WALTER MARTINS MULLER[1]
(orientador)
RESUMO: O presente artigo foi criado com o propósito de analisar a tipificação do crime de perseguição reiterada, mais conhecida como stalking. O novo tipo penal é recente no meio jurídico e foi incorporado no Código Penal através da Lei nº 14.132/2021, onde tipifica o crime, altera o Código Penal e revoga o artigo 65 da Lei nº 3.688/1941, mais conhecida como Lei de Contravenções Penais. Através do trabalho, foi verificada a importância da tipificação para aumentar a proteção aos direitos de privacidade e intimidade, além de prevenir ainda mais o acontecimento de crimes mais graves. Pautado no Direito Penal, no trabalho foi realizada uma análise introdutória, apresentando como anteriormente eram punidas essas ações, e como está atualmente a situação, sendo também apontada a grande relevância do novo tipo penal, pois a alteração ajudou a conscientizar a população e diminuir os casos ocorridos. O trabalho foi realizado pautando-se na revisão de literatura baseada em pesquisas bibliográficas, por meio de pesquisas em sites, doutrinas, artigos e legislações, analisando o entendimento e as consequências sobre a temática, os objetivos, resultados e sua conclusão.
Palavras-chave: Stalking. Código Penal. Perseguição. Tipificação. Proteção.
ABSTRACT: This article was created with the purpose of analyzing the typification of the crime of repeated persecution, better known as stalking. The new criminal type is recent in the legal environment and was incorporated into the Penal Code through Law No. penalties. Through the work, the importance of typification was verified to increase the protection of privacy and intimacy rights, in addition to preventing even more the occurrence of more serious crimes. Based on Criminal Law, in the work an introductory analysis was carried out, presenting how these actions were previously punished, and how the situation is currently, being also pointed out the great relevance of the new criminal type, since the change helped to raise awareness of the population and reduce the cases occurred. The work was developed using a literature review based on bibliographic research, through research on websites, doctrines, articles and legislation, analyzing the understanding and consequences on the subject, the objectives, results and its conclusion.
Keywords: Inquiry. Addictions. Basic principles.
1 INTRODUÇÃO
O presente estudo tem como foco tratar dos elementos positivos da tipificação do crime de stalking, que é uma novidade no meio jurídico e tem potencial para abranger a proteção da sociedade de casos de perseguição, tanto fisicamente quanto virtualmente, bem como trouxe penalidade mais rígida para os indivíduos que cometerem o ilícito.
Sabe-se que a sociedade contemporânea passa por muitas mudanças, vez que as novidades são diariamente atualizadas, em um ritmo quase que desenfreado, causando, assim, a necessidade de acompanhá-las. Na era digital, cada dia mais as pessoas são adeptas às redes sociais, compartilhando sua rotina diária, os passeios que fazem, onde trabalham, entre outras coisas, que resumidamente, fazem com que qualquer pessoa que te “siga” nas redes, saiba onde se encontra e exatamente o que está fazendo naquele momento. Assim, apesar da utilização da tecnologia trazer inúmeros benefícios, ela também pode ser muito perigosa, em razão da exposição da vida privada.
É nesse contexto que ficam mais perigosos os riscos de perseguição. Se antes já existiam muitos casos em que indivíduos perseguiam outras pessoas, descobrindo meios de terem conhecimento do que a vítima estava fazendo ou onde se encontrava, atualmente tudo ficou mais facilitado para eles.
Com isso, surge a recente Lei nº 14.132/2021, que criminaliza o stalking, tipificando o tema através do artigo 147-A no Código Penal, alterando o Código e revogando o artigo 65 da Lei de Contravenções Penais (nº 3.688/1941). O surgimento do novo tipo penal é uma grande conquista jurídica, vez que, ao sair das contravenções, o crime ganha penalidade mais rígida, além de criar um grande debate na sociedade, gerando maior conscientização popular sobre os direitos e os riscos que devem estar sempre atentos.
O artigo buscou abordar de uma forma geral o contexto histórico do surgimento do stalking, mencionando os primeiros ocorridos do mundo e do país, como os casos da atriz norte-americana Rebecca Schaeffer e a apresentadora brasileira Ana Hickmann, e como foram importantes para a tipificação do tipo penal no Brasil.
Ainda, será apresentado a mudança desse crime através do tempo e os aspectos positivos que foi trazido com a tipificação do stalking, bem como a proteção constitucional do direito de privacidade e liberdade, que podem acabar se perdendo no meio da era digital, que possui vício de compartilhar sua vida intima a todo o momento.
O artigo foi elaborado com base na revisão de literatura baseada em procuras bibliográficas, sites, doutrinas, jurisprudências, artigos e legislações.
2 STALKING: DEFINIÇÃO E SUAS PARTICULARIDADES JURÍDICAS
2.1 Conceito e contexto histórico do stalking
A palavra stalking se origina do verbo to stalk, que signica a 'perseguir incessantemente'. No contexto de caça, acontece quando o predador persegue a presa de forma contínua, podendo, assim, assimilar que os stalkers (perseguidores) perseguem insistentemente outro indivíduo, seguindo-a, procurando conseguir informações sobre ele e tentando controlar sua vida, o que causa severos danos psicológicos.
O stalking é visto como um comportamento que possui como característica padrão a persistência de assédio direcionado a uma pessoa e que ocorre por meio de formas variadas de comunicação, vigilância, contato constante, monitoramento, dentre outros, se revelando, portanto, como uma forma de violência relacional (REIS; PARENTE, 2020).
O primeiro caso conhecido sobre o stalking surgiu nos Estados Unidos após o assassinato da atriz Rebecca Schaeffer, na Califórnia, no ano de 1989, o que culminou com a edição de leis anti-stalking em diversos estados norte-americanos e no mundo.
Rebecca foi assassinada por um fã, que era obcecado por ela, e foi motivado pela atriz ter realizado uma cena erótica em um de seus trabalhos, que fez o fã sentir-se traído, e, diante da “traição” que sentiu, o indivíduo encontrou o endereço da vítima, indo até sua casa e praticando o crime. É importante mencionar que Schaeffer já havia feito queixas sobre a perseguição que sofria, mas nada foi feito de relevante que pudesse ajudá-la.
Entretanto, com o assassinato da atriz, muitos outros casos começaram a ser denunciados para a polícia, e a partir de então, em 1990, a Califórnia promulgou a primeira Lei antistalking nos Estados Unidos, criando então o crime de stalking. Nesta lei, é proibida a perseguição repetitiva ou o assédio à outra pessoa e que a faça ter medo de ser lesionada fisicamente. Referida lei (California’s Antistalking Statute) registra que, na época, apesar de celebridades ganharem toda a atenção necessária por serem famosas, apenas 17% dos casos de stalkers eram realizados contra famosos. Na década de 90, cerca de 200.000 pessoas, a maioria se tratavam de vítimas do sexo feminino.
Apesar dos Estados Unidos terem sido os primeiros a criar uma lei contra os stalkers, rapidamente diferentes partes do mundo começaram a adotar o stalking como crime. Estima-se que, nos Estados Unidos, cerca de 1 milhão de mulheres e 400 mil homens tenham sido vítimas de stalking em 2002. Na Inglaterra, a cada ano, 600 mil homens e 250 mil mulheres são perseguidos. Em Viena, Áustria, desde 1996, existem informes da ocorrência de 40 mil casos; em 2004, em um grupo de mil mulheres entrevistadas por telefone, pelo menos uma em cada quatro foi molestada dessa forma. (JESUS, 2008).
No Brasil, há alguns exemplos que tomaram fama e contribuíram para a tipificação dos atos de perseguição reiterada como crime, como o primeiro caso investigado de “stalking” ocorrido em São Paulo, no ano de 2013, em que uma adolescente de 13 anos foi perseguida por um jovem de 18 anos.
O caso se trata de dois jovens paulistanos que eram vizinhos em um prédio no litoral do estado de São Paulo. O rapaz se encantou pela garota, mas ela sempre negou qualquer tipo de envolvimento com ele. Mesmo assim, o jovem passou a persegui-la, enviando mensagens ameaçadoras nas redes sociais com o intuito de coagi-la a permitir uma aproximação, e também seguindo ela na rua e aparecendo nos locais que frequenta.
No início da perseguição, a família da garota processou o rapaz por ameaça e ficou estabelecido que ele deveria pagar uma multa de R$ 2.000 caso voltasse a procurá-la. Entretanto, as ameaças não cessaram, tendo o indivíduo criado perfis fakes no Instagram para ameaçá-la, com dizeres como "Vou te matar retalhada" e "vou expor suas vísceras".
Somente após 5 anos, em 2018, conseguiu-se que o caso fosse julgado como violência doméstica, proferindo medida protetiva em favor da vítima para que o rapaz não pudesse se aproximar da jovem, garantindo então a cessação das ameaças. Conforme publicado na revista digital “Universo Uol”, a advogada Ana Carolina Moreira Santos diz que nunca havia encontrado precedentes entre eles, e narrou que o homem acreditava que existia algum tipo de relação com a vítima, por isso, o julgamento tomou proveito sobre base à Lei 11.340/06.
Outro caso muito famoso no Brasil foi o da apresentadora Ana Hickmann, que em 2016 sofreu uma tentativa de assassinato. O agressor, Rodrigo Augusto de Pádua, possuía uma forte obsessão sexual pela modelo, tendo criado um perfil no Instagram com fotos da ex-modelo, onde postava vários textos para ela expondo seus desejos sexuais, bem como mantinha no Twitter várias contas onde fazia postagens marcando o perfil de Ana.
Dessa forma, Rodrigo provavelmente acreditava que atrairia a atenção de Ana, mas como não obteve êxito, sua idolatria se transformou em ódio e Pádua passou a seguir Hickmann, acompanhando sua agenda, quando descobriu que ela estaria próxima de sua cidade. Assim, se hospedou no mesmo hotel em que a apresentadora estava, e usava o aplicativo Snapchat para ter informações de onde a modelo estava. Ao descobrir que a apresentadora se encontrava em companhia de um casal, fez os 3 de reféns, e ao conseguir, ofendeu a vítima principal, Ana Hickmann.
Já no ano de 2022, mais precisamente em fevereiro, a atriz Paolla Oliveira foi vítima de stalking causado por um jovem de origem portuguesa que conseguiu adentrar em seu condomínio, no Rio de Janeiro, ameaçando e xingando a atriz e seu namorado, Diogo Nogueira. O instigante nesse caso é que o indivíduo havia feito um comentário em publicação em rede social da atriz semanas antes que era um fã de Portugal e que viria ao Brasil com o intuito de conhecê-la, além de ter sido relatado por Paolla Oliveira que o fã vinha perseguindo ela há pelo menos 3 meses, enviando mensagens em suas redes sociais.
2. 2 Particularidades jurídicas sobre o crime
A Lei nº 14.132/2021, que foi publicada no dia 31 de março de 2021, foi responsável por tipificar o crime conhecido como stalking através do artigo 147-A do Código Penal, além de revogar o artigo 65, da Lei de Contravenções Penais. A novidade jurídica entrou em vigor no dia após sua publicação, ou seja, dia 01 de abril de 2021, introduzindo no Capítulo VI da Parte Especial do Código Penal o crime de perseguição.
Assim, ficou disposto no Código Penal, através do mencionado artigo, o seguinte: “Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade.”.
O novo tipo penal impôs a pena de reclusão de seis meses a dois anos, além de multa. Anteriormente, quando era disposto na LCP, o stalking era tido como a perturbação da tranquilidade alheia, com penalidade de prisão de quinze dias a dois meses, além de multa.
A palavra stalking é utilizada num contexto de forma violenta de um indivíduo invadir o ciclo de vida privada da vítima, agindo de modo que restrinja sua liberdade e ataque sua privacidade. Em muitos casos, essa perseguição é contínua e duradoura, o que causa muitas consequências psicológicas e emocionais por quem é submetida a isso.
No mesmo sentido foi dito por Greco (2013, p. 501):
[...] quando estamos perturbados psicologicamente em razão de uma ameaça sofrida, consequentemente ficamos limitados em nossa liberdade de locomoção. O receio de que a promessa do mal seja efetivamente cumprida impede, ou pelo menos restringe, nossa liberdade física [...].
Ainda, também exposto por Amiky (2014, não paginado):
Se a pessoa é protegida como um todo, na sua integridade psíquico-física, e se para se desenvolver a ter uma vida digna, como almeja o ordenamento jurídico brasileiro, a pessoa precisa de saúde tanto física como psíquica, tem-se que o stalking atinge a pessoa humana no seu âmago, pois os danos causados são de tamanha gravidade que impedem o próprio desenvolvimento da personalidade, já que nenhum ser humano pode se desenvolver livre, plena e dignamente sob o jugo de outro.
Nesse contexto, é válido pontuar que o stalking pode ser praticado de várias formas, por meio de perseguição nas ruas, seguindo a vítima por caminhos que faz diariamente, ou então por envio de mensagens por e-mail, correios, redes sociais, cartas, ligações telefônicas, ou até publicações na internet que mencione a vítima, entre muitas outras estratégias. Quando o crime for cometido por meio da internet, temos o chamado cyberstalking, que cresce assiduamente na realidade em que vivemos.
Um cyberstalker poderá até mesmo criar contas falsas para alcançar seu objetivo, desta forma, cada vez que fosse bloqueada pela vítima, pudesse continuar a ameaçá-la usando outra conta, número ou dispositivo virtual. A maioria dos casos de cyberstalking se dá por meio de inúmeras contas que um só autor do crime faz, todas essas contas com o mesmo objetivo: perseguir e ameaçar sua vítima.
Assim, as redes sociais propulsionam a ação dos criminosos, conforme Castro dispõe (2017, p. 13): “O cyberstalking, por sua vez, tornou-se relevante no cenário mundial com a popularização da tecnologia e por sua adoção generalizada nos mais diversos segmentos da vida dos cidadãos, seja em casa, no lazer, no trabalho ou demais núcleos de pertencimento.”
Para a caracterização do crime, tem-se necessários algumas observações: um elemento compositor da ação do delinquente é a obsessão, isto é, a ideia fixa por alguma coisa ou alguém. O perseguidor, portanto, por uma série de motivações, mantém um grande interesse pela vítima; outro elemento é a repetição, que diz respeito à forma pela qual o stalking se manifesta; e por fim, o último elemento importante é o dano, que assume diversas acepções, a depender da legislação anti-stalking analisada. Nesse sentido, em alguns países significará violência física, em outros uma ameaça, mas, o comum, é que seja interpretado como um dano psicológico que tem por principal sintoma o medo.
Assim, a conduta é punida quando o agente persegue alguém, reiteradamente e por qualquer meio, de forma que ameace a integridade física ou psicológica, além de restringir a capacidade de locomoção, ou, em qualquer forma, invada ou perturbe a liberdade ou privacidade da vítima. A palavra “reiteradamente” não deixa dúvidas que para consumar o crime deve existir certa habitualidade, mesmo que não seja pelo mesmo meio de execução. Além do mais, é um crime em que sua pena pode ser majorada pela metade caso a vítima for criança, adolescente, idoso ou, ainda, uma mulher perseguida apenas pelo simples fato de ser do sexo feminino.
Essa majoração é muito importante, na medida em que, apesar de existir diversas motivações para praticar o crime, na maioria dos casos são situações afetivas, referente a relacionamentos amorosos, onde o homem acaba não aceitando o fim da relação e passa a perseguir sua ex-companheira.
3 DIREITOS CONSTITUCIONAIS À PRIVACIDADE
Em 1988, foi promulgada a Constituição Federal do Brasil, que inseriu a dignidade humana como um de seus fundamentos principais, disposto no artigo 1º, inciso III, demonstrando um avanço significante na promoção de proteção dos direitos fundamentais de um indivíduo.
Nesse contexto, Moraes (2009) compreende que os direitos humanos constroem um conjunto de direitos e garantias, que têm o intuito de proteger o indivíduo contra o Estado, fornecendo as condições mínimas de subsistência e de desenvolvimento da personalidade, além de assegurar o respeito à sua dignidade.
Com o advindo dos direitos fundamentais, foi reconhecido também as demais garantias, e, assim, o artigo 5º da Constituição dispôs, entre alguns deles, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança, à propriedade, à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas, objetivando sempre proteger o indivíduo de qualquer ofensa praticada pela sociedade.
Assim, o direito à liberdade e privacidade se encaixam bem no estudo realizado, vez que a perseguição reiterada afeta diretamente essas garantias. São dois direitos que necessitam de reconhecimento, ainda mais na sociedade contemporânea, onde se mostram vulneráveis na era das tecnologias digitais.
A privacidade nos sites de redes sociais pode ser prejudicada por vários fatores, já que além dos usuários divulgarem informações pessoais diariamente, os próprios sites podem, eventualmente, acabar não protegendo a privacidade de seus usuários, como nos casos que ocorre o “vazamento” de informações sigilosas de vários indivíduos.
Segundo Bittar (2014), os artifícios tecnológicos, que se afirmam cada vez mais necessários e indispensáveis na vida da sociedade, podem permitir uma certa exposição a riscos, na forma em que há a possibilidade de suas informações íntimas serem facilmente escancaradas e utilizadas de modo indevido.
E é exatamente nesse contexto que a vida íntima da sociedade está frequentemente mais exposta, mesmo que não seja, consequentemente, uma escolha automática que permita a utilização das informações “postadas” para prática de fins ilícitos. Desse modo, mesmo que uma pessoa escolha publicar informações e imagens, esse fato não é uma eliminação de seu direito de privacidade.
Ante o exposto, resta claro que o crime de stalking atinge a integridade física e mental das vítimas, bem como sua privacidade e liberdade, ferindo, assim, sua dignidade humana, que é um dos fundamentos inseridos na nossa Carta Magna.
Amiky discorre sobre o tema (2014, não paginado):
Se a pessoa é protegida como um todo, na sua integridade psíquico-física, e se para se desenvolver a ter uma vida digna, como almeja o ordenamento jurídico brasileiro, a pessoa precisa de saúde tanto física como psíquica, tem-se que o stalking atinge a pessoa humana no seu âmago, pois os danos causados são de tamanha gravidade que impedem o próprio desenvolvimento da personalidade, já que nenhum ser humano pode se desenvolver livre, plena e dignamente sob o jugo de outro.
Sendo assim, a tipificação da perseguição reiterada, mais conhecida como crime de stalking, além de ser um objeto criado para prevenção da ação delituosa, também se torna um aparato essencial para a garantia de aplicação do direito à privacidade e intimidade da pessoa, que, consequentemente, reitera a importância da proteção da dignidade humana.
4 A INCIDÊNCIA DO CRIME DE STALKING EM VÍTIMAS DO SEXO FEMININO E A PROTEÇÃO DELAS ATRAVÉS DE MEDIDAS PROTETIVAS
Analisando o cenário criminal brasileiro, não é de se espantar ao ter como dado que a maioria das vítimas dos crimes de stalking são do sexo feminino. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2022, somente em 2021 o Brasil contabilizou mais de 27,7 mil ocorrências de stalking contra mulheres. A análise aconteceu pela primeira vez, entretanto, foi possível constatar que os dados apresentados já demonstram que o problema está presente na sociedade brasileira de forma grandiosa. Além disso, o que se espera é que os números aumentem, vez que a sociedade jurídica ainda está em processo de se adaptar à nova realidade que o novo tipo penal inseriu a eles.
A prática do novo tipo penal pode ser motivada por diversos fatores, sendo que no país machista e patriarcado que vivemos, em muitos casos a motivação se dá por mágoas de término de relacionamento, sentimento de rejeição e desejo de posse de alguém que não é seu. Com base nisso, resta claro que uma ação pode começar no stalking, mas muitas vezes termina em um crime de feminicídio.
O entendimento que se tem acerca do stalking é que esta é uma prática normalmente realizada por ex-parceiros das vítimas, sendo que o desenvolvimento para crimes mais graves se dá pelo fato desses stalkers conhecerem a rotina da vítima. A naturalização com que o homem vê essa situação de obsessão e sentimento de posse tem origem no seu próprio ego e nas justificativas infundamentadas de que são eles os dominantes.
Trindade (2008, não paginado) observa que:
[...] devido à psicodinâmica subjacente, notadamente com muitos significados regressivos, o stalking associado à ruptura de um relacionamento apresenta maior gravidade e risco de lesão corporal e de homicídio conjugal, inclusive porque a relação pré-existente entre agressor e vítima deixa-a mais vulnerável devido ao conhecimento de seus hábitos, de suas dificuldades e limitações.
Conforme pesquisa realizada pelo Stalking Resource Center, “76% das vítimas do crime de feminicídio foram perseguidas e tiveram sua tranquilidade violada por terceiros, como também 54% das vítimas reportaram a entidade policial que estava sendo stalkeadas antes de serem assassinadas por seus perseguidores”. (SERRA, 2021; REIS, 2021)
Conforme matéria feita pelo jornal O Globo, alguns dados das secretarias de segurança do Distrito Federal, bem como dos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Rio Grande do Sul (algumas das regiões mais populosas do país) demonstram como a prática é disseminada.
Em Brasília, a média de casos averbados é de mais de três por dia. É reportado que 85% das vítimas são mulheres e 56% dos casos também foram enquadrados na Lei Maria da Penha. Em 8% das vezes, comete-se o crime através da internet. Entre o período de 1º de abril e 9 de junho, foram 242 ocorrências registradas no DF. Em São Paulo, 686 queixas só em abril. Já entre o discurso de abril e setembro, foram 2.633 denúncias registradas no Rio Grande do Sul e 2.113 no Paraná.
Como forma de proteção às mulheres, a criação da Lei nº 11.340/0, mais conhecida como Lei Maria da Penha, foi responsável por trazer medidas protetivas que visam coibir a prática de violência doméstica e familiar, com o intuito de assegurar que toda mulher, independentemente de classe, etnia, orientação sexual, cultura, idade ou religião, tenha direito a uma vida sem violência, com a preservação de sua integridade física, mental e patrimonial. É previsto dois tipos de ações: aquelas que obrigam o agressor, como condutas que impedem sua aproximação da vítima; e aquelas que protegem a ofendida, que abrangem condutas aplicadas diretamente à vítima e sua proteção patrimonial.
Dentre as medidas, destacam-se as mais habituais, quais sejam: proibição de aproximação da vítima e de seus familiares, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; proibição de contato com a vítima, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; proibição de frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; entre muitas outras, a depender de cada caso.
As medidas protetivas funcionam como uma proteção legal à mulher, e são concedidas quando há o requerimento delas, onde é determinado condutas que visem à segurança da vítima. Após o pedido, o procedimento será analisado pelo juiz, sendo que a partir da solicitação, elas podem ser concedidas de imediato, de forma isolada ou cumulada com outras, bem como modificadas ou substituídas quando se mostrarem ineficazes ou insuficientes. Ainda, uma de suas grandes importâncias se dá na possibilidade de decretar a prisão preventiva do agressor, em qualquer momento do inquérito policial ou da instrução criminal, como por exemplo, em caso de descumprimento das medidas impostas em favor da vítima.
No âmbito do tema estudado, tem-se que a legislação brasileira, antes da tipificação do stalking, não acompanhava a diversidade das relações humanas e não conseguia solucionar certas questões. Assim é, vez que ver a perseguição reiterada apenas como contravenção penal de perturbação da tranquilidade não era o suficiente, já que o stalking ultrapassa a esfera psicológica ou moral, incidindo também o ambiente do trabalho/familiar, gerando até importunação ofensiva ao pudor, constrangimentos ilegais, ameaças e lesões corporais.
Isto não significa que atitudes de perseguição não eram punidas, já que através de jurisprudências era possível encontrar menções do stalking, como no HC 359.050/SC, julgado pelo STJ, onde foi retratado um caso de violência doméstica onde a vítima era perseguida por razão ao término do relacionamento amoroso com o autor, a seguir transcrito:
As condutas do paciente, consistentes em incessante perseguição e vigília; de busca por contatos pessoais; de direcionamento de palavras depreciativas e opressivas; de limitação do direito de ir e vir; de atitudes ameaçadoras e causadoras dos mais diversos constrangimentos à vítima, aptos a causarem intensa sensação de insegurança e intranquilidade, representam o que é conhecido na psicologia como stalking, o que confirma a instabilidade dos traços emocionais e comportamentais do paciente, aptos a justificar a elevação da basal, inexistindo teratologia ou ilegalidade a ser reparada. 7. Habeas corpus denegado. (HC 359.050/SC, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 30/03/2017, DJe 20/04/2017)
Após 2021, com a criação do artigo 147-A, além de dar maior visibilidade para os casos de stalkers e conscientizar a população sobre o tema, a tipificação trouxe maior penalidade para os autores, bem como autorizou que as vítimas pudessem se valer das medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha, com o intuito de sanar e obstar que o perseguidor continue o constrangimento e a invasão da privacidade. Conforme já dito, essas medidas são cautelares e se destinam a proteção da mulher, incidindo as suas relações íntimas, com a convivência entre vítima e agressor.
Entretanto, através da Resolução Conjunta nº 05/2020 CNJ/CNMP, ocorreu mais um grande avanço para a proteção das vítimas desse crime, vez que instauraram o Formulário Nacional de Avaliação de Risco, que demonstra às autoridades o prenúncio de feminicídio, o que ocasionou na possibilidade de ser requerido medidas protetivas nos casos de stalking, mesmo quando não praticados em ambiente doméstico, e desconhecido o perseguidor.
Sendo assim, apesar de certo atraso para criminalizar o stalking, atualmente a legislação brasileira luta para combater os males desse crime e se encontra dotada de medidas capazes de conter o stalker em seu objetivo persecutório, qual seja na penalidade mais severa, ou então através do instrumento da prisão preventiva para os casos de persistência, quando há o descumprimento da ordem judicial protetiva.
5 CONCLUSÃO
Em conclusão, o presente artigo apresentou o contexto em que o artigo 147-A foi inserido no Código Penal, revogando o artigo 65 da Lei nº 3.688/1941, mais conhecida como Lei das Contravenções Penais, o que gerou uma agravante da penalidade e, de certa forma, um debate maior sobre o tema.
Foi abordado sobre o contexto histórico em que o stalking foi criado, nos Estados Unidos, após uma atriz ter sido vítima de um perseguidor, sem assistência nenhuma da legislação que pudesse protegê-la. Após a criminalização na América do Norte, vários países seguiram seu passo e passaram a punir os agentes desse crime, como no Brasil, mesmo que de forma tardia.
O estudo destacou que a perseguição reiterada atinge diretamente os direitos fundamentais garantidos pela Constituição Federal de 1988, qual seja, a privacidade e a intimidade. Os chamados stalkers privam as vítimas de poderem viver suas vidas de forma liberta, fazendo com que sintam constante receio e medo, o que acarreta num prejuízo de sua saúde, não só física, como mental.
Dessa forma, a criminalização do stalking no país se mostrou um assunto de grande importância, pois aborda a ocorrência de uma conduta reiterada e extremamente grave, que em razão do avanço tecnológico e grande adesão às redes sociais, tem ganhado força, o que coloca a sociedade em estado de vulnerabilidade.
Após a abordagem introdutória do tema, demonstrando sua fundamentação penal e constitucional, foi reiterada a importância e o impacto que o novo tipo penal causou no meio jurídico, já que nesse momento, após gerar uma penalidade mais grave, o legislador, consequentemente, garantiu maior efetividade da prevenção de crimes mais preocupantes, principalmente contra as mulheres, vez que o sexo feminino é maioria entre as vítimas de stalking, segundo apontado pelas pesquisas apresentadas neste estudo, onde o stalking começa como um meio para a prática do delito fim, sendo este em muitos casos o feminicídio.
Ademais, foi debatido a importância que as medidas protetivas, criadas pela Lei Maria da Penha, tem na proteção das vítimas de stalking, deferindo algumas ações que visam barrar a empreitada criminosa do agente e impedir que a perseguição acabe com a integridade física e mental de quem sofre com esse crime.
Por fim, o estudo objetivou constatar que a tipificação é só o ponto inicial para uma luta de prevenção contra crimes mais graves praticados contra as mulheres, bem como de garantia do direito de privacidade intimidade, de modo que restou importante salientar que mesmo que os indivíduos compartilhem sua vida privada nas redes sociais, tal fato não se torna uma autorização de utilização de tais informações para a prática de atitudes ilícitas.
REFERÊNCIAS
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Acesso em: 20 jul. 2022.
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Graduanda em Direito, Centro Universitário de Santa Fé do Sul – SP, UNIFUNEC
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BUGNI, Isabela Henriques. O impacto positivo na prevenção do stalking após a tipificação do tema pelo artigo 147-a do Código Penal Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 set 2023, 04:20. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/62938/o-impacto-positivo-na-preveno-do-stalking-aps-a-tipificao-do-tema-pelo-artigo-147-a-do-cdigo-penal. Acesso em: 26 dez 2024.
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