RESUMO: o presente artigo objetiva verificar se a jurisprudência defensiva deixou de ser um entrave para o conhecimento dos recursos interpostos as cortes superiores. Tal prática consiste em um conjunto de entendimentos destinados a impedir o exame do mérito dos recursos. A despeito de polêmica aceitação, a jurisprudência defensiva sempre encontrou guarida nas cortes superiores, com base no excessivo número de recursos interposto aos tribunais superiores. Com a entrada em vigor do atual código de processo civil, buscou-se afastar a jurisprudência defensiva do ordenamento pátrio. Por fim, necessária uma comparação acerca da aplicação da jurisprudência defensiva sob o prisma do código de processo civil antigo e do novo código de processo civil.
Palavras-chave: Código de Processo Civil, Jurisprudência Defensiva, Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça.
ABSTRACT: this article objectives to verify whether defensive jurisprudence has no longer been an obstacle to the knowledge of appeals brought in the higher courts. Such practice consists of a set of understandings designed to prevent the examination of the merit of appeals. Despite controversial acceptance, defensive jurisprudence has always found a guest in the higher courts, based on the excessive number of appeals filed in the higher courts. With the entry into force of the current code of civil procedure, an attempt was to make defensive jurisprudence away from the patrial order. Finally, a comparison is necessary about the application of defensive jurisprudence from the prism of the old code of civil procedure and the new code of civil procedure.
Key words: Code of Civil Procedure, Legal defensive, the Supreme Court, Superior Court.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Dos recursos extraordinário e especial. 2. A jurisprudência defensiva como ferramenta para diminuir o número de processos. 3. O novo ordenamento processual civil e a jurisprudência defensiva. 4. Análise sobre a efetividade dos comandos processuais para redução do número de recursos e superação da jurisprudência defensiva. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
Com o passar do tempo, o STF se deparou com um grande aumento no número de recursos que ali chegavam, resultando na chamada “Crise do Supremo”.
Em resposta, o Constituinte originário instituiu, através da Carta Republicana de 1988, o Superior Tribunal de Justiça, com a missão de ser o guardião da Justiça no que concerne às causas infraconstitucionais federais.
Ocorre contudo que, após a sua criação, o STJ passou a enfrentar o mesmo problema que ocasionou a sua criação: um excessivo número de recursos. Diante disso, a Corte passou a adotar um exame muito mais restritivo na admissibilidade dos recursos especiais.
Tal prática restou conhecida como jurisprudência defensiva, que nada mais é, portanto, que um conjunto de impedimentos ao conhecimento de recursos, em absoluta contrariedade ao princípio da instrumentalidade do processo.
Como forma de sanar a polêmica, o vigente Código de Processo Civil buscou inserir na nova legislação processual alguns dispositivos voltados a eliminar esse fenômeno, de modo a garantir, sempre que possível, uma análise do mérito do recurso.
O objetivo do presente artigo é, portanto, percorrer pela seara da admissibilidade recursal e verificar se, de fato, o direito processual civil moderno logrou superar a criticada jurisprudência defensiva.
1. DOS RECURSOS EXTRAORDINÁRIO E ESPECIAL
O Supremo Tribunal Federal (STF), e o Superior Tribunal de Justiça (STJ), são instâncias superiores do Poder Judiciário no Brasil, conforme disciplina o artigo 92, I e II da Constituição Federal de 1988: “Art. 92. São órgãos do Poder Judiciário: I - o Supremo Tribunal Federal; I-A -o Conselho Nacional de Justiça; II - o Superior Tribunal de Justiça (...)”.
A missão das Cortes é promover a sustentação teórica e prática, afim de dirimir conflitos ou controvérsias a respeito das normas e interpretações no Direito Brasileiro, sendo que ambos exercem papel de destaque na formação da opinião jurídica no Brasil.
O Supremo Tribunal Federal (STF), é o protetor Constituição Federal, sendo o órgão de cúpula do Poder Judiciário, ao qual cabe a guarda da Constituição. As competências do STF estão dispostas essencialmente na própria Constituição Federal, precisamente no artigo 102, alíneas e parágrafos, limitando-se o destaque à competência para conhecer e julgar do Recurso Extraordinário.
Importante trazer à lume o corpo do referido artigo.
Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:
(...)
III - julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida:
a) contrariar dispositivo desta Constituição;
b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal;
c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição.
d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004)
(...)
Portanto, o recurso extraordinário é um mecanismo processual que viabiliza a análise, pelo Supremo Tribunal Federal, de questões constitucionais do caso concreto. Para que o recurso chegue à Suprema Corte é necessário que o jurisdicionado tenha se valido de todos os meios ordinários, ou seja, que tenha percorrido as demais instâncias judiciais do País. Também se exige que o recorrente preencha alguns requisitos legais para que o recurso extraordinário possa ser recebido pelo STF.
Para que o recurso extraordinário seja cabível, também é exigido que a questão recaia sobre “causas decididas”.
Essa exigência diz respeito ao prequestionamento das questões constitucionais, ou seja, à necessidade de que as questões constitucionais objeto do recurso tenham sido suscitadas na instância inferior (DIDIER JR, 2014, p. 245), de que tenha sido emitida tese sobre elas.
Cássio Scarpinella (BUENO, 2014, p. 240), em seu magistério, explicita a importância desse requisito de admissibilidade dos recursos excepcionais:
(...) para que o Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça desempenhem adequadamente a sua missão constitucional, de uniformizar a interpretação e aplicação do direito federal em todo o território brasileiro, é mister que eles julguem, em sede de recurso extraordinário e em sede de recurso especial, o que já foi decidido. É das decisões proferidas por outros órgãos jurisdicionais que decorrem, ou não, violações e contrariedades às normas federais e à jurisprudência de outros Tribunais. Sem prévia decisão, não há como estabelecer em que medida as normas federais, constitucionais ou legais, foram ou deixaram de ser violadas pelos demais componentes da estrutura judiciária nacional.
Além disso, a Emenda Constitucional n° 45/04 acrescentou o §3º ao artigo acima citado, passando a exigir que o recorrente demonstre no recurso extraordinário a repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso, a fim de que o Tribunal examine a admissão do recurso.
Esse novo requisito da demonstração da repercussão geral dos recursos extraordinários visa selecionar os recursos que realmente tenham uma importância para toda a sociedade e, não apenas, ao caso individual.
O Recurso Extraordinário, nas palavras de Araken de Assis (2014, p. 811) “funciona como privilegiado instrumento para controlar a densa atividade desenvolvida pelos demais órgãos judiciários no controle difuso”.
Ocorre, contudo, que o Supremo não possui capacidade operacional para atender, de maneira eficiente e ágil, a todas as questões nacionais recursais.
Segundo leciona Gusmão Carneiro (2005):
A chamada crise do Supremo Tribunal Federal, pelo número de feitos sempre crescente e absolutamente excessivo, posto a cargo dos integrantes do Excelso Pretório. A par da matéria, em competência originária, derivada do exercício de sua função de Corte Constitucional, também uma multiplicidade de recursos supervenientes de todas as partes de um país sob alto incremento demográfico e com várias regiões em acelerado processo de industrialização e de aumento do setor terciário da economia, acarretando sempre maiores índices de litigiosidade.
Com a promulgação da Constituição de 1988, criou-se outro mecanismo importante para conter a chamada “crise do Supremo”, sendo ele o Superior Tribunal de Justiça (STJ), bem como foi deslocada a competência para este Tribunal para resolução das questões federais.
Nesse sentido, são oportunas as palavras de José Afonso da Silva (1963):
O que dá característica própria ao Superior Tribunal de Justiça são suas atribuições de controle da inteireza positiva, da autoridade e da uniformidade de interpretação da lei federal, consubstanciando-se aí jurisdição de tutela do princípio da incolumidade do Direito objetivo que constitui um valor jurídico, que resume certeza, garantia e ordem, valor esse que impõe a necessidade de um órgão de cume e um instituto processual para a sua real efetivação no plano processual.
A função principal do STJ é julgar os recursos especiais.
O recurso especial é um recurso excepcional e de competência do Superior Tribunal de Justiça, e tem como objetivo discutir a manutenção da autoridade e unidade da intepretação jurídica em matéria infraconstitucional.
Com efeito:
Art. 105. Compete ao Superior Tribunal de Justiça:
(...)
III- julgar, em recurso especial, as causas decididas em única ou última instância, pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios, quando a decisão recorrida:
a) contrariar tratado ou lei federal, ou negar-lhe vigência;
b) julgar válido ato de governo local contestado em face de lei federal;
c)der a lei federal interpretação divergente da que lhe haja atribuído outro tribunal.
Assim como ocorre no recurso extraordinário, as decisões a serem reexaminadas em sede de recurso especial devem ser irrecorríveis ordinariamente, nos Tribunais de origem, sendo os recursos especiais a última e única via passível de impugnação da decisão proferida.
2. A JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA COMO FERRAMENTA PARA DIMINUIR O NÚMERO DE PROCESSOS
Em que pese a tentativa de uniformizar o entendimento infralegal, o que se verificou no STJ foi um aumento na demanda que acabou por superar a capacidade de julgamento do Tribunal.
A chamada “Crise do Supremo” tornou-se uma verdadeira crise das Cortes Superiores Brasileiras pelo afogamento dos tribunais.
Como explica Mancuso (2011, p. 54) há, no Brasil, uma “propensão a repassar às mãos do Estado a tarefa e a responsabilidade de dirimir os conflitos”, de modo que se leva ao Judiciário toda sorte de lides, que são, em muitos casos, de pouca complexidade ou relevância.
Como forma de frear, ou menos tentar, a numerosidade de recursos excepcionais, foram se ampliando os requisitos recursais de admissibilidade.
A exemplo do recurso especial que, por possuir um caráter de excepcionalidade, deve apresentar concomitantemente aos pressupostos genéricos, comuns a qualquer tipo de recurso, os seus pressupostos específicos, previstos constitucionalmente (MANCUSO, 2011, p. 213).
Tais pressupostos ora dizem respeito ao próprio direito de recorrer, ora correspondem ao próprio procedimento recursal, podendo ser resumidos em: legitimidade do recorrente, interesse em recorrer, ausência de fato impeditivo ou extintivo do direito de recorrer, cabimento, singularidade recursal, regularidade formal e de representação, preparo e tempestividade da impugnação (FUX, 2008, p. 733).
Sem adentrar na especificidade de cada pressuposto, por não guardar relevância com o objeto deste artigo, verifica-se que o juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais é mais rígido do que o exigido para outros atos postulatórios.
Isso, segundo Aprigliano (2011, p. 216), “é o que demonstra a razoabilidade de estabelecer requisitos de admissibilidade bem mais rigorosos e formais para estes recursos excepcionais”.
Como exemplo, tem-se a exigência de exaurimento das instâncias inferiores (Súmula 281 do STF) e a impossibilidade de reexame de fatos e provas (Súmula 7 do STJ), que são plenamente justificáveis pela natureza do recurso especial (WAMBIER, 2008, p. 267):
Não se poderia, de fato, cogitar de um efetivo controle sobre a higidez do sistema e sobre a uniformidade de aplicação do direito em todo o território nacional se os Tribunais Superiores fossem chamados a decidir, em primeiro lugar, a respeito de questões não completamente examinadas (...).
Da mesma forma, caso fosse possível a estes tribunais julgar questões fáticas, reexaminar provas e entrar nos detalhes de cada caso concreto, sua missão essencial, para a qual foram historicamente concebidos, deixaria de ser realizada, dando lugar a apenas uma instância adicional para o julgamento dos conflitos intersubjetivos.
Porém, nem todos os empecilhos impostos ao conhecimento dos recursos especiais se justificam por sua natureza extraordinária.
Em muitos casos, as súmulas e entendimentos do Superior Tribunal de Justiça representam restrições indevidas à admissibilidade recursal, sendo aplicados apenas em razão de um apego excessivo à forma. Esses empecilhos, em grande parte das vezes, não possuem sequer o devido apoio dogmático, o que acaba levando a verdadeiros contrassensos (APRIGLIANO, 2011, p. 216).
E é justamente esse conjunto de entendimentos restritivos que caracteriza o fenômeno da jurisprudência defensiva.
De início, já pode se afirmar que a jurisprudência defensiva viola direito fundamental, vejamos.
O artigo 5º, XXXV, da CF, ao prever que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” consagrou como direito fundamental o acesso à justiça.
Essa garantia constitucional, ao contrário do que pode fazer crer a sua denominação, não deve ser entendida como a mera possibilidade de ingresso em juízo. A compreensão plena do que vem a ser o direito de acesso à justiça deve perpassar também pela ideia de efetividade processual (CINTRA, GRINOVER, DINAMARCO, 2011, p. 39).
De acordo com José Roberto dos Santos Bedaque, o processo efetivo, é aquele que, por meio da observância do equilíbrio entre a segurança e a celeridade processual, proporcione às partes o resultado almejado pelo direito material (BEDAQUE, 2010, p. 49)
O princípio constitucional do acesso à justiça assegura a todos os cidadãos o direito de socorrer-se ao judiciário sempre que sofrerem lesão ou ameaça ao seu direito.
Antonio Carlos Cintra, Ada Pellegrini e Cândido Rangel Dinamarco (2011, p. 40), por sua vez, destacam que a efetividade do processo consiste na “plena consecução de sua missão social de eliminar conflitos e fazer justiça”, superando, para isso, “os óbices que a experiência mostra estarem constantemente a ameaçar a boa qualidade de seu produto final”.
Nesse mesmo sentido, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (2008, p. 133), afirma que a efetividade processual consagrada no art. 5º, XXXV, da CF, caracteriza-se pela busca de uma prestação jurisdicional eficiente, efetiva e justa, realizada por meio de um “processo sem dilações temporais ou formalismos excessivos, que conceda ao vencedor no plano jurídico e social tudo a que faça jus”.
Ora, evidente que não basta apenas permitir o acesso ao judiciário a todas as pessoas, o que deve se buscar é que esse acesso seja efetivo, ou seja, que os cidadãos tenham seu objetivo alcançado, sem empecilhos exacerbados.
Portanto, a utilização de um conjunto de entendimentos (jurisprudência defensiva) consubstancia um formalismo exagerado que acaba por afastar direito constitucional estampado no art. 5º da CF/88.
3. O NOVO ORDENAMENTO PROCESSUAL CIVIL E A JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA
Como visto, as causas da crise enfrentada atualmente pelo STJ são as mais diversas, e devem ser atacadas em diversas frentes, especialmente no que se refere à mentalidade da sociedade, de judicialização de todos os tipos de conflitos, e, também, na conscientização dos operadores do Direito.
O que não se pode admitir é a violação do direito fundamental do acesso à justiça na tentativa de controlar a numerosidade de recursos.
A Ministra do STJ Nancy Andrighi, no ano de 2008, em voto vista no Recurso Especial n. 975.807/RJ, ressaltou a necessidade de simplificação da interpretação e aplicação dos dispositivos do Código de Processo Civil relativamente à admissibilidade dos recursos, assentando os seguintes argumentos:
O processo, repito sempre, tem de viabilizar, tanto quanto possível, a decisão sobre o mérito das causas. (...) Quanto mais difícil tornarmos o trabalho dos advogados, maior será o número dos profissionais especializados quase que exclusivamente no processo civil, dedicando um tempo desproporcional ao conhecimento da jurisprudência sobre o próprio processo, tomando ciência das novas armadilhas fatais e dos percalços que as novas interpretações do procedimento lhes colocam no caminho. É fundamental, porém, que os advogados tenham condição de trabalhar tranquilos, especializando-se, não apenas no processo, mas nos diversos campos do direito material a que o processo serve. (...).
Os óbices e armadilhas processuais só prejudicam a parte que tem razão, porque quem não a tem perderá a questão no mérito, de qualquer maneira.
Conforme afirma a Magistrada, os empecilhos processuais, ou seja, o formalismo exacerbado ampara àquele que está errado, e prejudica a parte que tem razão no processo, uma vez que, se a parte não tiver razão quanto ao mérito, sempre será bom que o processo atrase ou seja lento, no que diz respeito aos óbices processuais, pois quando chegar a ser analisado o mérito da causa ela irá perder de qualquer maneira, prejudicando somente a parte que tem razão e pressa na lide.
Com a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil de 2015, buscou- “gerar um processo mais célere, mais justo, (...) mais rente às necessidades sociais e muito menos complexo”.
Procurou-se, nas palavras de Teresa Arruda Alvim (2013, 477), “fazer com que cada processo ‘renda’ mais, o que significa que, quando chegar ao fim, tenha sido, de fato, resolvida integralmente a controvérsia subjacente”.
Não é difícil perceber, portanto, que a jurisprudência defensiva se encontra em sentido diametralmente oposto aos objetivos almejados pelo novo CPC, razão pela qual foram previstos, em sua redação, inúmeros dispositivos voltados a, de forma direta ou indireta, extirpá-la, completa e totalmente da prática judiciária brasileira (WAMBIER, 2013, p. 477).
Assim, o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) buscou acabar com a jurisprudência defensiva, ou, ao menos diminuir a utilização deste fenômeno tão obstativo e sem qualquer respaldo legal.
O novo CPC, com a finalidade de acabar com a jurisprudência defensiva, instituiu diversos institutos: necessidade de audiências de conciliação e mediação antes da contestação; instituição do incidente de resolução de demandas repetitivas e determinação de observância dos precedentes de órgãos superiores.
Embora não se negue a importância dos meios autocompositivos para solução do conflito, fato é que o aperfeiçoamento no julgamento de processos repetitivos se mostra como forma aguda no combate a massificação dos recursos.
Exemplo disso é o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas.
Disciplinado nos artigos 976 ao 987, do novo CPC, o incidente deverá ser instaurado naquelas situações em que se identificar, ainda na primeira instância, haver simultaneamente uma efetiva repetição de processos que contenham controvérsia sobre a mesma questão de direito, com um risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica.
O julgamento do mérito do incidente poderá, por fim, ser impugnado por meio de recurso extraordinário ou de recurso especial, que terão efeito suspensivo, e, após serem apreciados, a tese jurídica adotada pelas Cortes Superiores será aplicada no território nacional a todos os processos individuais ou coletivos que forem idênticos.
Dando prosseguimento, verifica-se no CPC à exigência de uniformização da jurisprudência nos tribunais, por meio da observância pelos magistrados dos precedentes proferidos pelo STF e pelo STJ, e das orientações dos tribunais aos quais estiverem vinculados, nos termos dos artigos 926 e 927 do novo CPC, que dispõem:
Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente.
§ 1o Na forma estabelecida e segundo os pressupostos fixados no regimento interno, os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes a sua jurisprudência dominante.
§ 2o Ao editar enunciados de súmula, os tribunais devem ater-se às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram sua criação.
Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:
I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade;
II - os enunciados de súmula vinculante;
III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;
IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;
V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados.
Assim, se presente uma maior estabilidade e previsibilidade, garantidas pelo respeito aos entendimentos firmado nas instâncias superiores, é certo que o número de recursos será reduzido, especialmente aqueles baseados em divergências jurisprudenciais.
4. ANÁLISE SOBRE A EFETIVIDADE DOS COMANDOS PROCESSUAIS PARA REDUÇÃO DO NÚMERO DE RECURSOS E SUPERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DEFENSIVA
O Novo Código de Processo Civil, tem por objetivo buscar a redução do número de recursos que efetivamente venham a provocar a análise do STJ.
Isso significa que o principal motivo da adoção de entendimentos excessivamente formalistas pela Corte será enfraquecido, gerando boas expectativas em relação à extirpação da jurisprudência defensiva.
Foi disciplinado, ainda, expressamente no novo CPC as regras de admissibilidade dos recursos extraordinários e especiais, de modo a eliminar, ou ao menos minimizar, os entendimentos excessivamente formalistas e controversos que vêm sendo reiteradamente aplicados pelos Tribunais Superiores.
O Código prevê expressamente a possibilidade de o recorrente ser intimado para sanar vícios em relação ao recolhimento do preparo, ou seja, o recurso não será julgado deserto logo que verificado qualquer vício, e sim o recorrente será intimado para, no prazo de 05 (cinco) dias corrigir o problema.
Por fim, corroborando todas as medidas constantes do novo Código que possuem o objetivo claro de eliminar de uma vez por todas a chamada jurisprudência defensiva, ficou estabelecido no artigo 1.029, § 3º, que “o Supremo Tribunal Federal ou o Superior Tribunal de Justiça poderá desconsiderar vício formal de recurso tempestivo ou determinar sua correção, desde que não o repute grave”.
Pretendeu-se com isso, como exposto na motivação do novo CPC, permitir que:
Os Tribunais Superiores apreciem o mérito de alguns recursos que veiculam questões relevantes, cuja solução é necessária para o aprimoramento do Direito, ainda que não estejam preenchidos requisitos de admissibilidade considerados menos importantes.
Assim, de acordo com o Novo Código, os Tribunais Superiores poderão desconsiderar vício existente quanto à forma, ou determinar que seja corrigido, desde que o recurso tenha sido interposto dentro do prazo legal e que também tal vício não seja muito grave e de difícil reparação.
Alinhou-se a nova legislação processual ao que Ricardo de Carvalho Aprigliano (2011, p. 94) denomina de “princípio da prevalência da decisão de mérito”, que, em contraponto direto à jurisprudência defensiva, preceitua a possibilidade de superação do dogma da prioridade, isto é, da ordem lógica seguida pelos juízes de analisarem primeiro os pressupostos processuais para, somente se esses estiverem presentes, passarem à análise do mérito.
Teresa Arruda Alvim Wambier (2013, p. 477), relatora da comissão de juristas responsáveis pela elaboração do projeto do novo CPC, afirma que, de fato, a análise isolada das modificações pode levar a crer, equivocadamente, que o Judiciário terá mais trabalho. No entanto, ao se analisar as modificações sob a “ótica macro”, isto é, pela sua análise conjunta, se verificará, segundo ela, que essa sobrecarga acaba sendo compensada. Assim, deve-se levar em conta a nova sistemática implementada e não apenas as modificações pontuais realizadas.
Conclui-se, assim, que, mediante a implementação simultânea de todos os instrumentos disponibilizados pelo novo CPC, será viabilizada uma melhor prestação jurisdicional por parte dos Tribunais, de forma mais consonante com a Constituição Federal, e com uma satisfação maior por parte dos jurisdicionados.
Além disso, as ferramentas têm o poder de superar a jurisprudência defensiva como entrave para o conhecimento de recursos.
Isso porque, as Cortes Superiores não mais precisam recorrer a um formalismo exagerado com vistas a barrar pleitos recursais. Com a fixação de entendimentos qualificados e vinculantes, matérias controversas tendem a ser tratadas isonomicamente, garantindo a segurança jurídica e a pacificação social (fator preponderante na interposição de recursos e no consequente aumento do estoque processual dos tribunais).
CONCLUSÃO
Com o passar do tempo, o STF se deparou com um grande aumento no número de recursos que ali chegavam, resultando na chamada “Crise do Supremo”.
Em resposta, o Constituinte originário instituiu, através da Carta Republicana de 1988, o Superior Tribunal de Justiça, com a missão de ser o guardião da Justiça no que concerne às causas infraconstitucionais federais.
Ocorre, contudo, que, após a sua criação, o STJ passou a enfrentar o mesmo problema que ocasionou a sua criação: um excessivo número de recursos. Diante disso, a Corte passou a adotar um exame muito mais restritivo na admissibilidade dos recursos especiais.
Tal prática restou conhecida como jurisprudência defensiva, que nada mais é, portanto, que um conjunto de impedimentos ao conhecimento de recursos, em absoluta contrariedade ao princípio da instrumentalidade do processo.
Desde o início, já pode se afirmar que a jurisprudência defensiva viola direito fundamental. O artigo 5º, XXXV, da CF, ao prever que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” consagrou como direito fundamental o acesso à justiça.
O princípio constitucional do acesso à justiça assegura a todos os cidadãos o direito de socorrer-se ao judiciário sempre que sofrerem lesão ou ameaça ao seu direito.
Portanto, a utilização de um conjunto de entendimentos (jurisprudência defensiva) consubstancia um formalismo exagerado que acaba por afastar direito constitucional estampado no art. 5º da CF/88.
Ademais, as causas da crise enfrentada atualmente pelo STJ são as mais diversas, e devem ser atacadas em diversas frentes, especialmente no que se refere à mentalidade da sociedade, de judicialização de todos os tipos de conflitos, e, também, na conscientização dos operadores do Direito, incluídos aí os advogados e os próprios magistrados.
O que não se pode admitir é a violação do direito fundamental do acesso à justiça na tentativa de controlar a numerosidade de recursos.
Como forma de sanar a polêmica, o vigente Código de Processo Civil buscou inserir na nova legislação processual alguns dispositivos voltados a eliminar esse fenômeno, de modo a garantir, sempre que possível, uma análise do mérito do recurso ou, mesmo, uma pacificação social que pudesse efetivamente extirpar o desejo litigante de manejar o recurso.
Assim, o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) buscou acabar com a jurisprudência defensiva, ou, ao menos diminuir a utilização deste fenômeno tão obstativo e sem qualquer respaldo legal.
A partir disso, concluiu-se que, mediante a implementação simultânea de todos os instrumentos disponibilizados pelo novo CPC, será viabilizada uma melhor prestação jurisdicional por parte dos Tribunais, de forma mais consonante com a Constituição Federal, e com uma satisfação maior por parte dos jurisdicionados.
Além disso, as ferramentas têm o poder de superar a jurisprudência defensiva como entrave para o conhecimento de recursos.
Isso porque, as Cortes Superiores não mais precisam recorrer a um formalismo exagerado com vistas a barrar pleitos recursais. Com a fixação de entendimentos qualificados e vinculantes, matérias controversas tendem a ser tratadas isonomicamente, garantindo a segurança jurídica e a pacificação social (fator preponderante na interposição de recursos e no consequente aumento do estoque processual dos tribunais).
REFERÊNCIAS
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Graduado em Direito pela Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul – UEMS, no ano de 2014. Pós-graduado em Direito Público pelo Centro Universitário Unigran Capital, em 2019. Auditor do Estado da Controladoria-Geral do Estado de Mato Grosso do Sul. Advogado, inscrito no quadro da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Mato Grosso do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MIRANDA, Matheus Henrique Pleutim de. Análise acerca da superação da jurisprudência defensiva como entrave para o conhecimento de recursos aos tribunais superiores Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 08 nov 2023, 04:11. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/ArtigOs/63728/anlise-acerca-da-superao-da-jurisprudncia-defensiva-como-entrave-para-o-conhecimento-de-recursos-aos-tribunais-superiores. Acesso em: 23 dez 2024.
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