ALEXANDRE YURI KIATAQUI
(orientador)
RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo analisar a Lei nº 13.104 de 2015 que alterou o Código Penal brasileiro instituindo um novo agravante específico de homicídio: o feminicídio, que é o homicídio ocorrido contra uma mulher em decorrência de discriminação de gênero, ou seja, por sua condição social de mulher, podendo também ser motivado ou concomitante com violência doméstica. Esta Lei traz um aumento significante da pena, o que a torna maior ao homicídio simples que pode acarretar penas de 6 a 20 anos de reclusão, enquanto os homicídios qualificados podem levar o condenado a cumprir de 12 a 30 anos de reclusão, além de ser também um crime hediondo, admitindo apenas a tentativa de violência ou homicídio. Para o desenvolvimento deste artigo foi utilizado como metodologia recursos bibliográficos, abordando de início o conceito do termo violência, o conceito e a origem do feminicídio, finalizando com um breve estudo da Lei.
Palavras-chave: Feminicídio; Crime; Violência; Doméstica; Mulher.
ABSTRACT: The present work aims to analyze Law nº 13.104 of 2015, which amended the Brazilian Penal Code, establishing a new specific aggravating factor for homicide: femicide, which is the homicide committed against a woman as a result of gender discrimination, that is, due to her social condition of a woman, and may also be motivated by or concomitant with domestic violence. This Law brings a significant increase in the penalty, which makes it greater for simple homicide that can carry sentences of 6 to 20 years of imprisonment, while qualified homicides can lead the convict to serve from 12 to 30 years of imprisonment, in addition to being also a heinous crime, admitting only the attempt of violence or homicide. For the development of this article, bibliographic resources were used as a methodology, initially addressing the concept of the term violence, the concept and origin of femicide, ending with a brief study of the Law.
Keywords: Femicide; Crime; Domestic violence; Woman
Este trabalho tem como ideia principal analisar e discutir os impactos trazidos do ponto de vista jurídico com a implementação da qualificadora do feminicídio ao delito de homicídio, bem como, verificar os benefícios trazidos pela Lei no 13.104 de 2015 de forma a proteger de maneira mais específica as mulheres da violência pautada no gênero, pois a violência se configura como uso intencional da força física ou do poder real ou em ameaça, contra si próprio, contra outra pessoa, ou contra um grupo ou uma comunidade, que resulte ou tenha qualquer possibilidade de resultar em lesão, morte, dano psicológico, deficiência de desenvolvimento ou privação.
Um grande passo para a criação da Lei de Feminicídio foi o reconhecimento de um vácuo significativo a proteção da vida das mulheres da famosa Lei 11.340/06 mais conhecida como Lei Maria da Penha que prevê medidas protetivas de urgência em favor da vítima para interromper o ciclo de violência vivenciado, bem como cria medidas integradas de prevenção e repressão à violência que envolve vários setores da sociedade civil e as três esferas administrativas e de poder.
A Lei de Feminicídio introduz uma nova categoria de homicídio no Código Penal brasileiro a chamada seção qualificadora do homicídio simples, o que torna a pena maior, bem como, também faz alterações a Lei nº 8.072/90 dos Crimes Hediondos, colocando o feminicídio como um crime hediondo, o que faz com que o ritual do julgamento seja dado especialmente por um Tribunal do Júri mais conhecido como júri popular.
2. FORMAS DE VIOLÊNCIA
A violência contra a mulher não se inicia com a agressão física, na maioria dos casos ela começa com a violência verbal ou moral fragilizando e debilitando a vítima para que ela não oponha resistência quando for praticada a violência física, que pode ser praticada tanto pelo companheiro quanto por familiares, e em situação da condição de ser mulher pode ser praticada até mesmo por um desconhecido.
A Lei Maria da Penha traz em seu rol exemplificativo diversas maneiras de violência dispostas no art. 7º que: I - a violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal; II - a violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause danos emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação; III - a violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos; IV - a violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades; V - a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.
Além dos componentes definidos pela Lei Maria da Penha que descreve o que é a violência contra a mulher, a autora Marilene Chauí define violência como aquele que age se utilizando da força para ir contra a natureza de alguém, aquilo que força a liberdade, a vontade e espontaneidade de um ser, que viola coisas que são positivadas numa sociedade, tudo o que transgrede ações ou coisas que são definidas pela sociedade como justas, a violência se opõe a ética, pois os seres racionais não são coisas e são dotados de liberdade.
3. CONCEITUAÇÃO DO TERMO VIOLÊNCIA
O conceito de violência é ambíguo, complexo, contém vários elementos, várias posições teóricas e diferentes soluções. Existem tantas formas de violência que é difícil enumerá-las, principalmente quando a mídia fala sobre isso, eles oferecem soluções alternativas; mas, a violência sempre aparece na sociedade de forma nova e ninguém pode evitá-la. Neste contexto, cabe a filosofia, especialmente a ética, para considerar sua origem, natureza, consequências morais e materiais. Antes de falarmos sobre violência de gênero e violência contra a mulher, ou seja, a necessidade de explicar o que significa gênero, suas diferenças em relação ao sexo e como esses institutos são utilizados neste artigo, de início, apresenta que a categoria gênero não deve ser entendida como sinônimo sobre mulheres. (CHAUÍ, 2000)
Gênero deve ser entendido como cultura de diferenças biológicas, a mistura de relações do poder social e simbólico. De acordo com o gênero, as diferenças biológicas relacionadas aos detalhes físicos de homens e mulheres devem ser compreendidas. Compreender o gênero como uma construção cultural requer transcender os binarismos com base no gênero, ou seja, as diferenças físicas e biológicas entre homens e mulheres que são opostos de feminino para masculino, geralmente não no mesmo nível, mas sim em ordem hierarquia (HABITZREUTER, 2019)
O Dicionário Aurélio traz o conceito de violência como um adjetivo, um constrangimento físico ou moral pelo uso da força ou pela coação. Já o Dicionário Michalis, define violência como um ato de crueldade, que emprega meios violentos por meio de uma fúria repentina e coage uma pessoa a sujeição de alguém. Nota-se que os conceitos dados pelos dois dicionários citados não conseguem dimensionar a densidade do termo. (HABITZREUTER, 2019)
É fundamental para compreender o conceito de violência a coisificação do outro, que transforma a pessoa em objeto, coisa, quando violenta o ser humano que é sujeito de direitos. Considerando que a humanidade dos humanos reside no fato de serem racionais, dotados de vontade livre, de capacidade para a comunicação e para a vida em sociedade, de capacidade para interagir com a Natureza e com o tempo, nossa cultura e sociedade nos definem como sujeitos do conhecimento e da ação, localizando a violência em tudo aquilo que reduz um sujeito à condição de objeto. Do ponto de vista ético, somos pessoas e não podemos ser tratados como coisas. Os valores éticos se oferecem, portanto, como expressão e garantia de nossa condição de sujeitos, proibindo moralmente o que nos transforme em coisa usada e manipulada por outros. (CHAUÍ, 2000)
A violência pode ser natural ou artificial. No primeiro caso, ninguém está livre da violência, ela é própria de todos os seres humanos. No segundo caso, a violência é geralmente um excesso de força de uns sobre outros. A origem do termo violência, do latim, violentia, expressa o ato de violar outrem ou de se violar. Além disso, o termo parece indicar algo fora do estado natural, algo ligado à força, ao ímpeto, ao comportamento deliberado que produz danos físicos tais como: ferimentos, tortura, morte ou danos psíquicos, que produz humilhações, ameaças, ofensas. Dito de modo mais filosófico, a prática da violência expressa atos contrários à liberdade e à vontade de alguém e reside nisso sua dimensão moral e ética. (CHAUÍ, 2000)
A violência é uma situação em que de forma intencional e utilizando-se da sua superioridade, de uma relação de poder, ocasiona um dano a outrem, transformando-o em coisa e negando sua condição de ser humano sujeito de direitos. Embora seja verdade que posso ver aí um dos traços obsessivos de nossa época, a violência, não se pode deixar de reconhecer que uma das condições básicas da sobrevivência do homem, num mundo natural hostil, foi exatamente sua capacidade de produzir violência numa escala desconhecida pelos outros animais (ODÁLIA, 2004)
4. CONCEITO E ORIGEM DE FEMINICÍDIO
As mortes de mulheres por questões de gênero, chamadas de feminicídio, estão presentes nos diferentes contextos sociais e são oriundas de uma cultura de dominação e desequilíbrio de poder existente entre os gêneros masculino e o feminino, que, por sua vez, produz a inferiorizarão da condição feminina, resultando em violência extremada com a qual se ceifa a vida de muitas mulheres (OLIVEIRA et al, 2015).
O assassinato de mulheres é habitual no regime patriarcal, no qual elas estão submetidas ao controle dos homens, quer sejam maridos, familiares ou desconhecidos. As causas destes crimes não se devem a condições patológicas dos ofensores, mas ao desejo de posse das mulheres, em muitas situações culpabilizadas por não cumprirem os papeis de gênero designados pela cultura. As violências contra as mulheres compreendem um amplo leque de agressões de caráter físico, psicológico, sexual e patrimonial que ocorrem em um continuum que pode culminar com a morte por homicídio, fato que tem sido denominado de femicídio ou feminicídio. No seminário internacional realizado em 2005, Feminicídio, Política e Direito, Diana Russel considerou adequada a tradução do inglês “femicide” para o espanhol “femicídio”, para evitar a feminização da palavra homicídio. (LAGARDE, 2004)
Para a compreensão do feminicídio é pertinente o entendimento do conceito de gênero, que é uma construção social que transcende o aspecto biológico. As relações existentes sobre o gênero sofrem influências dos fatores culturais, econômicos, políticos e sociais que contribuem para a formação da identidade (TOLOSA, 2017).
Sua origem é remota, imensurável no tempo e se projeta nas mais variadas estruturas sociais, desde as atividades produtivas, baseadas na divisão sexual do trabalho, até nas atividades reprodutivas, correspondentes aos papéis do homem e da mulher na reprodução humana. Ser masculino e/ou ser feminino não é uma condição meramente natural, tão pouco aleatória, mas uma construção sociocultural que impõe a superioridade de um (masculino) sobre o outro (feminino) (OLIVEIRA et al, 2015).
A diferença entre os conceitos de “sexo” e “gênero” se dá pelo fato do primeiro conceito estar relacionado às diferenças biológicas entre o homem e a mulher e “gênero” diz respeito às construções sociais de identidades, funções e atributos do homem e da mulher. É importante esclarecer que as diferenças na categoria gênero não estão na esfera genética entre homem-mulher, e sim em distinções que foram construídas socialmente para se caracterizar o masculino e o feminino, possibilitando a melhor compreensão destas representações sociais criadas historicamente, seja nos âmbitos cultural, religioso, racial, étnico, regional, econômico e político. Logo, o gênero é uma construção social atribuída ao sexo, tendo múltiplas identidades, podendo ser dinâmicas e contraditórias. (TOLOSA, 2017).
O conceito de femicídio foi utilizado pela primeira vez por Diana Russel em 1976, perante o Tribunal Internacional Sobre Crimes Contra as Mulheres, realizado em Bruxelas, para caracterizar o assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres, definindo-o como uma forma de terrorismo sexual ou genocídio de mulheres. O conceito descreve o assassinato de mulheres por homens motivados pelo ódio, desprezo, prazer ou sentimento de propriedade. Russel ancora-se na perspectiva da desigualdade de poder entre homens e mulheres, que confere aos primeiros o senso de entitlement – a crença de que lhes é assegurado o direito de dominação nas relações com as mulheres tanto no âmbito da intimidade quanto na vida pública social – que, por sua vez, autoriza o uso da violência, inclusive a letal, para fazer valer sua vontade sobre elas. (RUSSEL, 1992)
O femicídio, assim, é parte dos mecanismos de perpetuação da dominação masculina, estando profundamente enraizado na sociedade e na cultura. São expressões deste enraizamento a identificação dos homens com as motivações dos assassinos, a forma seletiva com que a imprensa cobre os crimes e com que os sistemas de justiça e segurança lidam com os casos. O fato de as mulheres, muitas vezes, negarem a existência do problema é atribuído à repressão ou negação produzida pela experiência traumática do próprio terrorismo sexista, além da socialização de gênero, em que a ideologia de gênero (ideologia considerada aqui no seu aspecto negativo) é utilizada para naturalizar as diferenças entre os sexos e impor estes padrões e papeis como se fossem naturais ou constituintes da natureza humana. (RUSSEL, 1992)
O feminicídio é caracterizado por todo e qualquer ato de agressão derivado da dominação de gênero, cometido contra um indivíduo de sexo feminino, ocasionando sua morte. Nessa perspectiva, o assassinato de mulheres pode ser realizado por pessoas próximas das vítimas, como namorados, maridos e/ou companheiros, outros membros da família ou por desconhecidos. A morte de mulheres decorrente pela condição de gênero tem aumentado e a maneira de como ele é perpetrado chama atenção devido a crueldade (WAISELFISZ, 2015 Apud TOLOSA, 2017).
Há uma relação entre a violência estrutural de uma sociedade e o tipo de feminicídio mais frequente. Os perpetrados por parceiro íntimo atingem maiores proporções quando a taxa total de homicídios é pequena, ou seja, quando a violência estrutural tem baixa prevalência. Em locais com altas taxas de mortalidade masculina
por agressão predominam os crimes cometidos por desconhecidos e, em contextos de criminalidade, onde a violência estrutural é maior, as mulheres são assassinadas na esfera pública por gangues e grupos armados, havendo uma alta prevalência de mortes perpetradas por desconhecidos, com violações sexuais e execuções. (ALVAZZI, 2011)
O aumento da violência letal entre homens pode ocasionar crescimento dos homicídios entre mulheres, uma vez que sociedades violentas para com os homens possuem configurações socioculturais que produzem também altas taxas de violência contra mulheres, como o machismo, o culto à virilidade e o padrão de resolução de conflitos violento e privado. Estudos que investigaram a associação entre estrutura social e homicídios evidenciaram que onde a desorganização social, a privação socioeconômica, a instabilidade social e a criminalidade são maiores há mais homicídios de ambos os sexos. (MENEGHEL; HIRAKATA, 2011)
Mulheres assassinadas encontram-se predominantemente entre adolescentes e adultas jovens. O assassinato representa uma das primeiras causas de morte em mulheres jovens e adolescentes nos Estados Unidos. Em grande parte dos países, as vítimas são jovens, não brancas, pobres e vivem em espaços urbanos onde a segurança é mínima ou inexistente. A maioria destas mortes não é investigada pelas instituições policiais, havendo arquivamento de grande parte dos processos. Estes dados reforçam a ideia de que o feminicídio é um tipo de crime de poder e dominação, atingindo os grupos mais fragilizados na sociedade e que é mais frequente nos locais onde o Estado é tolerante com a violência, havendo impunidade para com os agressores. Portanto, os homicídios – tanto de homens quanto de mulheres – concentram-se em áreas onde são precárias as condições sociais de existência coletiva e onde a qualidade de vida é degradada. O diferencial de risco para as negras e as pobres evidencia que há para os homens, mas também para as mulheres, a “distribuição desigual do direito à vida”. (ADORNO, 2002)
A violência contra as mulheres, nessa perspectiva, teria como objetivo a preservação da supremacia masculina no âmbito das relações interpessoais e no nível macrossocial. O estupro, por exemplo, seria uma expressão direta do que ela denomina política sexual, uma afirmação das normas machistas e uma forma de terrorismo que preserva o status quo, enquanto o assassinato de mulheres seria tão somente a forma mais extrema de terrorismo sexista. Essa interpretação representa
uma nova compreensão política do problema da violência contra as mulheres e, por isso, foi preciso construir um novo conceito, capaz de refletir a nova abordagem, esse conceito é o femicídio. (MENEGHEL; HIRAKATA, 2011)
5. LEI Nº 13.104/2015 (FEMINICÍDIO)
A proposta de lei foi criada a partir de uma recomendação pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (CPMI – VCM), a qual inicialmente definia o feminicídio como a forma extrema de violência de gênero que resulta na morte da mulher, indicando possíveis circunstâncias como a existência da relação íntima de afeto ou parentesco entre o autor do crime e a vítima; a mutilação ou desfiguração física, antes ou após a morte; e a prática de qualquer violência sexual contra a vítima, antes ou após a morte. Porém, o texto acabou sofrendo alterações e no momento da aprovação pelo Congresso Nacional, a palavra “gênero” foi retirada, inserindo “razões da condição do sexo feminino”, cuja compreensão aparece em duas hipóteses: quando cometido em situação de violência doméstica e familiar; e quando houver discriminação contra a mulher, esta expressão foi trocada em decurso de influências políticas da bancada mais “conservadora”, com o objetivo de suprimir os direitos das mulheres transexuais e outras pessoas que se identificam com o gênero feminino da tutela do feminicídio (MASSON, 2018)
Em termos jurídicos, feminicídio é o homicídio praticado contra a mulher por razões de gênero ou em decorrência da violência doméstica e familiar. O advento do crime de Feminicídio foi integrado ao Código Penal, no art. 121, § 2º, inciso VI, pela Lei nº 13.104/2015, na qual é possível ser determinado como circunstância qualificadora do crime de homicídio, sendo de competência do Tribunal do Júri e categoricamente designado crime hediondo, conforme conteúdo de regra abarcado pelo art. 1°, inciso I, da Lei nº 8.072/1990. (SANTOS, SILVA, 2022)
A Lei categoriza as mortes de mulheres por razões de gênero como Feminicídio, sendo considerado um tipo de homicídio qualificado, incluso no rol dos crimes hediondos, sendo inafiançável e sem redução da pena, variando de 12 a 30 anos, tendo aumento de pena caso o assassinato tenha sido cometido contra gestante ou nos três meses posteriores ao parto; contra menores de 14 anos, maior de 60 anos ou pessoa portadora de deficiência; e ainda em caso de homicídio na presença de descendente ou ascendente da vítima (BRASIL, 2015 Apud TOLOSA, 2017).
Ela se dispôs no Código Penal da seguinte forma:
“Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. [...]
Feminicídio [...]
VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino:
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2º-A - Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher (BRASIL, 2015).”
A previsão da Lei do Feminicídio em seu parágrafo 2º-A tem um caráter autoexplicativo, tendo em vista, um rol taxativo para a definição do crime, dando continuidade em relação a essa acepção evidenciada a circunstância de violência doméstica e familiar, integrada em seu inciso I, tais situações inseridas também na Lei Maria da Penha, será essencial o crime ser realizado pelo fator de gênero. Também não tendo uma obrigatoriedade que o praticante do crime, seja um homem, abrangendo também a relação dos casais homoafetivos femininos (CAPEZ, 2018).
Os desafios que as mulheres enfrentaram se intensificaram com o passar de cada período histórico, pois a sociedade sempre impôs a forma de como a mulher deveria se portar e que além disso, ela deveria entender essa violência sistematizada contra sua vivência. A situação de hipossuficiência em relação ao homem tem grandes laços históricos que perduram até hoje, no que tange ao feminicídio, na maioria das vezes, o agressor procura depreciar a vítima na atitude de explicar e criar argumentos do porquê da prática da violência para conseguir apoio da nossa sociedade machista estrutural (BARP; BRITO; SOUZA, 2009).
O feminicídio pode ser denominado pelas seguintes tipologias. Feminicídio íntimo: quando o autor do crime é o atual ou ex companheiro da mulher com o qual a ela manteve algum tipo de relacionamento ou convivência conjugal, extraconjugal ou familiar, não se limitando às relações com vínculo matrimonial, mas estendendo-se aos conviventes, noivos, namorados e parceiros, além daqueles praticados por um membro da família, como o pai, padrasto, irmão ou primo.
Feminicídio não íntimo: quando o autor do crime e a vítima mulher não possuíam qualquer ligação familiar, de convivência ou de relacionamentos. Incluem-se nessa categoria a morte provocada por clientes – em se tratando de trabalhadoras sexuais –, por amigos, vizinhos ou desconhecidos, assim como a morte ocorrida no contexto do tráfico de pessoas, sempre tendo o motivo sexual como fundamental para sua qualificação como feminicídio.
Feminicídio por conexão: ocorre quando o homem tem por objetivo assassinar outra mulher, no entanto, a vítima que não era alvo, vem a ser assassinada por estar na hora errada e no lugar errado. (GEBRIM & BORGES, 2014).
Fatores que podem aumentar a vulnerabilidade das mulheres de serem mortas pelos parceiros íntimos incluem a disparidade de idade entre os cônjuges, a situação marital não formalizada, as tentativas prévias da mulher em obter a separação (especialmente nos três meses que antecederam o assassinato) e histórias repetidas de violência e agressões. Grande parte dos homens que assassinam as esposas não difere de seus pares na sociedade e são considerados “comuns e convencionais”, o que é ainda mais perigoso porque há uma tendência de atribuir o delito a uma explosão de cólera, ou um motivo “passional” impossível de ser previsto e prevenido. Por esse motivo, considerar o femicídio como uma explosão passional ou atribui-lo à doença do agressor, significa retirar a conotação social e de gênero do crime, reduzindo-o à esfera individual. (DOBASCH, CAVANAGH, 2009)
Outra situação que pode levar ao feminicídio é a agressão sexual, que ocorre em todas as classes sociais, no âmbito público e no privado. A violência sexual representa situação em que as mulheres estão na posição de meros objetos descartáveis, tornando esse ato extremamente perigoso pela necessidade do agressor de eliminar testemunhas e vestígios, matando a vítima após uma violação sexual. (CARCEDO, 2006)
A utilização do sistema jurídico para prover um instrumento de proteção a todas às mulheres é válido, o feminicídio já acontecia há muito tempo, porém não tinha uma base legal para jurisdicionar. O conceito de feminicídio surgiu logo após a aplicabilidade da Lei nº 13.104/2015, a legislação funcionou como mecanismo de tutela e proteção, em figura de resolução a dados expressivos, datado no dia 9 de março de 2015, um dia após o icônico dia internacional da mulher, que é marcado por lutas sociais do sexo feminino, foi aprovada a supramencionada lei assinada pela primeira presidente eleita mulher no Brasil, Dilma Rousseff. (LOPES, 2015).
A violência sistematizada é sobre um ciclo de opressões sofridas pela mulher,
o que inclui a violência psicológica, a ciência da psicologia tem bastante importância para o entendimento e compreensão dessa série de agressões, os ciúmes para com os relacionamentos, a sexualização da figura da mulher pela sociedade que por consequência acaba rebaixando sua imagem e objetificação a feminilidade, faz parte de um processo de pertencimento de posse do agressor contra a mulher, que seguem um padrão normativo da classe majoritária de homens, trazendo conceitos patriarcais incentivados pela nossa cultura e sociedade. (NETO, FIGUEREDO, MALATO, FERNANDO, 2018).
O sentimento também influencia diretamente no psicológico do homem ciumento, que expressa o sentimento de modo aferrado e muito violento, ele tende explicar sua conduta de querer só proteger a vítima, porém, ele está impondo o seu sentimento de posse. O ciúme masculino é um retrato da figura que a sociedade patriarcal apoia, a fim de impor a figura do homem sobre a mulher, o que explicaria o fato dos agressores terem esse tipo de comportamento. Isso tudo resulta em uma sexualização da figura da mulher sob a ótica do agressor por achar ser legítimo cometer esse crime, a violência praticada contra a mulher vem continuamente antecedida de atitudes discriminatórias do homem em relação à inferiorização da mulher, as quais são realizadas sob uma fundamentação em atitudes preconceituosas, que, todavia, são elaborados nas mentalidades das 16 pessoas em razão do convívio da nossa sociedade majoritariamente machista. (NETO, FIGUEREDO, MALATO, FERNANDO, 2018).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo teve como objetivo averiguar a luz da legislação vigente a qualificadora do feminicídio dentro dos trâmites do Código Penal, destacando as mudanças sofridas com a Lei nº 13.104/2015. Foram apresentados como surgiu todo este contexto em torno do tema citado e os reais motivos históricos de cunho verdadeiro e bem aludido pela sociedade. As agressões contra o gênero feminino se fazem presente por tempos é um fenômeno social se encontra presente em todas as sociedades, atingindo proporções significativas da população feminina em todo o mundo. Não é aceitável é punido, sendo o primeiro passo para o enfrentamento, o questionamento sobre tal violência, é expor, comentar, discursar, examinar, analisar, tratar e divulgar os ideais sobre este assunto tão predominante com uma força muito grande em todo o mundo.
A Lei do Feminicídio estabeleceu uma real conquista e é uma ferramenta importantíssima para dar visibilidade ao fenômeno social que é o assassinato de mulheres por circunstâncias de gênero. Todo ser humano tem direito à vida, sendo sua proteção um imperativo Jurídico de Ordem Constitucional, taxativo no Artigo 5º, Caput, da Constituição Federal CFRB/88.
A autonomia e a soberania do homem significaram concomitantemente a subjugação do gênero feminino, e seus direitos uniformemente de igualdade se alteraram ema retórica, a liberdade civil não é para todos, é condição do gênero masculino e mero do Direito. A mudança desta realidade requer que o Poder Público englobe a luta pela erradicação da violência e do feminicídio como uma política de Estado, uma vez que o extermínio de mulheres, em virtude da violência de gênero e da discriminação, ultraja a consolidação dos direitos humanos.
Assim sendo o direito de viver não é um direito sobre a vida, mas à vida, no sentido de correlativo da obrigação de que os outros homens respeitem a nossa vida.
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Graduanda em Direito pela Universidade Brasil, Campus Fernandópolis- SP
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Karen Aline de Freitas da. Feminicídio: discriminação à condição de mulher Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 ago 2023, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/62397/feminicdio-discriminao-condio-de-mulher. Acesso em: 23 dez 2024.
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