ANA MARIA ORTEGA ALONSO
(orientadora)
RESUMO: Em todo o mundo milhares de mulheres já sofreram a violência obstétrica, transformando um dos momentos de maior fragilidade de sua vida em seu maior trauma. A violência obstétrica pode ser entendida como práticas e condutas que desrespeitam, agridem e machucam de forma emocional, psíquica e física a mulher na hora da gestação, parto, ou, pós-parto. Quando atos agressivos são praticados contra mulheres na hora do parto, produzem consequências física e psicológicas, referem-se a violência obstétrica e ao abuso da mulher, e nesses casos estão diretamente ligados a sua vulnerabilidade. O presente TCC busca examinar o motivo pelo qual a sua notoriedade é importe e vem acontecendo no país, analisar como a violência obstétrica está sendo julgada e pelos tribunais, e sobretudo, observar a forma com que o tema vem sendo reconhecido pelos magistrados, verificando a incidência da responsabilidade administrativa, civil, e penal dos casos. A pesquisa trará fatos históricos sobre o tema, leis importantes e relevantes, notícias e fatos atuais que ocorreram no país, para tanto, utilizou-se doutrinas e posicionamentos jurisprudenciais, com o intuito de identificar a natureza das punições da violência obstétrica. Conclui-se então, que o tema é de grande relevância e trará diversos pontos de discussão.
Palavras-chave: Violência Obstétrica. Nascimento. Incidência da Responsabilidade.
ABSTRACT: Thousands of women around the world have already suffered obstetric violence, having had the most fragile moment of their lives, transformed into their greatest trauma. Obstetric violence is the practice of conduct and practices that disrespect, attack and physically hurt women during pregnancy, childbirth, or postpartum. When aggressive acts are caused to women at the time of childbirth, such acts produce physical and psychological consequences, refer to obstetric violence and abuse of women, and in these cases are directly linked to their vulnerability. This article seeks to examine the reason why its notoriety is important and has been happening in the country, to analyze how obstetric violence is being judged and by the courts, and, above all, to observe the way in which the subject has been recognized by the magistrates, verifying the incidence of administrative, civil, and criminal liability in the cases. The research will bring historical facts on the subject, important and relevant laws, news and current facts that occurred in the country, for that, doctrines and jurisprudential positions were used, in order to identify the nature of the punishments of obstetric violence. It is concluded, then, that the topic is of great relevance and will bring several points of discussion.
Keywords: Obstetric Violence. Birth. Incidence of Liability.
1 INTRODUÇÃO
Ao discutir a violência obstétrica, fala-se diretamente dos princípios fundamentais da pessoa humana destinados a mulher. Importante frisar, que a violência obstétrica é uma violência de gênero, pois só pode ser sofrida por mulheres, ocorrendo ainda, em um dos momentos de maior fragilidade em suas vidas, podendo ser sofrida antes da gravidez, durante a parte, ou, logo após o parto.
A violência ocorre no ambiente hospitalar, cometida pelos profissionais da saúde, sendo, médicos, enfermeiros, técnicos hospitalares, psicólogo, fisioterapeuta, ou seja, qualquer profissional que atenta a mulher em estado de vulnerabilidade, fragilidade. Pode ocorrer em instituições públicas ou particulares, onde as parturientes são atendidas, e fora do ambiente hospitalar. Muito dessa violência se dá, pela falta de informações e consentimento da gestante quanto a realização de procedimentos e, ainda a ausência de apoio emocional durante todo acompanhamento da gestação, o que sujeita ainda mais a gestante ou parturiente a todo tipo de abuso.
A hora do parto sempre foi um momento de grande importância e marcante na vida de uma mulher. No entanto, os dados apresentados recentemente, demonstram que este momento tem se tornado assustador. Segundo a pesquisa nacional de saúde pública no Brasil, e a Fiocruz, a cada quatro mulheres no país relatam que sofreram algum tipo de violência obstétrica durante o parto, ou, logo após (Fundação Oswaldo Cruz, 2014).
A violência obstétrica pode ocorrer de forma psicológica, física, e até mesmo sexual. No que tange a violência psicológica, são ameaças, tratamentos que ultrapassam a hostilidades, fazendo as palavras se tornarem agressões verbais, podendo muitas vezes serem injúrias, que fazem a mulher se sentir amedrontada, desrespeitada e hostilizada por quem pratica a violência.
O abuso físico apresenta-se na forma de ações que culminam com práticas que causam dor a mais do que é necessário na mulher: seja na hora do exame de toque, que é feito via vaginal para a verificação da dilatação; seja no reparo do parto, ao ser locomovida e colocada na sala adequada e posição correta; quando deveria ser administrado o anestésico, já que muitas mulheres não são anestesiadas corretamente na hora do parto, experimentando um sofrimento além do necessário. Além desses, quando o parto acontece, muitas vezes este é realizado com violência por parte do médico, gerando lesões a vítima, através da realização de incisões mais profundas e extensas do que o necessário, usando técnicas que não são recomendadas nem eficazes, que supostamente facilitariam o parto. Ainda há relatos de corpos de mulheres suturados de maneira desleixada, sendo encontrados em seus corpos uma infinidade de objetos estranhos, muitas vezes somente descobertos na necropsia.
A violência obstétrica pode ser sexual também, nos casos em que a mulher é abusada, tendo o seu corpo violentado, tocado, estimulado, sem a sua permissão.
É óbvio que esses fatos são crimes, e causam sequelas físicas e emocionais eternas nas vítimas, por esse motivo, é de suma importância darmos destaque ao tema, analisar casos concretos e entender ao certo a gravidade do que centenas de mulheres passam no Brasil.
2 ASPECTOS RELEVANTES SOBRE O PARTO
O parto até meados do século XX eram realizados apenas com a ajuda de uma mulher de confiança da grávida, que era chamada de parteira, apenas a elite da sociedade tinha dinheiro para realizar seu parto em hospitais, além do mais, a medicina não era avançada e tecnológica como é hoje, e assim as mulheres pariam em casa, de forma natural, com apenas alguns panos embebidos em água quente, como bem descreve Mônica Barra Maia em seu livro Humanização do Parto.
A autora acima mencionada explica que (2010, p. 30):
O parto, um ritual das mulheres, não era considerado um ato médico, e ficava a cargo das parteiras. Quando havia complicações ou dificuldades no parto, os cirurgiões- barbeiros também denominados cirurgiões parteiros, eram chamados a intervir. Essas intervenções eram quase sempre tão ineficazes quanto às das pateiras, e normalmente o papel dos parteiros era retirar um feto vivo de sua mãe morta.
Ocorre que, com o avanço da medicina, e o interesse médico em desenvolver e trazer avanços para as técnicas utilizadas no momento do parto, hoje temos um cenário totalmente diferente. Desde o início da gestação, as gestantes podem e devem ser orientadas, por meio do pré-natal, que é uma rotina médica de cuidados com a gestante e com o concepto.
A especialização em medicina obstétrica teve origem no século XIX, e os profissionais especializados nessa área passaram a realizar campanhas com a finalidade de transformar o parto algo hospitalar e cirúrgico, tornando o parto um evento diretamente ligado a obstetrícia hospitalar.
É fato e de conhecimento geral que atualmente a institucionalidade do parto no Brasil é algo bem estabelecido e bem-sucedido, visto que, o atendimento a parturiente e ao bebê é predominante hospitalar, sendo inclusive uma obrigação do Sistema Único de Saúde, prestar todo apoio de cuidado que a mãe e o nascituro necessitarem, do pré-natal, até a recuperação da mãe no pós-parto. Dessa forma, a presença de uma instituição de saúde, seja ela pública ou privada, de uma equipe médica e de enfermeiros, tornou-se algo imprescindível, não só na hora do parto, mas antes e após também.
3 DIREITOS FUNDAMENTAIS DAS MULHERES CORRELACIONADOS A VILÊNCIA OBSTÉTRICA
Os direitos fundamentais, de modo geral, são definidos como um conjunto de direitos que são inerentes à pessoa humana, sendo essenciais para se ter uma vida digna. É também obrigação direta do Estado os garantir, sendo cláusula pétrea de nossa Constituição Federal.
Um dos marcos importantes para que os direitos femininos se tornassem constitucionais, foi a Convenção Interamericana de 1994, que ocorreu em Belém do Para, teve como objetivo em seus artigos 4° e 10°, prevenir, punir, e erradicar a violência contra a mulher, “o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar nos assuntos públicos, incluindo a tomada de decisões”.
A Constituição Federal de 1988 deixa claro que todos são iguais perante a lei (art. 5°, “caput“), sendo assim, expressamente diz que não há distinção entre homens e mulheres. O princípio de igualdade da Constituição Brasileira é tratar os iguais como iguais, e os desiguais como desiguais, nos limites das suas desigualdades.
A Carta Magna traz em seu texto no artigo 5°, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.
Ainda, a ONU (Organização das Nações Unidas) na Conferência Mundial Sobre as Mulheres em 1995, disse que:
Os direitos das mulheres são direitos à vida, direito à liberdade e a segurança pessoal, direito à igualdade e a estar livre de todas as formas de discriminação, direito à liberdade de pensamento, direito à informação e a educação, direito à privacidade, direito à saúde e a proteção desta, direito a construir relacionamento conjugal e a planejar sua família, direito a decidir ter ou não ter filhos e quando tê-los, direito aos benefícios do progresso científico, direito à liberdade de reunião e participação política, direito a não ser submetida a torturas e maltrato.
Importante frisar, que os direitos das mulheres durante toda a gestação são de grande importância para sociedade, pois, estão ligados diretamente a forma que a mulher é tratada, em todas as áreas de sua vida, familiar, profissional, religiosa etc. A violência contra o gênero feminino, ocorre há séculos uma vez que a mulher nunca teve sua dignidade assegurada, muito menos seus direitos precavidos, o que ocasionou uma mazela na sociedade, e essa falha moral é algo que perpetua até hoje. Por esse motivo é de extrema importância que os direitos da gestante sejam assegurados de forma concreta por lei.
Atualmente, a Constituição, a ONU, e outras Leis, asseguram de forma genérica o direito da mulher a ter uma maternidade segura.
No que tange aos direitos sociais dispõe o artigo 6.º e 196 da Constituição Federal:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação. (BRASIL, 1988).
No Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei n° 8.069, de 13 de julho de 1990, estão expressos de forma específica os direitos da parturiente:
Art. 8 o É assegurado a todas as mulheres o acesso aos programas e às políticas de saúde da mulher e de planejamento reprodutivo e, às gestantes, nutrição adequada, atenção humanizada à gravidez, ao parto e ao puerpério e
atendimento pré-natal, perinatal e pós-natal integral no âmbito do Sistema Único de Saúde. (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)
§ 1º O atendimento pré-natal será realizado por profissionais da atenção primária.
§ 2º Os profissionais de saúde de referência da gestante garantirão sua vinculação, no último trimestre da gestação, ao estabelecimento em que será realizado o parto, garantido o direito de opção da mulher.
[...]
§ 6 o A gestante e a parturiente têm direito a 1 (um) acompanhante de sua preferência durante o período do pré-natal, do trabalho de parto e do pós parto imediato. (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)
[...]
§ 8º A gestante tem direito a acompanhamento saudável durante toda a gestação e o parto natural cuidadoso, estabelecendo-se a aplicação de cesariana e outras intervenções cirúrgicas por motivos médicos.
Nota-se que a legislação atesta que toda mulher tem direito a um tratamento digno de maternidade, tendo direito a um parto seguro, onde sua saúde e a saúde do nascituro estejam protegidas, uma vez que é dever do Estado assegurar a saúde a qualquer cidadão, todavia, não há leis que tratem especificamente sobre a violência obstétrica que ocorre com milhares de mulheres.
Apesar disso, algumas medidas permitidas por lei, amenizam este cenário. Um dos principais direitos conquistados as gestantes é o direito a ter um acompanhante, previsto na Lei Federal n° 11.108 criada em 2007, chamada Lei do Acompanhante. Além disso, o § 6 do artigo 8° do Estatuto da Criança e do Adolescente, determina que as instituições, sejam elas públicas, ou privadas, tem a obrigação de permitir que a gestante tenha um acompanhante durante todo o período do parto, sendo antes, durante e depois do nascimento do bebê, devendo esse acompanhante ser indicado pela gestante.
Outra prática que tem auxiliado de forma preventiva o combate a violência obstétrica é criação do plano de parto que se revelou como uma poderosa ferramenta para empoderar as mulheres, permitindo-lhes expressar suas preferências, desejos e necessidades em relação ao parto e aos cuidados obstétricos. Além disso, ele promove a comunicação aberta e colaborativa entre a mulher grávida, sua equipe de saúde e outros profissionais envolvidos, o que é essencial para garantir uma experiência de parto respeitosa e centrada na mulher. Importante observar que a implementação eficaz do plano de parto depende de diversos fatores, incluindo a conscientização das gestantes sobre seus direitos, o treinamento adequado dos profissionais de saúde e a criação de políticas hospitalares que promovam o respeito e a autonomia das mulheres durante o parto.
O plano de parto gera comunicação e empoderamento da gestante, respeito à autonomia da gestante; prevenção de intervenções desnecessárias; consentimento informado da gestante sobre os acontecimentos na hora do parto; redução do estresse e da ansiedade; melhor comunicação com a equipe de saúde; conscientização sobre direitos. Por esses motivos é de suma importância que todas as gestantes tenham direito a ter seu plano de parto assegurado.
O autor Carmen S.G. Diniz (2001, p. 185; 194) escreve em sua doutrina:
O direito ao acesso ao leito obstétrico para todas as parturientes está inscrito na Constituição Brasileira e na legislação do Sistema Único de Saúde, que definem saúde como direito de todos e dever do Estado. […] O direito à segurança e à integridade corporal está inscrito nos instrumentos de direitos humanos, entre os direitos relacionados à vida, à liberdade e à segurança da pessoa; os direitos relacionados ao cuidado com a saúde e aos benefícios do progresso da ciência incluindo o direito à informação e educação em saúde, e os direitos relacionados à equidade e à não- discriminação.
O renomado autor destaca a necessidade de assegurar que a mulher tenha uma gestação segura e sobretudo ter a sua integridade corporal mantida, do início ao fim da gestação. Importante ressaltar que o fato de ter alguém para acompanhar o parto da mulher é muito valioso, pois ao contar com a presença de um acompanhante, ela se sentirá segura, acolhida. Além disso, o acompanhante poderá protegê-la de eventuais situações que possam vir a acontecer, que estejam ao seu alcance.
Importante ressaltar que a violência obstétrica não está limitada apenas ao momento do parto, mas pode ocorrer em diferentes momentos durante a gravidez, o pré-natal e o pós-parto. Ela se refere a práticas desrespeitosas, abusivas ou discriminatórias que afetam a integridade física e emocional da mulher durante todo o processo de gestação.
No pré-natal a violência se manifesta através da falta de informação adequada, quando os profissionais da saúde ocultam informações imprescindíveis e dessa forma pressionam e obrigam a mulher a se submeter a procedimentos sem seu consentimento informado, desrespeitando as escolhas da gestante e privando-a de ter seu plano de parto.
No pós-parto a violência se dá pela falta de apoio emocional necessário ao ignorar suas necessidades emocionais, ao separar a mãe do nascituro sem justificação medica adequado, ou o não fornecimento dos cuidados adequados ignorando complicações medicas ou suas necessidades de saúde mental.
4 A ANÁLISE DA VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA, ORIGEM E NOTORIEDADE
A palavra violência deriva do latim violentia, que vem do prefixo vis, que quer dizer força, impulso. O termo violência possui vários conceitos, na obra “O que é violência contra mulher”, Maria Amélia Almeida Teles e Mônica de Melo (2002, p 18) assevera que:
A violência, em seu significado mais frequente, quer dizer uso da força física, psicológica ou intelectual para obrigar outra pessoa a fazer algo que não está com vontade, é constranger, é tolher a liberdade, é incomodar, é impedir a outra pessoa de manifestar seu desejo e sua vontade, sob pena de viver gravemente ameaçada ou ser mesmo ser espancada, lesionada ou morta. É um meio de coagir, de submeter outrem ao seu domínio, é uma violação dos direitos essenciais do ser humano.
Nota-se de forma clara, que a violência vem acompanhada da restrição da liberdade, da vontade. Pode-se afirmar que a violência se faz presente em todas as esferas sociais, em todos os países, porém, fato é que a violência contra a mulher, é há milhares de anos a violência mais disseminada do mundo, atingindo mulheres em todos os âmbitos de sua vida. Mulheres são estupradas quando saem em seu momento de lazer, e tem seu corpo violentado, apanham de seus maridos e esposas e tem seu corpo agredido, são assediadas em seus locais de trabalho, dentre tantas outras situações, que comprovam que a violência contra a mulher ocorre frequentemente no Brasil, e atinge milhares de vidas.
A violência obstétrica é uma violência de gênero, e devem ter leis especificas em nosso ordenamento jurídico para punir quem a prática, e, para proteger a mulher gestante. No Brasil, a violência obstétrica não é tipificada como crime o que gera impunibilidade sobre os atos criminosos que acontecem.
A episiotomia, por exemplo, é o corte realizado no canal vaginal para alargar o canal em que o nascituro passará, só pode ser realizada quando a parturiente é avisada e concede autorização, caso contrário, a mulher sofre violência obstétrica, e o médico pode ser acusado de lesão corporal. Pois, vejamos, esse procedimento traz terríveis consequências, há evidências que comprovam a ineficiência da mutilação genital, milhares delas relatam não conseguir retomar sua vida sexual, devido as dores, além das mulheres que sofrem incontinência urinária e incontinência fecal, o que pode acontecer a depender da extensão do corte feito pelo médico. Sendo assim o procedimento só pode ser realizados em casos bem indicados.
Outro exemplo de violência obstétrica que pode ser enquadrado na legislação é a omissão de socorro, artigo 135 do Código Penal, ocorre quando a mulher está em trabalho de parto ou em qualquer situação de urgência e procura por atendimento hospitalar em pronto socorro e não é atendida, nesse caso, ocorre a violência obstétrica, e a conduta do hospital é enquadrada como omissão, uma vez que a Constituição Federal Brasileira é clara quando diz que a gestante tem direito a atendimento de qualidade, principalmente em sua unidade de saúde local, onde reside. É dever do hospital socorrer a gestante em situação de urgência e realizar todos os procedimentos necessários para que o parturiente e o nascituro fiquem seguros.
Com o crescimento do número de denúncias de violência contra a mulher na hora do parto, e com a notoriedade que alguns casos vêm tendo, como por exemplo, o caso da influencer Shantal, que expôs em suas redes sociais com milhões de seguidores a violência que sofreu em seu parto, o assunto tem tido mais ampla discussão. Shantal postou em sua rede social o vídeo do parto, o que levou milhões de pessoa a ficarem chocadas com o tratamento médico que ela recebeu, com a forma que o médico a ofendeu verbalmente, falando inúmeros palavrões, e também com a agressividade que ele a tratou, definitivamente usando de violência para realizar o parto da blogueira, inclusive ao ter realizado a técnica Kristller, que consiste em pressionar a parte superior do útero para acelerar a saída do nascituro, essa técnica já banida pelo Ministério da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde, por se tratar de uma técnica extremamente agressiva e perigosa, que gera riscos e consequências para a mãe e para o nascituro.
A digital influencer registrou um boletim de ocorrência em uma delegacia na Zona Sul de São Paulo, contra o médico que realizou seu parto, o cirurgião Kalil, o acusando de ter cometido violência obstétrica. A polícia está investigando o caso, que é mantido sobre segredo de justiça. Shantal relata ter feito exame de corpo de delito, e entrado com uma queixa criminal.
Fato é que, um caso como esse tem repercussão a nível nacional, e faz milhares de outras mulheres que passaram pela mesma violência se identifiquem, ao lembrar que passou pela mesma coisa seu parto, ou por algo muito parecido.
Outro caso que chocou o país foi o caso da mulher que foi estuprada pelo anestesista na hora do parto, no dia 11 de julho. O médico foi denunciado por estupro de vulnerável, "Giovanni Quintella Bezerra, agindo de forma livre e consciente, com vontade de satisfazer a sua lascívia, praticou atos libidinosos diversos da conjunção carnal com a vítima, parturiente impossibilitada de oferecer resistência em razão da sedação anestésica ministrada”, é o que diz um trecho da denúncia. Esse médico trabalhava nessa unidade de saúde a seis meses, e só nesse meio tempo atendeu quarenta e quatro pacientes. Enfermeiras do hospital alegam que desconfiavam que o médico estava tendo essa prática em vários partos anteriores, com várias parturientes diferentes, por isso resolveram filmar o anestesista na hora do parto. Segundo o delegado que está investigando a ação penal, mais mulheres serão interrogadas, e será investigado se o anestesista fez outras vítimas (G1, 2022)
5 ORDENAMENTO JURÍDICO E A VILÊNCIA OBSTÉTRICA
Pelos motivos citados acima, a violência sofrida por mulheres na hora do parto tem sido algo cada vez mais discutido no país, e tem chamado atenção do ordenamento jurídico, fazendo com haja notoriedade sobre os crimes que estão sendo cometidos contra mulheres em uma das horas de maior vulnerabilidade em suas vidas, a hora do parto.
No entanto, a violência obstétrica não é tratada explicitamente por leis específicas, o que é uma omissão do sistema jurídico, as razões para essa omissão podem variar e incluir falta de conscientização sobre o problema, resistência de grupos de interesse, ou uma estrutura legal que não foi atualizada para abordar questões contemporâneas de cuidados de saúde obstétrica.
Fato é que medidas precisam ser tomadas para assegurar os diretos das mulheres de forma geral durante a sua gestação. Dentre essas medidas estão a sensibilização e educação sobre o tema. É de suma importância sensibilizar a sociedade, profissionais de saúde sobre a existência e os impactos da violência obstétrica. A revisão e reforma das leis existentes é indispensável, sendo necessário que sejam adaptadas as leis existentes relacionadas à saúde aos direitos das mulheres e aos direitos humanos para incluir disposições que abordem especificamente a violência obstétrica, além da criação de diretrizes e protocolos de boas práticas para profissionais de saúde que abordem a prevenção e a punição para os profissionais que cometerem a violência contra mulheres na hora do parto. Deve promover ainda, o encorajamento as vítimas de violência obstétrica a denunciar e buscar assistência legal, e que depois da denúncia haja e amparo e lhe seja assegurado que haverá quem defenda seus direitos.
Segundo Flavio Tartuce (2020, p.724): 46
A conduta humana pode ser causada por uma ação (conduta positiva) ou omissão (conduta negativa) voluntária ou por negligência, imprudência ou imperícia, modelos jurídicos que caracterizam o dolo e a culpa, respectivamente. O dolo constitui uma violação intencional do dever jurídico com o objetivo de prejudicar outrem. A culpa pode ser conceituada como o desrespeito a um dever preexistente, não havendo propriamente uma intenção de violar o dever jurídico. O nexo de causalidade ou nexo causal constitui o elemento imaterial ou virtual da responsabilidade civil, constituindo a relação de causa e efeito entre a conduta culposa – ou o risco criado –, e o dano suportado por alguém.
O dano moral está previsto no artigo 186 e seguintes do Código Civil, que assim dispõe:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
Porém, muitas vezes o ressarcimento não é suficiente, é necessário que o crime de violência obstétrica seja reconhecido pelo ordenamento jurídico, que os profissionais que venham a cometer violência obstétrica sejam condenados pelo crime que cometeram, o de violência obstétrica, não recebendo apenas condenações genéricas por danos morais ou lesão corporal.
É importante destacar que a legislação por si só pode não resolver completamente o problema da violência obstétrica. É necessária uma abordagem holística que envolva educação, conscientização, treinamento de profissionais de saúde e mudanças culturais para garantir que as gestantes recebam cuidados de saúde respeitosos e de qualidade durante o período gestacional e o parto.
6 RESPONSABILIDADE DO MÉDICO
Indubitavelmente, o médico, como qualquer cidadão, responde penalmente quando produz um dano ao seu paciente, a não ser que prove a inexistência de sua culpabilidade.
Na doutrina penal tem prevalecido a teoria subjetivista da culpa, onde o agente não quer o resultado nem assume o risco de produzi-lo, existindo, apenas, uma previsibilidade de dano.
Nesse caso, o crime é culposo quando o agente deixa de empregar a cautela, a atenção ou a diligência ordinária, ou especial, a que estava obrigado, e em face das circunstâncias não percebe o resultado que podia prever ou, prevendo o supõe levianamente que não se realizaria ou que poderia evitá-lo.
O estatuto penal refere que o crime é culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia. Em complemento, imprudente é o médico que age sem a cautela necessária. É aquele cujo ato ou conduta são caracterizados pela intempestividade, precipitação, insensatez ou inconsideração.
A negligência caracteriza-se pela inação, indolência, inércia, passividade. É a falta de observância aos deveres que as circunstâncias exigem. É um ato omissivo
Já a imperícia é a falta de observação das normas, por despreparo prático ou por insuficiência de conhecimentos técnicos. É a carência de aptidão, prática ou teórica, para o desempenho de uma tarefa técnica.
Inquestionavelmente, o Direito Penal define uma série de crimes que podem ser cometidos pelos profissionais de saúde no exercício da profissão. O caso abaixo se refere à conduta inadequada praticada pelo médico obstetra durante trabalho de parto razão pelo qual culminou com lesões ao bebê e posteriormente a sua morte (artigo 129 do código penal):
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS E INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS. ERRO MÉDICO. PARTO COM FÓRCEPS. IMPERÍCIA OBSTÉTRICA. BEBÊ COM TETRAPLEGIA. INTERNAÇÃO PERMANENTE POR 15 ANOS. ÓBITO DO MENOR. RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PRESTADORES DE SERVIÇO MÉDICO-HOSPITALAR. FIXAÇÃO DO DANO MORAL. REVISÃO. EXORBITÂNCIA. CONFIGURADA.
MÉTODO BIFÁSICO. CIRCUNSTÂNCIAS DA HIPÓTESE CONCRETA. AVALIAÇÃO. 1. AÇÃO AJUIZADA EM 24/5/05. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO EM 30/8/2016. AUTOS CONCLUSOS AO GABINETE EM 1º/6/18. 2. O PROPÓSITO RECURSAL CONSISTE EM DIZER SE DEVE SER MANTIDO O ARBITRAMENTO DE R$ 1 MILHÃO A TÍTULO DE COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS DEVIDOS POR ERRO MÉDICO NA REALIZAÇÃO DE PARTO COM FÓRCEPS CAUSADOR DE TETRAPLEGIA NO BEBÊ QUE APÓS QUINZE ANOS DE INCESSANTE INTERNAÇÃO VEIO A ÓBITO. 3. O VALOR FIXADO A TÍTULO DE DANOS MORAIS SOMENTE COMPORTA REVISÃO NESTA SEDE NAS HIPÓTESES EM QUE SE MOSTRAR ÍNFIMO OU EXAGERADO. 4. NA HIPÓTESE, DEVE SER LEVADO EM CONTA O FATO DE A FAMÍLIA ESTAR ENVOLVIDA COM ESTA GRAVÍSSIMA SITUAÇÃO AO LONGO DE 15 ANOS, POIS DURANTE TODA A VIDA DO SEU FILHO TIVERAM QUE EXPERIMENTAR SUA LIMITAÇÃO A DEPENDER DO AUXÍLIO DE TERCEIROS, 24 HORAS POR DIA, BEM COMO DE VENTILAÇÃO MECÂNICA, SITUAÇÃO ESTA QUE PERDUROU ATÉ O SEU FALECIMENTO. 5. NÃO SE PODE PERDER DE VISTA QUE A RECORRENTE ESTÁ SUBMETIDA AO REGIME FALIMENTAR E QUE HOUVE EFETIVA COLABORAÇÃO, DIANTE DA DRAMÁTICA SITUAÇÃO CRIADA, EM FAVOR DO NÚCLEO FAMILIAR COM DIVERSAS PROVIDÊNCIAS TOMADAS ANTES MESMO DA JUDICIALIZAÇÃO DA CONTROVÉRSIA. 6. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO, PARA REDUZIR O VALOR DA COMPENSAÇÃO POR DANOS MORAIS EM FAVOR DE CADA GENITOR PARA R$ 300 MIL.(STJ - RESP: 1749965 SP 2018/0128691-0, RELATOR: MINISTRA NANCY ANDRIGHI, DATA DE JULGAMENTO: 12/11/2019, T3 - TERCEIRA TURMA DATA DE PUBLICAÇÃO: DJE 19/11/2019).
O caso em voga trata-se de uma ação ajuizada em face da imprudência do profissional da saúde-médico obstetra que após várias tentativas de expulsão do feto, utilizou intervenções desnecessárias (uso indevido de fórceps), que são consideradas violência obstétrica. Ocorrem que, encaminhado o bebê à UTI, exames apontaram além de anóxia neonatal com lesões psiconeuromotoras, traumas na cabeça e lesões na coluna cervical que resultaram em tetraplegia, tornando irreversível o quadro clínico da criança, resultante da força e violência que se empregaram para expulsar o feto da mãe.
Em decorrência da tetraplegia, a criança tornou-se totalmente dependente de terceiros, de ventilação mecânica e cuidados especiais 24 horas, razão porque ficou em permanente internação hospitalar até os 7 primeiros anos de vida, e apesar dos cuidados dispensados ao longo de 15 anos, o filho da autora faleceu.
Sendo assim é importante que o médico venha a ser responsabilizado civilmente por danos causados à mulher como resultado da violência obstétrica originada por ele, incluindo compensações financeiras pelos danos físicos, emocionais ou psicológicos sofridos por ela. Faz-se necessário ainda que sejam observadas as responsabilidades ética e profissional, que os médicos sejam a suspensões ou até mesmo a revogação da licença médica. É necessário que se observe a responsabilidade criminal nos casos que envolvam a prática de atos criminosos, como agressão física ou coerção, violência sexual e outras. O médico pode ser processado criminalmente e, se considerado culpado, enfrentar prisão ou outras penalidades.
É importante observar que a responsabilidade do médico que comete violência obstétrica pode ser complexa e depende das circunstâncias individuais de cada caso. A vítima da violência obstétrica pode buscar orientação legal e apoio de profissionais jurídicos para determinar as melhores opções para responsabilizar o médico e buscar justiça. Além disso, a conscientização sobre a violência obstétrica e o apoio à prevenção são fundamentais para evitar tais incidentes e garantir que todas as mulheres recebam cuidados obstétricos respeitosos e seguros.
7 CONCLUSÃO
O presente trabalho analisou o tema de direito penal, a violência sofrida contra as mulheres gestantes, em especial, as parturientes. A violência obstétrica é uma realidade preocupante que afeta inúmeras mulheres em todo o mundo durante o processo de gravidez, parto e pós-parto. Este trabalho buscou analisar e compreender essa problemática, destacando as diferentes formas de violência obstétrica, suas causas e consequências, bem como as estratégias de prevenção e combate.
Entende-se com esse trabalho, que uma mulher não deve sentir mais dor do que o necessário na hora do parto, e que os métodos utilizados por profissionais da saúde devem ser métodos eficazes que facilitarão o nascimento do nascituro, e não colocarão a gestante em risco. Deixando claro que a violência obstétrica não é apenas uma questão de saúde, mas também uma questão de direitos humanos. Todas as mulheres têm o direito fundamental de receber cuidados de saúde materna respeitosos, dignos e seguros, e a violência obstétrica representa uma grave violação desses direitos.
Os relatos e estudos apresentados aqui evidenciam a necessidade urgente de conscientização, educação e mudanças significativas nas práticas obstétricas. É imperativo que os profissionais de saúde, os governos, as instituições de saúde e a sociedade em geral reconheçam a existência da violência obstétrica, compreendam suas raízes e se empenhem em erradicá-la
Foi analisado que no que tange a violência obstétrica o tribunal não a julgará em si, pois o crime de violência obstétrica não existe de forma propriamente dita, a violência será julgada como um erro médico, omissão de socorro, injuria e difamação, e em alguns casos como lesão corporal, e a necessidade da criação de lei específica para tratar sobre o tema para que o magistrado venha a analisar o caso concreto sofrido pela vítima e o tipifique de forma especifica.
Por fim, é importante ressaltar que a luta contra a violência obstétrica é uma responsabilidade compartilhada de todos os membros da sociedade. Este TCC contribui para a conscientização sobre o problema e para a promoção de práticas de cuidados de saúde materna baseadas no respeito, na dignidade e nos direitos humanos. Esperamos que este trabalho inspire mais pesquisas, debates e ações concretas para eliminar a violência obstétrica e garantir que todas as mulheres tenham acesso a cuidados obstétricos seguros e respeitosos.
REFERÊNCIAS
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graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Santa Fé do Sul – SP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Rafaela Pereira Dos. Violência obstétrica: abuso e vulnerabilidade da mulher Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 set 2023, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/63132/violncia-obsttrica-abuso-e-vulnerabilidade-da-mulher. Acesso em: 25 dez 2024.
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