual fica afastada da satisfação do seu crédito, o qual sabidamente detém natureza alimentar, motivo que torna ainda mais cruel a fraude à execução no âmbito da Justiça do Trabalho.
Tais práticas fraudulentas contribuem para trazer morosidade à Justiça Trabalhista. Por isso, visando a efetividade de suas decisões judiciais, a Justiça do Trabalho vem criando mecanismos de pesquisa de bens e de fraudes, tais quais, as ferramentas elencadas além dos núcleos de pesquisa patrimoniais, por exemplo.
Não obstante, é possível afirmar que os mecanismos criados pelo Judiciário e sua atuação na busca de coibir tais práticas ilegais, como em qualquer ramo do direito, estão sempre atrás dos avanços daqueles que agem de má-fé.
Nesse sentido, constata-se a importância dos operadores do direito e da parte exequente, maior interessada no recebimento efetivo do seu crédito, no auxílio e na indicação de meios efetivos que colaborem para deflagração da fraude à execução.
Por todo exposto, conclui-se que, apesar das inúmeras possibilidades de fraudes à execução trabalhista, com a atuação proativa das partes envolvidas e esforços do judiciário - seja pela criação de ferramentas de pesquisas, pelo incentivo ao engajamento dos servidores e magistrados, pela realocação de recursos humanos e tecnológicos para o desengolfamento dos processos de modo a propiciar uma análise qualitativa dos processos em fase de execução – é plenamente possível deflagrar tais obstáculos ardis, a fim de que o crédito laboral, por regra de cunho alimentar, seja efetivamente posto a disposição dos reclamantes, levando à efetiva prestação jurisdicional pelo Estado, qual seja, a justiça aos brasileiros.
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Discente do Curso de graduação em Direito, na Universidade Brasil, campus Fernandópolis
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORETE, VINICIUS DE AGUIAR. Fraude à execução na Justiça do Trabalho Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jul 2023, 04:21. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/62186/fraude-execuo-na-justia-do-trabalho. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
Por: Amanda Suellen de Oliveira
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