RESUMO: O presente artigo busca analisar a aplicação da imunidade tributária recíproca como importante ferramenta no âmbito das limitações ao poder de tributar do Estado. Busca-se enfatizar a necessidade que o Estado tem de possuir algumas prerrogativas em face para uma correta pacificação social, porém, essas prerrogativas não podem ser ilimitadas e a partir dessa ótica que surgem as limitações ao poder de tributar. Com a aplicação da imunidade tributária recíproca há a preservação da harmonia e independência entre os entes federados, visando a manutenção do pacto federativo, postulado fundamental no atual Estado Democrático de Direito.
PALAVRAS-CHAVE: Imunidade Tributária Recíproca. Limitação. Poder de Tributar. Pacto Federativo
1.INTRODUÇÃO
A imunidade tributária recíproca é uma garantia de equilíbrio do pacto federativo, tendo em vista que os entes são autônomos e harmônicos entre si. Dessa forma, ela está prevista no artigo 150, VI, ”a”, da Constituição Federal, sendo a proibição de que os entes instituam impostos sobre o patrimônio, bens e serviços uns dos outros.
Essa imunidade está no âmbito das limitações ao poder de tributar, justamente porque o Estado não pode ser visto como um fim em si mesmo, mas um meio de se alcançar o interesse público, não podendo ser o seu poder ilimitado.
É necessário analisar a importância da aplicação dessa limitação a partir das constantes modificações sociais, ensejando uma constante atividade dos tribunais superiores a respeito da temática e sua real incidência. Há uma intensa judicialização para entender o verdadeiro alcance dessa imunidade, demandando uma maior atenção do jurista para acompanhar a correta interpretação sobre sua aplicação.
Ao longo do trabalho será exposta a aplicação da referida garantia no âmbito da Administração Direta e Indireta, destacando as peculiaridades de cada. Será também analisado como atualmente o Supremo Tribunal Federal interpreta a aplicação da imunidade tributária recíproca, esta que já foi e ainda é a protagonista de importantes julgados da Suprema Corte.
2.A IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA COMO UMA LIMITAÇÃO AO PODER DE TRIBUTAR
As limitações ao poder de tributar surgem na seara dos sistemas de freios e contrapesos no âmbito das Prerrogativas e Indisponibilidade da Administração Pública. É notório que a o Estado possui diversas prerrogativas para que a máquina pública possa funcionar, entre elas a possibilidade de cobrança impositiva e compulsória dos tributos. Porém, como no Direito é raro algo ser absoluto, essas prerrogativas também sofrem restrições.
Nesse dilema é que surgem as limitações ao poder de tributar, como sendo garantias individuais do contribuinte. Segundo Ricardo Alexandre (2022, p.135):
Boa parte das limitações ao poder de tributar está protegida contra mudanças que lhe diminuam o alcance ou a amplitude, por configurarem verdadeiras garantias individuais do contribuinte.
É entendimento majoritário que as Limitações ao Poder de Tributar estão previstas constitucionalmente, abarcando os princípios e imunidades tributárias, sendo inseridas no campo da não incidência tributária. Essa não incidência ocorre nas situações nas quais a própria Constituição, visando preservar princípio individuais ou na busca da garantia do pacto federativo, deixa de aplicar a sua capacidade de tributar em relação a agentes ou situações determinadas.
Nesse sentido, atualmente existem imunidades relativas a impostos, taxas e contribuições para a seguridade social. Dentro das imunidades tributárias, surge grande destaque para as imunidades aos impostos previstas no inciso VI do artigo 150 da Constituição Federal. E dentre essas imunidades, há a previsão da imunidade tributária recíproca, mencionada no artigo 150, VI, “a”, da CF/88.
Importa ressaltar os ensinamentos de Roque Antonio Carazza (2000, p. 292):
[...] a Constituição limita o exercício da competência tributária, seja de modo direto, mediante preceitos especificamente endereçados à tributação, seja de modo indireto, enquanto disciplina outros direitos, como o de propriedade, o de não sofrer confisco, o de exercer atividades lícitas, o de transitar livremente pelo território nacional etc. A competência tributária, portanto, já nasce limitada.
A imunidade tributária recíproca se apresenta como uma importante ferramenta de equilíbrio do pacto federativo, justamente evitando que os entes se relacionem com competições desarmônicas que abalassem a estrutura da República Federativa do Brasil. Cumpre mencionar o artigo 18 da Constituição Federal: “Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”.
Referido princípio foi estabelecido na ótica constitucional visando uma maior harmonia entre os entes, tendo em vista que todos são autônomos, mas pertencentes à República Federativa do Brasil. Dessa forma, a imunidade tributária recíproca surge como uma garantia quando se fala dos entes federativos como contribuintes e norteia a relação entre eles.
3. APLICAÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA ÀS PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO
A imunidade tributária recíproca está prevista no artigo 150, VI, da CF/1988:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
VI - instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
Importante mencionar que o referido comando é uma cláusula pétrea, representando uma proteção ao pacto federativo. Assim dispõe o artigo 60 da CF:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
[...]
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
A imunidade recíproca apenas se aplica no tocante aos impostos, sendo plenamente viável que os entes federativos cobrem outros tributos dos outros entes, como por exemplo o que ocorre com as taxas, sendo certo que a Administração Pública pode sim ser contribuinte de outros tributos, mas no tocante aos impostos ela possui essa imunidade. Nesse sentido afirma Ricardo Alexandre (2022, p.237):
A imunidade recíproca somente se aplica aos impostos, não alcançando as contribuições nem as taxas. Desse modo, não existe vedação, por exemplo, para que os Municípios, ao instituírem a taxa para coleta domiciliar de lixo, exijam-na, inclusive, pelo serviço prestado às repartições públicas federais e estaduais localizadas em seu território.
Apesar do inciso VI apenas prever a aplicação da imunidade recíproca aos entes federados, o parágrafo §2° do referido artigo 150 da Constituição estende essa garantia às autarquias e fundações públicas:
§ 2º - A vedação do inciso VI, "a", é extensiva às autarquias e às fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público, no que se refere ao patrimônio, à renda e aos serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes.
Dessa forma, a imunidade recíproca também é uma importante garantia às pessoas jurídicas de direito público da Administração Indireta, porém, como demonstrado no §2º do artigo 150 da Constituição, a proteção conferida às essas entidades é mais restrita do que aquela conferia aos entes da Administração Direta. Referido parágrafo se refere apenas ao patrimônio, renda e aos serviços vinculados às finalidades essenciais dessas entidades ou dela decorrentes.
Cumpre ressaltar que nos diálogos sobre a imunidade tributária recíproca surgiu o questionamento se esse postulado abarcaria apenas a obrigação principal ou se seria estendida às obrigações acessórias. Nesse sentido, o STF já se manifestou no sentido de que mesmo a imunidade tributária recíproca não obsta a exigência das obrigações tributárias acessórias por parte dos entes federativos:
Direito constitucional e tributário. Ação cível originária. Obrigação tributária acessória. Imunidade recíproca. 1. Compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer e julgar originariamente causas que envolvam a interpretação de normas relativas à imunidade tributária recíproca, em razão do potencial abalo ao pacto federativo. Precedentes. 2. A obrigação acessória decorre da legislação tributária (art. 113, § 2º, do Código Tributário Nacional). Esse termo não engloba apenas as leis, mas também os tratados e as convenções internacionais, os decretos e as normas complementares que versem, no todo ou em parte, sobre tributos e relações jurídicas a eles pertinentes (art. 96 do Código Tributário Nacional). 3. A imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a, da Constituição) impede que os entes públicos criem uns para os outros obrigações relacionadas à cobrança de impostos, mas não veda a imposição de obrigações acessórias. Precedentes. 4. O art. 9º, § 1º, do Código Tributário Nacional institui reserva legal para a definição das hipóteses de responsabilidade tributária e dos atos que os entes públicos deverão praticar na qualidade de responsáveis tributários. O dispositivo não afasta a possibilidade de obrigações acessórias serem impostas por atos normativos infralegais. 5. Não ofende o princípio da isonomia ou abala o pacto federativo norma que impõe a obrigação de apresentação de declaração de débitos e créditos de tributos federais aos Estados, aos Municípios e ao Distrito Federal, mas não a estende aos órgãos da própria União. 6. Pedido que se julga improcedente. (STF - ACO: 1098 MG - MINAS GERAIS 0006429-50.2007.1.00.0000, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 11/05/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJe-135 01-06-2020)
Dessa forma, é plenamente possível por exemplo a obrigatoriedade de os entes federativos guardarem seus livros fiscais e contábeis, ainda que estejam sujeitos à imunidade tributária recíproca, tendo em vista que se trata de uma obrigação acessória.
4. APLICAÇÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA ÀS EMPRESAS ESTATAIS
As empresas públicas e sociedades de economia mista são pessoas de direito privado da Administração Pública. O artigo 173 da Constituição Federal menciona que essas empresas estatais se submetem ao regime jurídico das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações tributárias:
Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre:
II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;
§ 2º As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado.
A Constituição estabelece que essas empresas estatais estão submetidas a todos os impostos e tributos aplicáveis às empresas privadas que executam atividades no mesmo ramo, e não estão submetidas à imunidade tributária recíproca, típica dos entes da Administração, apenas possuindo isenção fiscal se esta for destinada ao ramo de atividade econômica que é objeto de exploração da empresa, pois nesse caso essa isenção seria concedida a todas as empresas do ramo, e não apenas às empresas públicas e sociedades de economia mista.
Importante ressaltar que houve uma mutação constitucional no tocante a esse assunto, sendo um marco a decisão do STF que estendeu à ECT- Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos regime similar ao da Fazenda Pública, com todas as prerrogativas e limitações aplicáveis, tendo em vista que os Correios atuam na prestação de serviços públicos exclusivos de Estado.
Nesse sentido, Matheus Carvalho (2017, p.212) coloca em seus ensinamentos:
Com efeito, o art. 12 do Decreto-lei 509/69 dispõe que “A ECT gozará de isenção de direitos de importação de materiais e equipamentos destinados aos seus serviços, dos privilégios concedidos à Fazenda Pública, quer em relação a imunidade tributária direta ou indireta, impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços, quer no concernente a foro, prazos e custas processuais.” Nesse mesmo sentido, o Supremo Tribunal Federal já pacificou o entendimento de que a ECT goza de regime similar aplicado à fazenda pública, gozando de impenhorabilidade de bens, bem como a incidência de prerrogativas processuais e imunidade tributária.
Assim dispõe o STF:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS. IMPENHORABILIDADE DE SEUS BENS, RENDAS E SERVIÇOS. RECEPÇÃO DO ARTIGO 12 DO DECRETO-LEI Nº 509/69. EXECUÇÃO.OBSERVÂNCIA DO REGIME DE PRECATÓRIO. APLICAÇÃO DO ARTIGO 100 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. À empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, pessoa jurídica equiparada à Fazenda Pública, é aplicável o privilégio da impenhorabilidade de seus bens, rendas e serviços. Recepção do artigo 12 do Decreto-lei nº 509/69 e não-incidência da restrição contida no artigo 173, § 1º, da Constituição Federal, que submete a empresa pública, a sociedade de economia mista e outras entidades que explorem atividade econômica ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto às obrigações trabalhistas e tributárias. 2. Empresa pública que não exerce atividade econômica e presta serviço público da competência da União Federal e por ela mantido. Execução. Observância ao regime de precatório, sob pena de vulneração do disposto no artigo 100 da Constituição Federal. Recurso extraordinário conhecido e provido. (STF - RE: 220906 DF, Relator: Min. MAURÍCIO CORRÊA, Data de Julgamento: 16/11/2000, Tribunal Pleno, Data de Publicação: DJ 14-11-2002 PP-00015 EMENT VOL-02091-03 PP-00430)
Ao longo dos anos surgiram discussões doutrinárias e jurisprudenciais no sentido da aplicação dessa imunidade tributária recíproca não apenas à ECT, mas também às empresas estatais prestadoras de serviço público. Ocorre que o artigo 173 § 1º não deixa claro se as prestadoras de serviço público estariam abrangidas no seu conceito, pois ele apenas menciona “as prestadoras de serviço”, abrindo então o debate para a ceara doutrinária e jurisprudencial analisarem a ampliação dessa imunidade para as empresas públicas e sociedades de economia mista que atuam na prestação de serviços públicos.
O Supremo Tribunal Federal já definiu esse entendimento:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO GERAL. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SERVIÇOS DE SAÚDE. 1. A saúde é direito fundamental de todos e dever do Estado (arts. 6º e 196 da Constituição Federal). Dever que é cumprido por meio de ações e serviços que, em face de sua prestação pelo Estado mesmo, se definem como de natureza pública (art. 197 da Lei das leis). 2 . A prestação de ações e serviços de saúde por sociedades de economia mista corresponde à própria atuação do Estado, desde que a empresa estatal não tenha por finalidade a obtenção de lucro. 3. As sociedades de economia mista prestadoras de ações e serviços de saúde, cujo capital social seja majoritariamente estatal, gozam da imunidade tributária prevista na alínea “a” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. 3. Recurso extraordinário a que se dá provimento, com repercussão geral. (STF - RE: 580264 RS, Relator: Min. JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 16/12/2010, Tribunal Pleno, Data de Publicação: REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO)
Pode-se afirmar, conforme foi explicitado, que atualmente as empresas públicas e sociedades de economia mista que atuam na exploração de atividade econômica estão submetidas às mesmas limitações das empresas privadas, porém, se tratando de empresas estatais que atuam na prestação de serviços públicos típicos de Estado, diversas decisões do Supremo Tribunal Federal preconizam que elas possuem a imunidade tributária recíproca.
As decisões mais recentes do STF enfatizam que é necessário analisar se essas entidades além de realizarem serviços públicos essenciais e exclusivos, não possuam intuito lucrativo, para que então possam ser abarcadas pela imunidade tributária recíproca:
Direito administrativo e tributário. Ação cível originária. Sociedade de economia mista integrante da Administração indireta de Estado-membro. Imunidade recíproca. 1. Ação cível originária ajuizada pela Companhia de Saneamento de Sergipe em face da União, na qual postula o reconhecimento de imunidade tributária recíproca quanto aos impostos federais incidentes sobre seu patrimônio, renda ou serviços, vinculados a suas finalidades essenciais ou às delas decorrentes. 2. Em casos análogos, o Supremo Tribunal Federal tem reconhecido sua competência, por estar em jogo questão ligada à imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, a, da Constituição), indispensável à preservação do pacto federativo. 3. A imunidade tributária peevista na alínea a do art. 150, I, da Constituição Federal, alcança empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviços públicos essenciais e exclusivos, desde que não tenham intuito lucrativo, enquanto mantidos os requisitos. 4. Pedido procedente. (STF - ACO: 3410 SE 0097520-70.2020.1.00.0000, Relator: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 22/04/2022, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 03/05/2022)
A contrário sensu, mesmo que essas entidades sejam prestadoras de serviços públicos, caso esteja presente o intuito lucrativo, não será possível a aplicação da imunidade:
TRIBUTÁRIO. IPTU. IMUNIDADE RECÍPROCA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. NATUREZA JURÍDICA DE DIREITO PRIVADO. PARTICIPAÇÃO ACIONÁRIA DISPERSA E NEGOCIADA EM BOLSA DE VALORES. EXAME DA RELAÇÃO ENTRE OS SERVIÇOS PÚBLICOS PRESTADOS E O OBJETIVO DE DISTRIBUIÇÃO DE LUCROS A INVESTIDORES PÚBLICOS E PRIVADOS COMO ELEMENTO DETERMINANTE PARA APLICAÇÃO DA SALVAGUARDA CONSTITUCIONAL. SERVIÇO PÚBLICO DE SANEAMENTO BÁSICO SEM FINS LUCRATIVOS. CF/88, ARTS. 5º, II, XXXV, LIV E LV; 37, INCISOS XIX E XXI E § 6º; 93, IX; 150, VI; E 175, PARÁGRAFO ÚNICO. PRECEDENTES QUE NÃO SE ADEQUAM PERFEITAMENTE AO CASO CONCRETO. IMUNIDADE QUE NÃO DEVE SER RECONHECIDA. REDATOR PARA ACÓRDÃO (ART. 38, IV, B, DO RISTF). FIXAÇÃO DA TESE DE REPERCUSSÃO GERAL. 1. A matéria foi decidida por maioria pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, que acompanhou o voto do I. Relator, Min. Joaquim Barbosa. Redação da proposta de tese de repercussão geral (art. 38, IV, b, do RISTF). 2. A imunidade tributária recíproca (art. 150, IV, a, da Constituição) não é aplicável às sociedades de economia mista cuja participação acionária é negociada em Bolsas de Valores, e que, inequivocamente, estão voltadas à remuneração do capital de seus controladores ou acionistas, unicamente em razão das atividades desempenhadas. 3. O Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 253.472, Redator para o acórdão Min. Joaquim Barbosa, DJe 1º/2/2011, já decidiu, verbis: atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política. 4. In casu, trata-se de sociedade de economia mista de capital aberto, autêntica S/A, cuja participação acionária é negociada em Bolsas de Valores (Bovespa e New York Stock Exchange, e.g.) e que, em agosto de 2011, estava dispersa entre o Estado de São Paulo (50,3%), investidores privados em mercado nacional (22,6% - Bovespa) e investidores privados em mercado internacional (27,1% - NYSE), ou seja, quase a metade do capital social pertence a investidores. A finalidade de abrir o capital da empresa foi justamente conseguir fontes sólidas de financiamento, advindas do mercado, o qual espera receber lucros como retorno deste investimento. 5. A peculiaridade afasta o caso concreto da jurisprudência da Suprema Corte que legitima o gozo da imunidade tributária. 6. Recurso Extraordinário improvido pela maioria do Supremo Tribunal Federal. 7. Proposta de tese de repercussão geral: Sociedade de economia mista, cuja participação acionária é negociada em Bolsas de Valores, e que, inequivocamente, está voltada à remuneração do capital de seus controladores ou acionistas, não está abrangida pela regra de imunidade tributária prevista no art. 150, VI, a, da Constituição, unicamente em razão das atividades desempenhadas. (STF - RE: 600867 SP, Relator: JOAQUIM BARBOSA, Data de Julgamento: 29/06/2020, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 30/09/2020)
Dessa forma, a jurisprudência dominante da Suprema Corte é no sentido da possibilidade da aplicação da imunidade tributária recíproca às empresas estatais, desde que esteja demonstrado que essas entidades sejam prestadoras de serviços públicos essenciais e que não possuam intuito lucrativo.
5.CONCLUSÃO
É fato que o Estado assume um papel primordial na estrutura da sociedade atualmente, possuindo certas prerrogativas que não estão previstas no campo do direito privado. Apesar dessa posição de comando e controle social, seu poder não é ilimitado. Nessa conjuntura é que as limitações constitucionais ao poder de tributar surgem para balancear o sistema de freios e contrapesos do ordenamento pátrio.
A imunidade tributária recíproca está abarcada no campo dessas limitações constitucionais ao poder de tributar, e como já analisado nas exposições do presente trabalho, possui um papel fundamental na manutenção do equilíbrio do pacto federativo.
Diante da constante mudança da sociedade e pela ótica constitucional pautada no atendimento dos fins sociais, há também modificações no alcance da imunidade tributária recíproca, sendo objeto de análises por parte do Supremo Tribunal Federal. Busca-se atualmente conciliar as prerrogativas da Administração Pública com as limitações ao seu poder de império, sendo necessário que os tribunais pátrios observem a imunidade tributária recíproca para uma correta aplicação das premissas do Estado Democrático de Direito.
6.REFERÊNCIAS
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário. 16.ed. rev., atual. e ampl. Salvador: ed. JusPodivm, 2022.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 02 de agosto de 2023.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 153 ed., revista, ampl. e atual. até a Emenda Constitucional 28/2000. São Paulo: Malheiros Editores, 2000.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. Salvador: JusPodivm, 2017.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2017.
STF – Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. ACO 1098. Relator: Min. Roberto Barroso. Brasília, 11 de maio de 2020. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/865635646/inteiro-teor-865635675. Acesso em 16 de agosto de 2023.
STF – Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão. ACO 3410. Relator: Min. Roberto Barroso. Brasília, 24 de abril de 2022. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/1487441640/inteiro-teor-1487441653. Acesso em 16 de agosto de 2023.
STF - Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 220906. Relator: Min. Maurício Corrêa. Brasília, 16 de novembro de 2000. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/14752610. Acesso em: 04 de agosto de 2023.
STF – Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 600867. Relator: Min. Joaquil Barbosa. Brasília, 29 de novembro de 2020. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/936229921. Acesso em 16 de agosto de 2023.
STF - Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário. RE 580264. Relator: Min. Joaquim Barbosa. Brasília, 16 de dezembro de 2010. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/20761681. Acesso em: 04 de agosto de 2023.
Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Federal da Paraíba. Pós-Graduada em Direito Tributário e Direito Processual Civil pela Faculdade Venda Nova do Imigrante (FAVENI).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CORDEIRO, Gabriella Lacerda Montenegro. A imunidade tributária recíproca como uma ferramenta essencial na manutenção do pacto federativo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 ago 2023, 04:49. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/62731/a-imunidade-tributria-recproca-como-uma-ferramenta-essencial-na-manuteno-do-pacto-federativo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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