DÉBORA GIMENEZ FORTUNATO
(orientadora)
Resumo: Este presente estudo procura analisar o cumprimento da pena de pessoa condenada no exterior no direito brasileiro. Com o aumento da globalização e da mobilidade internacional, é cada vez mais comum que cidadãos brasileiros sejam condenados por crimes cometidos em outros países. Nesse contexto, surge a necessidade de estabelecer procedimentos claros e eficazes para a transferência da execução da pena. O presente estudo explora as questões jurídicas envolvidas nesse processo, incluindo o reconhecimento da condenação estrangeira, os requisitos para a transferência, os direitos e garantias do condenado.
Palavras-chave: Cumprimento, Território, Exterior, Extradição.
Abstract: This present study aims to analyze the enforcement of the sentence of individuals convicted abroad in Brazilian law. With the increasing globalization and international mobility, it is becoming more common for Brazilian citizens to be convicted for crimes committed in other countries. In this context, there is a need to establish clear and effective procedures for the transfer of sentence enforcement. This study explores the legal issues involved in this process, including the recognition of foreign convictions, the requirements for transfer, the rights and guarantees of the convicted individual.
Keywords: Greetings, Territory, Exterior, Extradition.
Sumário: 1. Introdução. 2. Pressupostos teóricos. 2.1. Conceito. 2.2. Fundamentos jurídicos. 2.2.1. Constitucional Federal. 2.2.2. Código Penal. 2.2.3. Outros instrumentos normativos. 3. Homologação de sentença penal estrangeira. 4. Requisitos para transferência da execução da pena. 5. Direitos e garantias do condenado transferido. 6. Cooperação internacional em matéria penal. 7. Possibilidades de redução ou extinção da pena após a transferência. 8. Considerações finais. Referências bibliográficas.
O cumprimento da pena de pessoa condenada no exterior tem se tornado uma questão de crescente relevância no contexto jurídico brasileiro. Com o aumento da globalização e da mobilidade transnacional, é cada vez mais comum que cidadãos brasileiros sejam condenados por crimes cometidos em outros países. Nesse sentido, o direito brasileiro precisa estabelecer mecanismos adequados para lidar com essa realidade, assegurando o cumprimento das penas de acordo com os princípios fundamentais de justiça e respeito aos direitos humanos.
O presente artigo tem como objetivo examinar de forma abrangente o cumprimento da pena de pessoa condenada no exterior no direito brasileiro. Para tanto, serão abordados diversos aspectos relacionados a esse tema, como o reconhecimento da condenação estrangeira, os requisitos legais para a transferência da execução da pena, os direitos e garantias do condenado transferido, bem como os desafios enfrentados pelo sistema prisional brasileiro nesse contexto.
Compreender a complexidade jurídica envolvida nesse processo é fundamental para assegurar um tratamento justo e eficaz aos indivíduos condenados no exterior, além de garantir a cooperação internacional em matéria penal. Dessa forma, o presente estudo busca contribuir para o aprimoramento do ordenamento jurídico brasileiro, promovendo a análise crítica das normas existentes e propondo reflexões sobre possíveis melhorias no cumprimento da pena de pessoa condenada no exterior no direito brasileiro.
2.PRESSUPOSTOS TEÓRICOS
2.1 Conceito
A execução penal de condenação estrangeira refere-se ao processo legal pelo qual um indivíduo que foi condenado por um crime em um país estrangeiro cumpre sua pena no Brasil, de acordo com as leis e procedimentos estabelecidos pelo sistema jurídico brasileiro.
Esse conceito implica na transferência da execução da pena, permitindo que o condenado cumpra sua pena em seu país de origem ou em um país com o qual existe um tratado ou acordo de cooperação jurídica. Esse processo envolve a aplicação dos princípios de reciprocidade, legalidade, soberania e respeito aos direitos humanos.
O cumprimento da pena de pessoa condenada no exterior pode ocorrer em diferentes situações, como quando um cidadão brasileiro é condenado por um crime cometido em outro país ou quando um estrangeiro é condenado por um crime cometido contra um brasileiro fora do território nacional.
Esse tema envolve questões jurídicas complexas, como a aplicação da lei penal no espaço, a determinação da competência jurisdicional, a verificação da compatibilidade entre as leis do país de condenação e as do Brasil, além de garantir que o condenado tenha seus direitos e garantias fundamentais respeitados durante o cumprimento da pena.
É importante ressaltar que o cumprimento da pena de pessoa condenada no exterior está sujeito a tratados internacionais, convenções e acordos bilaterais que regem a cooperação jurídica entre os países envolvidos, buscando assegurar a harmonização e o respeito mútuo entre os sistemas penais.
Outros conceitos importantes para serem analisados neste estudo são o da territorialidade e o da extraterritorialidade. O doutrinador Fernando Capez discorre que “Sob o prisma material, o território nacional compreende o espaço delimitado por fronteiras geográficas. Sob o aspecto jurídico, abrange todo o espaço em que o Estado exerce a sua soberania.” (CAPEZ, 2019).
De igual modo, André Estefam e Victor Gonçalves definem a extraterritorialidade da seguinte maneira:
Extraterritorialidade é o fenômeno pelo qual a lei penal brasileira se aplica a fatos ocorridos fora do território nacional, isto é, em locais submetidos à soberania externa ou mesmo em territórios em que país algum exerce seu poder soberano, como é o caso da Antártida. Deve-se sublinhar que, embora o fato tenha ocorrido em lugar estranho ao território brasileiro, nossa lei será aplicada por algum juízo ou tribunal pátrio. Exemplo: um homicídio praticado por brasileiro na Argentina ou um roubo cometido contra brasileiro no México, a princípio, serão julgados no país em que cometidos, segundo as leis dos respectivos países. Sem prejuízo disto, contudo, será possível instaurar uma investigação e um processo criminal também no Brasil, mediante uma série de condições que serão abordadas adiante, para responsabilizar o autor da conduta segundo a nossa lei penal. (ESTEFAM, GONÇALVES, 2023).
2.2 Fundamentos Jurídicos
Os fundamentos jurídicos do presente estudo estão embasados em diversos instrumentos normativos, que fornecem as bases legais para a cooperação jurídica internacional nessa matéria. Os principais fundamentos jurídicos incluem:
2.2.1 Constituição Federal
A Constituição estabelece os princípios fundamentais e os direitos e garantias individuais que devem ser respeitados no cumprimento da pena de pessoa condenada no exterior. Entre esses princípios estão a legalidade, a soberania e o respeito aos direitos humanos.
A Constituição Federal do Brasil não possui artigos específicos que tratam exclusivamente da aplicação da lei penal no espaço. No entanto, existem disposições constitucionais relacionadas à jurisdição penal, à extradição e à cooperação internacional que podem ter implicação na aplicação da lei penal no espaço. Alguns artigos relevantes são: artigo 5º, inciso XL, artigo 102, inciso I, alínea "f", artigo 102, inciso X, artigo 109, inciso X, artigo 109, inciso XI.
Esses artigos, embora não se refiram especificamente à aplicação da lei penal no espaço, possuem relevância para questões de jurisdição, extradição e cooperação internacional, que são elementos importantes no contexto da aplicação da lei penal em âmbito internacional.
Ademais, na Constituição, também não existem princípios específicos que tratem exclusivamente da aplicação da lei penal no espaço. No entanto, alguns princípios constitucionais têm relevância para essa questão. A seguir, são citados alguns princípios que podem ser considerados nesse contexto:
Princípio da Legalidade (artigo 5º, inciso XXXIX): estabelece que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Esse princípio assegura a necessidade de uma lei penal que preveja e defina claramente a conduta criminosa, sendo aplicável tanto no âmbito nacional quanto no exterior.
Princípio da Soberania (artigo 1º, inciso I): afirma que a República Federativa do Brasil é um Estado soberano. Esse princípio pode influenciar a aplicação da lei penal no espaço, considerando a jurisdição e a competência do Estado brasileiro sobre seus territórios e cidadãos, independentemente do local onde o crime tenha sido cometido.
Princípio do Respeito aos Direitos Humanos (artigo 1º, inciso III, artigo 3º, inciso IV, artigo 5º, artigo 6º, artigo 7º, artigo 227, artigo 230): É um pilar fundamental do ordenamento jurídico brasileiro. Este princípio reconhece a dignidade inerente a todos os seres humanos e a necessidade de proteger e promover os direitos fundamentais de todos os indivíduos, independentemente da nacionalidade, origem étnica, religião, sexo, orientação sexual ou outras características. O princípio dos direitos humanos estabelece que o Estado deve garantir a igualdade de todas as pessoas perante a lei e assegurar o respeito à sua integridade física e moral, liberdade, igualdade, justiça e outros direitos essenciais. Também impõe obrigações ao Estado de prevenir e combater a discriminação, a tortura, os tratamentos cruéis, desumanos e degradantes e de promover condições para uma vida digna e o pleno exercício dos direitos fundamentais. Os Princípios orientam a interpretação e aplicação de leis e políticas governamentais voltadas para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e respeitadora dos direitos humanos.
2.2.2 Código Penal
O Código Penal brasileiro contém disposições relativas à extraterritorialidade da lei penal, estabelecendo os casos em que a lei brasileira é aplicável a crimes cometidos no exterior.
Os artigos do Código Penal Brasileiro que tratam da aplicação da lei penal no espaço são os seguintes:
Artigo 5º: Determina que a lei penal brasileira aplica-se a crimes cometidos no território nacional.
Art. 5º - Aplica-se a lei brasileira, sem prejuízo de convenções, tratados e regras de direito internacional, ao crime cometido no território nacional. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
§ 1º - Para os efeitos penais, consideram-se como extensão do território nacional as embarcações e aeronaves brasileiras, de natureza pública ou a serviço do governo brasileiro onde quer que se encontrem, bem como as aeronaves e as embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, que se achem, respectivamente, no espaço aéreo correspondente ou em alto-mar. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
§ 2º - É também aplicável a lei brasileira aos crimes praticados a bordo de aeronaves ou embarcações estrangeiras de propriedade privada, achando-se aquelas em pouso no território nacional ou em vôo no espaço aéreo correspondente, e estas em porto ou mar territorial do Brasil.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
Artigo 6º: Estabelece que a lei penal brasileira também se aplica aos crimes cometidos a bordo de embarcações ou aeronaves brasileiras, em espaço aéreo ou marítimo correspondente.
Art. 6º - Considera-se praticado o crime no lugar em que ocorreu a ação ou omissão, no todo ou em parte, bem como onde se produziu ou deveria produzir-se o resultado.(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
Artigo 7º: Prevê que a lei brasileira é aplicável aos crimes cometidos por brasileiros, mesmo que ocorram no exterior.
Art. 7º - Ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 1984)
I - os crimes: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) contra a vida ou a liberdade do Presidente da República; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
b) contra o patrimônio ou a fé pública da União, do Distrito Federal, de Estado, de Território, de Município, de empresa pública, sociedade de economia mista, autarquia ou fundação instituída pelo Poder Público; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
c) contra a administração pública, por quem está a seu serviço; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
d) de genocídio, quando o agente for brasileiro ou domiciliado no Brasil; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
II - os crimes: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) que, por tratado ou convenção, o Brasil se obrigou a reprimir; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
b) praticados por brasileiro; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
c) praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
§ 1º - Nos casos do inciso I, o agente é punido segundo a lei brasileira, ainda que absolvido ou condenado no estrangeiro.(Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
§ 2º - Nos casos do inciso II, a aplicação da lei brasileira depende do concurso das seguintes condições: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
a) entrar o agente no território nacional; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
b) ser o fato punível também no país em que foi praticado; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
c) estar o crime incluído entre aqueles pelos quais a lei brasileira autoriza a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
d) não ter sido o agente absolvido no estrangeiro ou não ter aí cumprido a pena; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
e) não ter sido o agente perdoado no estrangeiro ou, por outro motivo, não estar extinta a punibilidade, segundo a lei mais favorável. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
§ 3º - A lei brasileira aplica-se também ao crime cometido por estrangeiro contra brasileiro fora do Brasil, se, reunidas as condições previstas no parágrafo anterior: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
a) não foi pedida ou foi negada a extradição; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
b) houve requisição do Ministro da Justiça. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 1984)
Artigo 8º: Estabelece que a lei brasileira é aplicável aos crimes cometidos por estrangeiros contra brasileiros fora do território nacional, desde que o fato seja punível também no país onde ocorreu.
Art. 8º - A pena cumprida no estrangeiro atenua a pena imposta no Brasil pelo mesmo crime, quando diversas, ou nela é computada, quando idênticas. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Eficácia de sentença estrangeira (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Artigo 9º: Determina que a lei brasileira é aplicável aos crimes cometidos por estrangeiros contra brasileiros a serviço da República Federativa do Brasil, mesmo que ocorram no exterior.
Art. 9º - A sentença estrangeira, quando a aplicação da lei brasileira produz na espécie as mesmas conseqüências, pode ser homologada no Brasil para: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - obrigar o condenado à reparação do dano, a restituições e a outros efeitos civis; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - sujeitá-lo a medida de segurança.(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - A homologação depende: (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) para os efeitos previstos no inciso I, de pedido da parte interessada; (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
b) para os outros efeitos, da existência de tratado de extradição com o país de cuja autoridade judiciária emanou a sentença, ou, na falta de tratado, de requisição do Ministro da Justiça. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
É importante destacar que esses artigos estabelecem as bases para a aplicação da lei penal no espaço, considerando tanto crimes cometidos dentro do território nacional quanto fora dele, levando em conta a nacionalidade do agente e da vítima, bem como a conexão com o Brasil em termos de embarcações, aeronaves ou serviço público brasileiro.
Também em matéria penal pode-se observar alguns princípios jurídicos:
Princípio da Personalidade (ou Nacionalidade) (artigo 5º, inciso L): Prevê que ninguém será obrigado a se submeter a lei estrangeira. Esse princípio ressalta a importância da aplicação da lei penal brasileira aos cidadãos brasileiros, independentemente do lugar onde o crime foi cometido.
Princípio da Extraterritorialidade (artigos 7º e 8º do Código Penal): Estabelece as regras de aplicação da lei penal brasileira a crimes cometidos no exterior. Esse princípio define as situações em que a lei penal brasileira é aplicável a crimes cometidos fora do território nacional, considerando a nacionalidade do agente, a proteção de interesses nacionais e a reciprocidade entre os países.
Princípio da Reciprocidade (artigo 8º, parágrafo único, do Código Penal): Determina que a lei brasileira é aplicável a crimes cometidos por estrangeiros contra brasileiros fora do território nacional, desde que o fato seja punível também no país onde ocorreu, com base no princípio da reciprocidade.
Esses princípios, embora não exclusivos da aplicação da lei penal no espaço, têm impacto relevante nessa questão, pois orientam a atuação do sistema jurídico e ajudam a definir as condições e limites da aplicação da lei penal brasileira em casos transnacionais.
2.2.3 Outros instrumentos normativos
Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/1984): Essa lei estabelece as regras gerais para a execução das penas no Brasil, incluindo disposições específicas sobre a transferência e o cumprimento de penas de pessoas condenadas no exterior.
Tratados e Convenções Internacionais: O cumprimento da pena de pessoa condenada no exterior é regulado principalmente por meio de tratados e convenções internacionais. Exemplos relevantes incluem a Convenção de Estrasburgo sobre a Transferência de Pessoas Condenadas e a Convenção Interamericana sobre Cumprimento de Sentenças Penais no Exterior.
Acordos Bilaterais e Multilaterais: O Brasil também possui acordos de cooperação jurídica internacional em matéria penal com diversos países. Esses acordos estabelecem os termos e as condições para a transferência e o cumprimento de penas de pessoas condenadas no exterior.
Esses instrumentos normativos estabelecem as bases legais para a cooperação internacional no cumprimento da pena de sentença estrangeira, garantindo a observância dos princípios jurídicos, dos direitos fundamentais e dos tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
3.HOMOLOGAÇÃO DE SENTENÇA PENAL ESTRANGEIRA
Para a sentença penal estrangeira ser reconhecida no Brasil, deve ser homologada para gerar efeitos. Assim, o reconhecimento da condenação estrangeira no Brasil é um passo fundamental para a execução da pena. Esse processo envolve a análise e validação da sentença penal estrangeira pelas autoridades judiciais brasileiras, a fim de conferir-lhe eficácia jurídica no território nacional. Nesse sentido, é necessário observar os critérios estabelecidos pelo ordenamento jurídico brasileiro, como o princípio da dupla tipicidade, que exige a correspondência entre o crime previsto na lei brasileira e aquele pelo qual a pessoa foi condenada no exterior. Além disso, a homologação da sentença estrangeira é realizada por meio do procedimento de exequatur, que consiste na análise de requisitos formais e substanciais.
Humberto Theodoro Júnior afirma que “o processo de homologação de sentença estrangeira é de natureza jurisdicional. Não é meramente gracioso ou de jurisdição voluntária. Confere a um julgado estrangeiro força e eficácia de decisão nacional” (THEODORO, 2009). De maneira semelhante, Alexandre Câmara considera que a "ação de homologação de sentença estrangeira" é um tipo de "ação de conhecimento" com o objetivo de obter uma sentença constitutiva. Isso ocorre porque a sentença estrangeira não produz efeitos no Brasil até que seja homologada.
De acordo com Cléber Masson:
A sentença judicial, emanada de Poder Constituído do Estado, é ato representativo de sua soberania. Para uma real valoração da sua autoridade, contudo, deve ser executada. E essa execução deveria ser feita sempre no país em que foi proferida.
Todavia, para enfrentar com maior eficiência, no âmbito de seus limites, a prática de infrações penais, o Estado se vale, excepcionalmente, de atos de soberania de outras nações, aos quais atribui efeitos certos e determinados. Para atingir essa finalidade, homologa a sentença penal estrangeira, mediante o procedimento constitucionalmente previsto, a fim de constituí-la em título executivo com validade em território nacional. (MASSON, 2019).
Para que a condenação estrangeira seja reconhecida no Brasil, é preciso que exista um tratado de cooperação penal ou reciprocidade entre os países envolvidos. Esses tratados estabelecem as bases para a colaboração mútua na área penal e permitem a transferência da execução da pena. Caso não exista um tratado específico, é necessário analisar a legislação nacional e os princípios gerais do direito internacional para verificar a possibilidade de reconhecimento da condenação estrangeira.
O reconhecimento da condenação estrangeira no Brasil também deve observar os direitos e garantias fundamentais do condenado. Isso inclui o direito ao contraditório e à ampla defesa, que deve ser assegurado durante o procedimento de reconhecimento da condenação. Além disso, é importante garantir que a pena imposta no exterior não seja mais grave do que aquela prevista na legislação brasileira para o mesmo crime, a fim de evitar a violação do princípio do non bis in idem.
4.REQUISITOS PARA TRANSFERÊNCIA DA EXECUÇÃO DA PENA
No Brasil, a transferência da execução da pena de pessoa condenada no exterior exige o cumprimento de determinados requisitos legais. Primeiramente, é necessário que exista um tratado ou acordo de cooperação penal entre o Brasil e o país em que ocorreu a condenação. Esses tratados estabelecem as bases para a transferência da execução da pena, definindo os critérios e procedimentos a serem seguidos.
Além disso, é preciso que a pessoa condenada seja brasileira (nata ou naturalizada) ou que possua residência permanente no Brasil. Essa condição visa garantir que o Estado brasileiro tenha a jurisdição e a responsabilidade adequadas para supervisionar o cumprimento da pena. A transferência também deve ser consentida pelo condenado, assegurando seu direito de ser ouvido e decidir sobre a transferência para o território brasileiro.
Outro requisito fundamental é o princípio da dupla incriminação ou dupla tipicidade. Isso significa que o crime pelo qual a pessoa foi condenada no exterior deve ser considerado crime também no Brasil, ou seja, deve haver uma correspondência entre as legislações penal do país de origem e do Brasil. Dessa forma, assegura-se que a pessoa condenada seja tratada de forma justa e que a transferência da execução da pena não ocorra para crimes inexistentes no ordenamento jurídico brasileiro.
Ou seja, os requisitos para a transferência da execução da pena para o Brasil envolvem a existência de um tratado ou acordo de cooperação internacional penal, a nacionalidade brasileira ou residência permanente do condenado, o consentimento do condenado e o princípio da dupla incriminação. Esses requisitos são essenciais para garantir um processo de transferência adequado, respeitando os direitos e as garantias do condenado e facilitando a cooperação internacional na execução da pena.
5. DIREITOS E GARANTIAS DO CONDENADO TRANSFERIDO
Os direitos e garantias do condenado transferido no Brasil são fundamentais para garantir um cumprimento de pena justo e respeitoso aos padrões legais e internacionais.
Em primeiro lugar, destaca-se o direito à integridade física e moral do condenado. O sistema prisional brasileiro enfrenta desafios quanto à superlotação e à violência dentro das unidades penitenciárias, tornando essencial assegurar a segurança e a proteção do condenado transferido, evitando tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. O Estado tem o dever de garantir a integridade física e psicológica do condenado, proporcionando condições de encarceramento que atendam aos princípios de humanidade e respeito aos direitos fundamentais.
Além disso, o condenado transferido possui o direito de acesso à assistência jurídica. Isso implica o direito de ser representado por um advogado, tanto para acompanhar o processo de transferência da pena quanto para a defesa de seus interesses durante o cumprimento da pena no Brasil. A assistência jurídica é fundamental para garantir que o condenado tenha uma defesa adequada e acesse os mecanismos judiciais disponíveis, assegurando-lhe o direito ao devido processo legal.
Outro direito importante é o direito à comunicação. O condenado transferido tem o direito de manter contato com sua família, bem como com autoridades consulares de seu país de origem. Essa comunicação é essencial para preservar os laços familiares, garantir o apoio emocional necessário e possibilitar que o condenado exerça seus direitos de cidadania, incluindo a solicitação de assistência consular e a obtenção de documentos necessários.
6 COOPERAÇÃO INTERNACIONAL EM MATÉRIA PENAL
O cumprimento da pena de pessoa condenada no exterior requer uma efetiva cooperação internacional, sendo um aspecto crucial para garantir a justiça e a eficácia do sistema penal. Neste tópico, exploraremos a importância da cooperação entre os países envolvidos, por meio de tratados e acordos internacionais, na facilitação do processo de transferência da execução da pena.
A cooperação internacional desempenha um papel importante na execução da pena, pois possibilita a troca de informações entre as autoridades judiciárias dos países envolvidos. Tratados e acordos estabelecem os parâmetros e os procedimentos para essa cooperação, definindo os requisitos para o reconhecimento da condenação estrangeira e a transferência da execução da pena. Esses instrumentos jurídicos criam uma base sólida para a cooperação e facilitam o diálogo entre os sistemas penais dos países compreendidos.
Ademais, a troca de informações e a assistência jurídica mútua são de suma importância na cooperação internacional. Através do intercâmbio de dados relevantes sobre o condenado e a condenação, as autoridades brasileiras podem tomar decisões informadas sobre o processo de transferência e o cumprimento da pena. A assistência jurídica mútua garante que as autoridades dos países envolvidos estejam em contato direto, colaborando na condução do processo e resolvendo questões jurídicas que possam surgir ao longo do caminho.
A efetividade da cooperação internacional no cumprimento de penas depende da existência de canais de comunicação abertos e da confiança mútua entre os países envolvidos. É essencial que haja um compromisso conjunto em cumprir com as obrigações e os procedimentos estabelecidos pelos tratados e acordos internacionais, a fim de garantir a transferência eficiente e segura do condenado. A cooperação internacional fortalece o sistema penal brasileiro, promovendo a justiça, a segurança e a cooperação entre as nações.
Alguns exemplos de Tratados e Acordos Internacionais são: a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional (Convenção de Palermo), a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção, a Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, entre outros.
7 POSSIBILIDADES DE REDUÇÃO OU EXTINÇÃO DA PENA APÓS A TRANSFERÊNCIA
Após a transferência da execução da pena, surgem possibilidades de redução ou extinção da pena para a pessoa condenada, considerando as peculiaridades do sistema penal brasileiro. Essas possibilidades são analisadas com base em diferentes circunstâncias, como a aplicação da legislação brasileira em relação às penas cumpridas no exterior, a análise de benefícios penais previstos na legislação nacional e a possibilidade de progressão de regime.
Em relação à aplicação da legislação brasileira, é importante considerar que a pena cumprida no exterior pode ser reconhecida como parte do cumprimento total da pena no Brasil. Isso significa que a pena já cumprida no exterior é levada em conta na determinação do tempo de encarceramento restante no sistema prisional brasileiro. Dessa forma, é possível que a pessoa condenada tenha uma redução do tempo de pena a ser cumprido após a transferência, desde que sejam observados os requisitos legais e processuais.
Além disso, a legislação penal brasileira prevê uma série de benefícios penais que podem ser aplicáveis ao condenado transferido. Esses benefícios incluem a remição da pena por trabalho ou estudo, a concessão de saídas temporárias, a progressão de regime, entre outros. Porém, é necessário que o réu atenda aos requisitos estabelecidos pela legislação para ter acesso a esses benefícios, tais como bom comportamento carcerário, cumprimento de determinado período de pena, entre outros critérios específicos.
Outra possibilidade a ser considerada é a progressão de regime. A progressão de regime consiste na passagem do cumprimento de pena em regime fechado para regime semiaberto, e posteriormente para o regime aberto. Após a transferência da execução da pena, a pessoa condenada poderá ter direito à progressão de regime, desde que preenchidos os requisitos legais, como o cumprimento de parte da pena e a avaliação positiva do seu comportamento prisional.
É importante destacar que todas essas possibilidades de redução ou extinção da pena após a transferência estão sujeitas à análise e decisão do Poder Judiciário. Cabe aos órgãos competentes avaliar cada caso individualmente, levando em consideração as particularidades da condenação, a legislação aplicável e os princípios do sistema penal brasileiro.
Em conclusão, após a transferência da execução da pena, a pessoa condenada pode ter possibilidades de redução ou extinção da pena no sistema penal brasileiro. Essas possibilidades estão relacionadas à aplicação da legislação brasileira em relação às penas cumpridas no exterior, aos benefícios penais previstos na legislação nacional e à progressão de regime. Contudo, é fundamental que sejam cumpridos os requisitos legais e que a decisão sobre essas questões seja devidamente avaliada pelo Poder Judiciário, garantindo a segurança jurídica e a justiça no cumprimento da pena.
O cumprimento da pena de pessoa condenada no exterior é um tema de grande relevância e complexidade. Ao longo deste artigo, foram abordados diversos aspectos jurídicos relacionados a esse processo, desde o reconhecimento da condenação estrangeira até os direitos e garantias do condenado transferido, passando pelos requisitos para a transferência da execução da pena.
É crucial destacar a importância de estabelecer procedimentos claros e eficazes para o cumprimento dessas penas, a fim de garantir uma justiça equitativa e respeito aos direitos humanos. Nesse sentido, a cooperação internacional desempenha um papel fundamental, por meio de tratados e acordos que facilitam o processo de transferência e promovem a troca de informações entre os países envolvidos.
Além disso, é essencial que haja uma análise cuidadosa das penas cumpridas no exterior, levando em consideração a legislação brasileira e a possibilidade de aplicação de benefícios penais previstos no ordenamento jurídico nacional. Isso garantirá uma abordagem justa e proporcional ao cumprimento da pena, levando em consideração tanto a gravidade do delito quanto a possibilidade de ressocialização do réu.
Por fim, é fundamental que o direito brasileiro continue a evoluir e aprimorar suas normas e procedimentos relacionados ao cumprimento da pena de pessoa condenada no exterior. O constante diálogo entre os diversos atores envolvidos é essencial para o aperfeiçoamento do sistema e para garantir que as penas sejam executadas de forma justa, eficaz e em conformidade com os princípios fundamentais do direito.
BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 17 mai. 2023.
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez.
BRASIL. Lei de execução Penal. Lei nº 7210 de 11 de julho de 1984. BRASIL.
BRASIL. Lei de Migração. Lei nº 13445 de 24 de maio de 2017. BRASIL.
CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 15. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008. v. II, p. 29. 16.
CANDELA, João Paulo de Moraes. A Crise do Sistema Prisional Brasileiro e os Desafios da Ressocialização. TCC. Curso de Bacharel em Direito no Instituto Municipal de Ensino Superior de Assis–IMESA e a Fundação Educacional do Município de Assis–FEMA, 2015.
CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, volume 1, parte geral: arts. 1º a 120 / Fernando Capez. - 23. ed. - São Paulo: Saraiva Educação, 2019.
CARDOSO, Oscar Valente. Homologação de Sentenças Penais Estrangeiras: Análise da Resolução nº 09/2005 do STJ.
ESTEFAM, André. Direito Penal - Parte Geral / André Estefam, Victor Eduardo Rios Gonçalves. - 12. ed. - São Paulo: SaraivaJur, 2023.
MASSON, Cleber. Direito Penal: parte geral (arts. 1º a 120) - vol.1 / Cleber Masson. - 13. ed. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2019.
MAZZUOLI, Valerio de Oliveira. Transferência da execução da pena a brasileiros natos. Revista do Ministério Público do Rio Grande do Sul, v. 1, n. 91, p. 299-309, 2022.
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal: Volume Único / Guilherme de Souza Nucci. - 19. ed. - Rio de Janeiro : Forense, 2023.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 50. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2009. v. I, p. 687.
TROTTA, Sandro Brescovit; FERREIRA, Luciano Vaz. Cooperação jurídica internacional em matéria penal: contornos históricos. Sistema Penal & Violência, v. 5, n. 1, 2013.
graduando em Direito pela Universidade Brasil. Campus Fernandópolis.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Raul Aleixo Feres de. Cumprimento da pena de pessoa condenada no exterior Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 01 ago 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/62274/cumprimento-da-pena-de-pessoa-condenada-no-exterior. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LUIZ ANTONIO DE SOUZA SARAIVA
Por: Thiago Filipe Consolação
Por: Michel Lima Sleiman Amud
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Precisa estar logado para fazer comentários.